Apelação Cível Nº 5023662-65.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: SOELI VIANA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Soeli Viana interpôs apelação contra a sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas e honorários, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiário da justiça gratuita (Evento 3 - SENT24).
A magistrada entendeu que não há comprovação da carência necessária após o cancelamento do auxílio-doença (30/11/2011). Destacou que a jurisprudência entende que é necessário um início de prova material, o que não ocorreu no processo.
A autora sustentou, preliminarmente, que houve cerceamento de defesa. Isso porque a decisão do agravo de instrumento 5023228-37.2018.4.04.0000, com trânsito em julgado em 07/01/2019 não foi respeitada pela sentença proferida em 08/02/2019. No julgamento daquele recurso teria sido determinada a produção de provas quanto à qualidade de segurado. A apelante requereu a anulação da sentença com a reabertura da instrução processual. No mérito, argumentou que há provas da incapacidade desde a cessação do auxílio-doença anterior. Requereu o restabelecimento do benefício e sua conversão em aposentadoria por invalidez na data do laudo pericial (Evento 3 - APELAÇÃO25).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido na referida lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estabelece que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
A Lei nº 8.213/91 estabelece que, para a concessão dos benefícios em questão, deve ser cumprida a carência correspondente a 12 (doze) contribuições mensais (art. 25), que é dispensada nos casos legalmente previstos (art. 26, II, da Lei nº 8.213/91).
O fato de a incapacidade temporária ser total ou parcial para fins de concessão do auxílio-doença não interfere na concessão desse benefício, uma vez que, por incapacidade parcial, deve-se entender aquela que prejudica o desenvolvimento de alguma das atividades laborativas habituais do segurado. No mesmo sentido, assim já decidiu o e. STJ, verbis:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO HABITUAL. 1. É devido o auxílio-doença ao segurado considerado parcialmente incapaz para o trabalho, mas suscetível de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades laborais. 2. Recurso improvido. (STJ, REsp 501267 / SP, rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, T6 - SEXTA TURMA, DJ 28/06/2004 p. 427)
Por fim, a diferença entre os dois benefícios restou esclarecida consoante excerto doutrinário abaixo colacionado, verbis:
"A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017)
De modo geral, o acesso aos benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença pressupõe a presença de 3 requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, § 2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
Caso concreto
O presente processo foi ajuizado em 15/04/2014 (Evento 3, CAPA1) com pedido de restabelecimento de auxílio-doença concedido em 12/04/2011 e cessado em 30/11/2011 (Evento 3, INIC2).
A autora juntou três atestados médicos: de 14/06/2012, no qual a própria autora relata incapacidade por doença ortopédica; de 17/03/2014, no qual não é mencionada incapacidade laboral, apenas necessidade de perícia por doenças ortopédicas; de 02/02/2012, por patologias psiquiátricas (Evento 3, ANEXOSPET4, Páginas 8 a 10).
Há, ainda, laudos de raio-x de 22/12/2011, que menciona leve espondilolistese, e de 18/02/2014, que menciona espondilolistese grau I em L4/L5. A análise dos exames sugere o agravamento da patologia no período.
A perícia judicial foi realizada apenas em 27/06/2017 (Evento 3, DESPADEC14, Página 7). O perito especialista em ortopedia concluiu pela incapacidade parcial e permanente da autora, a partir da data da perícia judicial (Evento 3, LAUDOPERIC15). Confira-se:
Síntese: Trata-se de periciada feminina. com 53 anos de idade, com quadro de espondilolistese lombar. Incapaz para a realização de suas atividades laborais. permanentemente Poderia ser adaptada a atividade em que trabalhe sentada, sem realizar esforço físico. carregamento de peso ou a flexão do tronco.
(...)
3) Está a parte autora incapacitada para o labor? Desde quando? Em caso de cessação de beneficio por incapacidade. o Perito pode afirmar que a incapacidade existia e se manteve desde a cessação pelo INSS?
Resposta: Sim A incapacidade laboral decorrente do quadro de espondilolistese lombar somente pode ser considerada a partir da data de realização desta perícia medica. haja vista nao ter apresentado a autora atestado medico comprovando o inicio da incapacidade laboral decorrente do quadro de espondilolistese lombar em data anterior a esta. Não.
Houve deferimento da tutela de urgência (Evento 3, DESPADEC17), tendo o réu agravado a decisão (Evento 3, AGRAVO18). Foi dado provimento ao agravo, em julgado com a seguinte ementa:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. QUALIDADE DE SEGURADO. Nos casos em que a perícia médica judicial constata a incapacidade do autor somente a partir da data de sua realização, quando já decorrido grande intervalo de tempo desde a cessação de auxílio-doença concedido no âmbito administrativo, faz-se necessária a comprovação da manutenção da qualidade de segurado para o restabelecimento provisório do benefício.
