Apelação Cível Nº 5031036-69.2018.4.04.9999/SC
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: GILMAR SANTOS DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 28-03-2018, na qual a magistrada a quo julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de auxílio-doença, com posterior conversão em aposentadoria por invalidez, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, os quais restaram suspensos em razão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões, a parte autora sustenta, em síntese, ter comprovado sua incapacidade laborativa total, decorrente de patologias cardíacas e ortopédicas, razão pela qual faz jus à concessão do benefício por incapacidade.
Assevera que restaram igualmente preenchidos os demais requisitos concernentes à qualidade de segurado e à carência mínima. Nesse sentido, informa que as patologias cardíacas que o acometem, as quais foram reconhecidas pelo perito judicial, são graves e estão enquadradas no rol do art. 151 da Lei n° 8.213/91, o qual dispensaria de todo modo o cumprimento de carência.
Por fim, alega que o requerimento formulado em grau de instrução para que as patologias ortopédicas fossem examinadas através de novo exame pericial não foram sequer objeto de análise pelo juízo a quo.
Dessa forma, pugna pela anulação da sentença para que seja determinada a reabertura da instrução processual. Alternativamente, requer a reforma da sentença para que seja concedido o benefício de auxílio-doença, com posterior conversão em aposentadoria por invalidez, desde a DER (02-08-2013).
Oportunizadas contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Na presente demanda, o autor requer a concessão do benefício de auxílio-doença, com posterior conversão em aposentadoria por invalidez, em virtude de seus problemas de saúde, desde a data do requerimento administrativo formulado em 02-08-2013.
Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
No caso concreto, o autor possui 54 anos, narra desempenhar a atividade profissional de encanador hidráulico, com posterior período de desemprego, e ingressou com a ação em virtude de doenças cardíacas (CID I21 - infarto agudo do miocárdio; CID I25.1 - doença aterosclerótica do coração; e CID Z54.0 - convalescença após cirurgia), conforme consta da petição inicial.
A fim de averiguar seu quadro de capacidade laboral, foi realizada perícia médica judicial, por especialista em pediatria, em 30-11-2017 (evento 2 - AUDIÊNC30 a AUDIÊNC32). Respondendo aos quesitos formulados, assim se manifestou o perito:
I) Qual a idade da parte autora? R: 51 anos.
II) Qual a atividade funcional atual da parte autora? R: Refere à atividade de encanador, não exercendo trabalho a três aos aproximadamente.
III) Qual a doença diagnosticada (com indicação da CID)? R: I21 – Infato agudo do miocárdio; I25 - Doença isquêmica crônica do coração.
IV) A parte autora está incapacitada para desenvolver atividades típicas da sua ocupação profissional? Pode desempenhar outras atividades profissionais? Justificar indicando quais os exames e fatos observados que justificam a conclusão? R: Não, existe capacidade laborativa atual. Os exames de eletrocardiograma demonstram ritmo sinusal com alterações típicas de isquemia crônica já tratada.
V) Havendo incapacidade, qual a função afetada e em que grau? R: Prejudicado.
VI) A incapacidade é temporária ou definitiva? No caso de a incapacidade ser considerada temporária, qual o prazo estimado para a recuperação laborativa? R: Prejudicado.
VII) Desde quando a parte autora está incapacitada para as atividades típicas da sua ocupação profissional? R: Prejudicado.
VIII) Existe algum indício físico (pele bronzeada, mãos calejadas, músculos muito desenvolvidos, sujeira nas unhas etc.) ou documental (alguma referência nos atestados e exames médicos apresentados na perícia) que a parte autora está trabalhando? R: Prejudicado.
CONCLUSÃO: Conclui então este perito de acordo com a documentação apresentada, anamnese (entrevista clínica) e exame físico segmental, pressão arterial 130x80 mmHg, ausculta cardíaca com ritmo sinusal sem diferenciação com pulso periférico, sinais de sianose e cansaço aos pequenos esforços ausentes. Apresenta capacidade laborativa atual, portanto apto ao trabalho. É o laudo.
