APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000288-06.2014.4.04.7021/PR
RELATOR | : | ÉZIO TEIXEIRA |
APELANTE | : | MANOEL LUZIAK |
ADVOGADO | : | RENATA POSSENTI MERESSIANO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. TRABALHADOR DIARISTA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO. CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO. DIFERIMENTO PARA A FASE PRÓPRIA (EXECUÇÃO). CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
1. Tratando-se de trabalhador rural diarista (bóia-fria), o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Resp n. 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, estabeleceu a necessidade de apresentação de início de prova material para comprovação da atividade.
2. Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção, pois está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
3. Corroboradas as provas materiais apresentadas pela prova testemunhal, deve ser reconhecido o efetivo exercício do labor campesino como trabalhador rural diarista.
4. Preenchidos os requisitos idade e carência, o segurado possui o direito à aposentadoria por idade rural.
5. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, de modo a racionalizar o andamento do processo, e diante da pendência, nos tribunais superiores, de decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes.
6. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do artigo 497, caput, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao Apelo da parte autora e determinar o cumprimento imediato do Acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2016.
Ezio Teixeira
Relator
| Documento eletrônico assinado por Ezio Teixeira, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8780118v2 e, se solicitado, do código CRC DB65BA9D. | |
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| Signatário (a): | Ezio Teixeira |
| Data e Hora: | 20/12/2016 13:45 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000288-06.2014.4.04.7021/PR
RELATOR | : | ÉZIO TEIXEIRA |
APELANTE | : | MANOEL LUZIAK |
ADVOGADO | : | RENATA POSSENTI MERESSIANO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Manoel Luziak, 66 anos de idade, ajuizou a presente ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social, buscando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, mediante reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiar que alega ter exercido de 1977 a 2010. Postulou os efeitos financeiros desde a DER (28/05/2010 - NB 147.863.406-2).
O Juízo a quo prolatou sentença julgando improcedente o pedido, cujo dispositivo possui o seguinte teor:
"3. Dispositivo
Diante do exposto, julgo improcedente o pedido inicial, resolvendo o mérito, nos termos do inciso I, do artigo 269, do Código de Processo Civil.
Sem custas (art. 4º, I e II, da Lei nº 9.289/96).
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor do réu, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa pela TR (Taxa Referencial) até o pagamento, o que faço com base no art. 20, §§ 3º e 4º do CPC. A exigibilidade de tal verba resta suspensa, na forma do art. 12, da Lei nº 1.060/50.
Sentença não sujeita ao reexame necessário, por ausência de sucumbência da Fazenda Pública.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Havendo interposição de recurso de apelação, desde já o recebo em seu duplo efeito (art. 520, caput, do CPC), ressalvada a possibilidade de reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso após a resposta, nos termos do art. 518, § 2º, do CPC. Em seguida, dê-se vista à parte apelada para oferecimento de contrarrazões, no prazo legal. Após, promova-se a remessa eletrônica ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Cópia desta sentença poderá servir como ofício e/ou mandado de intimação."
A parte autora apelou (evento 33, APELAÇÃO1), pugnando pela reforma da sentença para reconhecimento da qualidade de segurado especial e concessão do benefício postulado.
Com as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Controverte-se, na espécie, a alegada qualidade de segurado especial da parte autora e o direito ao benefício de aposentadoria por idade rural.
APOSENTADORIA POR IDADE DOS TRABALHADORES RURAIS
O benefício de aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais está previsto no art. 48, § 1º da Lei nº 8.213/91, in verbis:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.032, de 28.4.95 e alterado pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)".
Já o art. 39, inciso I, da Lei nº 8.213/91, estabelece a concessão do benefício no valor de um salário-mínimo, desde que comprovado o desempenho da atividade rural em regime de economia familiar no período de carência, nos seguintes termos:
"Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido;"
A partir da redação dos dispositivos supra, retira-se que os requisitos necessários à concessão do benefício são a qualidade de segurado, o preenchimento do período de carência e a idade. O legislador, sensível às condições mais dificultosas do trabalhador do campo, reduziu a idade mínima exigida em cinco anos, para ambos os sexos.
Anoto que não é necessária a carência em si, ou seja, as contribuições referentes ao período, mas apenas o lapso temporal da carência. Para verificar-se qual o número de meses necessários utiliza-se o art. 142, quando o segurado especial tenha iniciado suas atividades em período anterior à Lei nº 8.213/91, bem como sua tabela de transição. O segurado deverá, por conseguinte, comprovar a atividade rural pelo número de meses correspondente ao ano de implemento das condições.
