| D.E. Publicado em 27/06/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006015-21.2014.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | JOANIR SCHUG |
ADVOGADO | : | Dirceu Jose Braga |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. RAZÕES DISSOCIADAS. RECURSO NÃO CONHECIDO EM PARTE. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO E AVERBAÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INSTRUÇÃO DEFICIENTE.
Não se conhece de parte do apelo cujas razões estão dissociadas da controvérsia posta nos autos.
. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31/10/1991, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. A parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
Em demandas previdenciárias, nos casos em que houver ausência ou insuficiência de provas do direito reclamado, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito. Precedente da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C), lavrado no REsp n.º 1.352.721/SP (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015), ressalvado ponto de vista pessoal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conhecer parcialmente da apelação do INSS, para negar-lhe provimento na parte conhecida, e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de junho de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9013941v4 e, se solicitado, do código CRC F8FB3AFF. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 20/06/2017 19:50 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006015-21.2014.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | JOANIR SCHUG |
ADVOGADO | : | Dirceu Jose Braga |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou parcial procedente o pedido, para reconhecer o exercício de atividade rural no ano de 1982 e de 1992 a março de 2004. Diante da sucumbência mínima, a parte autora foi condenada ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como na verba honorária, a qual foi fixada em R$ 500,00 (quinhentos reais), conforme o art. 20., §§3º e 4º do CPC. Foi suspensa a execução da referida verba sucumbencial, em face da assistência judiciária gratuita concedida
Em suas razões, sustenta a parte autora que provou ter exercido a atividade rural em regime de economia familiar também nos períodos entre 1978 a 1982 e de 1982 a 1992, e requer o reconhecimento desses períodos, com a conseqüente averbação.
Em suas razões, sustenta a entidade previdenciária que não foi provada a atividade rural por meio de início de prova material, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal nos períodos postulados. Em caso de decisão que conceda o benefício, requer que os honorários sejam fixados em no máximo 5% do valor das parcelas vencidas, e que os juros e correção monetária sejam atualizados de acordo com o art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97, com a redação da Lei n.º 11.960/2009. Requer ainda o prequestionamento dos seguintes dispositivos legais: artigos 48, 55, §3º, 142 e 143, todos da Lei n.º 8.213/1991.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (preferências legais), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Das razões do apelo do INSS
Inicialmente, verifica-se que as alegativas da autarquia no que concerne à fixação em honorários advocatícios com base no valor da condenação, bem como aos critérios de atualização de juros e correção monetária, constante das razões de apelo, não estão em sintonia com o real conteúdo dos autos; ao contrário do que assevera, o Instituto restou condenado somente à averbação dos períodos em que o autor exerceu atividade rural (1982 e de 1992 a 2004).
Assim, a argumentação desenvolvida pelo INSS não se presta a atacar os fundamentos da decisão recorrida, razão pela qual o apelo não merece ser conhecido no ponto.
Conforme leciona Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery em sua obra Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil extravagante em vigor, ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed.:
Não se conhece de recurso interposto sob a forma de mero protesto ou declaração de insatisfação com a decisão adversa ao recorrente. É que isto laboraria contra o princípio "tantum devolutum quantum appellatum" e transformaria o Poder Judiciário em defensor de interesses da parte. A locução "jura novit cúria" somente tem aplicação se o recorrente fornece ao tribunal as razões do inconformismo e o seu pedido de reexame da decisão. Neste sentido: TJMS-RT 732/343.
No mesmo sentido, os seguintes julgados, verbis:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. Não se conhece de recurso que inova, apresentando razões dissociadas do pedido inicial, e, portanto, da questão decidida em sentença. (TRF4, AC 5046073-25.2012.404.7000, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 27/06/2016)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. RAZÕES DISSOCIADAS. Não se conhece de apelação cujas razões estejam dissociadas do conteúdo da sentença e da matéria discutida no primeiro grau. (TRF4, AC 5036603-92.2011.404.7100, QUINTA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 06/11/2015)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO BENEFÍCIO. APELAÇÃO. RAZÕES DISSOCIADAS DA SENTENÇA.
Não se conhece de apelação cujas razões encontram-se absolutamente dissociadas da sentença.
(TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003363-03.2011.404.7104, 5ª TURMA, Des. Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 29/04/2013)
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da contemporaneidade da prova material
É importante frisar que a Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
Consequentemente, em ações desta natureza devem ser consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, sendo dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do tempo rural do segurado especial a partir dos 12 anos de idade
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.
