| D.E. Publicado em 13/12/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003204-25.2013.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | JURANILDO LOPES DO NASCIMENTO |
ADVOGADO | : | Djalma Bozze dos Santos |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ALTO PIQUIRI/PR |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. TEMPO URBANO. COMPROVAÇÃO. AVERBAÇÃO. CABIMENTO.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. O tempo de serviço urbano deve ser comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas, nos termos do § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/1991.
3. As anotações constantes de CTPS, salvo prova de fraude, constituem prova plena para efeito de contagem de tempo de serviço.
4. Não cumpridos todos os requisitos para a concessão do benefício, a parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futuro benefício previdenciário.
5. Mantida sucumbência proclamada na sentença.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 30 de novembro de 2016.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8644448v5 e, se solicitado, do código CRC ED564B35. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
| Data e Hora: | 01/12/2016 18:43 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003204-25.2013.4.04.9999/PR
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | JURANILDO LOPES DO NASCIMENTO |
ADVOGADO | : | Djalma Bozze dos Santos |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ALTO PIQUIRI/PR |
RELATÓRIO
Juranildo Lopes do Nascimento propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, postulando a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 2/3/1970 a 31/12/1972, 8/10/1973 a 8/10/1976, 1/11/1977 a 31/12/1983, 1/1/1984 a 9/4/1988 e de 10/8/1993 a 31/12/1996; bem como a averbação de períodos de atividade urbana, não computados pela autarquia, compreendidos entre 10/4/1988 e 26/7/1993, 10/3/1999 e 30/9/1999 e entre 1/10/1999 a 15/10/2010.
A sentença (fls. 104/111) julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer o exercício de trabalho rural nos períodos de 1/1/1972 a 31/12/1972 e de 8/10/1973 a 8/10/1976 e de labor urbano nos interregnos de 1/1/1993 a 26/7/1993 e de 1/1/2002 a 31/5/2002, condenando as partes reciprocamente ao pagamento de custas e despesas processuais e determinando a compensação da verba honorária.
Inconformada, a autarquia previdenciária apresentou recurso de apelação (fls. 123/132) aduzindo, em síntese, a impossibilidade de reconhecimento do exercício de atividade rural nos períodos deferidos na sentença, ante a ausência de provas materiais, corroboradas por prova testemunhal idônea, capazes de demonstrar o efetivo trabalho agrícola em regime de economia familiar. Referiu igualmente, a inviabilidade de averbação dos períodos de labor urbano reconhecidos na sentença, em razão da ausência de certidão de tempo de contribuição a ser expedida pelo órgão competente, bem como pela inexistência de registro dos referidos lapsos temporais no CNIS. Apontou ainda, a impossibilidade de concessão do benefício de aposentadoria requerido ante o não cumprimento do período mínimo de carência exigido pela legislação de regência.
Sem contrarrazões ao recurso, e por força do reexame necessário, vieram os autos para julgamento.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Atividade rural
Para a comprovação do tempo de atividade rural com vista à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal (artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91 e Súmula 149 do STJ).
A respeito do assunto, encontra-se longe de mais alguma discussão, no âmbito dos tribunais, a necessidade de que o período de tempo de atividade seja evidenciado por documentos que informem, a cada ano civil, o seu exercício (TRF4: AC 2003.04.01.009616-5, 3ª Seção, Relator Desembargador Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19/11/2009; EAC 2002.04.01.025744-2, 3ª Seção, Relator para o Acórdão Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14/6/2007; EAC 2000.04.01.031228-6, 3ª Seção, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU de 9/11/2005). Também já está fora de qualquer dúvida, a possibilidade de que os documentos civis, como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, em que consta a qualificação, como agricultor, do autor da ação, assim como de seu cônjuge ou de seus pais (Súmula 73 deste Tribunal), constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008; AMS 2005.70.01.002060-3, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31/5/2006).
A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, a existência de registro contemporâneo em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, em tese, não haveria necessidade de inquirir testemunhas para a comprovação do período registrado.
Na maioria dos casos, porém, a documentação apresentada é insuficiente à comprovação do tempo de atividade rural, do que resulta a habitual complementação por meio do depoimento de testemunhas.
