| D.E. Publicado em 15/09/2015 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004790-05.2010.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | ILDA ÂNGELA GIORDANI |
ADVOGADO | : | Jorge Vidal dos Santos |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. INDEFERIMENTO DE NOVA PERÍCIA MÉDICA. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA E CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CANCELAMENTO INDEVIDO. INCAPACIDADE TOTAL E DEFINITIVA. ACRÉSCIMO DE 25%. ASSISTÊNCIA PERMANENTE COMPROVADA.
1. Desnecessária a complementação da prova pericial quando o próprio juiz, destinatário da prova, entende que as questões suscitadas pela parte autora já se encontram analisadas no laudo pericial.
2. Comprovado que na data da suspensão do benefício a segurada permanecia incapacitada, pela mesma patologia que deu origem ao benefício, e que nunca houve remissão da doença, nem interrupção dos sintomas, é devido o restabelecimento do auxílio-doença desde o indevido cancelamento.
3. Concluindo a prova pericial, corroborada pela documentação médica trazida aos autos, que a incapacidade é total e definitiva, havendo inclusive, a necessidade de assistência permanente de terceiros, é devida a conversão do benefício em aposentadoria por invalidez, com o acréscimo de 25%, desde a data indicada na perícia judicial.
4. Tutela específica concedida, com cumprimento imediato do acórdão quanto à implantação do benefício, tendo em vista a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar provimento ao recurso, condenando o INSS a restabelecer o auxílio-doença desde a suspensão, a ser convertido em aposentadoria por invalidez, com o acréscimo de 25%, a partir de 12/12/2012, e, de ofício, determinar o cumprimento imediato do acórdão com a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 02 de setembro de 2015.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7729199v17 e, se solicitado, do código CRC 270DA1EA. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Vânia Hack de Almeida |
| Data e Hora: | 03/09/2015 15:18 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004790-05.2010.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | ILDA ÂNGELA GIORDANI |
ADVOGADO | : | Jorge Vidal dos Santos |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária proposta em 16/03/2006, objetivando o restabelecimento de auxílio-doença desde a suspensão (31/12/2002), a conversão em aposentadoria por invalidez, com o acréscimo de 25%, e indenização por dano moral.
Realizada a perícia médica, a parte autora impugnou as conclusões do perito, requerendo "a nomeação de outro perito neurológico, a realização de perícia de Testagem Neuropsicológica, a realização de inspeção judicial e a oitiva de testemunhas em audiência de instrução" (fls. 145/146).
Contra a decisão da fl. 159, que indeferiu o pleito de novas provas, a parte autora interpôs agravo retido (fl. 161), com base na divergência entre as opiniões de sua assistente técnica e do perito judicial.
A sentença, proferida em 28/10/2009 (fls. 170/171), julgou a ação improcedente, condenando a parte autora em custas e honorários advocatícios, suspendendo a exigibilidade do pagamento por ser beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita.
Apelou a parte autora, pugnando pela reforma integral da decisão. Preliminarmente, arguiu a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, porque encerrada a instrução sem a produção das provas requeridas. No mérito, alegou, em síntese, que a autora não tem condições de trabalhar por apresentar várias patologias ("neurocisticercose, epilepsia, patologias visuais e incontinência urinária, todas advindas das patologias cerebrais"); que "seu estado é muito grave, não tem condições de sair sozinha e sequer caminha sem auxílio;" e que o juiz não está adstrito ao laudo, especialmente quando contraria a prova dos autos e a opinião da assistente técnica da autora. Requereu a reforma da sentença, para ver restabelecido o auxílio-doença, ou concedida a aposentadoria por invalidez com o acréscimo de 25%, e "sucessivamente", que seja anulada a sentença, com retorno dos autos à origem a fim de dar continuidade à instrução "com nova perícia médica na modalidade de neurologia, testagem psicológica e perícia médica na especialidade de oftalmologia".
Foram oportunizadas as contrarrazões.
Na sessão de 06/10/2010 a 6ª Turma desta Corte solveu questão de ordem, determinando o retorno dos autos à vara de origem para realização de perícia psiquiátrica (fls. 192/193).
