APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017094-37.2014.4.04.7112/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | MANOEL JOAO RAMOS DE ABREU |
ADVOGADO | : | IMILIA DE SOUZA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. EFICÁCIA PRECLUSIVA. CAUSA DE PEDIR NÃO EXAMINADA EM DECISÃO ANTERIOR. PRINCÍPIOS DA SUBSTANCIAÇÃO DA DEMANDA E DA FUNDAMENTAÇÃO QUALIFICADA DAS DECISÕES.
Questões de fato que não foram deduzidas na ação anterior, mas que guardam autonomia relativamente às que foram alegadas, não ficam cobertas pela preclusão, porque seu exame, para fins de procedência ou improcedência do pedido no novo processo, não significará tornar sem efeito ou mesmo rever a justiça da decisão dada na primeira demanda sobre as alegações que lá foram lançadas e resolvidas. Outros fatos serão examinados, ainda que com vistas a um mesmo pedido.
Estender-se a eficácia preclusiva da coisa julgada para além da questão de fato suscitada na demanda anterior, de forma a alcançar outras questões de fato que, individualmente, poderiam levar ao reconhecimento do mesmo direito, é violar o princípio da substanciação da demanda, o princípio da demanda e a própria garantia de acesso ao Poder Judiciário em caso de lesão a direito.
Entendimento que vem reforçado no novo Código de Processo Civil, ao estabelecer como princípios a fundamentação qualificada e o contraditório efetivo.
Incidência do art. 503 do Código de Processo Civil que limita o alcance da coisa julgada às questões decididas no processo anterior.
Se, na demanda anterior, houve pronunciamento quanto à exposição do autor a ruído, a alegação, em nova ação, de que foi exposto no mesmo período a agentes químicos, ainda que com vistas ao mesmo pedido - reconhecimento da especialidade do tempo de serviço - não implica em violação da coisa julgada ou na sua eficácia preclusiva. Ao decidir sobre o fato ora sob apreciação, não haverá incursão sobre as questões de fato objeto da ação anterior e sobre as conclusões delas decorrentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo da parte autora para anular a sentença e determinar o processamento do feito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de junho de 2018.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017094-37.2014.4.04.7112/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | MANOEL JOAO RAMOS DE ABREU |
ADVOGADO | : | IMILIA DE SOUZA |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária proposta por MANOEL JOAO RAMOS DE ABREU contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, postulando a concessão de aposentadoria especial (NB 141.350.430-0, com DER em 15/09/2006), mediante o reconhecimento da natureza especial, prejudicial à saúde ou à integridade física, de atividades laborais que alega ter desenvolvido no período de 03/04/1995 a 15/09/2006.
Sentenciando, em 16/03/2015 , o juízo a quo julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, em razão da coisa julgada, com fundamento no art. 267, inciso V, §3º, do Código de Processo Civil. Sem condenação em custas e honorários advocatícios, ante o deferimento da AJG (evento 3, sent 1).
O autor apela sustentando o afastamento da coisa julgada, uma vez que, na ação nº 2007.71.12.000978-9, ajuizada anteriormente, não foi realizada a perícia judicial e o PPP juntado aqueles autos não trazia a descrição das atividades e tampouco os agentes nocivos a que estava exposto. Alega que juntou aos presentes autos nova prova, consubstanciada em novo PPP completo, o qual não constava no processo anterior, comprovando que esteve exposto a ruído e agentes químicos. Requer seja afastado o instituto da coisa julgada, reconhecida a especialidade do período de 03/04/1995 a 15/09/2006 e concedida a aposentadoria especial, desde a DER (15/09/2006), com inversão do ônus da sucumbência (evento 8, apelação 1).
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
COISA JULGADA
A coisa julgada é qualidade que se agrega aos efeitos da sentença, tornando indiscutível a decisão não mais sujeita a recurso (NCPC, art. 502), impedindo o reexame da causa no mesmo processo (coisa julgada formal) ou em outra demanda judicial (coisa julgada material).
Nos termos do do artigo 337, §§, 1º e 4º, do NCPC, haverá coisa julgada quando se reproduzir ação já ajuizada, com decisão transitada em julgado. Conforme o § 2º do mesmo artigo, considera-se que uma ação é idêntica à outra quando presente a "tríplice identidade", ou seja, quando se trata de nova demanda, com mesmas partes, pedido e causa de pedir.
