
Reclamação (Seção) Nº 5018573-80.2022.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
RELATÓRIO
Trata-se de reclamação proposta por I. B. D. M., com fulcro no art. 988 e seguintes do CPC, em face de acórdão proferido pela 1ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul que deixou de reconhecer o exercício do labor rural pelo reclamante, no período de 23-05-1972 a 22-05-1977, dos 7 aos 12 anos de idade, visando à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Sustenta, em síntese, que a decisão reclamada violou a autoridade do precedente vinculante formado no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 17.
Aduz que a ausência de produção da prova testemunhal em juízo causou prejuízo à comprovação da indispensabilidade do seu trabalho no meio rural antes dos 12 anos de idade, confrontando o paradigma.
Com base em tais fundamentos, formulou os seguintes pedidos:
III – DOS PEDIDOS:
Diante do exposto, requer-se:
a) liminarmente, a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável (CPC, art. 989, II);
b) a requisição de informações autoridade que não observou a tese fixada no IRDR 17/TRF4, nos termos do art. 989, I do CPC;
c) a intimação do Ministério Público Federal (CPC, art. 991); e
d) a procedência da ação, para o fim de cassar o acórdão (evento 81), determinando-se, desde já, a realização de prova testemunhal.
O pedido de tutela de urgência foi deferido para sobrestar o andamento do feito originário até o julgamento definitivo da presente reclamação (evento 10).
Citado, o INSS apresentou contestação sustentando, preliminarmente, o não cabimento da reclamação. Quanto ao mérito, defendeu o acerto da decisão reclamada e pediu a improcedência do feito.
A autoridade reclamada prestou informações.
O Ministério Público Federal ofereceu parecer, manifestando-se pela improcedência da reclamação.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de apreciar reclamação segundo a qual a decisão objurgada não observou o acórdão proferido no IRDR nº 17.
A tese firmada no referido julgado tem o seguinte teor:
Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
Em face disso, o reclamante postula a cassação do acórdão reclamado, considerando-se que, consoante a previsão do art. 947, § 3º, do CPC, as teses aprovadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas vinculam todos os juízes e órgão fracionários, inclusive no tocante aos processos que tramitam nos juizados especiais, bem como sua inobservância compromete a competência do Tribunal, fragilizando a autoridade de suas decisões e jurisprudência uniformizada.
Em primeiro lugar, cumpre salientar ser possível o conhecimento da reclamação, a despeito de o acórdão reclamado ter sido impugnado igualmente por meio de pedido de uniformização dirigido à Turma Nacional de Uniformização.
Ora, consoante orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, "(...) por não ter natureza jurídica de recurso, não se aplica à reclamação o óbice relativo ao princípio da unirrecorribilidade. Da mesma forma, considerando-se que a reclamação não interrompe o prazo recursal, não há como impedir a interposição concomitante de recurso para essa finalidade". (Rcl n. 44.172/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 8/11/2023, DJe de 14/12/2023).
Nessa mesma linha, a 1ª Seção do STJ já asseverou que "(...) não há impedimento legal para que ela [a reclamação] seja ajuizada na pendência de recurso oportunamente manejado. Ao contrário disso, o art. 7º da Lei 11.417/2006, que trata das súmulas vinculantes do STF, preconiza que a utilização da reclamação não prejudica a interposição de recursos ou outros meios de impugnação, revelando que essas espécies de irresignação podem coexistir simultaneamente" (Rcl 15.624/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 28/05/2014, DJe 02/06/2014).
Esse entendimento, aliás, foi ratificado pelo Código de Processo Civil de 2015 que, no § 6º do artigo 988, dispôs que "a inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação".
Bem se vê, portanto, que a atual legislação claramente faculta à parte a interposição de recurso e, ao mesmo tempo, caso possível, o ajuizamento da reclamação contra a mesma decisão.
Ultrapassada a prefacial, passo à análise do mérito.