Realizada a perícia psiquiátrica em 07/11/2012, e acostado o laudo às fls. 234/249, manifestaram-se as partes, sendo informado pelo INSS que desde 21/03/2011 a autora recebe o benefício de Amparo Social a Pessoa Portadora de Deficiência nº 87/545.749.256-3 (fls. 256/258).
Retornados os autos a esta Corte, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.
É O RELATÓRIO.
VOTO
Do limite recursal
Inicialmente, tendo em vista a inexistência de recurso específico da parte autora, esclareço que o exame recursal limita-se ao restabelecimento de auxílio-doença, desde 31/12/2002, e sua conversão em aposentadoria por invalidez, com o acréscimo de 25% pela necessidade de auxílio permanente de terceiros, ficando mantida a improcedência da ação quanto à indenização por dano moral.
Agravo Retido
Ainda em preliminar, não conheço do agravo retido interposto contra a decisão que indeferiu novas provas, face à ausência de requerimento expresso quando da apresentação da apelação, a teor do art. 523, caput e § 1º, do Código de Processo Civil.
Nulidade por cerceamento de defesa
Em razões recursais a parte autora arguiu a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, porque encerrada a instrução sem a produção das provas requeridas. Requer seja anulada a sentença, com o retorno dos autos à origem, a fim de dar continuidade à instrução "com nova perícia médica na modalidade de neurologia, testagem psicológica e perícia médica na especialidade de oftalmologia"
É sabido, contudo, que a prova é destinada ao Juiz, cabendo, pois, a ele avaliar a necessidade de produção de novas provas para seu próprio convencimento e materialização da verdade. Perfeitamente possível, assim, o magistrado indeferir complementação ou realização de nova pericia médica, se satisfeito estiver com o conjunto probatório acostado aos autos.
No caso dos autos, tendo sido realizadas duas perícias judiciais, ambas claras, objetivas e enfáticas, e com detalhados exames clínicos, não há razão que justifique qualquer dúvida relativamente à credibilidade ou à legitimidade profissional dos peritos designados - neurologista (fls. 136/140) e psiquiatra (234/249).
Assim, e em atenção ao princípio do livre convencimento motivado do Juiz, afasto a possibilidade de caracterização de cerceamento de defesa, pois a matéria já se encontra suficientemente esclarecida.
Outrossim, levando-se em conta que os peritos são assistentes do juízo, a ele encontrando-se vinculados em face dos compromissos assumidos, e não havendo qualquer indicação de parcialidade na elaboração dos laudos, tenho como imprópria a alegação de cerceamento de defesa.
O certo é que a discordância quanto às conclusões do laudo não autoriza a repetição ou a complementação da perícia, se as questões formuladas pela autora foram efetivamente respondidas.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
"AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. COMPLEMENTAÇÃO DO LAUDO PERICIAL. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA MÉDICA POR ESPECIALISTA EM FISIATRIA.
1. A discordância quanto às conclusões do laudo não autoriza a repetição, tampouco a complementação da perícia, estando as questões formuladas pela autora rebatidas no bojo do laudo.
2. Necessária a realização de nova perícia médica judicial por especialista em fisiatria para análise da dor no braço esquerdo referida pela Agravante e que poderia resultar na sua incapacidade laboral, principalmente tendo em vista que trabalha como costureira".
AI nº 2009.04.00.042088-0/RS; Rel. Des. Federal Celso Kipper; DJ de 05/03/2010)
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-ACIDENTE. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA MÉDICA. DESNECESSIDADE. INCAPACIDADE LABORAL. AUSÊNCIA.
1. A simples discordância da parte autora com as conclusões periciais, sem haver específica razão para tanto, não é o bastante para justificar a realização de nova perícia técnica. Afastada a possibilidade de anulação do decisum.
2. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
3. Hipótese em que o perito judicial concluiu no sentido da ausência de incapacidade para o exercício de atividades laborais, não é devido o benefício de auxílio-doença, tampouco o de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-acidente".
(AC nº 2009.72.99.002326-4/SC, Relator Juiz Federal Loraci Flores de Lima; DJ de 08/07/2010).
