| D.E. Publicado em 27/01/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002299-15.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | MARA LUCI CASTILHOS |
ADVOGADO | : | Adelar Velho Varela e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. LABOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
1. Se os elementos trazidos aos autos são suficientes para constituir o convencimento deste juízo ad quem, levando-se em conta ainda os princípios da economia e celeridade processual, não há falar em cerceamento de defesa. 2. Não demonstrando a parte autora o efetivo exercício do labor rural em regime de economia familiar, não faz ao reconhecimento do período pretendido. 3. Não restando preenchidos os requisitos necessários à Aposentadoria por Tempo de Contribuição, não há como ser concedido o benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e ao recurso da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2016.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8222201v8 e, se solicitado, do código CRC 1F331954. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002299-15.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de Aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento dos intervalos de 09/1968 a 12/1988 e 04/1989 a 1992, alegadamente trabalhados na agricultura em regime de economia familiar, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em um salário mínimo, suspensa a exigibilidade de tais verbas em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita.
Tempestivamente a parte autora recorre, postulando a reforma da sentença. Em preliminar, requer o julgamento do agravo retido, sustentado oralmente, interposto contra decisão de indeferimento da oitiva de testemunhas (fl. 134).
No mérito, sustenta que há nos autos início de prova material hábil a comprovar o exercício da atividade rural em regime de economia familiar nos períodos controvertidos. Afirma que embora estudasse em localidade diversa daquela em que se situava a propriedade rural da família, desempenhava o labor rural nos finais de semana e nas férias escolares, o que totaliza mais de 50% dos dias no ano. Desse modo, requer o reconhecimento do exercício do labor rural nesses intervalos, com a concessão do benefício de Aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo.
Regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Da questão controversa
A questão controversa nos presentes autos cinge-se à possibilidade de reconhecimento do desempenho de atividade rural pela parte autora nos períodos de 09/1968 a 12/1988 e 04/1989 a 1992, com a conseqüente concessão de Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição, a contar da data do requerimento na via administrativa.
Do agravo retido
Em atenção ao disposto no artigo 523, §1º, do CPC/1973, conheço do retido, interposto pela parte autora, já que requerida expressamente a sua análise em sede recursal. Ressalto que não se aplica, no caso, o novo regramento do CPC/2015, porquanto a decisão proferida objeto de recurso foi publicada anteriormente à sua vigência.
A parte autora requer a apreciação do Agravo Retido interposto contra a decisão que indeferiu a realização de prova testemunhal, a fim de que fosse apurado o desempenho de atividade rurícola nos períodos controvertidos.
Não merece prosperar a pretensão porque os elementos trazidos aos autos são suficientes para constituir o convencimento deste juízo ad quem, levando-se em conta ainda os princípios da economia e celeridade processual.
Assim sendo, nega-se provimento ao agravo retido.
Da comprovação do tempo de atividade rural
Tratando-se de rurícola, cumpre ao julgador valorar os fatos e circunstâncias evidenciados com ênfase no artigo 5.º da Lei de introdução às normas do direito brasileiro - LIDB, e levar em conta a realidade social em que inserido o trabalhador rural, na qual predomina a informalidade na demonstração dos fatos. Vale lembrar que não se mostra razoável exigir que os documentos carreados ao processo sigam sempre a forma prescrita em lei, por isso devem ser considerados válidos quando de outra forma atingir a finalidade precípua de comprovar o exercício da atividade rural, consoante disposto no art. 244 do CPC.
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, a teor do art. 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/1991, Súmula n.º 149 do STJ e REsp n.º 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1.ª Seção, julgado em 10-10-2012, DJe 19-12-2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo. Outrossim, não há impedimento a que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período requerido, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n.° 73 desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa.
Tal orientação, agora sumulada, decorre da própria interpretação possibilitada pelo art. 11 da Lei de Benefícios, que define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo certo, repita-se, que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo genitor ou cônjuge masculino (AgRg no AREsp 363462, STJ, 1.ª T, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 04/02/2014; AgRg no REsp 1226929/SC, STJ, 5.ª T, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 14/11/2012).
