Apelação Cível Nº 5001074-02.2017.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MARIA CLARA CUNHA PICOLI (AUTOR)
RELATÓRIO
O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL interpôe recurso de apelação contra sentença que concedeu o benefício da gratuidade de justiça à parte autora, a partir do momento em que ficou comprovada sua hipossufiência econômica (setembro/2020) e reconheceu a ilegitimidade do INSS em propor a presente execução em relação aos honorários de sucumbência.
Em síntese, o INSS sustenta sua legitimidade, concorrente aos demais advogados públicos, para a execução de honorários advocatícios de sucumbência, devidos pela parte autora. Refere a impossibilidade de concessão retroativa do benefício da gratuidade de justiça.
Com contrarrazões, veio o processo concluso para julgamento.
VOTO
Na hipótese recursal, tenho que a irresignação do recorrente procede.
De início, destaco o incidente de arguição de inconstitucionalidade (autos nº 5031410-12.2018.4.04.0000) já concluído neste Tribunal Regional Federal, com perda superveniente do objeto, em vista do julgamento da ADI nº 6.053 pelo Supremo Tribunal Federal, em que se firmou o reconhecimento dos advogados públicos à percepção de honorários advocatícios de sucumbência, limitada, porém, ao teto remuneratório do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal. Veja-se a ementa do julgado desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. ADVOCACIA PÚBLICA. ADI Nº 6053. JULGAMENTO. PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO DA PRESENTE ARGUIÇÃO. 1. Nos termos do artigo 949, parágrafo único, do Código de Processo Civil, não caberá a submissão de arguição de inconstitucionalidade de norma infralegal pelo órgão fracionário ao órgão especial do respectivo Tribunal, na hipótese em que já houver pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão constitucional. 2. No caso concreto, verifica-se que, após ter sido suscitada a presente arguição de inconstitucionalidade pela Turma Suplementar de Santa Catarina, relativamente à percepção, pelos advogados públicos, de honorários sucumbenciais, sobreveio o julgamento da ADI nº 6053 pelo Supremo Tribunal Federal, restando firmado o reconhecimento dos advogados públicos à percepção da aludida verba, limitada, todavia, ao teto remuneratório do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal. 3. Em face disso, verifica-se a perda superveniente do objeto da presente arguição. (TRF4 5031410-12.2018.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 07/07/2020)
Entretanto, não é disto que cuida o presente caso, em que não se debate o direito, ou não, à percepção em si de honorários advocatícios de sucumbência por advogados públicos. A questão em controvérsia trata da legitimidade ativa do INSS para a execução da mencionada verba honorária. De acordo com a decisão recorrida, em suma, não haveria legitimidade da autarquia previdenciária, mas apenas da União e de seus procuradores (sobretudo a Advocacia-Geral da União, responsável pelo Conselho Curador dos Honorários Advocatícios, que, por sua vez, administra os valores de honorários sucumbenciais devidos à União).
Não obstante o entendimento exarado pelo juízo a quo, destaco que a decisão recorrida é contrária à jurisprudência deste Tribunal Regional Federal sobre a matéria ora em apreço, como se nota dos precedentes a seguir colacionados (sublinhei):
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. REVOGAÇÃO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO BENEFICIÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEVIDOS AOS ADVOGADOS PÚBLICOS FEDERAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO INSS. 1. A revogação do benefício da AJG está condicionada à demonstração de modificação das condições econômicas do autor, desde o momento do seu deferimento, nos termos do §3º do art. 98 do Código de Processo Civil. 2. O INSS tem legitimidade ativa concorrente para promover cumprimento de sentença que objetiva o pagamento de honorários advocatícios, titularizados pelos procuradores federais. Precedentes. (TRF4, AC 5069606-57.2019.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator RODRIGO KOEHLER RIBEIRO, juntado aos autos em 14/02/2023)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. LEGITIMIDADE DO INSS PARA EXECUÇÃO OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. ISENÇÃO PREVISTA EM LEI DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. 1. A titularização dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos pelo § 19 do art. 85 do CPC não altera a legitimidade ativa para a sua execução, que permanece sendo do ente a que estão vinculados, responsável pela distribuição em conformidade com a Lei 13.327/2016. 2. In casu, o cumprimento de sentença quanto aos honorários sucumbenciais foi promovido pelo INSS (evento 2, OUT, INIC CUMPR SENT 31), tendo ele direito à isenção ao recolhimento de custas iniciais pervista na Lei Estadual 13.471/2010 (e não pela Lei 15.232/2018). (TRF4, AG 5032271-56.2022.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, juntado aos autos em 21/06/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS EM FAVOR DO ADVOGADO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA DA UNIÃO. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREJUDICIALIDADE NÃO VERIFICADA. 1. Embora os honorários advocatícios de sucumbência sejam dos procuradores, a titularidade de sua cobrança cabe ao ente federativo, com a posterior distribuição de tal verba nos termos da Lei 13.327/2016. 2. A suspensão do processo prevista no artigo 313, V do Código de Processo Civil deve ser efetivada quando constatada prejudicialidade entre os feitos. No caso em apreço, não se vislumbra qualquer prejuízo. (TRF4, AG 5048878-57.2016.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 18/11/2020)
PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO/EXECUÇÃO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INSS. LEGITIMIDADE ATIVA. 1. A legitimidade ativa para a cobrança judicial dos honorários advocatícios é, desde longa data, atribuída ao titular do direito e também ao vencedor da demanda (art. 18, CPC) 2. O fato de ter sido atribuída a verba honorária diretamente aos advogados públicos, com gestão por meio do Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), de responsabilidade da Advocacia-Geral da União, nos termos da Lei n.º 13.327/16, não afasta a possibilidade de substituição processual em prol do vencedor. 3. O INSS é parte legítima para promover a execução dos honorários advocatícios fixados em favor de seus procuradores. (TRF4, AC 5033704-19.2014.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 19/08/2021)
Em síntese, a probabilidade de provimento do recurso funda-se no entendimento jurisprudencial sobre a matéria, no sentido de que o INSS possui legitimidade ativa concorrente para promover cumprimento de sentença que objetiva o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência e que a posterior distribuição dos honorários advocatícios, nos termos da Lei nº 13.327/2016, não altera a legitimidade ativa para a execução dessa verba. Além disso, o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, está caracterizado pela inutilidade no provimento posterior, por ausência de momento processual subsequente mais oportuno para reapreciar o tema trazido a lume.
A gratuidade da justiça parcial ou integral, prevista nos artigos 98 a 102, do CPC, pode ser concedida a quem declarar não possuir condições de arcar com as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, estabelecendo-se, em relação à pessoa física, uma presunção iuris tantum, a qual pode ser elidida por prova em contrário.
Com efeito, não obstante anteriormente ter havido debate sobre os balizadores para deferimento da gratuidade judiciária, alguns deles bem razoáveis como, por exemplo, o patrimônio (bens móveis e imóveis), a renda média do trabalhador brasileiro (IBGE) ou o valor teto para aposentadoria pelo RGPS, a questão restou dirimida neste Tribunal Regional Federal quando do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 25, nos seguintes termos:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 07/01/2022)
No caso, resulta evidente que a parte executada faz jus ao benefício, uma vez que a partir de 09/2020, a renda é inferior ao valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social.
Contudo, a concessão do benefício não produz efeitos retroativos, uma vez que não pode ser concedida com fundamento em situações passadas, devendo ser considerada a situação financeira da parte referente ao presente. Assim a gratuidade de justiça produz efeitos apenas a partir do momento da sua concessão.
O recurso comporta provimento para determinar o prosseguimento da execução.
Acrescento, tão somente, que ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir do recurso.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo do INSS.
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Apelação Cível Nº 5001074-02.2017.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MARIA CLARA CUNHA PICOLI (AUTOR)
EMENTA
previdenciário e processual civil. cumprimento de sentença. honorários advocatícios. inss. legitimidade ativa. gratuidade de justiça. efeitos retroativos. inviabilidade.
1. Embora os honorários advocatícios de sucumbência sejam dos procuradores, a titularidade de sua cobrança cabe ao ente federativo, com a posterior distribuição de tal verba nos termos da Lei 13.327/2016.
2. O INSS é parte legítima para promover a execução dos honorários advocatícios fixados em favor de seus procuradores.
3. A concessão do benefício da gratuidade de justiça não produz efeitos retroativos, uma vez que não pode ser concedida com fundamento em situações passadas, devendo ser considerada a situação financeira da parte referente ao momento presente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao apelo do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de abril de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/04/2024 A 23/04/2024
Apelação Cível Nº 5001074-02.2017.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MARIA CLARA CUNHA PICOLI (AUTOR)
ADVOGADO(A): MILTON EVALDO SCHOTT (OAB RS041583)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/04/2024, às 00:00, a 23/04/2024, às 16:00, na sequência 922, disponibilizada no DE de 05/04/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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