Caso o segurado tenha iniciado o desempenho de suas atividades em período posterior à Lei nº 8.213/91, aplica-se a carência de 180 meses de atividade rural, conforme o art. 25, II da Lei nº 8.213/91.
Seguindo o entendimento do STJ, a atividade rural para preenchimento do período de carência não deve, necessariamente, ser contínua e ininterrupta. Em decorrência disso, o exercício de trabalho urbano intercalado ou concomitante ao labor campesino, por si só, não retira a condição de segurado especial do trabalhador rural. (AgRg no REsp 1342355/SP, DJe 26/08/2013; AgRg no AREsp 334.161/PR, DJe 06/09/2013).
PROVA DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL
No que concerne à prova do tempo de serviço rural em regime de economia familiar, deve-se observar a regra do art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/91, que prevê a necessidade de haver início de prova material para reconhecimento de tempo de serviço, não se admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo em caso de força maior ou caso fortuito.
Nesse ponto, adoto o entendimento observado pelo STJ, que expressa não ser exigível a contemporaneidade do início de prova material para todo o período de carência, conforme exemplifica o seguinte precedente:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. LABOR RURAL. RECONHECIMENTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DEPOIMENTO TESTEMUNHAL A CORROBORAR O PERÍODO ALEGADO. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. [...]
2. A jurisprudência desta Corte considera que não há exigência legal de que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o período que se quer comprovar, basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória, como ocorre na hipótese.
3. É sabido que o início de prova material não se confunde com prova plena, mas, sim, meros indícios que podem ser complementados com os depoimentos testemunhais. [...] (AgRg no AREsp 385.318/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 04/10/2013)"
Para a análise do início de prova material, filio-me aos seguintes entendimentos sumulados:
"Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região: Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental."
"Súmula nº 05 da Turma Nacional de Uniformização dos JEF´s: A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários."
"Súmula nº 06 da Turma Nacional de Uniformização dos JEF´s: A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencia a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola."
"Súmula nº 14 da Turma Nacional de Uniformização dos JEF´s: Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período contributivo equivalente à carência do benefício."
Esclareço ser possível a formação de início razoável de prova material sem a apresentação de notas fiscais de produtor rural em nome próprio. Com efeito, a efetiva comprovação da contribuição é flexibilizada pelo fato de o art. 30, inciso III, da Lei nº 8.212/91, atribuir a responsabilidade de recolher à empresa que participa da negociação dos produtos referidos nas notas fiscais de produtor, seja na condição de adquirente, consumidora, consignatária ou se trate de cooperativa. Nesse caso, a contribuição especificada não guarda relação direta com a prestação de serviço rural em família, motivo pelo qual se pode reconhecer o tempo de serviço rural, ainda que ausentes notas fiscais de produtor rural como início de prova material.
A existência de início de prova material, todavia, não é garantia de obtenção do tempo de serviço postulado. A prova testemunhal é de curial importância para que se confirme a atividade e seu respectivo lapso temporal, complementando os demais elementos probatórios.
In casu, a parte autora alega ter exercido a atividade rural em regime de economia familiar de 1977 a 2010.
Como prova material, constam dos autos os seguintes documentos relevantes para a causa:
- Certidão de casamento do autor, celebrado em 31/04/1977, qualificado como lavrador (evento 1, PROCADM4, fl. 3);
- Contratos de arrendamento formalizados pelo autor e sua esposa para exploração de uma área com 1 hectare, de 2006 a 2012 (evento 1, PROCADM4, fls. 4/7);
- Contratos de comodato firmados pelo autor e sua esposa para exploração de uma área com 2,42 hectares, de 2009 a 2012 (evento 1, PROCADM4, fls. 8/9);
- Notas fiscais de produtor em nome do autor e sua esposa dos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 (evento 1, PROCADM4, fls. 16/25);
- Certidões de nascimento de filhos, qualificados os genitores como lavradores, dos anos de 1978, 1981, 1983 (evento 1, PROCADM4, fls. 29/31).