Em razão disso, a qualidade do início de prova material não pode ser isoladamente avaliada sem que seja compreendido o contexto probatório, a que se aduz, em regra, a produção da prova oral. Decorre dessa orientação, que a diversidade de documentos que podem constituir início de prova material impõe conclusões judiciais igualmente distintas, sem que para tanto deva existam premissas invariáveis como, aparentemente, poderia constituir a obrigatoriedade de presença nos autos de documentos relacionados ao começo do período a ser comprovado, ou, ainda, a retroação da eficácia temporal, de modo fixo, a um número restrito de anos.
A irradiação temporal dos efeitos do início de prova material dependerá do tipo de documento, das informações nele contidas (havendo distinções conforme digam respeito ao próprio autor da ação, ou a terceiros) e das circunstâncias que envolvem o quadro fático descrito no processo.
Por fim, registre-se que os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando relacionados à respectiva titularidade dos pais ou do cônjuge, consubstanciam admitido início de prova material do trabalho rural.
Com efeito, como o artigo 11, §1º, da Lei 8.213/1991, define regime de economia familiar como a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, deverá ser cauteloso o exame da prova, na medida em que, no mais das vezes, os atos negociais do grupo parental são formalizados, não individualmente, mas em nome do pai da família ou cônjuge masculino, que naturalmente representa a todos.
Essa compreensão está sintetizada na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Por fim, a respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(Grifo nosso)
No referido julgamento, o STJ manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, havendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Conquanto o acórdão acima transcrito aprecie benefício diverso do postulado na presente demanda, as diretrizes fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao início de prova material também devem ser observadas para os casos de cômputo de tempo rural como boia-fria para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
O autor, nascido em 26/7/1956 (fl. 15), buscou o reconhecimento do exercício de trabalho rural nos períodos de 2/3/1970 a 31/12/1972, 8/10/1973 a 8/10/1976, 1/11/1977 a 31/12/1983, 1/1/1984 a 9/4/1988 e de 10/8/1993 a 31/12/1996. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para o fim de determinar a averbação dos períodos de 1/1/1972 a 31/12/1972 e de 8/10/1973 a 8/10/1976, em relação aos quais se dirige o recurso da autarquia previdenciária.
Para comprovar o efetivo trabalho agrícola, foram trazidos aos autos alguns documentos, dentre os quais se destacam:
a) Certidão de casamento do autor, ocorrido em 7/5/1977, na qual o autor está qualificado como lavrador (fl. 18);
b) Certidões de nascimento dos filhos do autor, nos anos de 1978, 1979 e 1982, nas quais ele está qualificado como lavrador (fls. 19/21);
c) Registros escolares dos filhos do autor, expedidos pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná, relativos aos anos de 1985 a 1993, nas quais o autor está qualificado como tratorista e lavrador (fls. 26/35);
Veio aos autos, ainda, a declaração prestada por Pedro Ferreira da Costa (fls. 36) dando conta que o autor trabalhou como tratorista e diarista nas terras de seu pai nos anos de 1970 a 1972 e de 1977 a 1983. Tal declaração, contudo, não consubstancia início de prova material, uma vez que constituem mera manifestação unilateral, reduzida a termo, não sujeita ao crivo do contraditório.
No que se refere à prova oral, na Justificação Administrativa foi tomado o depoimento pessoal do autor (fls. 49/50) no qual ele declarou, em síntese, que trabalhava na área rural, depois foi trabalhar em um posto de combustíveis, depois retornou para roça, voltando a trabalhar na cidade, onde está até os dias atuais. Disse que trabalhava como boia-fria em diversas propriedades da região, fazendo serviços diversos tais como capinas, colheitas em geral e outros. Trabalhava para o sustento da família e nessa época não tinha outra fonte de renda.
Na esfera judicial o autor foi ouvido novamente (fl. 99) e acrescentou que trabalhou no período de 1970 a 1987 em diversas propriedades da região, nessas terras trabalhava nas lavouras de algodão e milho, colhendo algodão, carpindo roças, catando as espigas de milho que as máquinas deixavam cair, entre 1987 e 1992 trabalhou com carteira assinada em um posto de combustíveis, depois entre 1992 e 1998 voltou a trabalhar na roça como boia-fria nas lavouras de algodão e milho. Nesses períodos em que trabalhou como bóia-fria se dirigia até as roças de bicicleta, a pé ou de trator, o pagamento era feito aos sábados.