A ação subjacente foi proposta com requerimento expresso de designação de audiência para oitiva de testemunhas (
). Iniciada a tramitação, considerando a alteração legislativa introduzida pela Medida Provisória 871/2019, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que modificou os arts. 106 e § 3º e 55 da Lei nº 8.213/91, determinou-se que a parte autora formalizasse a comprovação da atividade rural por intermédio de autodeclaração, corroborada por documentos que constituíssem início de prova material de atividade rural, dispensando-se a determinação de realização de justificação administrativa e/ou a oitiva de testemunhas ( ).Em seguimento, foi julgado improcedente o pedido de reconhecimento do exercício de atividade rural pela parte autora, no lapso de 23-05-1972 a 22-05-1977, anteriormente aos 12 anos de idade (
), decisão que restou anulada pela 1ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul para que fosse assegurada a colheita da prova testemunhal, considerando que havia início de prova material contemporâneo acerca do desempenho do labor agrícola pelo grupo familiar no referido intervalo ( ).Retornados os autos à origem, o reclamante requereu novamente a designação de audiência para oitiva das testemunhas (
), pedido que deixou de ser apreciado diante da determinação de realização de justificação administrativa, bem como juntada de "declarações escritas suas e de até três pessoas que tenham conhecimento de suas atividades campesinas em regime de subsistência, que fundamentam o pedido, as quais deverão conter informações pormenorizadas acerca das circunstâncias em que acompanhavam o exercício do labor rural da parte autora, bem como há quanto tempo têm conhecimento do alegado trabalho rurícola." ( ).Encaminhado o feito para a realização de justificação administrativa, restaram ouvidas três testemunhas (
).Os autos foram novamente sentenciados, sem alteração no resultado (
).Interposto recurso inominado em face da sentença, em relação à comprovação da atividade rural, o acórdão reclamado negou provimento ao recurso (
).Pois bem.
Para a comprovação do tempo de atividade rural faz-se necessário início de prova material, não sendo admitida, via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91; Súmula 149 do STJ).
A respeito, está pacificado nos Tribunais que não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental (TRF4, AC n. 0021566-75.2013.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Celso Kipper, D.E. 27-05-2015; TRF4, AC n. 2003.04.01.009616-5, Terceira Seção, Rel. Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19-11-2009; TRF4, EAC n. 2002.04.01.025744-2, Terceira Seção, Rel. para o Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. em 14-06-2007; TRF4, EAC n. 2000.04.01.031228-6, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005).
Ademais, está pacificado que constituem prova material os documentos civis (STJ, AR n. 1166/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJU de 26-02-2007; TRF4, AC 5010621-36.2016.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 14-12-2016; TRF4, AC n. 2003.71.08.009120- 3, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 20-05-2008; TRF4, AMS n. 2005.70.01.002060-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31-05-2006) – tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, dentre outros – em que consta a qualificação como agricultor tanto da parte autora como de membros do grupo parental. Assim, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural (Súmula 73 desta Corte).
No entanto, não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, parece-me necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.
A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, citar a hipótese de registro contemporâneo em CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, não é necessária a inquirição de testemunhas para a comprovação do período registrado.
Na maioria dos casos que vêm a juízo, no entanto, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, e há a necessidade de ser corroborada por prova testemunhal. A propósito, jurisprudência de longa data sempre afirmou que o tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea [v. g., TRF4, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, EIAC 2000.04.01.107535-1/RS, j. em 08-09-2005, DJ 05-10-2005; TRF4, Terceira Seção, EIAC 1999.04.01.075012-1, j. em 10-11-2005, DJ 30-11-2005; STJ, REsp 1.348.633/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. em 28-08-2013, DJe 05-12-2014 (Tema Repetitivo 638); STJ, Súmula 577; STJ, REsp 1.321.493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. em 10-10-2012, DJe 19-12-2012 (Tema Repetitivo 554); STJ, AgInt no AREsp 2.160526/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 13-03-2023, DJe 16-03-2023].
Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) sempre teve a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a então necessária prova testemunhal.
Em razão disso, sempre defendi que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.
De certa forma, tudo o que foi dito até aqui permanece válido, embora seja necessária uma nova contextualização, à vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º, da LBPS, e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, para considerar que o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
Em face disso, a jurisprudência dessa Corte passou a entender que a autodeclaração prestada pelo segurado é suficiente para, em cotejo com a prova material, autorizar o reconhecimento do tempo agrícola pretendido, sendo devida a oitiva de testemunhas apenas quando se mostre indispensável (AC n. 5023671-56.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, j. em 07-06-2022; AC n. 5023852-57.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Marcio Antônio Rocha, j. em 10-05-2022; AC n. 5003119-70.2021.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Sebastião Ogê Muniz, j. em 08-04-2022; AC n. 5001363-77.2019.4.04.7127, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Taís Schilling Ferraz, j. em 09-03-2022; AG n. 5031738- 34.2021.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 22-09-2021).