Mediante entrevista rural, realizada em 28/05/2010 na esfera administrativa (evento 1, PROCADM4, fls. 27/28), o autor declarou ser agricultor. Disse que houve afastamento, mas não soube dizer por quanto tempo. Trabalhou a maior parte do tempo como diarista rural. Que morava em Limeira há 8 anos, antes, morava em Rio Feio, em Santa Maria do Oeste, onde só trabalhava como diarista rural. Em Limeira, trabalhou em terras do Sr. Lohmann, em forma de contrato, fazendo o serviço manualmente. Não contratou mão-de-obra remunerada, somente a esposa o ajudava. Em época de colheita, que dura em média 15 dias, contratou diarista. Explora um terreno com 3 alqueires, onde cultiva milho, feijão, mandioca e batata doce, também lida com cavalos, mas não com outros animais. A produção é destinada à venda e à subsistência, não possui outra fonte de renda. Afirmou que em Santa Maria do Oeste ficou a maior parte do período e que em Rio Feio trabalhou como bóia-fria para vários agricultores. Tinha terreno do pai em Rio Feio, vendeu essas terras e veio para Limeira, em Pitanga.
Realizada audiência judicial (evento 25), o autor declarou em seu depoimento que trabalha na roça há mais de 30 anos, nunca teve outra profissão, trabalhava nas terras do pai, depois foram vendidas e passou a plantar em terras de terceiros. Citou os nomes de vários agricultores para quem trabalhou, inclusive para o dono da Erva Mate Lohman, onde trabalhou por um ano, há dois anos saiu de lá. Disse que trabalha sozinho e com a esposa. Trabalha por dia, faz todo o tipo de serviço na roça, carpindo. Nunca trabalhou como pedreiro ou servente. Vendeu leite um tempo, mas as vacas eram do Lohman, ele lhe deu para vender. Nunca teve erva mate, a erva que vendeu tirou do mato ou recebeu do Lohman como pagamento.
Pela testemunha Eduardo Dziecinni Tonette foi confirmado o labor rurícola do autor. Referiu que os pais tinham terreno próprio e trabalhavam para o clã na lavoura e por dia para outras pessoas. Após o casamento, o autor continuou trabalhando na casa do pai, depois no sogro, em Rio Feio. Saiu de Rio Feio há cerca de 20 anos, continuou na lavoura quando foi para Pitanga, em uma roça própria e para terceiros, hoje ele mora em Santa Lourdes. O depoente também trabalhou para o Lohman, mas na firma, o autor, no mato, colhendo erva, trabalharam juntos por uns três anos, nos anos oitenta. Depois do trabalho na Lohman não sabe mais do serviço do autor, mas um patrão do autor, de nome Amilton, contou para o depoente que o autor trabalhava para ele há uns três anos, esse senhor compra erva do mato, o viu trabalhando lá. Disse que o autor há pouco estava trabalhando em uma lavoura plantando feijão próprio e milho, mas não sabe o local. De 1995 a 2010 sabe que ele cultivava para a subsistência em terra arrendada e trabalhando por dia.
Pela testemunha Olga Ulek Chavarem foi dito que conhece o autor há 30 anos, desde solteiro, em Rio Feio, onde morava com os pais e irmãos. Tinham terreno próprio, mas era pequeno, trabalhava para terceiros. Trabalhou para a depoente antes do falecimento do marido, ocorrido há quase 20 anos. Depois da viuvez, a depoente não contratou mais diaristas. Naquele tempo ele roçava, queimava, plantava colhia e limpava a lavoura. O terreno da depoente ficava em Barra Grande. Depois ele foi trabalhar em uma ervateira e também para outros. Após, perdeu contato com o autor, nunca mais o viu trabalhando, mas sabia que ele trabalhava, mais com erva.
Tratando-se de trabalhador rural diarista (bóia-fria), o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Resp n. 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, estabeleceu a necessidade de apresentação de início de prova material para comprovação da atividade:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifei)
No entanto, essa exigência deve ser mitigada, tendo em vista as condições pessoais dessa categoria de trabalhadores, cuja informalidade norteia grande parte de suas vidas laborais. A extrema dificuldade de se documentar de alguma forma o desempenho da atividade rural é realidade que não pode ser ignorada pelo Poder Judiciário, sob pena de se supervalorizar a formalidade em detrimento da realidade, o que feriria de morte os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.