Assim, respaldada no princípio do livre convencimento motivado do Juiz, inserto no art. 436 do Código de Processo Civil, e cotejando os ditames da lei com as conclusões do expert, profissional equidistante das partes, rejeito a nulidade apontada.
Mérito
Trata-se de ação que objetiva o restabelecimento de auxílio-doença concedido em 02/03/2001 (G41 e G41.9 - estado de mal epilético e estado de mal epilético não-especificado) e suspenso em 31/12/2002, a ser convertido em aposentadoria por invalidez, com o acréscimo pelo auxílio permanente de terceiros.
A sentença julgou a ação improcedente, com base na perícia judicial (neurológica), nos seguintes termos:
No caso dos autos, o laudo pericial concluiu que não há incapacidade laborativa (fls. 136/140), pelo que induvidosa a ausência dos requisitos legais para o restabelecimento do benefício previdenciário pretendido.
Já no que tange à aposentadoria por invalidez, os pressupostos para a concessão estão previstos no art. 42, 'caput', da Lei nº 8.213/91, quais sejam: cumprimento do período de carência e incapacidade e impossibilidade de reabilitação para atividade que garanta a subsistência do segurado.
(...)
No caso em testilha, observo que a conclusão da perita indica que não há incapacidade para o trabalho (fls. 140), pelo que resta afastada a possibilidade de concessão de aposentadoria por invalidez.
Outrossim, não preenchidos os requisitos para concessão do benefício previdenciário pretendido, não há se falar em indenização por danos morais. (...)" (sublinhei)
Inicialmente, destaco que o diagnóstico indicando a existência de determinada doença, por si só, não significa que está o paciente incapacitado para o trabalho. E o mesmo se dá com relação a patologias de natureza irreversível ou incurável, pois várias são as doenças sem cura ou sem reversão do quadro que nenhum comprometimento trazem à plena capacidade laboral do portador.
E nessa linha foi a conclusão do perito judicial neurologista, em perícia realizada em 26/11/2008 (fls. 136/140), que confirmou o diagnóstico de epilepsia causada pela neurocisticercose, mas afirmou que a enfermidade não é incapacitante, tendo em vista a "eficácia do tratamento medicamentoso que permite pleno controle das crises", informando, ainda, "não possuir meios para aferir a existência ou não de incapacidade prévia":
"(...)
apresenta "neurocisticercose gerando quadro de epilepsia e dilatação ventricular; sem evidência de crises epiléticas frequentes e incapacitantes; epilepsia com controle dos sintomas com tratamento medicamentoso (uso contínuo) e dilatação ventricular sem sintomas clínicos identificados (atualmente compensada); exame neurológico normal; eletroencefalograma recentemente realizado não demonstrou descargas epileptogênicas; sem incapacidade laborativa justificada." (grifei)
Em que pese a afirmação do perito neurologista de que na data do exame as crises estavam controladas, a documentação médica trazida aos autos, proveniente de diferentes profissionais da área médica, indica com segurança que nunca houve remissão da doença [epilepsia], nem interrupção dos sintomas, permanecendo incapacitada [pela patologia ou efeitos colaterais da medicação] inclusive na data da suspensão do auxílio-doença, como faz prova o atestado médico da fl. 70, de 20/01/2003, registrando incapacidade laboral por epilepsia, igualmente referida na internação hospitalar ocorrida em 08/10/2007 (fl. 121, datada de 17/10/2007).
Além disso, também quanto à incapacidade laboral o laudo do perito neurologista se mostra incompatível com o conjunto probatório.
Em ações desta natureza a perícia judicial serve de base ao convencimento do julgador, mas sendo prevalente o princípio da busca da verdade real deve o magistrado examinar igualmente os demais elementos de prova.
E no caso dos autos, tem especial relevância o parecer neurológico das fls. 147/158, datado de 15/04/2009, que esclarece de forma específica o quadro mórbido da autora:
"(...)
