APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000044-82.2011.4.04.7118/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA DE LURDES GRAMINHO DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
: | JOÃO ARTUR BORTOLUZZI (Curador) | |
ADVOGADO | : | JOÃO ARTUR BORTOLUZZI |
: | Bruno Grützmann | |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCAPZ PRECRIÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE. CRITÉRIO ECONÔMICO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONSIDERAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. CAPITALIZAÇÃO.
Comprovada a condição de absolutamente incapaz na vigência do Código Civil anteriormente às alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, afasta-se a prescrição qüinqüenal.
O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Em relação ao pressuposto econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 - LOAS estabelecia que seria considerada hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, permitindo que o requisito econômico, para fins de concessão do benefício assistencial, seja aferido caso a caso.
O STF, no julgamento do RE 580.963/PR, com repercussão geral, proclamou a inconstitucionalidade por omissão parcial, sem declaração de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o qual permite desconsiderar, para fins de cálculo da renda mensal per capita do grupo familiar do pretendente do benefício assistencial de prestação continuada, o valor de até um salário mínimo percebido por idoso já titular de benefício de mesma natureza.
Reconheceu aquela Corte inexistir justificativa plausível para a discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários de valor mínimo.
Comprovado o preenchimento dos requisitos legais, é devida a concessão do benefício assistencial, desde a DER.
Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
Indevida a capitalização de juros, a qual pressupõe expressa permissão legal, o que inexiste no caso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conhecer em parte da remessa necessária e da apelação, e, nessa extensão, dar-lhes parcial provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de agosto de 2017.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9094298v13 e, se solicitado, do código CRC 6BAC46B. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
| Data e Hora: | 12/09/2017 13:54 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000044-82.2011.4.04.7118/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA DE LURDES GRAMINHO DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
: | JOÃO ARTUR BORTOLUZZI (Curador) | |
ADVOGADO | : | JOÃO ARTUR BORTOLUZZI |
: | Bruno Grützmann | |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária interposta por MARIA DE LURDES GRAMINHO DOS SANTOS, representada neste ato por seu curador especial Bruno Grüttzmann, em 18-01-2011, contra o INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando a concessão de benefício assistencial ao portador de deficiência, a contar do requerimento administrativo, ocorrido em 22-10-2003.
Houve informação de que a autora passara a receber benefício assistencial a contar de 03-05-2012, havendo interesse na continuidade do feito porque, se porventura for reconhecido o direito à benesse pretendida, poderia fazer jus a algumas parcelas atrasadas - compreendidas entre a DER do benefício requerido e o dia imediatamente anterior à DIB do BPC/LOAS concedido administrativamente pelo INSS.
Perícia médica realizou-se em 09-10-2013 (Evento 94).
Estudo socioeconômico foi levado a efeito em 31-01-2014 (Evento 115).
O julgador monocrático, em sentença (Evento 211) publicada em 16-02-2016, extinguiu o feito, sem resolução de mérito, diante da falta de interesse processual, quanto ao pedido de concessão de benefício assistencial; rejeitou a prejudicial de prescrição e; julgou parcialmente procedente o pedido da parte autora, para condenar o INSS a pagar as parcelas vencidas e não pagas, decorrentes da concessão do benefício, de 22/10/2003 a 02/05/2012, devidamente acrescidas de correção monetária e juros de mora. Condicionou a liberação de valores devidos à parte, na fase de cumprimento da sentença, à apresentação do termo de curatela havido em ação de interdição. Condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, apurado até a data da sentença, excluídas as parcelas vincendas, bem como a ressarcir à Justiça Federal os honorários periciais adiantados no presente feito. Sujeitou a sentença ao reexame necessário.
O INSS, em sua apelação (Evento 218) historia que a requerente fez vários requerimentos de benefício assistencial, os quais foram indeferidos em virtude de não ter sido reconhecida sua incapacidade para os atos da vida civil, conforme exigência da Lei 8.742/93. Defende que o pagamento dos períodos anteriores a 2012 não são passíveis de serem feitos, tendo em vista que a prescrição contra o incapaz não tem curso enquanto não lhe tenha sido nomeado curador, o que, no caso concreto, ocorreu em 23-07-2003, com certidão de interdição datada de 16-10-2003, ocasião em que foi nomeada a irmã da autora, Neiva dos Santos Flor, como curadora. Defende que a incapacidade somente foi atestada na data em que foi deferido administrativamente o benefício assistencial, em 03-05-2012. Afirma que quando da interdição da autora, ela ficou sob a curatela de Neiva, sua irmã, que era casada com Ildo Joel Rodrigues Flor, o qual recebia aposentadoria por invalidez até 29.05.2009, benefício que deu ensejo à percepção por Neiva de pensão por morte do marido. Dessa forma, à época do requerimento em 2003, o grupo familiar da requerente possuía renda per capita superior a ¼ do salário mínimo. Ressalta que, na perícia social realizada em juízo, ficou constatado que a demandante morava com duas irmãs, sendo que uma recebia aposentadoria por idade, e outra exercia atividade remunerada. Acaso sejam afastadas as alegações anteriores, deseja ver afastada a capitalização de juros, e postula que o termo inicial de sua incidência se dê apenas a partir da citação, conforme arts. 405 do atual Código Civil e 219 do CPC/73. Acerca dos índices de correção monetária, entende ser devida a aplicação da TR até a data da requisição do precatório, e o IPCA-E entre essa data e o efetivo pagamento.