Considerando que o modelo processual civil brasileiro adotou a teoria da substanciação da demanda (art. 319 do CPC), a causa de pedir compõe-se não apenas dos fundamentos jurídicos (causa de pedir próxima), como também dos fundamentos de fato alegados pela parte (causa de pedir remota). Em sendo assim, a alegação de fatos diferentes e independentes, ainda que buscando o mesmo enquadramento jurídico perseguido em demanda anterior, implica em causa de pedir diferente e, consequentemente, em demanda diversa, não se podendo falar em tríplice identidade e em coisa julgada.
Prevê, ainda, a lei processual, o instituto da eficácia preclusiva, um mecanismo de proteção das decisões de mérito transitadas em julgado, frente a eventuais modificações nas alegações que poderiam ter sido apresentadas na primeira ação e que só foram deduzidas na nova demanda:
Art.508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.
A eficácia preclusiva é instrumento de estabilização das relações jurídicas. Evita que as mesmas questões sejam decididas sucessivas vezes, sem limites, diante da mera mudança dos argumentos utilizados pelas partes.
Entretanto, como mecanismo de proteção que é, a eficácia preclusiva não é mais que a coisa julgada.
O art 503 do CPC estabelece que a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
É a questão principal decidida e os elementos que em torno desta questão gravitam que dão os contornos da coisa julgada. Dentro destas fronteiras é que funciona seu mecanismo de proteção, a chamada eficácia preclusiva dos motivos.
Assim, questões de direito que poderiam ter sido deduzidas na ação anterior para o enquadramento e extração de consequências jurídicas dos fatos então alegados por qualquer das partes, ou questões de fato que poderiam ser demonstradas de mais de uma forma, com um ou mais indícios, para buscar o enquadramento jurídico pretendido e dele extrair consequências, ficarão subsumidas na eficácia preclusiva, ou seja, deverão ser consideradas deduzidas e repelidas, ainda que não tenham sido diretamente alegadas e decididas.
No entanto, questões de fato que não foram deduzidas na ação anterior, mas que guardam autonomia relativamente às que foram, não ficam cobertas pela preclusão, porque seu exame, para fins de procedência ou improcedência do pedido no novo processo, não significará tornar sem efeito ou mesmo rever a justiça da decisão dada na primeira demanda sobre as alegações que lá foram lançadas e resolvidas. Outros fatos serão examinados, ainda que com vistas a um mesmo pedido.
O contrário significaria negar vigência ao art. 503 do Código de Processo Civil, que limita o alcance da coisa julgada, ou seja, o alcance da imutabilidade da sentença anterior, ao limite das questões que decidiu.
Transpondo-se o raciocínio para o caso dos autos, tem-se que o autor ajuizou anteriormente ação registrada sob nº 2007.71.12.000978-9, na qual postulou o reconhecimento da especialidade do labor nos períodos de 20/06/1973 a 09/05/1977, 02/09/1977 a 24/11/1982, 04/03/1983 a 14/10/1986, 03/02/1987 a 13/03/1989, 25/08/1989 a 20/03/1991 e 03/04/1995 a 15/09/2006 e a concessão de aposentadoria especial, desde o requerimento formulado em 15/09/2006 (evento 1, procadm 10, fl. 04).
Sobreveio sentença que reconheceu a especialidade dos períodos postulados, concedendo a aposentadoria especial (evento 1, procadm15, fl. 07), a qual foi posteriormente reformada pela Turma Recursal (evento 1, procadm 17, fl. 04), afastando a especialidade do labor no período de 03/04/1995 a 15/09/2006 e, consequentemente, a concessão de aposentadoria especial à parte autora.
Naquele feito, examinou-se se houve a exposição a ruído e concluiu-se que, embora tenha havido, por não ter sido permanente nem habitual, não haveria direto à contagem do tempo de serviço correspondente como especial.
Na presente ação, postula o demandante o reconhecimento da natureza especial do labor prestado no período de 03/04/1995 a 15/09/2006, na condição de empregado da empresa Ferramentas Gerais Comércio e Importação S/A, para que seja concedido o benefício de aposentadoria especial, desde a DER (15/09/2006).
A causa de pedir neste novo processo fundamenta-se em um novo fato - esteve exposto a agentes químicos. Esta exposição não foi objeto de alegação nem de análise na ação anterior.
Há portanto, uma nova questão de fato (ponto controvertido), qual seja: saber se o autor esteve sujeito a agentes químicos, no período de 03/04/1995 a 15/09/2006.