Assim, a qualificação de lavrador ou agricultor em atos do registro civil tem sido considerada, também, como início de prova material, se contemporânea aos fatos, podendo estender-se ao cônjuge, se caracterizado o regime de economia familiar (AgRg no AREsp 517671/PR, 2.ª T, Rel. Min. Assussete Magalhães, DJe de 21/08/2014 e AgRg no AREsp 241687/CE, STJ, 6.ª T, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 11/03/2013).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (integrantes do grupo familiar, proprietários de terras, arrendatários).
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes a respeito do boia-fria:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. (...) (grifo nosso)
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12/03/2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1043663/SP, 6.ª T, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, DJe de 01/07/2013 e AgRg no REsp 1192886/SP, 6.ª T, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 26/09/2012).
(Da dispensa) do recolhimento de contribuições
Sobre a matéria, dispõe a Lei n.º 8.213/91, ipsis literis:
Art. 55, §2.º - O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
Já o art. 96, que regula os critérios dentro dos quais a contagem recíproca é admitida, consigna em seu inciso IV:
Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
(...) IV- O tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de 0,5% ao mês, capitalizados anualmente, e multa de 10%". (redação dada pela MP nº 2.022-17, de 23/05/2000, atual MP nº 2.187-13, de 24/08/2001)
O correto alcance e aplicação dos dispositivos referidos foi objeto de julgamento nos Tribunais Superiores, onde restou consignado (1) que o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei n.º 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2.º do art. 55, acima transcrito, salvo para carência (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1465931/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 09/12/2014; AR 3902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 07/05/2013), e (2) que não cabe indenização das exações correspondentes ao interregno de trabalho rural (constante do inciso IV do art. 96, também transcrito) nos períodos nos quais o trabalhador rural estava desobrigado de contribuir ao Regime Geral de Previdência Social, justificando-se a imposição da indenização apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviço público (AgRg no REsp 1413730/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, 2.ª Turma, DJe de 09/12/2013; REsp 1266143/SP, Rel. Jorge Mussi, 5.ª Turma, DJe de 09/10/2014).
No que tange ao termo inicial de eventual indenização, tratando-se o tributo para custeio do sistema de benefícios da Previdência Social como integrante da espécie contribuição social, a sua incidência deve observar o ditame do art. 195, §6.º, da Constituição Federal. Dessarte, as exações em comento, a princípio só poderiam ser exigidas após noventa dias da data da publicação da lei que as instituiu, de sorte que, tendo a normativa de regência sido publicada em 25 de julho de 1991, a data de início da cobrança das contribuições previdenciárias seria dia 22 de outubro daquele ano, à míngua da correspondente fonte de custeio de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, posicionamento, aliás, já assentado no art. 184, inc. V, do Decreto n.º 2.172/97 e no art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/1999, o qual expressamente refere que o tempo de contribuição do segurado trabalhador rural anterior à competência de novembro de 1991 será computado. Assim, possível a extensão daquela data até 31/10/1991.
Concluindo, observamos as seguintes possibilidades: (1) o tempo de trabalho rural anterior a 31/10/1991 pode ser aproveitado para fins de aposentadoria dentro do RGPS independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias (exceto para os fins de carência); (2) o mesmo período pode ser aproveitado para aposentação em regime diverso do RGPS, mediante indenização (art. 96, IV, da Lei 8.213/91); (3) o aproveitamento de período posterior a 31/10/1991 sempre implica indenização.
Por fim, ressalte-se que o tempo de serviço rural sem o recolhimento das contribuições, em se tratando de regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família como aos demais dependentes do grupo familiar que com ele laboram (STJ - REsp 506.959/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 07/10/2003 e REsp n.º 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, decisão de 06/05/2004).
Do caso concreto
Transcreve-se o depoimento da parte autora, o qual ensejou o indeferimento da produção da prova testemunhal bem como o improvimento da ação:
"Pelo Juiz: a senhora nasceu em que ano?
Depoente: 1956.