A questão que ainda precisa ser respondida adequadamente é: quando a prova testemunhal permanece indispensável para a comprovação da atividade rural ou da condição de segurado especial?
Vislumbro, desde já, algumas situações em que a prova oral é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural. Primeiramente, será indispensável sempre que o magistrado verificar algum ponto a ser melhor esclarecido, visando a completar lacunas da prova material (casos em que esta é escassa), dirimir contradições entre a autodeclaração e as provas materiais, ou destas entre si, para esclarecer dúvidas surgidas por elementos colhidos do CNIS ou PLENUS, para se certificar se a atividade rural era de fato essencial para a subsistência da família, se havia empregados permanentes, enfim, sempre que não houver prova suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC.
Também poderá ser indispensável a prova testemunhal quando o pedido englobe o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 anos de idade. Isso porque tal reconhecimento é possível desde que a prova da atividade do menor seja reforçada, mais robusta, demonstrando as atividades desempenhadas, as culturas plantadas ou os animais criados, de forma que seja possível avaliar, no regime de economia familiar, a essencialidade do trabalho rural desenvolvido pela criança para o sustento da família. Em outras palavras, “o tempo de serviço rural anterior aos 12 anos de idade pode ser reconhecido desde que haja prova inequívoca do efetivo exercício de trabalho rural pela parte autora e não apenas auxílio eventual ao grupo familiar” (TRF4, AC 5022088-36.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, j. em 22-03-2022). Ora, se há a necessidade de prova mais robusta ou inequívoca nesse sentido, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes (salvo exceções), imprescindível a prova testemunhal.
Importante destacar a aplicabilidade do julgamento do IRDR nº 17 a casos em que há autodeclaração, houve dispensa de prova testemunhal e o conjunto probatório não permite o reconhecimento do período pleiteado.
Com efeito, cumpre reiterar a tese jurídica fixada por esta Corte no julgamento do IRDR nº 17 :
Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
Ora, se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa – insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural –, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares.
Na demanda originária, como relatado anteriormente, embora a parte autora tenha requerido expressamente, em mais de uma oportunidade, a produção da prova oral em juízo para comprovação da indispensabilidade da atividade agrícola por ela desenvolvida junto ao seu grupo familiar, o pedido não restou atendido nem sequer após a primeira sentença ter sido anulada pela Turma Recursal para a oitiva das testemunhas, que acabaram ouvidas mediante justificação administrativa por ordem do juízo.
Quanto à rejeição do interstício precedente aos 12 anos de idade, o acórdão reclamado assim se manifestou (
):No caso, entendo indevido o reconhecimento do tempo de serviço rural de 23/05/1972 a 22/05/1977 (dos 07 aos 12 anos de idade). Isso porque, embora seja possível, em tese, reconhecer o tempo de serviço rural antes dos 12 (doze) anos de idade, no caso, entendo que não há elementos objetivos que comprovem o efetivo exercício do labor rural por parte da segurada no período controvertido.
O § 1º do art. 11 da Lei 8.213/91, ao tratar do regime de economia familiar, assim dispõe:
§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Exige, para sua caracterização, a indispensabilidade do trabalho dos seus integrantes para a subsistência do grupo familiar, o qual deve ser exercido em condições de mútua dependência.
Não é o que se verifica no caso em análise. A atividade desempenhada pela autora no período pleiteado, segundo os autos, não se revelou indispensável para a subsistência do grupo familiar e também não há se falar em dependência.
Com efeito, há documentos nos autos que demonstram a frequência a instituição de ensino entre 1972 a 1975 (
, f. 5), de modo que, embora se possa intuir que no outro turno (ou eventualmente) pudesse auxiliar nas lides rurais, sua participação no labor rural da família não se afigurava indispensável ao sustento do grupo familiar.Outrossim, embora não haja documentação relativa à frequência em instituição de ensino entre os anos de 1976 a 1977, não há como reconhecer a indispensabilidade do trabalho da segurada para a subsistência do grupo familiar, especialmente diante de tão tenra idade (dos 10 aos 12 anos de idade).
Ademais, embora as testemunhas tenham afirmado que a parte autora exerceu atividade rural junto aos seus familiares de origem, elas não souberam especificar a partir de quando tais atividades foram exercidas, limitando-se a informar que a parte autora teria deixado a localidade rural no ano de 1987 (
).Desse modo, não há como reconhecer o tempo de serviço rural no período de 23/05/1972 a 22/05/1977.