Além disso, foram ouvidas duas testemunhas (fls. 100/101) de cujos depoimentos se extrai, em suma, o seguinte:
João Batista Fusco afirmou que conheceu o autor no ano de 1972, trabalhando com ele nas roças como boia-fria em algumas propriedades da região, o depoente parou de trabalhar na roça em 1985 e não se recorda ao acerto o ano em que o autor parou, sabe que o autor parou de trabalhar na roça porque foi trabalhar em um posto de gasolina, se dirigiam para a roça de caminhão, bicicleta, trator ou a pé, não sabe se o autor voltou a trabalhar na roça depois que foi trabalhar no posto de gasolina, quando trabalhou com o autor laboravam nas lavouras de algodão, colhendo, plantando e raleando, também trabalhavam nas lavouras de arroz e feijão, o depoente recebia semanalmente as diárias e quando precisava solicitava adiantamento durante a semana, algumas vezes esperavam transporte em pontos pré-determinados, em outras vezes saiam à procura do proprietário das terras para trabalhar.
Nelson Luiz Dal Bem Cargnelutti, por sua vez, declarou que conheceu o autor em 1975 quando trabalharam juntos em uma propriedade da região como diaristas, roçando pasto e fazendo cercas, o depoente trabalhou nessa propriedade até 1990 e o autor foi trabalhar em outras propriedades da região, via o autor se deslocando até outra propriedade que ficava próxima da propriedade do depoente, quando trabalhou com o autor predominava a lavoura de algodão, iam a pé para o trabalho porque era perto da cidade, o pagamento era feito nos finais de semana, o autor trabalhou na roça até começar a trabalhar em posto de combustíveis.
Os documentos apresentados constituem início razoável de prova material do labor rural no período indicado porque denotam a vinculação do autor e de sua família ao meio rural e, para complementá-los, foram ouvidas testemunhas, cujos depoimentos confirmaram de modo coerente e seguro o desempenho de atividade agrícola, em regime de economia familiar, no lapso temporal em questão.
De resto, não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, tampouco se exige que os documentos apresentados estejam todos em nome do próprio autor, vez que a atividade rural pressupõe a idéia de continuidade e não de eventualidade, sendo ilógico exigir um documento para cada ano trabalhado.
Importa destacar que, no caso em apreço, é possível o reconhecimento da presunção de continuidade de labor na época pleiteada, ainda que interrompida por pequenos lapsos temporais, em que exerceu atividade urbana, pois como é sabido, em famílias de tradição rurícola, na medida em que os filhos vão atingindo a idade adulta, eles vão procurando colocar-se no mercado de trabalho, uma vez que a vida no campo é dura e o retorno financeiro é pequeno. Ocorre que a adaptação à realidade urbana e a própria inserção no mercado de trabalho dos indivíduos egressos do meio rural, de regra, não se dá de forma imediata, sendo casuística a situação em que se abandone as lidas rurícolas em um dia para, no dia seguinte, assumir posto como empregado urbano. No mais das vezes, dada a pouca escolaridade, suas tentativas de trabalho formal são inexitosas, o que os obriga a retornar para o campo, até que nova oportunidade de trabalho lhes seja propiciada.
Concluindo o tópico, julgo comprovado o exercício da atividade rural, na condição de bóia-fria, nos períodos compreendidos entre 1/1/1972 a 31/12/1972 e de 8/10/1973 a 8/10/1976, devendo ser mantida a sentença monocrática no ponto.
Atividade Urbana
A parte autora postulou averbação do período de atividade urbana, compreendidos entre 10/4/1988 e 26/7/1993, 10/3/1999 e 30/9/1999 e entre 1/10/1999 a 15/10/2010. A sentença julgou parcialmente o procedente o pedido para reconhecer o exercício de labor urbano desenvolvido nos períodos de 1/1/1993 a 26/7/1993 e de 1/1/2002 a 31/5/2002, em relação aos quais se insurgiu a autarquia em seu recurso.