Pelo Juiz: a senhora morava com os seus pais durante a infância e a adolescência?
Depoente: morei sempre com meus pais.
Pelo Juiz: a senhora chegou a casar?
Depoente: cheguei a casar, mas só pelo religioso.
Pelo Juiz: em que ano a senhora casou?
Depoente: 1987. Pelo Juiz: e até casar a senhora morava com seus pais?
Depoente: morei com meus pais.
Pelo Juiz: e depois de casada a senhora foi morar com seu marido?
Depoente: fui morara com meu marido em São José dos Ausentes.
Pelo Juiz: e seus pais trabalhavam no quê?
Depoente: meu pais trabalhavam com pecuária.
Pelo Juiz: quantos hectares tinham seus pais?
Depoente: uns 6, 7 mil hectares?
Pelo Juiz: quantos?
Depoente: 5, 6...
Pelo Juiz: hectares ou mil hectares?
Depoente: mil hectares, mil hectares.
Pelo Juiz: eles tinham 5 mil hectares?
Depoente: 5 milhões de campo... não... ai... eles tinham 5, 6 milhões de campo...
Pelo Juiz: tá... era 500 hectares, 600 hectares.
Depoente: é, é, é...
Pelo Juiz: e eles tinham pecuária?
Depoente: tinham pecuária, faziam queijo...
Pelo Juiz: seus pais tinham empregado rural?
Depoente: não tinham empregado, naquela época não.
Pelo Juiz: capataz?
Depoente: não. Mais tarde, depois que eu tava com uma certa idade, sim, mas naquela época assim... logo que eles casaram que nós éramos pequenos eles não tinham capataz.
Pelo Juiz: ele se aposentou como rural o seu pai?
Depoente: sim, como rural, os dois.
Pelo Juiz: a senhora se casou em 87?
Depoente: 87.
Pelo Juiz: e os eu marido fazia o quê?
Depoente: plantava batata.
Pelo Juiz: e antes do casamento, a senhora estudou na cidade ou no campo onde a senhora estava?
Depoente: assim, nós somos em duas irmãs. Daí os primeiros anos o pai nos deu aula em casa. Isso não consta no meu histórico escolar. Assim... daí nós fomos estudar em Canela, que o meu avô tinha uma casa lá em Canela.
Pelo Juiz: e com quantos anos a senhora foi pra Canela?
Depoente: fui com quase 9 anos. E daí eu entrei no 2º ano e a minha irmã entrou no 3º que o pai tinha nos ensinado em casa já. A gente já sabia ler...
Pelo Juiz: em que ano a senhora voltou de Canela?
Depoente: em que ano?
Pelo Juiz: é.
Depoente: foi em setenta e... ensino médio.... 74.
Pelo Juiz: então dos 9 anos até o ensino médio a senhora não (inaudível)...
Depoente: não, a gente parava em Canela com a mãe lá e nos fins de semana o pai nos buscava pro sítio.
Pelo Juiz: mas a morada era lá?
Depoente: não... a morada era... é... porque daí e a gente passava as férias assim...
Pelo Juiz: passavam as férias com o pai.
Depoente: julho e de dezembro a março a gente ficava no sítio, e nos fins de semana também.
Pelo Juiz: sim. Mas no dia a dia era em Canela.
Depoente: de segunda a sexta era estudando.
Pelo Juiz: entendi. Daí isso foi até que ano?
Depoente: até 1974. até terminar o ensino médio.
Pelo Juiz: e depois de 74 a senhora morou aonde?
Depoente: depois de 74 eu fiz faculdade, daí eu não morei no sítio.
Pelo Juiz: de 74 até que ano a senhora fez faculdade?
Depoente: até 80.
Pelo Juiz: até 80.
E a senhora se formou em quê?
Depoente: me formei em agronomia.
Pelo Juiz: agronomia? A senhora é diretora (inaudível)... foi o seu pai que pagava a faculdade?
Depoente: era federal.
Pelo Juiz: federal?
Depoente: federal.
Pelo Juiz: de Porto Alegre?
Depoente: UFPEL de Pelotas.