Este fato, se vier a ser reconhecido, permitirá o enquadramento do período na normativa de regência como tempo especial, com as consequências jurídicas daí decorrentes sobre a totalização do seu tempo de serviço.
Não houve alegação deste fato na ação anterior. Dele o INSS não se defendeu e sobre ele não houve instrução nem pronunciamento judicial. Sua alegação no curso da demanda anterior, houvesse sido feita após a contestação, seria inadmissível, diante do princípio da estabilização da demanda. Em tais condições, reconhecer que se tornou preclusa, é admitir a imutabilidade, por força da coisa julgada material, de algo que não foi alegado nem decidido.
O julgamento desta questão de fato, neste caso, não implicará em ofensa ao que foi decidido na ação anterior. Não se estará aqui dizendo (se acolhido o pedido) que o autor tem direito à contagem do tempo porque esteve sujeito a ruído de forma habitual ou permanente, mas sim (se acolhido o pedido) que tem direito à contagem do tempo porque esteve sujeito a agentes químicos (óleos e graxas).
A eficácia preclusiva estaria configurada, no caso, se o debate nos autos se processasse sobre questões relacionadas à alegação de exposição a ruído - questão de fato alegada no processo anterior. Se fosse admitido, por exemplo, que se debatesse sobre o conceito de habitualidade na exposição ao ruído para fins de enquadramento da atividade como especial, ou sobre a inconstitucionalidade da exigência da exposição habitual.
Estender-se a eficácia preclusiva para além da questão de fato suscitada na demanda anterior, de forma a alcançar outras questões de fato que, individualmente, poderiam levar ao reconhecimento do mesmo direito, é violar o princípio da demanda e a própria garantia de acesso ao Poder Judiciário em caso de lesão a direito.
O novo Código de Processo Civil reforça este entendimento, ao introduzir o princípio da fundamentação qualificada das decisões, em especial a regra constante no inciso V, do § 1º do art. 481, segundo o qual, não se considerará fundamentada a decisão que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.
Também o §1º do art. 503 indica a necessidade da fundamentação qualificada, ao estabelecer que a questão prejudicial examinada incidentemente no processo poderá fazer coisa julgada desde que haja contraditório prévio e efetivo.
A combinação da eficácia preclusiva da coisa julgada, portanto, com os princípios da demanda, do contraditório, da substanciação e da estabilização da demanda, da fundamentação qualificada das decisões, e com a garantia do acesso à Justiça, impõe estabelecer que seu âmbito de aplicação limita-se às alegações possíveis sobre as questões de fato e de direito que lá foram efetivamente suscitadas, não alcançando outros fatos que, embora já pudessem ter sido invocados como causa de pedir na ação anterior, guardam autonomia.
O critério a ser considerado para a distinção situa-se na avaliação se, ao decidir sobre tais fatos, em nova demanda, haverá ou não necessidade de incursionar sobre as questões de fato objeto da ação anterior.
No caso, esta situação só ocorreria se fosse permitido agregar novos fatos com vistas ao reconhecimento do direito ao enquadramento da atividade como especial por exposição ao ruído - matéria examinada na ação anterior. Como aqui se requer, mais que isso, o enquadramento com base na exposição a outro fator - agente químico, a decisão não eliminará a anterior, será dada sobre outros fatos, ainda que para o mesmo objetivo final - o reconhecimento da especialidade do correspondente tempo de serviço.
Por todo o exposto, e considerando que, quanto a agentes químicos, não há coisa julgada ou eficácia preclusiva, impõe-se o processamento do feito para exame da eventual exposição do autor a agentes químicos no período postulado, para fins de emquadramento da atividade como especial e consequências previdenciárias daí decorrentes.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da parte autora para anular a sentença e determinar o processamento do feito.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/06/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017094-37.2014.4.04.7112/RS
ORIGEM: RS 50170943720144047112
RELATOR | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Waldir Alves |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | PRESENCIAL - DR. DIEGO HENRIQUE SCHUSTER (*) |
APELANTE | : | MANOEL JOAO RAMOS DE ABREU |
ADVOGADO | : | IMILIA DE SOUZA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/06/2018, na seqüência 225, disponibilizada no DE de 12/06/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA. DETERMINADA A JUNTADA DA TRANSCRIÇÃO DAS NOTAS DE JULGAMENTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9434292v1 e, se solicitado, do código CRC D55FAB39. | |
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