APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033949-29.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | IRENE FERREIRA DE CARVALHO |
ADVOGADO | : | FABIANE DA SILVA GUILHEN |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. COISA JULGADA. OCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ART. 267, V, CPC. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
1. Verifica-se a ocorrência de coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada e já decidida por sentença da qual não caiba recurso, com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido; hipótese em que deve ser extinto o feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, V, do CPC.
2. O pagamento de multa em face de condenação por litigância de má-fé (CPC, arts. 17, III e 18, caput) não está compreendido no rol de isenções enumerado pela lei que dispôs sobre a Assistência Judiciária Gratuita (AJG, Lei nº 1.060/50).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora e dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de dezembro de 2015.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7992857v3 e, se solicitado, do código CRC 3A6DF76A. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033949-29.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | IRENE FERREIRA DE CARVALHO |
ADVOGADO | : | FABIANE DA SILVA GUILHEN |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a concessão de aposentadoria rural por idade em razão do desenvolvimento de atividades rurais na condição de boia-fria.
Sentenciando, o juízo "a quo" julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, ante a ocorrência de coisa julgada, na forma do art. 267, V, do Código de Processo Civil. Condenou a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, dos honorários advocatícios fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), e da multa de 1% sobre o valor da causa, por litigância de má-fé, suspendendo a exigibilidade, nos termos da Lei 1.060/50.
Inconformada, a parte autora apelou requerendo a reforma da sentença com a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, com averbação do labor rural no período de 1971 a 2014. Sustenta que juntou novos documentos que comprovam a continuidade no trabalho rural.
O INSS recorreu adesivamente por entender que a assistência judiciária gratuita não isenta do pagamento da multa por litigância de má-fé.
Com contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
COISA JULGADA
Consoante dispõe o art. 301 do CPC, a coisa julgada se verifica quando há repetição de ação que já foi decidida por sentença de que não caiba mais recurso, considerando-se idêntica à outra aquela ação que tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
No caso em exame, a parte autora completou 55 anos de idade em 18/04/2007 e ajuizou a presente ação pretendendo a concessão do benefício de aposentadoria rural por idade, desde o requerimento administrativo (DER 30/07/2007 - evento1, OUT6, fl. 01), em razão do desenvolvimento de atividades rurais na condição de boia-fria.
Na ação nº 2011.70.61.000293-4 (5001901-62.2012.4.04.7011), também postulou a autora a concessão de aposentadoria por idade rural. A sentença julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:
A parte autora pleiteia a concessão de benefício de aposentadoria por idade rural (art. 143 da Lei nº 8.213/91).
(...)
No caso concreto, tendo a parte autora nascido em 18.04.1952 (PROCADM1), implementou o requisito etário necessário à concessão da aposentadoria por idade rural em 18.04.2007 nos termos do artigo 48 da LB.
Destarte, segundo a tabela progressiva do art. 142 da LB, para ter direito à aposentadoria, a parte autora deve comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, pelo período de carência mínimo de 156 meses, o que equivale a 13 anos, no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, ou imediatamente anterior ao requerimento administrativo, formulado em 30.07.2007.
A parte autora apresentou, dentre outros, os seguintes documentos, que servem de início de prova material de sua atividade rural:
a) Certidão de casamento (CERTCAS7, evento 1), cujo assento se deu em
27.11.1971, na qual seu marido foi qualificado como lavrador;
b) Contrato de parceria agrícola, datado de 29.08.1984, na qual figura como parceiro o marido da autora (OUT8, evento 1);
c) Certidão de matrícula imobiliária, na qual a autora e seu marido figuram como donatários de uma área de terras rurais, com reserva de usufruto vitalício, cujo registro se deu em 09.02.1994 (PROCADM9/11, evento 1);
d) CCIR de 1993/1994 em nome do marido (PROCADM12, evento 1);
e) notas fiscais de venda de café em nome do marido, nos anos de 1991,1993 (OUT13 e PROCADM14, evento 1);
f) Históricos escolares dos filhos, nos quais se verifica que estudaram em escola rural na década de 1980 até início da década de 1990 (OUT22/23, evento 1);
g) Certidão de casamento, cujo termo foi lavrado em 1990, na qual o marido da autora e ela, na qualidade de esposa, figuraram como testemunha e foram qualificados como agricultores (PROCADM24).