Pelo Juiz: ah, Pelotas. Morava aonde?
Depoente: naquela época a gente não pagava transporte, não pagava alimentação, não pagava faculdade, não pagava nada. Era uma maravilha!
Pelo Juiz: eu queria ter vivido nessa época.
Depoente: é... verdade.
Pelo Juiz: e a senhora se formou em mil novecentos e...
Depoente: 80.
Pelo Juiz: 80, tá. E daí depois que a senhora se formou?
Depoente: de 80 até eu casar eu exerci a minha profissão. Só que não tinha...
Pelo Juiz: de agrônoma...
Depoente: de agrônoma, só que era assim autônoma, era fazendo projetos, até eu trabalhei junto à Coral Agropecuária, sabe. Então eu não tenho documentos que comprovem isso, esse tempo que eu trabalhei autônoma.
Pelo Juiz: certo. O meu pai é engenheiro agrônomo, é seu colega.
Depoente: ah, é? Mas não estudou em Pelotas.
Pelo Juiz: não, não, fez em Vacaria. Na UCS em Vacaria. certo. E o seu marido era o quê mesmo?
Depoente: era agricultor, ele...
Pelo Juiz: vocês tinham casa na cidade?
Depoente: não, não, não não. Lá em São José dos Ausentes.
Pelo Juiz: a senhora sempre morou em São José dos Ausentes?
Depoente: o tempo em que fui casada sim.
Pelo Juiz: depois de formada.
Depoente: não. Eu me formei em 80, daí eu morei aqui em Bom Jesus na cidade. Continuava indo pro sítio aos fins de semana, né...
Pelo Juiz: vocês tinham casa aqui na cidade?
Depoente: tinha.
Pelo Juiz: onde é que ficava essa casa?
Depoente: fica... assim o senhor quer o endereço, o nome da rua? Travessa Santa Cruz, nº 77.
Pelo Juiz: Travessa Santa Cruz, e era dos seus pais?
Depoente: dos meus pais.
Pelo Juiz: eles tinham essa casa desde muito tempo ou compraram quando a senhora se formou?
Depoente: compraram acho que em 1980, por aí. Pelo Juiz: 1980.
Depoente: foi quando eu me formei. Eles moravam aqui, mas eles moravam de aluguel. Moraram acho que um ano, dois aqui de aluguel e daí quando eu me formei que eu vim embora eles compraram a casa.
Pelo Juiz: eles moravam de aluguel no quê? Quem é que alugava pra eles?
Depoente: quem que alugava?
Pelo Juiz: é.
Depoente: era um conhecido nosso. Um prédio ali em frente a prefeitura.
Pelo Juiz: e isso daí oi então antes da senhora se formar?
Depoente: foi, mas acho que um ano antes, só. Senão eles moravam no sítio, que daí que eu me formei eles vieram embora.
Pelo Juiz: e depois do tempo de casada a senhora não tinha casa na cidade?
Depoente: não tinha, não tinha não, não.
Pelo Juiz: e sempre exerceu essa atividade de agrônoma?
Depoente: exerci logo que eu me formei e logo que eu fui casada eu dava assistência técnica, porque o meu marido e o pai dele eram plantadores de batata semente, então tinha que ter um agrônomo.
Pelo Juiz: em quantos hectares o seu marido trabalhava?
Depoente: ah... agora me apertou... faz muitos anos que eu me separei, não me lembro mais.
Pelo Juiz: não tinha empregados o seu marido?
Depoente: tinha empregados na lavoura sim, sim. Levava as pessoas de São José dos Ausentes pra plantar e pra colher.
Pelo Juiz: sempre teve o auxílio de mão-de-obra...
Depoente: sim, sim, sim.
Pelo Juiz: tá certo. Ele ainda planta batata?
Depoente: não.
Pelo Juiz: por quê pararam?
Depoente: eu não sei...
Pelo Juiz: em quantos hectares o seu marido plantava batata?
Depoente: ah, eu não me lembro. Eu não sei porque faz muito tempo, faz 20 anos que eu me separei, então eu nem sei mais o quê que ele faz. Só sei que não planta mais batata.