Em voto de minha relatoria (Evento 3, AGRAVO23, Página 2), constou a seguinte fundamentação:
É possível que a incapacidade da segurada seja preexistente à data da perícia e inclusive à data do ajuizamento da ação. No entanto, considerando que a cessação do auxílio-doença ocorreu em 30/11/2011, faz-se necessária a comprovação da manutenção da qualidade de segurada. Ainda que não se possa estabelecer ao certo, neste momento, se a incapacidade permaneceu desde a cessação do benefício ou se se trata de nova incapacidade, deve a autora comprovar sua qualidade de segurada ou, ao menos, deve comprovar que a incapacidade surgiu antes da perda da qualidade de segurada.
Porém, a instrução processual não foi reaberta e o pedido foi julgado improcedente justamente com base na ausência de qualidade de segurado.
A constatação de incapacidade laboral em período posterior ao ajuizamento da demanda é fato superveniente que possibilita a reabertura da instrução probatória para comprovação da qualidade de segurado e da carência na data de início da incapacidade.
Concluindo, é necessário anular a sentença, determinando-se o retorno dos autos à origem para instrução em relação ao alegado trabalho rural, a fim de possibilitar à autora que comprove a qualidade de segurada e carência.
Não poderia ser diferente, uma vez que a tutela colimada nas ações previdenciárias insere-se nos direitos sociais da previdência, relacionado-se diretamente a valores como a concretização da cidadania e o respeito da dignidade humana. Ressalto, ademais, que uma das peculiaridades do direito previdenciário é o dever constitucional da Autarquia, diante da hipossuficiência do segurado, de tornar efetivas as prestações previdenciárias, dever esse insculpido inclusive na legislação - a partir da interpretação extensiva do art. 105 da Lei de Benefícios, que determina ao INSS orientar, sugerir ou solicitar os documentos necessários a fim de conceder o melhor benefício ao que o segurado tem direito.
Para além disso, um dos princípios que norteia o processo civil previdenciário é o da verdade real. Segundo Savaris, "a busca pela verdade real nos processos previdenciários não consiste em uma liberalidade do juiz. Ele deve valer-se de seus poderes instrutórios para encontrar algo que se aproxime da verdade dos fatos. [...] A atuação do magistrado na busca da verdade real não agride o princípio da imparcialidade judicial, pois o resultado obtido servirá a melhor instrução da causa e à mais qualificada prestação de jurisdição (com o que deve atender aos interesses de ambas as partes)." (Savaris, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 6ª edição. Curitiba; Alteridade Editora, 2016, p. 97).
Em comunhão de ideias, o Código de Processo Civil autoriza ao magistrado, inclusive de ofício, determinar a realização das provas necessárias ao bom julgamento do mérito (artigo 370 do CPC/2015). No mesmo sentido, precedente desta Corte:
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. Mesmo que a parte autora fique inerte em relação à postulação de instrução probatória, é prematura a entrega da prestação jurisdicional quando não oportunizada a produção das provas necessárias ao julgamento da causa, diante do preceito contido no artigo 130 do CPC/73 (atual art. 370 do CPC/2015), em que é facultada ao magistrado, inclusive de ofício, a determinação das provas necessárias ao deslinde da questão posta em Juízo. Anula-se a sentença e determina-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. (TRF4 5008146-55.2013.404.7108, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 07/06/2017)
Em face de tais premissas, portanto, deve-se conceder a oportunidade à parte interessada em produzir as provas que entender cabíveis à comprovação do direito que alega possuir; no presente caso, prova documental e testemunhal, ambas no intuito de comprovar o trabalho rural. Desde já destaco que, além da prova testemunhal, deverá a autora trazer aos autos documento que sirva de início de prova material a comprovar sua atividade rural a partir do ano 2011 (último vínculo previdenciário do qual se tem notícia) até o ano de 2017, pois contemporâneo à data do direito que alega possuir (segurada especial).
Diante do exposto, tenho por configurado o cerceamento de defesa e afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, motivo pelo qual voto por anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que seja reaberta a instrução probatória.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de acolher a preliminar da apelação e anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para a reabertura da instrução probatória, nos termos do voto.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002039725v7 e do código CRC 8a15ed84.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5023662-65.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: SOELI VIANA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. INCAPACIDADE parcial E definitiva. espondilolistese. TRABALHO RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. ofensa ao contraditório e ampla defesa. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. Configurado o cerceamento de defesa, bem como a ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, deve a sentença ser anulada para a reabertura da instrução probatória, oportunizando-se às partes a produção de prova que eventualmente tenha o condão de demonstrar o direito perseguido.
3. Sentença anulada diante da necessidade de retorno do feito à origem para reabertura da instrução processual, possibilitando-se à parte autora comprovar o efetivo trabalho rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, acolher a preliminar da apelação e anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para a reabertura da instrução probatória, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002039726v3 e do código CRC cd9d0d65.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/09/2020 A 22/09/2020
Apelação Cível Nº 5023662-65.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: SOELI VIANA
ADVOGADO: ALCESTE JOÃO THEOBALD (OAB RS043386)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/09/2020, às 00:00, a 22/09/2020, às 14:00, na sequência 45, disponibilizada no DE de 02/09/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ACOLHER A PRELIMINAR DA APELAÇÃO E ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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