Como visto, em que pese diagnosticadas as doenças no coração, houve conclusão do expert pela capacidade laborativa do autor no momento de realização do exame.
Sucede que, quando questionado acerca da presença de quadro incapacitante na DER (02-08-2013) e do possível agravamento da doença à época, o perito judicial apresentou a seguinte resposta:
I - Gostaria de saber do Sr. Perito se na data do DER havia capacidade laboral?
R: Em relação à incapacidade pretérita (DER 02.08.2013), tendo em vista que a operação de revascularização do miocárdio com safena realizado em 07.08.2013, data de poucos dias após a DER referida, conclui-se por incapacidade pretérita de 07.08.2013, com o período de seis meses de recuperação pós cirúrgica.
II - Se com base nos prontuários médicos fornecidos pelo Hospital Marieta Konder houve o agravamento da doença?
R: Os referidos prontuários tratam de atendimento em pronto socorro do Hospital supracitado, que não necessitaram de internação complementar e/ou intervenção cardiológica. Estes atendimentos em pacientes pós-cirurgia cardíaca são comuns por persistir sensação de algia toráxica devido à abertura do osso esterno para a realização do procedimento cirúrgico.
Observa-se que, muito embora tenha referido incapacidade temporária pretérita de 07-08-2013 a 07-02-2014, a qual seria referente ao estimado período de recuperação pós-cirúrgica, não há qualquer elucidação acerca da evolução do quadro clínico do autor, desde o início das moléstias diagnosticadas, bem como da possibilidade de realização de esforços físicos sob a área afetada e de agravamento da condição de saúde em caso de retorno ao labor habitual. Inexiste sequer menção à possível data de ocorrência do infarto agudo do miocárdio.
Percebe-se que persiste a necessidade de esclarecimento acerca da data de início da incapacidade do autor, haja vista a incongruência entre a documentação médica juntada pela parte autora (evento 2 - OUT7 e OUT8), as conclusões do laudo pericial judicial e o entendimento exarado pela Autarquia Previdenciária que, ao indeferir o requerimento administrativo formulado, indicou como motivo a preexistência das patologias ao reingresso no RGPS, uma vez que constatada incapacidade na via administrativa em 24-07-2012 (evento 2 - OUT9).
Cumpre informar que o perito judicial deve se empenhar em elucidar ao juízo e às partes todos os elementos necessários à verificação do real estado de saúde do segurado que objetiva a concessão de benefício por incapacidade - o que não ocorreu no presente caso.
Ademais, em relação às patologias cardíacas suportadas pela parte autora, penso que, para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática, a realização de perícia por médico especialista revela-se indispensável.
Nesse sentido, trago jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. PATOLOGIA DIVERSA. NÃO CONFIGURADO. AUXÍLIO-DOENÇA/ APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉDICO ESPECIALISTA. NOMEAÇÃO PREFERENCIAL. CASO ESPECÍFICO. CARDIOLOGIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. 1. A constatação de patologia diversa em ocasião posterior ao ajuizamento da demanda não obsta a concessão do benefício, porque "se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão", nos termos do art. 493 do NCPC (correspondência legislativa, CPC/1973, art. 462). 2. Caracteriza cerceamento de defesa quando claramente insuficientes as informações constantes no laudo em relação à moléstia cardíaca. 3. Hipótese em que a nomeação de perito especialista em cardiologia revela-se indispensável para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática. 4. Sentença anulada para que seja reaberta a instrução processual com a realização de perícia judicial por especialista na área de cardiologia. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011680-54.2019.4.04.9999, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06/08/2019)
Com efeito, à vista do laudo pericial judicial, percebe-se claramente a omissão de informações imprescindíveis ao correto deslinde do presente feito, bem como observa-se contradições nas conclusões trazidas pelo expert do juízo.
Ademais, ainda no curso da instrução processual, a parte autora informou a superveniência de patologia ortopédica (CID T0.8 - fratura da coluna, nível não especificado) e juntou nova documentação médica a respeito (evento 2 - OUT34 e OUT35). Além disso, requereu expressamente fosse analisada a doença, a qual seria decorrente de traumatismo raquimedular, através de nova avaliação pericial por médico especialista (evento 2 - PET33).