A patologia mental que está acometida a avaliada tem como característica básica o comprometimento das funções corticais superiores (memória, atenção, capacidades executivas, orientação espacial, pensamento), associado a modificações de personalidade (apatia alternada com impulsividade), sintomas somáticos (tonturas, cefaléia, zumbidos, incontinência urinária, alteração visual) e epilepsia.
Os seus exames de neuroimagem (tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética) demonstram hidrocefalia, lesões nodulares cerebrais difusas e hipodensidades frontais. Tais achados decorrem de neurocisticercose. Há também um eletroencefalograma alterado, demonstrando que em 2002 havia anormalidades compatíveis com processo lesional e epilético (ondas lentas e atividade irritativa, respectivamente).
(...)" (destaquei)
Em extenso e detalhado estudo do caso, a neurologista signatária identificou como diagnósticos positivos a Epilepsia (G40), Hidrocefalia (G91), Neurocisticercose (B69.0) e Transtorno de personalidade e de comportamento decorrentes de doença, lesão ou disfunção cerebral (F07.8), além de referir as queixas de incontinência urinária e redução da visão [comprovadas pela documentação médica acostada aos autos], e afirmou que a condição clínica neurológica atual é de doença mental grave:
"A condição clínica neurológica atual é de doença mental grave, crônica, via final comum essencialmente de uma doença infecciosa parasitária cerebral importante no nosso meio (cisticercose), que evoluiu com lesões difusas cerebrais e hidrocefalia - em um cérebro também acometido pelas consequência de uma epilepsia de longa data (muito provavelmente secundária à neurocisticercose).
Do ponto de vista de tratamento, encontra-se a autora já com sequelas estabelecidas, sem indicativos de que algum procedimento médico possa acrescentar benefícios atualmente. Uma opção, que seria a tentativa de derivação liquórica cerebral neurocirúrgica, visando reduzir a pressão intracerebral, carrega riscos inerentes ao tratamento, sem garantias de melhora - e já teria sido descartada pelos médicos neurocirurgiões que a vem acompanhando nos últimos anos.
(...)
No que concerne à habilidade para o exercício de atividade laboral produtiva, observa-se, do meu ponto de vista, incapacidade total e definitiva, sendo paciente inclusive necessitada de supervisão e/ou auxílio de outra pessoa nas atividades diárias da vida cotidiana em função da desordem mental - e, em menor grau, da epilepsia, das tonturas e da redução da acuidade visual. (...)" (sublinhei)
E no mesmo sentido foi a conclusão da segunda perícia judicial, realizada por psiquiatra (em 12/12/2012, laudo às fls. 234/249), reafirmando que a autora apresenta uma série de problemas médicos (Cisticercose do sistema nervoso central, Hidrocefalia em doenças infecciosas e parasitárias, Epilepsia e Síndromes epiléticas, Inflamação coriorretiniana em doenças infecciosas e parasitárias, dentre outras), além de graves sintomas psiquiátricos derivados:
"(...)
Apresenta também um conjunto inespecífico de sintomas psiquiátricos que incluem sintomas afetivos, alterações na personalidade e no comportamento, além de prejuízos cognitivos.
(...)
Através da entrevista pericial e da documentação fornecida, foi possível estabelecer que tais sintomas pertencem a um transtorno mental não especificado devido a uma lesão e disfunção cerebral, (...) diagnóstico que pode ser atribuído quando há presença de um conjunto de sintomas psiquiátricos, superpostos a um 'transtorno cerebral devido a uma doença cerebral primária'.
(...)
Por outro lado, resta estabelecida a presença de doença neurológica, já documentada através de exames complementares e avaliações de neurologistas. Ressalta-se que para a atribuição do diagnóstico é preciso que haja uma doença neurológica de base, e esta deve ser considerada como a doença principal " (sublinhei).
