Apelação Cível Nº 5001660-35.2019.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: JOAO JOSE LOPES (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto pela parte autora () contra sentença, publicada em 19/08/19, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos (
):3. Dispositivo
Ante o exposto, acolho em parte os pedidos da parte autora, extinguindo o feito com apreciação do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar o INSS a:
a) averbar como tempo de serviço especial o período de 29/04/1995 a 05/03/1997, com conversão para tempo de serviço comum (coeficiente 1,4);
b) realizar nova contagem de tempo de serviço e, revisar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição do autor desde a DIB/DER, em 02/03/2010, da forma mais vantajosa, nos termos da fundamentação;
c) pagar os valores atrasados, acrescidos de correção monetária e juros, nos termos da fundamentação, respeitada a prescrição quinquenal, nos termos das Súmula 85 do STJ.
Considerando que a parte autora teve reconhecido como especial 02 dos 15 anos pleiteados (cerca de 13%), sucumbiu em 87% de seu pedido, razão pela qual reconheço a sucumbência recíproca de 87% para a parte autora e 13% para o INSS. Condeno as partes a pagar honorários no percentual de 10%, sendo que para a parte autora o percentual de honorários incidirá sobre 87% do valor atualizado da causa e para o INSS sobre 13% do valor atualizado da causa, a serem calculados em liquidação de sentença.
INDEFIRO o benefício da Assistência Judiciária Gratuita à parte autora, uma vez que nos mes anteriores à distribuição da presente ação, a parte autora auferiu renda mensal acima de R$ 4.000,00 (evento 1, CALC7), o que ultrapassa o critério objetivo fixado pelo art. 790, §3º, da CLT (40% do teto dos benefícios pagos pelo INSS).
Registrada e publicada eletronicamente.
Intimem-se as partes da sentença proferida nos presentes autos para, querendo, recorrerem.
Apresentada apelação, intime-se a parte adversa para contrarrazões e remetam-se os autos ao TRF da 4ª Região independentemente do juízo de admissibilidade (artigo 1.010 do CPC).
O apelante busca seja "modificada a sentença do Juízo de 1º instância, reconhecendo assim a especialidade do período de 06/03/1997 a 02/03/2010 na condição de Arrumador Portuário, com os efeitos reflexivos acerca do tempo de contribuição da aposentadoria, com o pagamento dos valores devidos desde a DER, com juros e correção monetária nos termos da lei. Ou, se for de entendimento desta Turma Recursal, que seja reconhecida a NULIDADE da sentença prolatada pelo Juízo a quo, vez que sustentada em prova emprestada que não ratifica os requisitos da especialidade da função de ARRUMADOR PORTUÁRIO."
Foram apresentadas contrarrazões (
).É o relatório.
VOTO
Consoante se infere da sentença, o autor trabalhou como arrumador junto ao Sindicato dos Arrumadores de Itajaí. De acordo com os laudos técnicos juntados, teria havido exposição a ruído acima do limite de tolerância para o período postulado - 06/03/1997 a 02/03/2010 (
).Todavia, o magistrado a quo entendeu pela impossibilidade do enquadramento de tempo especial no que toca ao período, com base nos seguintes fundamentos:
Período controverso: 29/04/1995 a 02/03/2010
O autor desempenhou suas funções como trabalhador portuário - arrumador, vinculado ao Sindicato dos Arrumadores Portuários de Itajaí, e nos demais intervalos ao OGMO - Órgão Gestor de Mão de Obra.
Na esfera administrativa juntou formulário PPP (evento 16, PROCADM2 a PROCADM6). Juntamento com a inicial, apresentou o Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho do Sindicato dos Arrumadores de Itajaí (evento 1, LAUDO8).
Contudo, a atividade do trabalhador portuário no Porto de Itajaí foi objeto de perícia judicial determinada nos autos do processo 2010.72.58.001374-1 (laudo completo no evento 34), da qual se extrai o seguinte parecer final (evento 21):
3. Parecer Final
Levando em consideração as três amostragens realizadas e as condições em que as mesmas ocorreram, concluo que a amostragem realizada no navio CMA CGM OPAL é a que melhor reflete a realidade dos estivadores do Porto de Itajaí. Sendo assim é possível constatar que o nível de pressão sonora é superior a 80 dB e inferior a 85 dB.
Nesse contexto, é possível reconhecer a especialidade pela exposição ao agente nocivo ruído nos períodos de 29/04/1995 a 05/03/1997.
Desse modo, é devida a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição do autor, desde a DIB/DER, em 02/03/2010, mediante reconhecimento da especialidade no intervalo de 29/04/1995 a 05/03/1997, com conversão em tempo comum (fator 1,4).
Segundo a sentença, as atividades de estivador e de arrumador seriam realizadas no mesmo local, sendo possível concluir pela inexistência de ruído excessivo nas atividades do demandante.
O autor, por outro lado, em sua peça recursal, alega que os locais de trabalho são diferentes, "ficando aos estivadores a bordo dos navios, e os arrumadores envoltos nas atividades no pátio, em contato direto com o maquinário de guindastes, veículos de carga, dentro outros".
Não parece razoável afastar de forma absoluta o direito do autor à contagem de tempo especial com fundamento em laudo similar. Por outro lado, considerando a intensidade significativamente menor de ruído aferida pela perícia do processo 2010.72.58.001374-1 (81,8 dB (A) em relação àquele apurado no laudo juntado pela parte autora (90,6 dB (A), entendo existir dúvida acerca das reais condições laborais do demandante.
Ou seja, a prova é permeada por diversas lacunas.
Ao lado disso, é consabido que A Constituição Federal (art. 93, IX) e o CPC (art. 458) determinam que as decisões judiciais sejam fundamentadas, com explícita análise das questões de fato e de direito e exposição das razões consideradas para acolher ou rejeitar o pedido. A concisão, que no mais das vezes caracteriza virtude, não pode chegar ao ponto de sonegar às partes o conhecimento dos fundamentos da manifestação judicial. Ausente fundamentação, nula a sentença. (TRF4, APELREEX nº 0022438-56.2014.404.9999, Quinta Turma, Relator Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 25/06/2015).
Trata-se, portanto, de julgamento citra petita, que caracteriza questão de ordem pública, a ser reconhecida de ofício, implicando nulidade da sentença, por vício in procedendo, com a determinação de que outra seja proferida, a teor dos artigos 141, 490 e 492 do NCPC.
Em caso análogo, esta Corte já decidiu que A sentença citra petita é nula e, não estando o feito suficientemente instruído para que se possa cogitar eventual suprimento do vício (por interpretação extensiva do art. 515 do CPC), inclusive ante a constatação de que a instrução resultou incompleta, a solução é decretar-se a anulação da mesma e restituir-se o processo à origem para novo julgamento. Sentença anulada. (TRF4 - Reexame Necessário nº 5019455-97.2013.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Jr, juntado aos autos em 27/08/2015).
Idêntica ilação se extrai da jurisprudência do STJ:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA . JULGAMENTO DO MÉRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ARTIGO 515, § 3º DO CPC. INAPLICABILIDADE. ERROR IN PROCEDENDO. SUPRESSÃO PELO JUIZ SINGULAR E NÃO PELO TRIBUNAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. A sentença proferida citra petita padece de error in procedendo. Se não suprida a falha mediante embargos de declaração, o caso é de anulação pelo tribunal, com devolução ao órgão a quo, para novo pronunciamento. De modo nenhum se pode entender que o art. 515, §3º, autorize o órgão ad quem, no julgamento da apelação, a "completar" a sentença de primeiro grau, acrescentando-lhe novo(s) capítulo(s). In casu, não há que se falar em interpretação extensiva ao artigo 515, § 3º, do CPC, quando nem sequer houve, na sentença, extinção do processo sem julgamento do mérito, requisito este essencial à aplicação do artigo 515, § 3º, da Lei Processual Civil. Recurso provido. (REsp 756844. 5ª Turma. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO CITRA PETITA. OCORRÊNCIA. RETORNO DOS AUTOS À CORTE DE ORIGEM. 1. Em caso de julgamento citra petita, devem os autos retornar à Corte local para que decida a lide nos exatos limites em que foi proposta, em atenção ao disposto nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil. 2. Recurso ordinário provido. (RMS 15.892/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 09/12/2008).
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA CITRA PETITA. ANULAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A eg. Terceira Seção desta Corte, pelas Turmas que a compõem, firmou entendimento no sentido de que a decretação de nulidade da sentença citra petita pode ser realizada de ofício pelo Tribunal ad quem. Nesse caso, o recurso de apelação não está condicionado à prévia oposição de embargos de declaração. 2. Recurso especial improvido. (STJ, Sexta Turma, REsp. n. 243988/SC, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 22-11-2004).
Ora, se a prova é modesta ou contraditória toca ao julgador, de ofício ou a requerimento das partes, determinar a sua suplementação para a correta elucidação dos fatos, na busca da verdade real, não apenas porque o processo civil cada vez mais tem sido permeado por ela, mas também para que se obtenha um pronunciamento mais equânime e rente à realidade.
Destaque-se que as normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. Assim (...) deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, pub. no DJ em 28/04/2016, p. 118).
Em face do preceito contido no artigo 370 do NCPC (Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito), mostra-se prematura a solução da controvérsia.
Dito isso, outra alternativa não há, senão anular a sentença, por ausência de observância de seus requisitos essenciais e por cerceamento de defesa, considerando-se que a produção da perícia é essencial ao deslinde do processo.
Assim, deverá ser oportunizada a realização de perícia no local de trabalho do autor, esclarecendo-se definitivamente os contornos da situação fática trazida a juízo.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por anular a sentença, por cerceamento de defesa, determinando a remessa dos autos ao juízo de origem, a fim de que seja reaberta a fase instrutória e que sejam analisados, na integralidade, os pedidos formulados na inicial.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003180494v6 e do código CRC a2da1fe6.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5001660-35.2019.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: JOAO JOSE LOPES (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO CITRA PETITA. OCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À CORTE DE ORIGEM. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL.
1. É nula a sentença que viola os artigos 141, 490 e 492 do NCPC e contém julgamento divorciado da pretensão formulada pela parte ou aquém do pedido. Deve ser declarada a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, em virtude da ausência da prova pericial, tendo em vista a sua essencialidade para a comprovação das reais atividades desempenhadas pelo segurado e dos agentes nocivos a que estava exposto o segurado na prestação do labor, em face da contradição dos documentos constantes nos autos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença, por cerceamento de defesa, determinando a remessa dos autos ao juízo de origem, a fim de que seja reaberta a fase instrutória e que sejam analisados, na integralidade, os pedidos formulados na inicial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003180495v3 e do código CRC f4aa98f4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação Cível Nº 5001660-35.2019.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: JOAO JOSE LOPES (AUTOR)
ADVOGADO: JANAINA BAIAO LAURENTINO (OAB SC021914)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 167, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA, POR CERCEAMENTO DE DEFESA, DETERMINANDO A REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM, A FIM DE QUE SEJA REABERTA A FASE INSTRUTÓRIA E QUE SEJAM ANALISADOS, NA INTEGRALIDADE, OS PEDIDOS FORMULADOS NA INICIAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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