Anote-se que este Juízo não reconhece como início de prova material declarações de sindicatos rurais e fichas gerais de atendimentos, eis que são confeccionadas com base em informações unilaterais do interessado.
É de se ressaltar que os documentos em nome do marido da autora somente servem para comprovar o labor rural dessa enquanto ele esteve vinculado ao campo, como bem afirmou a parte ré. No caso, os documentos constantes nos autos revelam que o marido da autora exerceu atividade urbana, como empregado, nos períodos de 13.11.1981 a 09.11.1982 e 14.11.1991 a 02.12.1993 e teve uma microempresa (Padaria) no período de 01.09.1994 a 30.04.2004 (PROCADM25 e PROCADM28, evento 1).
Considerando que os documentos rurais em nome do marido da autora datam de 1971, 1984, 1990, 1991, 1993 e 1994, observo que nos anos de 1991, 1993 e 1994 o marido dela exercia atividade urbana e posteriormente continuou no meio urbano, sendo-lhe concedida aposentadoria por tempo de serviço/contribuição em 2006 (INFBEN3, evento 2). Neste contexto, os documentos rurais em nome do marido não servem para comprovar o labor rural alegado pela autora.
Em nome da autora consta apenas certidão de casamento, em que ela figurou como testemunha e foi juntamente com o marido ("Fernando e esposa") qualificada como agricultora em 1990 (letra "g") e matrícula de imóvel rural que ela, na qualidade de esposa, recebeu do pai do marido (letra "c") em 1994. Referidos documentos elaborados em 1990 e 1994 podem revelar apenas o labor da autora no início do período de carência (1994 a 2007).
Registre-se que as declarações de produtores rurais apresentadas têm valor semelhante à prova testemunhal.
Na inicial a autora alega que trabalhou como bóia-fria/diarista e em regime de economia familiar, de 1971 a 2007, no município de Marilena, com café, algodão, milho, mandioca, arroz e algodão.
Em depoimento ("AUDIO MP32" - evento 17) afirmou a autora que sempre foi da roça, tendo começado trabalhar, desde pequena, com seu pai, que era porcenteiro. Depois que se casou, trabalhou na diária para João de Souza, em cuja propriedade também morava. Em seguida, ela e seu marido trabalharam como porcenteiros na propriedade de João de Deus, mas após o falecimento deste, voltaram a trabalhar para João de Souza. Alega que seu marido trabalhou por cerca de 9 meses numa barragem, mas depois ele retornou para a roça. Trabalharam também na chácara do pai de seu marido, como porcenteiros, colhendo café e plantando milho. Depois se mudaram para a cidade de Marilena, quando voltou a trabalhar na diária para o proprietário João de Souza e seu marido foi trabalhar na padaria do filho. Depois, disse que começou a trabalhar para Juarez Afonso de Souza, filho de João de Souza. Nessa propriedade trabalhou de 1997 a 2008. Disse a autora que embora a família toda trabalhe no meio urbano e ela nunca gostou desse tipo de trabalho, pois distraía-se mais com o labor rural.
Conforme já esclarecido nos autos, a padaria referida pela autora como sendo do filho dela estava em nome do marido dela. O filho, Carlos César de Carvalho, possui vínculos urbanos como empregado, na Construção Civil, nos períodos de 11.10.1991 a 12.02.1993, 08.04.1996 a 01.10.1998 e vínculo com a Câmara Municipal de Marilena de 2001 a
2011, no mínimo (evento 25).