Do caso concreto
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Certidão de casamento, datada de 26/04/1994, na qual o autor foi qualificado como agricultor (fls. 07);
- Matrícula de imóvel rural n.º 3.416, datada de 23/04/1982, registrada em nome de Almiro Schug, pai do autor, na qual foi qualificado como agricultor (fls. 08);
- Declarações de ITR, em nome do pai do autor, referentes aos exercícios de 1997, 1999 (fls. 09/10);
- Recibos de entrega da declaração de ITR, emitidos em nome do pai do autor, referentes aos exercícios de 2000, 2001, 2005, 2006, 2007, 2008 (fls. 11/12, 17/20);
- Escritura pública de compra e venda de imóvel rural, em nome do pai do autor, datada de 28/04/1992 (fls. 13/16);
- Escritura pública de compra e venda de imóvel rural, em nome do autor, lavrada em 17/11/2000 (fls. 21/24);
- Notas fiscais de entrada/produtor rural, emitidas em nome do autor, datadas de 05/04/2001, 19/03/2001, 01/12/2002, 17/02/2001, 04/04/2001, 05/05/2003, 15/08/2006, 12/02/1998, 26/02/2001, 18/02/1997, 21/03/1997, 01/02/2009, 09/11/2007 (fls. 25/44);
- Informações de benefício, emitidas em 09/04/2012, nas quais consta que o autor recebeu auxílio doença por acidente do trabalho como trabalhador rural, na qualidade de segurado especial, nos períodos de 07/04/1998 a 25/04/1998, 19/03/2003 a 15/06/2003, 26/02/2005 a 05/04/2005, e auxílio doença previdenciário como trabalhador rural, na qualidade de segurado especial no período de 17/05/2004 a 05/07/2004 (fls. 70/74);
- CNIS do autor, emitido em 09/04/2012, no qual consta o registro de recebimento de benefício da previdência social nos períodos de 07/04/1998 a 25/04/1998, 19/03/2003 a 15/06/2003, 17/05/2004 a 05/07/2004, 26/02/2005 a 05/04/2005, e recolhimentos como contribuinte individual no período de 10/2005 a 03/2012 (fls. 75).
Do depoimento pessoal da parte requerente (fls. 99), colhe-se que o autor começou a trabalhar na madeireira em 01/08/2004, mas desde os 8 ou 10 anos já trabalhava na roça, e com 12 anos começou a fazer o serviço pesado. Disse que antes morava em Orleans, que foi morar em Lauro Muller em 1993, quando tinha 26 anos. Declarou que em Orleans trabalhava na lavoura, com o pai, a mãe e o irmão, e que se casou um ano depois de se mudar com parte da família. Relatou que em Orleans plantavam milho, feijão, fumo, cana, e que em Lauro Muller plantavam principalmente fumo. Referiu que em 2004 abriu a madeireira com o pai e o irmão, e que o pai faleceu no ano passado. Assinalou que na lavoura o trabalho era executado somente pela família, que tinham bloco de notas. Referiu que nunca realizou o pedido de averbação do tempo de serviço rural administrativamente.
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais (mídia juntada às fls. 99).
A testemunha Geraldo Francisco Bett declarou que conhece o autor desde que ele era criança, quando morava no Arroio dos Bugres, município de Orleans. Disse que a família do autor plantava fumo, milho, arroz, feijão, e que ele trabalhava na agricultura desde os oito anos de idade. Afirmou que o trabalho agrícola era executado pela família, que não tinham empregados. Relatou que o autor trabalhou na roça de 1978 até completar 26 anos de idade, e foi morar no Doze, onde reside até hoje, no município de Lauro Muller. Assinalou que o autor continuou trabalhando na roça, e há uns dez anos passou a ter uma madeireira, que atualmente deve ter empregados.
O informante José Jovenal Albino, por sua vez, relatou que conhece o autor desde crianças, pois eram vizinhos em Orleans. Disse que a família do autor trabalhava na lavoura, plantando milho, feijão, cana-de-açúcar, sem o auxílio de empregados. Referiu que o autor se mudou nos anos noventa, e foi morar em Lauro Muller, que continuou na lavoura, plantando cana. Assinalou que posteriormente montaram a serraria, mas já fazia algum tempo que moravam em Lauro Muller, em 2010 ou um pouco antes
Já a testemunha Osmar Mario afirmou que conhece o autor desde 1993, quando ele foi morar na comunidade de Lauro Muller, em Novo Horizonte. Disse que o autor e a família trabalhavam na lavoura, até 2004, e que agora possuem uma madeireira. Referiu que não tinham empregados, e que plantavam fumo, milho, feijão, cana, criavam gado, porcos e galinhas.
Por fim, a testemunha Valdir Citadin disse que conhece o autor desde 1993, quando ele se mudou com a família. Disse que trabalhavam na lavoura, cultivando milho, feijão, cana, tinham estufa de fumo. Assinalou que o autor trabalhou somente na lavoura até 2004, que continua trabalhando na agricultura, mas agora tem uma madeireira.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material, para o que, consideradas as peculiaridades do trabalho na agricultura, não se pode exigir que sejam apenas por si mesmos conclusivos ou suficientes para a formação de juízo de convicção. É aceitável que a prova contenha ao menos uma indicação segura de que o fato alegado efetivamente ocorreu, vindo daí a necessidade de sua complementação pela prova oral, a qual, como se viu, confirmou de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora nos períodos reconhecidos na sentença, ou seja, o ano de 1982 e de 1992 a 05/2004, razão porque a sentença merece confirmação pela Turma.