Verifica-se, portanto, dada a peculiaridade do quadro mórbido apresentado pela autora e as intercorrências médicas ocorridas ao longo dos anos, que o ponto central do caso em exame não é a epilepsia, mas, sim, a neurocisticercose, doença infecciosa causada por infestação larvária (taenia solium), com altos níveis de morbidade e mortalidade, que atinge o sistema nervoso central e, se não tratada a tempo e da forma adequada, pode evoluir, de forma crônica ou aguda, para um quadro clínico caracterizado por síndromes neurológicas (hipertensiva, psiquiátrica, encefálica, epilética ou associativa), cujos sintomas mais comuns, dentre outros, são: hipertensão intracraniana; hidrocefalia; comprometimento do nervo ótico/redução da acuidade visual; distúrbios orgânicos cerebrais; confusão mental, desorientação e diminuição da afetividade; comprometimento esfincteriano; e epilepsia.
E foi exatamente o que ocorreu no caso da autora: a epilepsia, inicialmente identificada como causa do auxílio-doença suspenso, associada às demais intercorrências médicas devidamente documentadas, revelou-se, tardiamente, como doença secundária a grave distúrbio neurológico [neurocisticercose], que pela dificuldade na identificação do diagnóstico (primeira referência em 08/10/2007), e intempestividade do tratamento adequado, acarretou comprometimento generalizado, contínuo e irreversível à segurada.
Desde a suspensão do benefício, foram sucessivos os períodos de incapacidade laboral documentada, por vários problemas médicos - crises epiléticas, diminuição da acuidade visual, incontinência urinária, alterações de comportamento, hidrocefalia -, todos tratados isoladamente até a descoberta da neurocisticercose em 2007, mas todos relacionados à doença cerebral.
Diante do conjunto probatório, portanto, não restam dúvidas de que a suspensão do auxílio-doença foi indevida - pois a autora permanecia incapacitada em razão da epilepsia -, e a partir da perícia psiquiátrica (12/12/2012), encontra-se total e permanentemente incapacitada para o trabalho, fazendo jus, inclusive, ao acréscimo de 25% em razão da necessidade de assistência permanente de terceiros.
Por fim, tratando-se de benefícios inacumuláveis (amparo e auxílio-doença/aposentadoria por invalidez - art. 124 da Lei nº 8213/91 e art. 20, § 4º, da Lei nº 8742/93), e reconhecido direito a benefício com data retroativa, esclareço que os valores pagos por conta do benefício de Amparo Social a Pessoa Portadora de Deficiência nº 87/545.749.256-3, concedido em 21/03/2011, serão compensados do montante da condenação devida pelo INSS, ficando o INSS autorizado a cancelar o benefício nº 87/545.749.256-3 para fins de cumprimento da presente decisão.
Assim examinados os autos, reformo a sentença para condenar o INSS a restabelecer o auxílio-doença desde a indevida suspensão (31/12/2002), e convertê-lo em aposentadoria por invalidez, com o acréscimo de 25%, a partir da perícia judicial psiquiátrica, realizada em12/12/2012.
Correção Monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação, ressalvada a prescrição quinquenal, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);
- OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);
- BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);
- INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);
- IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);
- URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94);
- IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);
- INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91);
- TR (a partir de 30/06/2009, conforme art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009).
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009, afastando a utilização da TR como fator de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, relativamente ao período entre a respectiva inscrição em precatório e o efetivo pagamento.
Em consequência dessa decisão, e tendo presente a sua ratio, a 3ª Seção desta Corte vinha adotando, para fins de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/2009, o que significava, nos termos da legislação então vigente, apurar-se a correção monetária segundo a variação do INPC, salvo no período subsequente à inscrição em precatório, quando se determinava a utilização do IPCA-E.
Entretanto, a questão da constitucionalidade do uso da TR como índice de atualização das condenações judiciais da Fazenda Pública, no período antes da inscrição do débito em precatório, teve sua repercussão geral reconhecida no RE 870.947, e aguarda pronunciamento de mérito do STF. A relevância e a transcendência da matéria foram reconhecidas especialmente em razão das interpretações que vinham ocorrendo nas demais instâncias quanto à abrangência do julgamento nas ADIs 4.357 e 4.425.