Relativamente ao período de 1/1/1993 a 26/7/1993 veio aos autos a CTPS da parte autora (fl. 56) na qual consta o registro de contrato de trabalho junto ao posto de gasolina Rizzieri & Rizzieri Ltda., na função de lavador, no período em questão.
As anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social constituem prova plena, para todos os efeitos, dos vínculos empregatícios ali registrados, porquanto gozam de presunção de veracidade (Decreto 3.048/1999, artigos 19 e 62, § 2º, inciso I), ilidida apenas quando da existência de suspeitas objetivas e razoavelmente fundadas acerca dos assentos contidos do documento. Nessa linha, considerando a Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS como documento hábil a comprovar os períodos de trabalho nela lançados, salvo nas hipóteses acima elencadas, os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RECÁLCULO DA RMI. ANOTAÇÃO DA CTPS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NO EXTERIOR.
1. As anotações em CTPS presumem-se verdadeiras, salvo prova de fraude, conforme dispõe o art. 18 do Decreto 89.312/84 (CLPS).
(...).
(EIAC 2000.04.01.096130-6/RS, Relator Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU de 10/9/2003)
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ATIVIDADE URBANA COM REGISTRO EM CTPS - PROVA PLENA. VÍNVULO DE PARENTESCO ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR. CNIS. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. DIREITO ADQUIRIDO. TUTELA ESPECÍFICA.
1 e 2. (...)
3. O registro constante na CTPS goza da presunção de veracidade juris tantum, devendo a prova em contrário ser inequívoca, constituindo, desse modo, prova plena do serviço prestado nos períodos ali anotados.
4. Não logrando o INSS desincumbir-se do ônus da prova em contrário às anotações da CTPS do autor, o tempo ali registrado deve ser computado para fins de benefício previdenciário.
5. A existência de vínculo de parentesco entre empregado e empregador não faz presumir fraude no contrato de trabalho, incumbindo ao INSS prová-la o que não ser verificou no presente feito.
6. Por mais relevante que seja o fato de não constarem contribuições no CNIS, o segurado não pode ser responsabilizado pelo fato de não terem sido recolhidas contribuições pelo empregador a quem compete efetuar o devido recolhimento (art. 30, inciso I, alínea a, Lei nº 8.212/91). Ademais, a fiscalização e a cobrança de tais valores cabe, justamente, à Autarquia Previdenciária junto ao empregador, não podendo ser penalizado o segurado. 7. (...)
(AC 2002.70.05.009267-3, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, DE de 7/12/2007)
Importa referir, que nos termos do artigo 11, da Lei 8.213/1991, é segurado obrigatório da Previdência Social: a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado; (...)
Na hipótese dos autos a CTPS (fls. 55/56) foi emitida em data anterior ao primeiro vínculo ali registrado, não houve impugnação específica do INSS acerca de seu conteúdo, não há rasura na anotação referente ao período controvertido.
Desse modo, considerando que a parte autora enquadra-se nos termos do artigo 11 da Lei 8.213/1991, porquanto prestou serviço de natureza urbana, em caráter não eventual, sob subordinação e mediante remuneração, conforme faz prova os documentos jungidos aos autos, resta comprovado o período de labor urbano desenvolvido entre 1/1/1993 e 26/7/1993, devendo ser mantida a sentença monocrática, no ponto.
No que concerne ao período de 1/1/2002 a 31/5/2002 desenvolvido junto à Prefeitura Municipal de Brasilândia do Sul/PR veio aos autos a CTC expedida pela prefeitura, relativa ao período de 10/3/1999 a 30/9/1999, segundo a qual o autor trabalhava na condição de estatutário (fls. 57/58) e a declaração prestada pelo prefeito do município (fl. 59) informando que a partir de 1/10/1999 o autor passou a contribuir para o RGPS. Por outro lado, no Cadastro Nacional de informações Sociais - CNIS (fls. 81/82) está registrado que nos períodos de 10/3/1999 a 31/12/2001 e de 14/5/2002 a 9/2010 o autor contribuiu como estatutário.
