Apelação Cível Nº 5004321-76.2017.4.04.7201/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: JOSE ROBERTO MENDES (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 22-01-2018, na qual a magistrada a quo reconheceu a existência de coisa julgada com relação ao pedido de reconhecimento de tempo especial nos períodos de 01-01-2004 a 30-04-2008 e 01-02-2010 a 22-09-2011, e extinguiu o processo, no ponto, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, V, do CPC.
A parte autora, em suas razões recursais, aduz que inexiste coisa julgada, tendo em vista que, na demanda anterior, os períodos acima referidos foram pleiteados para fins de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, enquanto na presente demanda o pedido tem por finalidade a concessão da aposentadoria especial. Assim, argumenta que não há falar em tríplice identidade entre as ações previdenciárias. Refere, ainda, que foram juntadas aos presentes autos provas novas, que comprovam o exercício de atividade especial.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Coisa julgada
Compulsando os autos da ação previdenciária n. 5000241-45.2012.404.7201, que tramitou perante a 3ª Vara Federal de Joinville, ajuizado pelo autor contra o INSS, verifico que houve análise judicial em relação ao exercício de atividades especiais nos períodos de 01-01-2004 a 30-04-2008 e 01-02-2010 a 22-09-2011, sendo proferida decisão definitiva que concluiu pela improcedência do pedido (evento 3 dos autos da origem).
Pois bem.
A coisa julgada, segundo conceituação doutrinária, consiste em um efeito jurídico (uma situação jurídica, portanto) que nasce a partir do advento de um fato jurídico composto consistente na prolação de uma decisão jurisdicional sobre o mérito (objeto litigioso), fundada em cognição exauriente, que se tornou inimpugnável no processo em que foi proferida. E este efeito jurídico (coisa julgada) é, exatamente, a imutabilidade do conteúdo do dispositivo da decisão, da norma jurídica individualizada ali contida. (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. Salvador: Jus Podium, 2008. p. 552-560.).
Cuida-se, portanto, de instituto jurídico que existe em decorrência da necessidade de se obter uma decisão que ponha fim a um conflito de interesses, objetivando a estabilidade das relações jurídicas no seio da sociedade. De previsão constitucional (CRFB, art. 5º, XXXVI), encontra-se definido pela Lei Adjetiva Civil (art. 301 do regime anterior e art. 337 do atual) como sendo a repetição de ação já decidida em relação à qual não caiba mais recurso e com plena identidade de partes, causa de pedir e pedido.
Conquanto na seara do direito previdenciário, muitas vezes, o rigor processual seja mitigado, penso que não podem ser ignorados os limites expressamente estabelecidos pela legislação processual e, mais do que isso, ditados pelos princípios que informam o direito processual e o próprio ordenamento, sendo certo que a coisa julgada goza de expressa proteção constitucional (artigo 5º, inciso XXXVI) a bem da segurança jurídica, pilar fundamental do estado de direito.
Na espécie, o autor apresenta dois argumentos para afastar a coisa julgada: o primeiro, no sentido de que os períodos especiais seriam aproveitados junto a benefício de espécie diversa, o que modificaria a causa de pedir. O segundo, que foram apresentadas provas novas.
Em relação ao primeiro argumento, há que se diferenciar o pedido de reconhecimento de tempo especial e o pedido de concessão de benefício previdenciário de qualquer espécie. Trata-se de pedidos autônomos que podem - ou não - ser cumulados em uma mesma demanda. Note-se que é possível, por exemplo, o ajuizamento de ação visando apenas à averbação de tempo de serviço (urbano, rural, especial), desvinculado de qualquer pretensão de implantação de aposentadoria. Em outras palavras, o fato de o pedido de reconhecimento de tempo especial ser acompanhado de pedido de concessão de benefício não altera sua essência, que consiste na análise do vínculo laboral no período indicado.
Assim, o pedido de reconhecimento de tempo especial não é alterado em razão da espécie de benefício que se pleiteia, não se tratando de alteração de causa de pedir, mas de mera cumulação de pedidos diversos. Interpretação contrária permitiria ao autor, a cada julgamento de improcedência, requerer administrativamente novo benefício e assim, munido de NB diverso, reiterar demanda cujo mérito já fora analisado pelo Poder Judiciário.
Já no que se refere ao segundo argumento, sustenta o autor que foi obtida prova nova, o que possibilitaria a rediscussão do caso. Entretanto, a prova nova apenas possibilita o ajuizamento de ação rescisória (art. 966, VII, do CPC), desde que cabível diante das demais circunstâncias, e jamais a simples relativização da coisa julgada, algo que não é admitido pelo ordenamento jurídico pátrio.
Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. IDENTIDADE DE PARTES, PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. COISA JULGADA. CONFIGURAÇÃO. PROVA NOVA. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Se já houve pronunciamento judicial com trânsito em julgado acerca do pedido concessão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento, como especial, do tempo de serviço de 01-07-2003 a 20-10-2009, com identidade de partes, de pedido e de causa de pedir, a questão não mais pode ser discutida, visto que existente coisa julgada. 2. Conquanto na seara do direito previdenciário, muitas vezes, o rigor processual seja mitigado, penso não podem ser ignorados os limites expressamente estabelecidos pela legislação processual e, mais do que isso, ditados pelos princípios que informam o direito processual e o próprio ordenamento, sendo certo que a coisa julgada goza de expressa proteção constitucional (artigo 5º, inciso XXXVI) a bem da segurança jurídica, pilar fundamental do estado de direito. 3. A prova nova apenas possibilita o ajuizamento de ação rescisória (art. 966, VII, do CPC), desde que cabível diante das demais circunstâncias, e jamais a simples relativização da coisa julgada, algo que não é admitido pelo ordenamento jurídico pátrio. 4. A alegação da existência de prova nova objetiva emprestar a esta ação ordinária os efeitos próprios da ação rescisória, sendo o Tribunal incompetente para apreciá-la, na medida em que o julgado rescindendo foi proferido no âmbito do Juizado Especial Federal. Precedentes.