Em suas razões, a parte autora sustenta que devem ser reconhecidos os períodos de 1978 a 1982 e de 1982 a 1991, além dos que já foram reconhecidos pelo Magistrado a quo.
Sem razão a apelante.
Da análise do conjunto probatório, verifica-se que, em que pese haja indícios de atividade rural, não há início de prova material para os períodos postulados. Os documentos juntados aos autos se referem aos lapsos temporais já reconhecidos na sentença, os quais restam mantidos. Não constam nos autos quaisquer provas de exercício de atividade rural anterior à 1982, tampouco no período entre 1982 a 1992.
Em casos que tais, discute-se se o processo deve ser extinto sem exame do mérito, ou a demanda julgada improcedente, com análise do mérito, formando a sentença coisa julgada secundum eventum probationis. Na primeira hipótese, inexistente coisa julgada, será sempre possível o ajuizamento de nova demanda; no segundo caso, admitir-se-á a nova ação acaso apresentadas novas provas.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C), RESp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015, decidiu que "a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa".
Prevaleceu o entendimento do relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, vencida a posição do Min. Mauro Campbell Marques, para quem "em lides previdenciárias, se as provas forem insuficientes, a coisa julgada se fará segundo o resultado da prova, isto é, secundum eventum probationis".
Tenho sustentado que a extinção do processo sem resolução do mérito é solução que deve ser aplicada quando não existir qualquer prova do direito postulado, caso em que haverá inépcia da petição inicial, já que desacompanhada de documentos essenciais e necessários. Por outro lado, havendo instrução deficiente, haverá julgamento de mérito, formando-se a coisa julgada "secundum eventum probationis". Entendo que as posições não são excludentes, cabendo a aplicação de ambas conforme a instrução do processo. Daí que não há voto vencedor ou vencido no precedente do Superior Tribunal de Justiça.
A aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis em caso de instrução deficiente (quer dizer, deficiência probatória e não insuficiência completa de provas), harmoniza a necessidade de preservação da coisa julgada, evitando-se a eternização dos litígios, com a proteção do segurado que, por circunstâncias diversas, não teve oportunidade de produzir determinada prova. Se, de um lado, não permite o ajuizamento de inúmeras ações idênticas, baseadas nas mesmas provas (o que será permitido se houver extinção sem exame do mérito), de outro, autoriza o ajuizamento de nova demanda, mesmo após sentença de improcedência, quando comprovado o surgimento de novas provas, que não estavam ao alcance do segurado-autor quando do processamento da primeira demanda.
Todavia, não tem sido esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, o próprio prolator do voto divergente, que aplicou a teoria da coisa julgada secundum eventum probationis, Min. Mauro Campbell Marques, tem ressalvado seu entendimento pessoal, curvando-se ao entendimento da Corte Especial no REsp. 1.352.721/SP (nesse sentido, decisões proferidas nos REsp. 1.574.979/RS, 1.484.654/MS, 1.572.373/RS, 1.572.577/PR e 1.577.412/RS).
Na mesma linha, embora convencido de que, no caso de insuficiência de provas, deve haver julgamento de improcedência secundum eventum probationis, concluo pela extinção do processo sem exame do mérito em relação ao período, ressalvando ponto de vista pessoal.
Da sucumbência
Mantenho a sucumbência nos termos em que fixada, visto que está de acordo com o entendimento da Turma para ações desta natureza.
Conclusão
O apelo da autarquia resta parcialmente conhecido, e improvido na parte conhecida. O apelo da parte autora resta parcialmente provido, para: (a) manter o reconhecimento do exercício de atividade rural do autor nos períodos de 01/01/1982 e de 01/01/1992 a 31/03/2004; (b) extinguir o feito, sem resolução de mérito, em relação aos períodos de 01/01/1978 a 31/12/1981 e de 01/01/1983 a 31/12/1991.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por conhecer parcialmente da apelação do INSS, para negar-lhe provimento na parte conhecida, e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/06/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006015-21.2014.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 00002362220128240087
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | JOANIR SCHUG |
ADVOGADO | : | Dirceu Jose Braga |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 13/06/2017, na seqüência 916, disponibilizada no DE de 02/06/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
ADIADO O JULGAMENTO.
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/06/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006015-21.2014.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 00002362220128240087
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Marcus Vinícius Aguiar Macedo |
APELANTE | : | JOANIR SCHUG |
ADVOGADO | : | Dirceu Jose Braga |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU CONHECER PARCIALMENTE DA APELAÇÃO DO INSS, PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO NA PARTE CONHECIDA, E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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