Durante diligência realizada no processo administrativo, o marido da autora disse que a padaria pertenceu a ele até 2003 e que dificilmente a autora trabalhava na padaria. Há informação de que o atual proprietário da padaria chama-se Ilton e está no local há 1 ano. Os vizinhos ouvidos se contradisseram quanto a autora ter ou não laborado na padaria. A vizinha Vilma Saraiva disse que a autora e o marido tiveram padaria por muitos anos, sendo que a autora laborava nos fundos da padaria e às vezes ficava em casa, não possuindo outro trabalho. Disse que eles venderam a padaria há 5 anos (PROCADM30, evento 1).
A testemunha João Lourenço da Silva disse que a autora morava no município de Marilena, no sítio de José Nunes com o pai (café) e depois se mudou para o sítio de João de Souza, sítio Nossa Senhora Aparecida. Contou que ela trabalhou para João de Deus, com café, juntamente com o marido. O marido foi trabalhar na barragem e ela continuou trabalhando na roça (para João de Souza, Joarez). Trabalhou de 1984 a 1992 para João de Souza. Após esse período foram morar na cidade e o filho passou a ter padaria, mas a autora continuava na diária. Depois da barragem a autora e o marido trabalharam na chácara do sogro, de 2 alqueires, no café, com ajuda dos filhos. Isso em 1980-1985, até 1992. Não lembra o nome da chácara. O marido passou a trabalhar na padaria junto com o filho e a nora. A autora permaneceu como bóia-fria, para Juarez, com acerola e mandioca, tendo laborado até 4/5 anos atrás. A autora ia a pé ou de camioneta, pois era perto (evento 17).
A testemunha Antônio Aparecido Rabelo disse que conhece a autora há mais de 20 anos. Quando a conheceu ela morava no sítio de João de Deus e trabalhava na lavoura de café para João de Souza, juntamente com o marido ("eles" eram porcenteiros). Afirmou que sempre via a autora trabalhando e que o marido não trabalhava na área urbana, apenas eventualmente entregava pães da padaria do filho. Disse que ela trabalhou a última vez para Joarez de Souza. Disse que nunca trabalharam juntos e que ele (testemunha) reveza os serviços entre diária e servente de pedreiro. Questionado, disse que a autora trabalhou por porcentagem nas terras do sogro e o marido ajudava e que sabe disso porque ia na chácara pegar frutas que a família da autora dava para ele. Afirmou que a padaria era do César, filho, que ganhou um dinheiro na barragem e pôde comprar, sendo que só a nora trabalhava no local, a autora não.
Observo que tanto a autora como as testemunhas insistem que a padaria pertencia ao filho casado e que a autora laborava na área rural, todavia tais afirmações não se coadunam com os documentos já mencionados.
O proprietário João de Souza foi ouvido administrativamente e disse que a autora e o marido dela moraram em propriedade da família dele a partir de 1972, por uns 6 ou 7 anos, e que de 1978 a 1991 trabalharam como diaristas e moraram no sítio de João de Deus (PROCADM26, evento 1). Todavia, em declaração juntada aos autos o mesmo proprietário disse que a autora laborou em propriedade dele de 1987 a 1991 (OUT8, evento 1). O filho dele, Joarez Afonso de Souza, declarou que a autora trabalhou para ele de 30.09.1997 a 28.06.2007 (PROCADM12, evento 1). As testemunhas ouvidas no processo administrativo mencionaram o labor da autora para João de Deus, João de Souza e Joarez de Souza (PROCADM27).
Pelo conjunto probatório, reputo que a autora trabalhou no meio rural, todavia apenas até o marido iniciar o trabalho urbano. Os depoimentos prestados são firmes quanto aos períodos em que a autora laborava na área rural com o pai dela ou com o marido. Posteriormente, os depoimentos são fracos, contraditórios e dissonantes em relação aos documentos apresentados, revelando que ela deixou o meio rural juntamente com a família ainda no início da década de 90.
Por todo o exposto, reputo não comprovada a atividade rural da autora no período de carência (1994 a 2007), impondo-se a improcedência da demanda.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora.