Assim, voto por negar provimento ao recurso da parte autora no ponto.
O acórdão da 1ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul não reconheceu o intervalo (1) primeiro porque não considerou indispensável o trabalho do segurado para a subsistência do grupo familiar, considerando que ele frequentava a escola e sua tenra idade e (2) segundo em razão de que as testemunhas ouvidas na justificação administrativa não souberam informar a partir de que idade o labor rural foi exercido pelo reclamante (questionamento que a justificação administrativa não permite identificar se foi efetuado).
Verifica-se que, de fato, a improcedência do pedido ocorreu também por força da produção de de prova testemunhal em justificação administrativa.
Nesse contexto, há confrontação ao que foi decidido no IRDR 17, a saber, foi dispensada a produção de prova testemunhal em juízo e o julgamento, fundado apenas na oitiva de testemunhas em justificação administrativa, foi improcedente.
A propósito dos fundamentos da decisão tomada no bojo do incidente, merecem destaque, a saber:
[...] Como se sabe, a justificação administrativa está prevista na Lei nº 8.213/91 e é regulamentada pelo Decreto nº 3.048/99 e IN nº 77/2015, consistindo na colheita de depoimentos testemunhais com a finalidade de suprir a falta ou insuficiência de documento ou produzir prova de fato ou circunstância de interesse dos beneficiários perante o INSS.
Consoante a IN referida, a justificação administrativa será realizada mediante requerimento formal do interessado, o qual deverá apresentar início de prova material, a ser analisado pelo próprio servidor da Autarquia juntamente com os demais requisitos para o procedimento. Entendendo-se preenchidas as exigências, a autoridade competente autorizará a realização da justificação, notificando o interessado do local, data e horário nos quais será realizada a oitiva das testemunhas, cabendo àquele a comunicação destas acerca do ato.
A partir desse breve resumo do funcionamento da justificação é possível vislumbrar vários obstáculos para que o segurado consiga comprovar as questões de seu interesse tais como: ausência de uniformidade de procedimento, pois cada agência do INSS as realiza de forma diversa, uma vez que as normativas contém apenas orientações em linhas gerais focadas no processamento; dificuldades na comunicação das testemunhas ou do próprio justificante acerca da oitiva; não participação de advogado ou defensor público em grande parte dos procedimentos; elaboração da ata a cargo do servidor do INSS, a qual poderá ter maior ou menor fidelidade com relação ao que foi efetivamente dito pelas testemunhas; etc.
Tais dificuldades, aliadas ao disposto no art. 147 do Decreto nº 3.048/99, segundo o qual não cabe recurso da decisão da autoridade competente da Autarquia que considerar eficaz ou ineficaz a justificação administrativa, bem como ao fato de a grande maioria dos requerentes serem pessoas hipossuficientes, resulta, frequentemente, na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional.
Importante ressaltar que não se está a insinuar que as informações colhidas pelo INSS são desprovidas de valor ou inverídicas, mesmo porque é consabido que a Administração Pública deve pautar-se por princípios que também informam o processo judicial, como o da verdade material.
A principal diferença entre os processos previdenciários administrativo e judicial, além de eventuais falhas procedimentais que comprometem a garantia do contraditório e da ampla defesa no primeiro, ao mesmo tempo em que o segundo é realizado com todas as cautelas legais, parece ser o alcance da busca da verdade real: enquanto a Autarquia, adstrita ao princípio da legalidade, não tem maior espaço para a interpretação das normas, aplicando-as de forma quase matemática, o juiz atuante no processo judicial previdenciário tem como meios hábeis não só o princípio referido, mas também a aplicação de soluções de equidade. [...]
Nesse caminho, tendo em conta o entendimento pacífico desta Corte de que a prova testemunhal, em se tratando de benefício devido a trabalhador rural, é essencial à comprovação da atividade, uma vez que se presta a corroborar os inícios de prova material apresentados, ao se deparar com prova testemunhal administrativa insuficiente para o reconhecimento do labor rural, deve o juiz, nos termos do art. 370 do CPC, oportunizar a oitiva de testemunhas em juízo. Desse modo, prestigiando a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional, disporá o magistrado dos adequados meios para que a busca da verdade material ocorra a partir de uma lógica constitucional que privilegie a proteção social ao direito fundamental à subsistência, cabendo ressaltar ainda que, dispondo de elementos que possam obstaculizar a pretensão do requerente, cabe ao Instituto Previdenciário judicializar a prova administrativa, de forma a lhe emprestar maior valor probante.