Recentemente, em sucessivas reclamações, a Suprema Corte vem afirmando que no julgamento das ADIs em referência a questão constitucional decidida restringiu-se à inaplicabilidade da TR ao período de tramitação dos precatórios, de forma que a decisão de inconstitucionalidade por arrastamento foi limitada à pertinência lógica entre o art. 100, § 12, da CRFB e o artigo 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009. Em consequência, as reclamações vêm sendo acolhidas, assegurando-se que, ao menos até que sobrevenha decisão específica do STF, seja aplicada a legislação em referência na atualização das condenações impostas à Fazenda Pública, salvo após inscrição em precatório. Os pronunciamentos sinalizam, inclusive, para eventual modulação de efeitos, acaso sobrevenha decisão mais ampla quanto à inconstitucionalidade do uso da TR para correção dos débitos judiciais da Fazenda Pública (Rcl 19.050, Rel. Min. Roberto Barroso; Rcl 21.147, Rel. Min. Cármen Lúcia; Rcl 19.095, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Em tais condições, com o objetivo de guardar coerência com os mais recentes posicionamentos do STF sobre o tema, e para prevenir a necessidade de futuro sobrestamento dos feitos apenas em razão dos consectários, a melhor solução a ser adotada, por ora, é orientar para aplicação do critério de atualização estabelecido no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da lei 11.960/2009.
Este entendimento não obsta a que o juízo de execução observe, quando da liquidação e atualização das condenações impostas ao INSS, o que vier a ser decidido pelo STF em regime de repercussão geral, bem como eventual regramento de transição que sobrevenha em sede de modulação de efeitos.
Juros de mora
Até 29-06-2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Quanto ao ponto, esta Corte já vinha entendendo que no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não houvera pronunciamento de inconstitucionalidade sobre o critério de incidência dos juros de mora previsto na legislação em referência.
Esta interpretação foi, agora, chancelada, pois no exame do recurso extraordinário 870.947, o STF reconheceu repercussão geral não apenas à questão constitucional pertinente ao regime de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública, mas também à controvérsia pertinente aos juros de mora incidentes.
Em tendo havido a citação já sob a vigência das novas normas, inaplicáveis as disposições do Decreto-lei 2.322/87, incidindo apenas os juros da caderneta de poupança, sem capitalização.
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre as parcelas vencidas até a decisão judicial concessória do benefício previdenciário pleiteado, conforme definido nas Súmulas nº 76 do TRF4 e nº 111 do STJ.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº156/97), a autarquia responde pela metade do valor. Condeno o INSS Igualmente mantida a condenação do INSS em honorários advocatícios de 10% sobre a condenação até a data da sentença, bem como a isenção de custas, pois de acordo com o entendimento deste Tribunal.
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 461 do CPC e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício postulado. Prazo: 45 dias.
Faculta-se ao beneficiário manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Prequestionamento
Quanto ao prequestionamento, não há necessidade de o julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria através do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13-09-99).
ANTE O EXPOSTO, voto por não conhecer do agravo retido, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar provimento ao recurso, condenando o INSS a restabelecer o auxílio-doença desde a suspensão, a ser convertido em aposentadoria por invalidez, com o acréscimo de 25%, a partir de 12/12/2012, e, de ofício, determinar o cumprimento imediato do acórdão com a implantação do benefício.
É O VOTO.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7729197v24 e, se solicitado, do código CRC 736F211A. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Vânia Hack de Almeida |
| Data e Hora: | 03/09/2015 15:18 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 02/09/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004790-05.2010.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 8610600015873
RELATOR | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Márcia Neves Pinto |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Dr. Joge Vidal. |
APELANTE | : | ILDA ÂNGELA GIORDANI |
ADVOGADO | : | Jorge Vidal dos Santos |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02/09/2015, na seqüência 555, disponibilizada no DE de 19/08/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DO AGRAVO RETIDO, REJEITAR A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, CONDENANDO O INSS A RESTABELECER O AUXÍLIO-DOENÇA DESDE A SUSPENSÃO, A SER CONVERTIDO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, COM O ACRÉSCIMO DE 25%, A PARTIR DE 12/12/2012, E, DE OFÍCIO, DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO COM A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7810651v1 e, se solicitado, do código CRC 806BE8E1. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
| Data e Hora: | 02/09/2015 22:47 |