No primeiro grau de jurisdição do Juizado Especial não há condenação em custas nem honorários advocatícios, diante do que dispõe os artigos 54 e 55 da Lei n. º 9.099/1995, aplicada ao Juizado Especial Federal por força do disposto no art. 1.º da Lei n.º 10.259/2001 (LJEF).
A sentença foi confirmada pela Turma Recursal. Verifica-se, portanto, que a demanda ajuizada anteriormente envolve as mesmas partes, causa de pedir e pedido da presente ação, sendo certo que a primeira já se encontra baixada e arquivada em face do trânsito em julgado ocorrido em 04/12/2012.
Neste sentido, deve ser observado o disposto no art. 474, do Código de Processo Civil:
"Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido."
Assim, verifico que a questão de fato deduzida em juízo é a mesma, reconhecimento de labor rural na condição de boia-fria para a concessão de aposentadoria rural por idade, de modo que o julgamento da presente ação envolveria necessariamente a reanálise do que decidido no processo anterior, tendo em vista que não houve reconhecimento do período postulado, imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e imediatamente anterior à data da entrada do requerimento.
Com efeito, ao valer-se desta ação, busca a parte autora instigar o Poder Judiciário para que novamente venha a se pronunciar sobre questão já posta à sua apreciação, sendo, torno a repetir, que os recursos disponíveis para obter pronunciamento jurisdicional já foram colocados à disposição do litigante naquela primeira ação.
No tocante à relativização da coisa julgada, peço vênia para reproduzir excerto do voto de relatoria do Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle, que apreciou a questão com a acuidade que lhe é peculiar, por ocasião da do julgamento da ação rescisória nº 2009.04.00.027595-8/SC pela 3ª Seção deste Tribunal:
"Não há dúvida de que em direito previdenciário muitas vezes o rigor processual deve ser mitigado. Não se pode, todavia, ignorar os limites expressamente estabelecidos pela legislação processual e, mais do que isso, ditados pelos princípios que informam o direito processual e o próprio ordenamento, sendo certo que coisa julgada goza de expressa proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXVI) a bem da segurança jurídica, pilar fundamental do estado de direito. Inviável, assim, a relativização da coisa julgada em matéria previdenciária ou mesmo se entenda pela formação de coisa julgada secundum eventum probationem em todas as situações nas quais a sentença considere frágil ou inconsistente a prova documental do alegado trabalho rural.
Oportuna a transcrição de excerto no qual Eduardo Talamini aborda o tema:
Em um dos campos em que a incidência da coisa julgada tem se revelado mais delicada - o das ações sobre filiação - tem-se cogitado de excluir essa autoridade das sentenças que se amparam nos critérios de distribuição do ônus da prova ou julgam com base em presunções. Cabe aqui examinar a questão à luz do ordenamento vigente. Como proposta de lege ferenda, o tema é enfrentado no capítulo 15.
Nos processo de cognição exauriente, vigora a regra geral no sentido de que mesmo a sentença que julga o mérito tomando em conta a falta ou insuficiência de provas (i. e., que aplique as regras sobre ônus da prova) faz coisa julgada material.
O estabelecimento de ônus probatórios para as partes visa a fornecer para o juiz critérios para decidir naqueles casos em que não foi possível produzir as provas suficientes para formar seu convencimento. É então uma "regra de juízo". O processo, por um lado, não pode ter duração indeterminada no tempo. Não é possível passar a vida inteira tentando descobrir a verdade - até porque, em termos absolutos, a verdade é inatingível. A atuação jurisdicional para cada caso concreto tem de, em um determinado momento, terminar, sob pena de sua prolongada pendência ser até mais prejudicial, no âmbito social, do que os males que o processo buscava eliminar. Por outro lado, o juiz não pode eximir-se de decidir apenas porque tenha dúvidas quanto à "verdade dos fatos". Trata-se do princípio de vedação ao non liquet. O juiz terá necessariamente de chegar a uma decisão, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Então, a atribuição de ônus da prova às partes serve de critério - o último recurso - para o juiz decidir nesses casos. O legislador, tomando em conta situações de anormalidade, identifica qual das partes em princípio mais facilmente comprovaria um fato, atribuindo-lhe o ônus de prová-lo. Quando o juiz, a despeito de ter adotado todas as providências razoáveis para reconstrução dos fatos da causa, não houver conseguido formar convencimento a esse respeito, ele deverá aplicar as regras sobre ônus probatório - decidindo contra aquele que não produziu a prova que lhe incumbia.