Assim, é desnecessária a comprovação da atividade rural mediante apresentação de documentos de cada ano postulado, desde que o conjunto probatório demonstre sobejamente que o labor campesino foi efetivamente exercido. É o entendimento sedimentado por esta Corte:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. DESNECESSIDADE DE PROVA ANO A ANO. CONSECTÁRIOS. LEI 11.960/2009. 1. Tendo em vista que o conjunto probatório demonstrou o exercício de atividade rural durante o período exigido em lei, é devida a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. 2. Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção, pois está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013). 3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral à questão da constitucionalidade do uso da TR e dos juros da caderneta de poupança para o cálculo da correção monetária e dos ônus de mora nas dívidas da Fazenda Pública, e vem determinando, por meio de sucessivas reclamações, e até que sobrevenha decisão específica, a manutenção da aplicação da Lei 11.960/2009 para este fim, ressalvando apenas os débitos já inscritos em precatório, cuja atualização deverá observar o decidido nas ADIs 4.357 e 4.425 e respectiva modulação de efeitos. A fim de guardar coerência com as recentes decisões, deverão ser adotados, por ora, os critérios de atualização e de juros estabelecidos no 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da lei 11.960/2009, sem prejuízo de que se observe, quando da liquidação, o que vier a ser decidido pelo STF com efeitos expansivos. (TRF4, AC 0010430-13.2015.404.9999, SEXTA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, D.E. 29/10/2015) (Grifei)
Nessa senda, à vista do contexto probatório, não ignoro que a prova material não seja robusta, porém, conforme já exposto, a legislação previdenciária não exige prova documental plena, mas apenas um início, de modo que entendo preenchido o requisito trazido pelo art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, satisfazendo o requisito do razoável início de prova material.
Pelo depoimento do autor, prestado em audiência, verifica-se que é pessoa simples, de pouca instrução, inclusive, com dificuldades de compreensão de algumas das perguntas que lhe foram dirigidas. Esse fato, aliado ao teor dos depoimentos prestados, revela a induvidosa vocação rural do segurado.
Iniciou seu labor desde tenra idade com seus familiares em terras próprias de pouca extensão, as quais foram vendidas, o que os obrigou a prestar serviços rurais para terceiros. Desde então, o autor realiza a atividade nos mesmos moldes, sozinho ou com o auxílio da esposa, exercendo o ofício por certo período para algum proprietário que necessite contratar mão-de-obra, mediante parceria agrícola e/ou em comodato, ou para diversos agricultores de forma concomitante, sem qualquer vínculo empregatício.
A prova testemunhal complementou satisfatoriamente o acervo material acostado, confirmando que o autor sempre foi trabalhador rural, única profissão por ele exercida até os dias atuais.
Extrai-se da situação apresentada, portanto, que o labor campesino foi a atividade norteadora do sustento do autor no interregno alegado, inexistindo qualquer outra fonte de renda urbana para o sustento familiar.
Nessas condições, tenho que o autor exerceu a atividade rural em regime de economia familiar no período de 01/01/1977 a 28/05/2010 (DER), totalizando 33 anos, 4 meses e 28 dias de tempo de serviço, equivalentes a 401 meses de carência.
Como completou 60 anos de idade no ano de 2010, pois nasceu em 02/03/1950, necessita cumprir 174 meses de carência.
Considerando que possui mais de 174 meses de atividade rurícola ininterrupta comprovada, deve ser concedido o benefício de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, desde a DER (28/05/2010), pois já naquela ocasião o demandante havia preenchido os requisitos de idade e carência.
CONSECTÁRIOS. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016).
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária no ponto.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
CUSTAS PROCESSUAIS
O INSS é isento do pagamento no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul (art. 11 da Lei nº 8.121/85, com a redação dada pela Lei nº 13.471/2010), isenção esta que não se aplica quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
DO PREQUESTIONAMENTO
Os fundamentos para o julgamento do feito trazem nas suas razões de decidir a apreciação dos dispositivos citados, utilizando precedentes jurisprudenciais, elementos jurídicos e de fato que justificam o pronunciamento jurisdicional final. Ademais, nos termos do § 2º do art. 489 do CPC/2015, "A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé". Assim, para possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos recursos oferecidos pelas partes, nos termos em que fundamentado o voto.
TUTELA ESPECÍFICA
O CPC/2015 aprimorou a eficácia mandamental das decisões que tratam de obrigações de fazer e não fazer e reafirmou o papel da tutela específica. Enquanto o art. 497 do CPC/2015 trata da tutela específica, ainda na fase cognitiva, o art. 536 do CPC/2015 reafirma a prevalência da tutela específica na fase de cumprimento da sentença. Ainda, os recursos especial e extraordinário, aos quais está submetida a decisão em segunda instância, não possuem efeito suspensivo, de modo que a efetivação do direito reconhecido pelo tribunal é a prática mais adequada ao previsto nas regras processuais civis. Assim, determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício à parte autora, a ser efetivada em 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
CONCLUSÃO
Dou provimento ao Apelo da parte autora para reconhecer o tempo de serviço rural postulado em sua integralidade e determinar a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural desde a DER.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento ao Apelo da parte autora e determinar o cumprimento imediato do Acórdão.
Ezio Teixeira
Relator
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