Pelo Juiz: certo. Encerro o depoimento."
Requer a autora o reconhecimento do desempenho de atividade rural em regime de economia familiar nos períodos de 09/1968 a 12/1988 e de 04/1989 a 1992.
Como a própria autora afirma, a mesma residiu em meio urbano a partir de seus nove anos, juntamente com sua mãe, na cidade de Canela/RS, para fins de viabilizar seus estudos. Ficou estudando nessa cidade até a conclusão do ensino médio em 1974. Alega que ia para o sítio do pai nos fins de semana e durante as férias escolares. Entretanto, ainda que pudesse frequentar o sítio do pai, e, eventualmente desempenhar alguma atividade rurícola nesses intervalos (fins de semana e férias escolares), sua situação familiar não se amolda à categoria de segurado especial prevista pela legislação previdenciária. Com efeito, tal categoria de trabalhador rural pressupõe o trabalho em regime de economia familiar, sendo esse definido como "a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes" (art. 11, § 1º, Lei nº 8.213/91). Verifica-se que sua mãe residia com as filhas em meio urbano e o pai residia no sítio. Ademais, impossível até mesmo a caracterização de seu pai como segurado especial individual (possibilidade prevista no art. 11, VII, Lei nº 8.213/91), uma vez que as terras da família possuíam área superior a 500 hectares (conforme declarações da autora e documento de fl. 11).
No período subsequente, entre 1974 e 1980, também é impossível o reconhecimento da atividade rural, já que, nesse intervalo, a autora foi residir na cidade de Pelotas/RS, para cursar a universidade.
Quando retornou de Pelotas, em 1980, e até seu casamento, em 1987, também é inviável o reconhecimento da atividade rurícola, posto que seus pais já estavam residindo em área urbana (compraram a casa que anteriormente alugavam em Canela). Ademais, a própria autora alegou que exercia sua profissão de agrônoma nesse período: "(...) de 80 até eu casar eu exerci a minha profissão (...) de agrônoma, só que era assim autônoma, era fazendo projetos, até eu trabalhei junto à Coral Agropecuária, sabe. Então eu não tenho documentos que comprovem isso, esse tempo que eu trabalhei autônoma (...)".
No intervalo de 02/12/1988 a 29/5/1989, a autora foi empregada do Banco do Brasil, conforme se verifica em sua CTPS (fl. 36), de modo que é inviável o reconhecimento do labor rural durante os postulados meses de abril e maio de 1989.
Por fim, após seu casamento a autora, inicialmente, permaneceu exercendo a profissão de agrônoma na lavoura do esposo: "(...) exerci logo que eu me formei e logo que eu fui casada eu dava assistência técnica, porque o meu marido e o pai dele eram plantadores de batata semente, então tinha que ter um agrônomo (...)". Inviável o reconhecimento do período já que se tratava de grande propriedade, na qual era utilizada mão de obra de empregados.
Desse modo, a partir das declarações prestadas pela própria segurada, impõe-se a improcedência do pedido.
Mantida a sentença.
Das Custas Processuais e dos Honorários Advocatícios
Sendo sucumbente a parte autora, deverá arcar com o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados esses em R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), observada, entretanto, a suspensão da exigibilidade do pagamento de tais verbas por litigar sob o pálio da Gratuidade de Justiça.
Conclusão
Em conclusão, deve ser negado provimento ao recurso da parte autora, indeferindo-se seu pedido de reconhecimento do desempenho de atividade rural em regime de economia familiar nos períodos de 09/1968 a 12/1988 e 04/1989 a 1992.
Frente ao exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e ao recurso da parte autora.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/12/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002299-15.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00010765720148210083
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | MARA LUCI CASTILHOS |
ADVOGADO | : | Adelar Velho Varela e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/12/2016, na seqüência 56, disponibilizada no DE de 29/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO RECURSO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8768267v1 e, se solicitado, do código CRC 7A291EF5. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
| Data e Hora: | 14/12/2016 23:35 |