Pois bem, nesses casos, em regra, formar-se-á a coisa julgada material. A mesma razão que justifica decidir com amparo no critério da distribuição do ônus - evitar a prolongação excessiva do litígio e afastar a insegurança jurídica - legitima igualmente a atribuição de coisa julgada material à decisão a que se chegue.
A cognição não se tornará "sumária" porque o juiz decidiu tomando em conta o ônus da prova ou se amparou em presunções. Se a cognição era exauriente, cognição exauriente continuará havendo. Afinal, não é, em si e por si, mensurável o grau de convencimento de que é dotado o juiz no momento em que sentencia acerca do mérito. Eventualmente, não há plena convicção pessoal do magistrado quanto aos fatos, e ele mesmo assim acaba tendo de decidir, valendo-se de máximas da experiência ou dos critérios de distribuição dos ônus probatórios. Mas a falta de plena convicção pode ocorrer até mesmo quando o juiz sentencia amparando-se em provas ditas "diretas". Por isso, não é o grau de convencimento pessoal do juiz, no momento da sentença, que permite qualificar a atividade cognitiva então encerrada como exauriente ou não. O adequado critério para tal classificação (sumário versus exauriente) é dado por aquilo que se fez antes, no curso do processo - melhor dizendo: por aquilo que o procedimento legalmente previsto possibilitava fazer para chegar à decisão. Processo cujo momento da sentença encontra-se depois de ampla permissão de instrução e debate é de cognição exauriente. Já quando a lei prevê que o pronunciamento judicial não será precedido de tal leque de oportunidades, a cognição é sumária (superficial). Resumindo: a estrutura procedimental instrutória repercute necessariamente na qualificação da cognição. A psicologia do juiz, seu efetivo "grau de convencimento", é insondável.
Portanto, se é exauriente a cognição desenvolvida, e na medida em que a sentença em questão julga o mérito, aplicam-se as regras gerais: há coisa julgada material. Em princípio, a reunião de novas ou melhores provas não permitirá nova ação sobre o mesmo objeto entre as mesmas partes.
Só não será assim, excepcionalmente, por expressa disposição legal. É o que ocorre, por exemplo:
(a) na ação popular (art. 18, da Lei 4.711/1965): a sentença de improcedência por falta ou insuficiência de provas não faz coisa julgada material. Tanto o autor quanto qualquer outro cidadão poderá tomar a propor exatamente a mesma ação popular (mesmos réus, mesmo pedido, mesma causa de pedir), reunindo novos elementos instrutórios destinados a demonstrar a lesividade do ato;
(b) na ação coletiva em defesa de direito difuso ou coletivo (CDC, art. 103, I e II, Lei 7.347/1985, art. 16): aplica-se regime semelhante ao da ação popular. Se a ação foi julgada improcedente porque faltaram provas ou elas foram insuficientes, qualquer legitimado, inclusive o que foi autor da ação rejeitada, pode repetir a mesma ação;
(c) no mandado de segurança: quando não há prova documental suficiente, a sentença que o juiz profere não faz coisa julgada material (Lei 1.533/1951, art. 6°, c/c arts. 15 e 16; STF, Súm. 304). Discute-se, porém, qual o exato motivo pelo qual não se põe essa autoridade. Parte da doutrina e da jurisprudência reputa que não é de mérito tal sentença: terá faltado um pressuposto processual ou condição da ação, de caráter especial, consistente na prova preconstituída (o "direito líquido e certo"). Mas há quem sustente que a sentença, nessa hipótese, é de cognição superficial de mérito. O mandado de segurança seria, então, ação de cognição sumária secundum eventum probationes: se há prova preconstituída a respeito de todos os fatos relevantes, juiz desenvolveria cognição exauriente; ausente esse "direito líquido e certo", apenas se teria cognição superficial.