O referido pedido não restou analisado pelo juízo a quo. Percebe-se, portanto, que não houve a avaliação do quadro do autor em relação à moléstia ortopédica.
Mister salientar que a constatação de patologia diversa em ocasião posterior ao ajuizamento da demanda não obsta a concessão do benefício, porque "se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão", nos termos do art. 493 do NCPC.
Esse entendimento encontra ressonância nos julgados desta Corte:
Assim, ainda que a patologia causadora da incapacidade não tenha sido alegada na perícia administrativa, cumpre destacar que o pressuposto para a concessão dos benefícios postulados não é a existência de uma moléstia em si, mas sim de um quadro incapacitante. Em outras palavras, é necessário levar em conta a existência de impedimento laboral, independentemente da moléstia que o faz eclodir. (TRF4, AC 0001272-60.2017.4.04.9999, 5ª TURMA, Des. Federal Roger Raupp Rios, por unanimidade, D.E. 09/03/2017)
O fato gerador das prestações previdenciárias por incapacidade não é a existência de uma moléstia em si, mas sim de um quadro de impedimento ao trabalho, que deve ser verificado através de exame médico-pericial. Nesse ínterim, a constatação de impedimento laboral decorrente de patologia diversa da alegada na inicial não obsta a concessão do benefício. (TRF4, APELRE 0022260-44.2013.404.9999, 5ª TURMA, Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, por unanimidade, D.E. 29/02/2016)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORAL.
1. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
2. A constatação de patologia diversa em ocasião posterior ao ajuizamento da demanda não obsta a concessão do benefício - porque possível o acolhimento, de ofício, do fato superveniente à propositura da ação, nos termos do art. 462 do CPC.
3. Considerando as conclusões do perito judicial de que a parte autora está total e temporariamente incapacitada para o exercício de atividades laborativas, é devido o benefício de auxílio-doença, desde março/2011. (TRF4, AC 0021843-28.2012.404.9999, 6ª TURMA, Relator Celso Kipper, D.E. 01-08-2013)
Pelos motivos acima expostos, entendo que o caso, na situação em que se encontra, não se apresenta maduro o suficiente para julgamento meritório, uma vez que as informações constantes no laudo pericial são insatisfatórias para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática.
Desta forma, tenho por caracterizado o cerceamento de defesa, devendo ser anulada a sentença, para que outra seja proferida após a realização de 02 (duas) novas perícias médicas, por outros experts, especialistas em cardiologia e em ortopedia e traumatologia.
Ante o exposto, voto por anular a sentença, a fim de possibilitar a reabertura da instrução processual, prejudicada a análise do mérito.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002797895v22 e do código CRC 7569d7e7.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5031036-69.2018.4.04.9999/SC
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: GILMAR SANTOS DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL. AUXÍLIO-DOENÇA/ APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉDICO ESPECIALISTA. NOMEAÇÃO PREFERENCIAL. CASO ESPECÍFICO. CARDIOLOGIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA.
1. Caracteriza cerceamento de defesa quando claramente insuficientes e contraditórias as informações constantes no laudo judicial.
2. Hipótese em que a nomeação de perito especialista em cardiologia revela-se indispensável para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática.
3. Sentença anulada para que seja reaberta a instrução processual com a realização de duas perícias judiciais por especialistas em cardiologia e em ortopedia e traumatologia.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença, a fim de possibilitar a reabertura da instrução processual, prejudicada a análise do mérito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 08 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002797896v10 e do código CRC bec0bef8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/10/2021 A 08/10/2021
Apelação Cível Nº 5031036-69.2018.4.04.9999/SC
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: GILMAR SANTOS DA SILVA
ADVOGADO: LAERCIO FLORES DA SILVA (OAB SC044977)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/10/2021, às 00:00, a 08/10/2021, às 16:00, na sequência 904, disponibilizada no DE de 22/09/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA, A FIM DE POSSIBILITAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, PREJUDICADA A ANÁLISE DO MÉRITO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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