Apelação Cível Nº 5003353-80.2021.4.04.7112/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: ARISOLETE CAMARGO DA ROSA (AUTOR)
ADVOGADO: HUMBERTO REIS DE SOUZA (OAB RS083199)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença, proferida na vigência do CPC/2015, que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença, condenando a parte autora ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (exigibilidade suspensa em face da gratuidade). A autora recorreu alegando, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, sustenta, em suma, que preenche os requisitos necessários à concessão do benefício de auxílio-doença desde a cessação administrativa, em 30-6-2019. Não houve resposta.
É o relatório.
VOTO
Preliminar de cerceamento de defesa
A apelante requer a nulidade da sentença por cerceamento de defesa diante do indeferimento da produção de nova perícia médica com especialista em neurologia.
Sem razão, no entanto.
Isso porque, no laudo judicial (Eventos 36 e 60 do originário), nota-se que o perito fez uma análise minuciosa da situação clínica da autora, relatando, inclusive, as avaliações feitas nesta. Cabe ressaltar que a simples discordância com as conclusões periciais, sem haver específica razão para tanto - observo que a requerente sequer se preocupou em juntar atestados médicos contemporâneos ao laudo judicial, bem como postulou, com êxito, a complementação da perícia realizada -, não é suficiente para justificar a realização de nova perícia técnica. Além disso, verifico que a conclusão do perito judicial (como adiante se verá) é clara e fundamentada, bem como que a doença da autora não é complexa (ou rara) a ponto de exigir exame de médico especializado.
Destaco, ainda, que, de acordo com o artigo 370 e parágrafo único do CPC, cabe ao juiz deferir ou indeferir as provas a serem produzidas no curso da instrução processual, desde que o faça fundamentadamente. Considerando, então, que havia nos autos elementos probatórios suficientes ao deslinde da questão, tendo o magistrado firmado sua convicção por meio deles, tem-se por desnecessária a produção de demais provas.
Assim, rejeito a preliminar suscitada.
Mérito
Inicialmente, cabe salientar que o próprio INSS reconheceu a incapacidade laboral temporária da autora quando concedeu o benefício de auxílio-doença nº 636.234.946-0, no período de 29-8-2021 a 31-3-2022, em razão de "Neoplasia benigna do encéfalo e de outras partes do sistema nervoso central" e "Convalescença após cirurgia" (Evento 45 do originário - DECL2).
Como se pode observar, houve o reconhecimento parcial da procedência do pedido pelo INSS no curso da ação, no que tange ao pedido de auxílio-doença, razão pela qual deve ser parcialmente extinto o feito, nos termos do artigo 487, III, 'a', do CPC.
A controvérsia restringe-se, portanto, à verificação da continuidade da incapacidade laboral da parte autora desde a DCB do auxílio-doença nº 627.598.237-7 (30-6-2019) até a data da concessão do auxílio-doença nº 636.234.946-0 (29-8-2021).
A perícia médica judicial (Eventos 36 e 60 do originário), realizada em 1-9-2021 e complementada em 15-11-2021, por especialista em medicina do trabalho, apurou que a autora, auxiliar de serviços gerais, nascida em 18-3-1967, é portadora de Neoplasia benigna do encéfalo, supratentorial, Entesopatias dos membros inferiores, Dorsalgia, Lesões do ombro e Transtornos internos dos joelho (CID-10: D33.0, M76, M54, M75 e M23), e concluiu que ela apresenta incapacidade temporária para o trabalho, nos seguintes termos:
"(...)
Histórico/anamnese: 1. HISTÓRICO DA PATOLOGIA ATUAL
Refere que iniciou quadro de dores poliarticulares de longa data. Procurou auxílio médico e foi diagnosticado como portador de transtorno de discos intervertebrais, transtorno interno em joelhos, lesões inflamatórias em ombros. Foi submetido a tratamento conservador com fisioterapia e medicação analgésica. Relato confuso indicação cirúrgica. Há cerca de 3 anos, quadro de tonturas recorrentes, incialmente diagnosticada como portadora de labirintoptia, vindo a ser diagnosticada como portadora tumor encefálico (subependimoma). Realizou procedimento cirúrgico em 14/08/2021, procedimento sem intercorrências. Refere estar em período pós-operatório.
2. HISTÓRIA MÉDICA PREGRESSA / DADOS PESSOAIS
Comorbidades: DPOC;
Medicações em uso: broncodilatadores, analgésicos;
Vícios: ex-tabagismo;
Efeitos colaterais de medicações: nega;
Destria: destro
Documentos médicos analisados: 1. DOCUMENTOS MÉDICOS
- Vejo atestado CREMERS 26763 de 27/08/2021: descreve quadro neurocirúrgico com incapacidade laboral por 30 dias;
- Vejo atestado CREMERS 19977 de 30/08/2021: descreve quadro ortopédico;
2. EXAME COMPLEMENTARES / OUTROS
- Periciado trouxe os mesmos exames anexados aos autos.
- Demais, anexados aos autos.
Exame físico/do estado mental: EXAME FÍSICO GERAL
Altura: 1,64m; Peso: 64Kg
INSPEÇÃO/PALPAÇÃO: ausência de encurtamento visível; ausência de deformidades; presença de cicatriz em região occipital;
EXAME ORTOPÉDICO: deambulação livre (sem uso de órteses), marcha normal (sem claudicação - porém necessita de auxílio de acompanhante), senta e levanta da maca e da cadeira sem restrições.