Com contrarrazões (Evento 222).
Após parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do apelo (Evento 5 desta instância), subiram os autos a essa Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
REEXAME NECESSÁRIO
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
O intuito do legislador foi salvaguardar os atos já praticados, perfeitos e acabados, aplicando-se a nova lei processual com efeitos prospectivos.
Nesse sentido, quando publicada, a sentença destes autos estava sujeita a reexame obrigatório.
A superveniência dos novos parâmetros para remessa necessária (NCPC, art. 496, § 3º), entretanto, permitiria a interpretação de que houve fato superveniente à remessa, que suprimiu o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas sentenças que a houvessem condenado ou garantido proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos. Inexistindo o interesse, por força da sobrevinda dos novos parâmetros, não haveria condição (interesse) para o conhecimento da remessa.
No entanto, em precedente sucessivamente repetido, o STJ assentou que a lei vigente à época da prolação da decisão recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
Nesses termos, em atenção ao precedente citado, impõe-se que a possibilidade de conhecimento da remessa necessária das sentenças anteriores à mudança processual observe os parâmetros do CPC de 1973.
No caso dos autos, o valor do proveito econômico, ainda que não registrado na sentença, é desde logo estimável, para efeitos de avaliação quanto ao cabimento da remessa necessária.
Considerando os elementos existentes nos autos, pode-se antever que o valor da renda mensal, multiplicado pelo número de meses concernentes ao período abarcado pela condenação (10/2003 a 05/2012), acrescido de correção monetária e de juros de mora nas condições estabelecidas na decisão de primeiro grau, resulta em valor manifestamente superior a sessenta salários-mínimos.
Assim, conheço da remessa oficial.
PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO
Em matéria previdenciária, a prescrição atinge as parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu ao ajuizamento da ação, conforme o parágrafo único do artigo 103 da Lei n°8.213/1991. Vale frisar ainda que, consoante entendimento jurisprudencial pacificado, nas relações de trato sucessivo em que figurar como devedora a Fazenda Pública, como na espécie, "quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação" (Súmula n.º 85 do STJ).
Por sua vez, o código civil de 2002, em seus artigos 3º, ii, e 198, i, impunha o impedimento da fruição do prazo prescricional contra os absolutamente incapazes. Consequentemente, por essa legislação, estaria reconhecida a condição de absolutamente incapaz da parte autora (enquadrada no grupo de pessoas que, por enfermidade, ou deficiência mental, não tiveram o necessário discernimento para dos atos da vida civil), interditada judicialmente (processo nº 020/1.02.0000881-0, evento 1 - PROCADM1, fl. 13), que possuiria direito a receber todas as parcelas vencidas, desde a data do requerimento administrativo.
Com a superveniência da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que entrou em vigor em 07-07-2015, quando publicada no DOU, conforme seu art. 127, é que o artigo 3º, inciso II, do Código Civil, que não ampararia a parte autora diante da prescrição quinquenal, passou a valer.
Verifica-se, todavia, que a presente demanda foi ajuizada no dia 18-01-2011, data em que a requerente era considerada absolutamente incapaz pela lei material (vigia o CC/2002 no seu texto original, relativamente à incapacidade absoluta). Nesse sentido, a Lei de Benefícios elucida que não corre prescrição nos casos de pessoa absolutamente incapaz. Sinale-se que o laudo pericial é claro ao afirmar que a autora é portadora de deficiência física do membro inferior direito, cegueira e retardo mental severo, moléstias que a incapacitam para os atos da vida civil e para o trabalho, de modo permanente, inclusive necessitando de acompanhamento de terceiros, não podendo ser prejudicada pela inércia de seus representantes de legais, em ajuizar tanto a ação de interdição.
Partindo do fato inconteste de que a autora apresenta as moléstias incapacitantes referidas desde o nascimento, importante estabelecer que o efeitos da sentença de interdição é apenas declaratório, não constitutivo de sua condição de incapacidade. Assim, se é a sua incapacidade que determina que o prazo prescricional não corra contra ela, isso se dá independentemente da interdição.
Do benefício assistencial devido à pessoa com deficiência:
À época do requerimento administrativo, anteriormente às alterações promovidas na Lei nº 8.742/1993 no ano de 2011, os critérios de concessão do benefício assistencial estavam assim dispostos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.
§ 6o A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Alargamento do conceito de família
O conceito legal atual de família não contempla todos os desenhos familiares existentes na sociedade contemporânea. A sua interpretação literal pode levar o julgador a contrariar o objetivo da norma constitucional, que prevê socorro do Poder Público ao portador de deficiência e ao idoso que não tenham condições de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela sua família. Assim, não é possível uma interpretação puramente literal e restritiva do conceito de família do § 1º, art. 20, da LOAS, "sob pena de incorrer-se em injustiças e macular a intenção constitucional que estabeleceu o benefício" (in "Análise crítica do benefício de prestação continuada e a sua efetivação pelo Judiciário". Brasília, Revista CEJ, n. 56, jan./abr. 2012, p. 19.). Disso resulta que o rol de integrantes da família elencados na legislação ordinária não é taxativo, merecendo uma análise acurada no caso concreto.
Da condição socioeconômica:
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que se considerava hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, ao apreciar recurso especial representativo de controvérsia, relativizou o critério estabelecido pelo referido dispositivo legal. Entendeu que, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo" (REsp n. 1.112.557/MG, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 28/10/2009, DJ 20/11/2009).
Além disso, o STJ, órgão ao qual compete a uniformização da interpretação da lei federal, acrescentou, no julgado citado, que "em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado".
Como se percebe, o entendimento da Corte Superior consolidou-se no sentido de que é possível a aferição da miserabilidade do deficiente ou do idoso por outros meios, ainda que não observado estritamente o critério da renda familiar per capita previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
No primeiro caso, o STF identificou a ocorrência de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro), assentando, assim, que o critério econômico presente na LOAS não pode ser tomado como absoluto.
Quanto ao parágrafo único do art. 34, que estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", entendeu a Suprema Corte que violou o princípio da isonomia. Isso porque abriu exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, mas não permitiu a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário.
Assim, incorreu o legislador em equívoco, pois, tratando-se de situações idênticas, deveria ser possível a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem..
Este Tribunal, a propósito, já vinha decidindo no sentido da desconsideração da interpretação restritiva do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, como se percebe dos seguintes precedentes: Apelação Cível 5001120-20.2010.404.7202, 6ª. Turma, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle; Apelação Cível 5000629-13.2010.404.7202, 5ª. Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira; AC 0012386-06.2011.404.9999, 5ª Turma, Relator Rogério Favreto.
Reconhecida a inconstitucionalidade do critério objetivo para aferição do requisito econômico do benefício assistencial, em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, identificar o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. De registrar que esta Corte, ainda que por outros fundamentos, vinha adotando uma maior flexibilização nos casos em que a renda per capita superava o limite estabelecido no art. 20, § 3º, da LOAS, agora dispensável enquanto parâmetro objetivo de aferição da renda familiar.
Em conclusão, o benefício assistencial destina-se àquelas pessoas que se encontram em situação de elevada pobreza por não possuírem meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, ainda que a renda familiar per capita venha a ser considerada como meio de prova desta situação.
Do caso concreto:
A parte autora nasceu em 14-06-1956, contando, ao tempo do requerimento administrativo, formulado em 22-10-2003, com 47 anos de idade.
À época de referido requerimento administrativo é que necessitam estar comprovados os requisitos à concessão do benefício assistencial, haja visto que posteriormente, em 03-05-2012, a requerente teve o benefício concedido administrativamente.
Controvertem, portanto, acerca do período de 22-10-2003 a 02-05-2012.
Importante ressaltar que o indeferimento administrativo se deu motivado pelo entendimento de que inexistia incapacidade.
Todavia, a incapacidade de a requerente prover a própria subsistência ou tê-la suprida de outra forma ficou comprovada com a prova pericial.
Informou o médico perito, Dra. Marinete Gavioli, que a parte autora possui retardo mental severo (Cid F 72.0), cegueira (Cid H 54.0) e deficiência física (Cid Q 72.0). Tais moléstias ocasionavam incapacidade total e definitiva para o trabalho e a vida independente. Salientou, ainda, que a doença teve início desde o nascimento.
Registro, ainda, que, por ocasião da ação de intervenção, contemporânea ao requerimento de 2003, o laudo médico judicial que amparou a sentença atestou "a necessidade de acompanhamento de terceiros até mesmo para praticar os atos do cotidiano", tratando-se de "incapacidade absoluta e permanente".
Dessa forma, fica comprovado que, ao contrário do atestado pelo médico perito do INSS, a demandante possuía a condição de incapaz no momento daquele requerimento administrativo.
Embora seja certo que a negativa da autarquia previdenciária foi decorrente da análise da incapacidade, na medida em que contestado o preenchimento de todos os requisitos à concessão do benefício, passo a analisar a realidade socioeconômica do grupo familiar da parte autora.