Em todas essas hipóteses, há disposição legal expressa estabelecendo disciplina própria para a coisa julgada. E, em todas, especiais razões justificam o tratamento especial: (nos dois primeiros exemplos, a regra em exame presta-se a atenuar as conseqüências da extensão da coisa julgada a terceiros; no terceiro, é uma contrapartida à exclusiva admissão de prova preconstituída).
Portanto, a extensão desse regime a outros tipos de processo depende de norma expressa a respeito. Mais ainda: a alteração legislativa apenas se justifica, em cada tipo de caso, se se fundar em razoáveis motivos.
(TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: RT. 2005. pp. 58/61)
Até se poderia se cogitar de coisa julgada secundum eventum probationem a partir da concepção de que o judiciário exerce controle de legalidade dos atos administrativos. Desta forma, formulado um novo requerimento administrativo, e admitindo a Administração a rediscussão da matéria decidida no processo administrativo anterior, abrir-se-ia campo fértil à defesa da possibilidade de novamente a questão ser submetida ao Judiciário, o qual estaria se limitando a apreciar a legalidade do proceder do ente público.
Logo, inadmite-se a relativização da coisa julgada no caso dos autos, sob pena de instaurar séria insegurança e instabilidade na relação jurídico-processual definitivamente julgada.
Dessa forma, verifica-se a ocorrência de identidade dos elementos identificadores da ação entre as duas demandas (partes, pedidos e causa de pedir), razão pela qual se impõe a extinção do processo sem resolução do mérito, por força da coisa julgada, nos termos do art. 267, V, do Código de Processo Civil.
Mantida a condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade resta suspensa por litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita.
Da pena por litigância de má-fé
A concessão da gratuidade judiciária não alcança a condenação por litigância de má-fé, pois não se pode admitir que o benefício sirva de incentivo à propositura de lides temerárias, conforme precedentes deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM EXAME DO MÉRITO. COISA JULGADA. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. AJG. MANUTENÇÃO.
1. Correta a imposição da condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé, nos termos dos arts. 17, II e 18 do CPC, bem como o valor de 1% sobre o valor da causa.
2. O pagamento de multa em face de condenação por litigância de má-fé (CPC, arts. 17, III e 18, caput) não está compreendida no rol de isenções enumerado pela lei que dispôs sobre a Assistência Judiciária Gratuita (AJG, Lei nº 1.060/50).
3. Majoração da verba honorária de acordo com os parâmetros estabelecidos nesta Corte. Manutenção da AJG. (AC 0009269-65.2015.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E11/09/2015)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AJG. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
1. O pagamento de multa em face de condenação por litigância de má-fé (CPC, arts. 17, III e 18, caput) não está compreendida no rol de isenções enumerado pela lei que dispôs sobre a Assistência Judiciária Gratuita (AJG, Lei nº 1.060/50). 2. Apelação improvida.
(AC n° 20037100050998-4, Rel. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Terceira Turma, unânime, julgado em 05-09-05, DJ 28-09-05, p. 815)
Assiste razão ao INSS, portanto, devendo ser provido o seu recurso, porquanto a concessão do benefício da AJG não exonera a parte do pagamento da multa por litigância de má-fé.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora e dar provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/12/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033949-29.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00016041520148160121
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas |
APELANTE | : | IRENE FERREIRA DE CARVALHO |
ADVOGADO | : | FABIANE DA SILVA GUILHEN |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15/12/2015, na seqüência 347, disponibilizada no DE de 30/11/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
: | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT | |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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