(TRF4, AC n. 5000960-72.2018.4.04.7215, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Rel. Des. Federal CELSO KIPPER, juntado aos autos em 21-06-2021)
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. COISA JULGADA. PROVA NOVA. AÇÃO RESCISÓRIA. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. 1. O recurso dos embargos de declaração deve visar sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão quanto a ponto sobre o qual se impunha o pronunciamento. 2. Não é o instrumento processual adequado para rediscutir o mérito do julgado recorrido. 3. Consoante o art. 1.025 do CPC, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade. 4. A alegação referente à relativização da coisa julgada, sob o fundamento de ter obtido prova nova, não pode ser aqui admitida, tendo em vista a inviabilidade de se acolher em matéria previdenciária a tese da formação da coisa julgada secundum eventum probationis, fundada em novas provas, se o pedido foi examinado em ação anterior extinta com julgamento de mérito. 5. A alegação da existência de prova nova objetiva emprestar a esta ação ordinária os efeitos próprios da ação rescisória, sendo o Tribunal incompetente para apreciá-la, na medida em que o julgado rescindendo foi proferido no âmbito do Juizado Especial Federal.
(TRF4, AG n. 5045710-42.2019.4.04.0000, Quinta Turma, Relator Juiz Federal Altair Antônio Gregório, juntado aos autos em 02-07-2020)
No caso, é de se considerar ainda que o processo anterior foi julgado no âmbito dos Juizados Especiais Federais:
Desta feita, este Tribunal sequer detém a competência para analisar eventual pedido de rescisão do julgado, conforme demonstram os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. COISA JULGADA. PROVA NOVA. AÇÃO RESCISÓRIA. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. 1. (...) 4. A alegação referente à relativização da coisa julgada, sob o fundamento de ter obtido prova nova, não pode ser aqui admitida, tendo em vista a inviabilidade de se acolher em matéria previdenciária a tese da formação da coisa julgada secundum eventum probationis, fundada em novas provas, se o pedido foi examinado em ação anterior extinta com julgamento de mérito. 5. A alegação da existência de prova nova objetiva emprestar a esta ação ordinária os efeitos próprios da ação rescisória, sendo o Tribunal incompetente para apreciá-la, na medida em que o julgado rescindendo foi proferido no âmbito do Juizado Especial Federal.
(TRF4, AG n. 5045710-42.2019.4.04.0000, Quinta Turma, Rel. Juiz Federal Altair Antonio Gregório, juntado aos autos em 02-07-2020)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. ALEGAÇÃO DE PROVA NOVA. PRETENSÃO RESCISÓRIA. INCOMPETÊNCIA. EXTINÇÃO DO PEDIDO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1. A configuração de coisa julgada impõe a extinção do processo sem resolução de mérito. 2. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região não tem competência para o julgamento de ação na qual se busca, sob alegação de prova nova, a rescisão de julgado do Juizado Especial Federal.
(TRF4, AC n. 5044860-62.2018.4.04.7100, Quinta Turma, Rel. Juíza Federal Adriane Battisti, juntado aos autos em 06-11-2019)
Nesses termos, irretocável a sentença que reconheceu a existência de coisa julgada e extinguiu o feito sem exame do mérito, com base no art. 485, inc. V, do CPC de 2015.
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.
Desse modo, considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem como recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g.ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgInt no AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp 1.357.561/MG, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 19-04-2017), majoro a verba honorária de 10% para 11% sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a satisfação respectiva, por ser a parte beneficiária da gratuidade de justiça.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003028002v9 e do código CRC 8a0314a9.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5004321-76.2017.4.04.7201/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: JOSE ROBERTO MENDES (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IDENTIDADE DE PARTES, PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. COISA JULGADA. CONFIGURAÇÃO. PROVA NOVA. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Se já houve pronunciamento judicial com trânsito em julgado acerca do pedido de reconhecimento de tempo especial, com identidade de partes, de pedido e de causa de pedir, a questão não mais pode ser discutida, visto que existente coisa julgada.
2. O pedido de reconhecimento de tempo especial não é alterado em razão da espécie de benefício que se pleiteia (aposentadoria por tempo de contribuição ou aposentadoria especial), não se tratando de alteração de causa de pedir, mas de mera cumulação de pedidos diversos.
3. A prova nova apenas possibilita o ajuizamento de ação rescisória (art. 966, VII, do CPC), desde que cabível diante das demais circunstâncias, e jamais a simples relativização da coisa julgada, algo que não é admitido pelo ordenamento jurídico pátrio.
4. A alegação da existência de prova nova objetiva emprestar a esta ação ordinária os efeitos próprios da ação rescisória, sendo o Tribunal incompetente para apreciá-la, na medida em que o julgado rescindendo foi proferido no âmbito do Juizado Especial Federal. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003028003v3 e do código CRC ecacc19c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/02/2022 A 14/02/2022
Apelação Cível Nº 5004321-76.2017.4.04.7201/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: JOSE ROBERTO MENDES (AUTOR)
ADVOGADO: ARI PEREIRA DA CUNHA FILHO (OAB SC016426)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/02/2022, às 00:00, a 14/02/2022, às 16:00, na sequência 536, disponibilizada no DE de 26/01/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 23/02/2022 04:01:05.