Além disso, abordada a questão sob o ângulo jurisprudencial antes expendido, sobretudo no que se refere à exiguidade e à imprecisão documentais inerentes ao labor rural em períodos distantes, a fundamentação acima colacionada evidencia justamente a necessidade de produção de prova testemunhal para averiguação das condições em que as tarefas rurícolas eram efetivamente desempenhadas.
De fato, considerando outro óbice elencado pela decisão impugnada - que pode ser sintetizado na capacidade física reduzida de uma criança menor de 12 anos, cujas atividades seriam, por essa razão, dispensáveis -, sem o cotejo com outros elementos concretos, não é possível solver a controvérsia, seja para acolher a pretensão da parte autora, seja para afastá-la, materializando-se a prova oral, nessa medida, como condição sine qua non para verificação das condições em que o demandante desempenhava tarefas ínsitas ao labor campesino.
A propósito, cito reclamações recentemente apreciadas por esta Terceira Seção que igualmente concluiram pela indispensabilidade da prova testemunhal em casos análogos:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO À VISTA DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE PREVIU A AUTODECLARAÇÃO DO SEGURADO. APLICABILIDADE DA TESE A CASOS EM QUE A AUTODECLARAÇÃO, EM COTEJO COM A PROVA MATERIAL, NÃO PERMITE O RECONHECIMENTO DO PERÍODO PLEITEADO, NOTADAMENTE ANTES DOS DOZE ANOS DE IDADE. 1. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LBPS, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material. 2. Na hipótese de a autodeclaração, em cotejo com a prova material, não ser suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, a oitiva de testemunhas é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC. 3. Se há a necessidade de prova mais robusta para o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 (doze) anos de idade, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes, imprescindível a prova testemunhal. 4. Se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa - insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural -, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares. 5. Reclamação provida para cassar a sentença e o acórdão do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal. (TRF4 5045150-95.2022.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 29/09/2023)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO À VISTA DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE PREVIU A AUTODECLARAÇÃO DO SEGURADO. APLICABILIDADE DA TESE A CASOS EM QUE A AUTODECLARAÇÃO, EM COTEJO COM A PROVA MATERIAL, NÃO PERMITE O RECONHECIMENTO DO PERÍODO PLEITEADO, NOTADAMENTE ANTES DOS DOZE ANOS DE IDADE. 1. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LBPS, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material. 2. Na hipótese de a autodeclaração, em cotejo com a prova material, não ser suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, a oitiva de testemunhas é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC. 3. Se há a necessidade de prova mais robusta para o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 (doze) anos de idade, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes, imprescindível a prova testemunhal. 4. Se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa - insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural -, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares. 5. Reclamação provida para cassar a sentença do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal. (TRF4 5003943-19.2022.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 28/07/2023)
Sendo assim, demonstrado que o acórdão proferido no processo nº 5013342-93.2019.4.04.7108 vulnerou o entendimento adotado no incidente, é de rigor a cassação da decisão, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal em juízo.
Ante o exposto, voto por julgar procedente a reclamação.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004631803v53 e do código CRC 6096de19.Informações adicionais da assinatura:
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Reclamação (Seção) Nº 5018573-80.2022.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17.
1. A improcedência do pedido fundada em depoimentos de testemunhas colhidos exclusivamente em processo administrativo, contraria o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n° 17.
2. Reclamação provida para cassar o acórdão do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal em juízo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, julgar procedente a reclamação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 24 de outubro de 2024.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004631804v5 e do código CRC 27e80149.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 22/08/2024
Reclamação (Seção) Nº 5018573-80.2022.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): ELTON VENTURI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 22/08/2024, na sequência 107, disponibilizada no DE de 12/08/2024.
Certifico que a 3ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
RETIRADO DE PAUTA.
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 17/09/2024 A 25/09/2024
Reclamação (Seção) Nº 5018573-80.2022.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 17/09/2024, às 00:00, a 25/09/2024, às 16:00, na sequência 240, disponibilizada no DE de 06/09/2024.
Certifico que a 3ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
RETIRADO DE PAUTA.
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 19:54:14.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 24/10/2024
Reclamação (Seção) Nº 5018573-80.2022.4.04.0000/RS
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 24/10/2024, na sequência 350, disponibilizada no DE de 14/10/2024.
Certifico que a 3ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª SEÇÃO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, JULGAR PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
Votante: Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 19:54:14.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas