
Apelação/Remessa Necessária Nº 5005244-49.2024.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
Em mandado de segurança impetrado por E. M. P. contra o Gerente da CEAB - Reconhecimento de Direito da SRIII - Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sobreveio sentença concedendo a segurança, nos seguintes termos:
Ante o exposto, concedo a segurança pleiteada, resolvendo o mérito com fundamento no art. 487, I, CPC, a fim de determinar à autoridade coatora a reabertura do processo administrativo de benefício assistencial à pessoa idosa (NB 714.762.217-1), a fim de que seja feito novo exame sobre a situação socioeconômica da impetrante com a exclusão do valor de até um salário mínimo do benefício recebido pelo cônjuge da postulante do cômputo da renda familiar per capita, nos termos da fundamentação, no prazo de 30 dias, a contar de sua intimação.
Da sentença de procedência, recorreu o INSS. Da sentença de procedência, recorreu o INSS. Preliminarmente, alegou ser descabida a impetração de mandado de segurança contra decisao adminstrativa da qual caiba recurso administrativo. Ressaltou, também, que a decisão administrativa impugnada está fundamentada, circunstância que afasta a necessidade de reabertura do processo administrativo. Quanto ao mérito, defendeu que, para o cálculo da renda "per capita", como parâmetro para a obtenção de benefício assistencial, admite-se a exclusão do valor de até um salário-mínimo, recebido a título de benefício da mesma natureza por outro membro do grupo familiar. Pediu a reforma da sentença.
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo regular prosseguimento do feito.
VOTO
Remessa necessária
Considerando que houve concessão da segurança em favor do impetrante, deverá a sentença ser submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do artigo 14º da Lei n. 12.016, que assim dispõe:
Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
§ 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.
Nesse contexto, impõe-se o reexame do julgado.
Preliminares
A segurança concedida na sentença não está relacionada, propriamente, ao mérito do requerimento de benefício assistencial, mas diz respeito ao seu processamento. A apuração da renda familiar "per capita", mediante a exclusão do valor de até um salário-mínimo do benefício previdenciário recebido por algum integrante do grupo, é um parâmetro objetivo, que não enseja dilação probatória.
À conta de a alegação veiculada em sede de mandado de segurança tratar da violação de parâmetro fixado objetivamente pela jurisprudência, inclusive, em sede de julgamento de recurso repetitivo, há fundamento a se considerar para a eventual concessão de ordem para anular a decisão administrativa e determinar a reabertura do processo administrativo.
Logo, não prosperam as preliminares apresentadas pelo INSS.
Mérito
A sentença deve ser mantida, cujos fundamentos são acolhidos como razões de decidir (
):Na petição inicial, informa a impetrante que requereu benefício assistencial à pessoa idosa NB 714.762.217-1, em 27/03/2024, e que o benefício teria sido indeferido ao argumento de que a renda per capita é superior a ¼ de salário mínimo já que a renda do seu cônjuge, com 69 anos de idade, no valor de R$1.604,03, faz superar a renda familiar hábil à concessão da benesse pleiteada.
O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei nº 12.016/2009.
O direito líquido e certo, por sua vez, é o direito comprovado de plano, passível de acolhimento pelo magistrado através de prova pré-constituída, já que o mandado de segurança não comporta dilação probatória.
No caso em julgamento, o cerne da impetração é alegação de que o cálculo da renda familiar deve ser realizado mediante a exclusão do valor de até um salário mínimo do total do benefício percebido pelo cônjuge da autora.
De acordo com a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Repetitivo 640:
Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
Recentemente a Quinta Turma do TRF4 firmou o entendimento de que deve ser excluído, do cálculo da renda familiar para fins de concessão do benefício de prestação continuada, o valor de até um salário-mínimo relativo a benefício previdenciário ou assistencial recebido por idoso de 65 anos ou mais:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO CÍVEL. REABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DECISÃO ADMINISTRATIVA COM FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS).
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
2. A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região pacificou-se no sentido de que deve ser excluído, do cálculo da renda familiar, o limite de até um salário-mínimo em relação a qualquer benefício previdenciário recebido por idoso de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, assim como aqueles concedidos em razão de deficiência ou incapacidade, independentemente da idade. Precedentes.
3. É própria a exclusão, do valor de um salário-mínimo, do cálculo do montante da renda familiar, quando percebido por aposentado idoso ou beneficiário, de qualquer idade, de amparo assistencial ou benefício por incapacidade.
4. É legítimo o direito à reabertura de processo administrativo para que o INSS proceda uma vez mais a apreciação do requerimento de benefício, especialmente no que diz respeito aos critérios para a apuração da renda mensal per capita.
(TRF4, AC 5010440-59.2022.4.04.7110, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão ADRIANE BATTISTI, juntado aos autos em 20/10/2023, grifado.)
Nessa medida, é devida a concessão da segurança para o fim exclusivo de determinar ao INSS a exclusão do valor de até um salário mínimo do benefício recebido pelo cônjuge da autora do cômputo da renda familiar per capita.
Estabelecida essa premissa, a autarquia deverá reabrir o processo administrativo, podendo realizar perícia para averiguar a situação socioeconômica da impetrante, inclusive a existência de eventuais indícios de outras rendas e proferir nova decisão motivada sobre a concessão do benefício pleiteado.
De fato, a situação de risco social deve ser analisada inicialmente sob o ângulo da renda per capita do núcleo familiar, que deverá ser inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Registre-se, no ponto, que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no bojo do Tema 185 esclarecendo que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação n. 4374 e o Recurso Extraordinário n. 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Na mesma oportunidade, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Mais recentemente, a Primeira Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único, do art. 34, do Estatuto do Idoso. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefíciode prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015).
Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).
Devem ser excluídos do cálculo, todavia, o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (TRF4, EINF 5003869-31.2010.404.7001, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10 de fevereiro de 2014), bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (TRF4, APELREEX 2006.71.14.002159-6, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 10 de setembro de 2015), ressaltando-se que tal beneficiário, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerado na composição familiar, para efeito do cálculo da renda.
Assim, à conta de o INSS não ter observado essa diretriz, deve ser mantida a ordem de reabertura do processo administrativo.
Conforme informado no
, a ordem já foi cumprida.Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à remessa oficial e à apelação.
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5005244-49.2024.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. apelação cível. remessa oficial. reabertura de processo administrativo. REQUERIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DE VALORES. COMPONENTE APOSENTADO E IDOSO.
1. A obtenção do direito ao benefício assistencial exige, dentre outros requisitos, a demonstração de situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
2. Deve ser excluído, da apuração do montante da renda familiar, o valor de um salário mínimo, quando recebido por idoso aposentado, integrante do grupo familiar ao qual pertence o requerente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de novembro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/11/2024 A 27/11/2024
Apelação/Remessa Necessária Nº 5005244-49.2024.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ELTON VENTURI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/11/2024, às 00:00, a 27/11/2024, às 16:00, na sequência 458, disponibilizada no DE de 07/11/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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