A vulnerabilidade social desde à época do requerimento administrativo de benefício está indicada pela "entrevista " realizada com a autora no processo administrativo (Evento 1, PROCADM2, fl. 23), bem como na declaração sobre a composição do grupo e renda familiar havida quando do requerimento administrativo do ano de 2003, onde informado que a autora residia com a irmã, Neiva, e os sobrinhos, Adriano e Cristiano, ambos menores e estudantes.
Durante o trâmite do processo de interdição foi ouvida a demandante, a qual informou que residia com a irmã Neiva e os dois filhos dessa.
Ainda no intuito de melhor esclarecer a situação social da família, foi procedida a oitiva das testemunhas Alceu Lovis Trentin, Pedro Aldori Moro Dalbianco e Vilson Pegoraro Santi.
Essas foram unânimes em afirmar conhecerem a autora e sua família desde há muito tempo (entre quarenta e cinquenta anos), que a demandante sempre teve a condição de deficiente, nunca tendo tido condições de trabalhar. Informaram que sempre residira com o pai, vivendo um tempo também com a irmã que foi nomeada sua curadora, Neiva, a qual posteriormente foi vítima de um derrame (AVC), e que sempre foram extremamente pobres. Acerca da situação atual da família, disseram que vivem de benefícios concedidos pelo INSS.
Examino a alegação do recorrente de que na época do requerimento de 2003, quando residia com a irmã Neiva, deveria ser considerado na renda familiar o benefício percebido pelo esposo dessa, consistente em uma aposentadoria por invalidez rural (NB 119.045.746-3).
Em pesquisa ao Plenus foi possível constatar que a irmã Neiva não possuía renda.
Assim, acaso fosse considerado o esposo de Neiva, Joel, na composição familiar (possuidor de uma renda no valor de um salário), bem como o pai da autora (idoso titular de benefício de valor mínimo), ainda assim estaria comprovada a situação de vulnerabilidade social.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça admite a exclusão do cálculo da renda familiar per capita de qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário (nesse sentido, o julgamento proferido na Pet 7203/PE, 2009/0071096-6, Terceira Seção, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/08/2011, DJe de 11/10/2011). Daí decorre que, no caso em exame, não há de ser considerado o pai da demandante como pertencente ao grupo familiar, afastando-se seus ganhos do cálculo da renda per capita.
Com o afastamento da renda auferida pelo pai da autora, o valor do benefício de Joel deve ser dividido pelos restantes 5 membros do núcleo familiar (Joel, a autora, Neiva e dois menores, filhos de Neiva).
Observa-se, então, que sem sequer ser feito o abatimento de despesas ordinárias, chega-se a uma renda per capita equivalente a 1/5 do salário mínimo, restando preenchido, portanto, o requisito legal objetivo de renda per capita de ¼ do salário mínimo.
Reconhecido, pois, o direito ao benefício, frente às circunstâncias que cercam a realidade econômica do grupo social.
Dessa forma, comprovada a presença de ambos os requisitos, deve ser mantida a sentença que determinou a implantação do benefício desde a data do requerimento administrativo.
CONSECTÁRIOS E PROVIMENTOS FINAIS
Consectários. Juros moratórios e correção monetária.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre essa possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicados o recurso e a remessa necessária no ponto.
Capitalização de juros
Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários advocatícios
Quanto aos honorários advocatícios, adoto o entendimento constante de precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 556.741) no sentido de que a norma a reger a sucumbência é aquela vigente na data da publicação da sentença. Assim, para as sentenças publicadas ainda sob a égide do CPC de 1973, aplicável, quanto à sucumbência, aquele regramento.
Os honorários advocatícios são devidos à taxa 10% sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (sentença), nos termos das Súmulas n.º 76 do Tribunal Regional e n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei n.º 9.289/96).
Conclusão:
À vista do parcial provimento do recurso do INSS e da remessa oficial, alterada a sentença no sentido de afastar a capitalização de juros.
Prequestionamento
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes, cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Dispositivo:
Ante o exposto, voto por conhecer em parte da remessa necessária e da apelação, e, nessa extensão, dar-lhes parcial provimento.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/08/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5000044-82.2011.4.04.7118/RS
ORIGEM: RS 50000448220114047118
RELATOR | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Cláudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA DE LURDES GRAMINHO DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) |
: | JOÃO ARTUR BORTOLUZZI (Curador) | |
ADVOGADO | : | JOÃO ARTUR BORTOLUZZI |
: | Bruno Grützmann | |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/08/2017, na seqüência 557, disponibilizada no DE de 14/08/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU CONHECER EM PARTE DA REMESSA NECESSÁRIA E DA APELAÇÃO, E, NESSA EXTENSÃO, DAR-LHES PARCIAL PROVIMENTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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