O período aqui pleiteado, de 1/1/2002 a 31/5/2002, se refere exatamente ao lapso entre estes dois interregnos constantes no CNIS como estatutário, motivo porque se concluiu que não se trata de cômputo de tempo de serviço, via contagem recíproca, mas sim de tempo urbano comum perante o RGPS, uma vez que é incontroverso que desde 10/3/1999 o autor estava vinculado à prefeitura, ora como estatutário, ora como contribuinte do regime geral.
Pois bem, a comprovação de tempo de tempo de serviço perante o Regime Geral de Previdência Social encontra-se regulamentada no artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/1991:
Artigo 55. O tempo de serviço será comprovada na forma estabelecida no regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.
Por fim, destaco que a assinatura da carteira de trabalho e o recolhimento das contribuições previdenciárias são de responsabilidade do empregador - sendo atribuição do INSS a sua fiscalização -, de maneira que a ausência de registro das contribuições nesse período não pode vir a prejudicar o reconhecimento da qualidade de segurado do autor.
Desse modo, é devido o reconhecimento do tempo de serviço urbano como empregado, sem anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social, compreendido entre 1/1/2002 a 31/5/2002, devendo ser mantida a sentença monocrática, no tópico.
Requisitos para concessão de Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição
Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC 20/1998, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos artigos 52 e 53 da Lei 8.213/1991, pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no artigo 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de julho de 1991 e previsto no artigo 25, inciso II, da referida Lei, para os inscritos posteriormente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço para a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direito à aposentadoria proporcional no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.
Com as alterações introduzidas pela EC 20/1998, o benefício passou denominar-se aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo artigo 201, §7º, inciso I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.
Em caráter excepcional, possibilitou-se que o segurado já filiado ao regime geral de previdência social até a data de publicação da Emenda, ainda se aposente proporcionalmente quando, I) contando com 53 anos de idade, se homem, e com 48 anos de idade se mulher - e atendido ao requisito da carência - II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e de 25 anos, se mulher; e b) e um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional (artigo 9º, §1º, da EC 20/1998). O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens "a" e "b" supra, até o limite de 100%.
De qualquer modo, o disposto no artigo 56 do Decreto 3.048/1999 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a data de entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei 9.876/1999), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do artigo 29 da Lei 8.213/1991), não se cogitando da aplicação do "fator previdenciário", conforme expressamente garantido pelo artigo 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei 9.876/1999 (em vigor desde 29/11/1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei 8.213/1991, artigo 29, inciso I e parágrafo 7º).
Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição
Considerado o presente provimento judicial (tempo rural e tempo urbano) e o tempo reconhecido administrativamente (fl. 64) tem-se a seguinte composição do tempo de serviço da parte autora:
Saliento por fim, que esta Turma admite a contagem do tempo de serviço decorrido entre a data de entrada do requerimento administrativo e a data do ajuizamento da ação, para fins de concessão de benefício, todavia, no presente caso, entre a DER (13/3/2010) e o ajuizamento do feito (20/10/2010) não decorreu tempo suficiente para completar o necessário para aposentadoria por tempo de contribuição, nem mesmo na forma proporcional.
Portanto, não cumprindo todos os requisitos para a concessão do benefício, a parte autora tem direito apenas à averbação dos períodos de tempo rural e urbano, acima considerados, para fins de obtenção de futura prestação previdenciária.
Mantida a sucumbência recíproca das partes, nos termos da decisão judicial recorrida.
Conclusão
Mantida a sentença no que reconheceu o exercício de trabalho rural nos períodos de 1/1/1972 a 31/12/1972 e de 8/10/1973 a 8/10/1976 e de labor urbano nos interregnos de 1/1/1993 a 26/7/1993 e de 1/1/2002 a 31/5/2002. Improvido o recurso do INSS e a remessa oficial.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/11/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003204-25.2013.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00011960920108160042
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Geral da República Juarez Mercante |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | JURANILDO LOPES DO NASCIMENTO |
ADVOGADO | : | Djalma Bozze dos Santos |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ALTO PIQUIRI/PR |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/11/2016, na seqüência 52, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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