- COLUNA CERVICAL: alinhamento vertebral preservado, sem dor à palpação, sem contraturas paravertebrais, arco do movimento de flexão, lateralização e rotação preservados. Teste de Spurling negativo.
- COLUNA LOMBAR: lordose fisiológica, sem dor à palpação, sem contraturas paravertebrais, arco do movimento de flexão-extensão, lateralização e rotação preservado, Lasegue negativo, Kernig negativo, Hoover negativo, Bechterew negativo.
- MEMBROS SUPERIORES:
GERAL: sem edema de membros superiores, musculatura de braços e antebraços eutrófica e simétrica, sem retrações teciduais em membros superiores, força muscular preservada (grau 5/5) e simétrica, reflexos bicipitais preservados e simétricos;
MÃOS/PUNHOS: sem deformidades articulares/segmentares evidentes, mãos com funções (preensão/gancho/pinça) preservadas, sem restrições no arco dos movimentos de punhos, sem restrições no arco dos movimentos de dedos, testes Tínel, Phalen (e Phalen invertido) e Froment negativos bilateralmente;
ANTEBRAÇO/COTOVELO: sem deformidades articulares, sem restrições nos arcos de movimentos (flexo-extensão e prono-supinação), teste Cozen negativo bilateralmente e teste Mill negativo bilateralmente;
OMBRO: sem deformidades articulares, sem restrições nos arcos de movimentos, Neer e Jobe negativos bilateralmente, Hawkins negativo bilateral, Gerber e Patte negativo bilateralmente;
- MEMBROS INFERIORES:
GERAL: musculatura de quadríceps e panturrilhas eutróficas, sem hipotrofia ou assimetrias, força muscular preservada (grau 5/5) e simétrica, reflexos patelares simétricos e preservados;
QUADRIL: sem deformidades articulares, arcos de movimento (rotação, flexo-extensão e abdução/adução) preservados em quadril bilateralmente, teste de Thomas negativo bilateralmente, Sinal de Trendelenburg ausente;
JOELHO: sem deformidades articulares, sem crepitações à flexo-extensão de joelhos, sem edemas, amplitude de flexo-extensão preservada; testes Apley e McMurray negativos bilateralmente, testes Lachman, teste de Gaveta (anterior/posterior) e teste de estresse em varo/valgo negativos bilateralmente;
TORNOZELO/PÉ: ausência de edemas, ausência de deformidades, arcos de movimento (dorsoflexão, flexão e extensão plantar, eversão-inversão e abdução-adução) preservados bilateralmente; sem restrição em mobilidade de artelhos;
(...)
Observações sobre o tratamento: Em acompanhamento ambulatorial para suas patologias. Sem indicação cirúrgica ortopédica documentada. Comprova realização de neurocirurgia em 14/08/2021.
Conclusão: com incapacidade temporária
- Justificativa: Trata-se de quadro ortopédico e neurocirúrgico:
- Sobre quadro ortopédico, há comprometimento multisegmentar:
1. Sobre coluna vertebral: autor é portador de dorsalgia. Documentos anexados não evidenciam compressão de raízes nervosas. Não se comprova atendimentos emergenciais em razão da patologia alegada, denotando ausência de crises álgicas. Não se comprova indicação cirúrgica, estando em manejo conservador. Ao exame pericial, não restou evidenciado sinais de compressão radicular, sem limitação de mobilidade e/ou marcha/locomoção, sem sinais de desuso de membros inferiores, sem contraturas paravertebrais. Testes semiológicos negativos para compressão radicular. Quadro compatível com faixa etária, sem elementos objetivos com denotem incapacidade laboral.
2. Sobre ombros: autor é portador de tendinose/tendinite de ombros. Achado é prevalente em faixa etária do autor. Exames anexados comprovam quadro. Ao exame pericial, autor sem sinais de desuso de membros superiores, sem limitação em arcos de movimentos de ombros, com testes semiológicos negativos para patologias no segmento.
3. Sobre quadris: autor é portador de quadro de tendinite de quadris. Exames anexados comprovam quadro. Ao exame pericial, autor sem sinais de desuso de membros inferiores, sem limitação em arcos de movimentos de quadris, força preservada, sem alteração de marcha/locomoção, sem deformidade articular.
4. Sobre joelhos: autor é portador de quadro de transtorno interno de joelhos (lesão meniscal). Exames anexados comprovam quadro. Ao exame pericial, autor sem sinais de desuso de membros inferiores, sem limitação em arcos de movimentos de joelhos, força preservada, sem alteração de marcha/locomoção, sem deformidade articular.
- Sobre quadro neurológico, autor foi portador de quadro de tumor cerebral tipo subependimoma. Realizou procedimento cirúrgico em 14/08/2021, procedimento sem intercorrências. Exame pericial sem alteração específicas, com cicatriz em região cervical posterior/occipital que comprova procedimento realizado. Deambula com auxílio de acompanhamento. Vejo quadro que, naturalmente, gera incapacite temporária por período pós-operatório.
Concluo ser caso que, na sua óptica ortopédica não apresenta e/ou apresentou quadro incapacitante, porém que na sua óptica neurocirúrgica gera incapacidade referente ao período de consolidação de procedimento de remoção de tumor cerebral.
- DII - Data provável de início da incapacidade: 13/08/2021
- Justificativa: Data de último dia trabalhado, tendo realizado neurocirurgia em 14/08/2021.
- Caso a DII seja posterior à DER/DCB, houve outro(s) período(s) de incapacidade entre a DER/DCB e a DII atual? NÃO
- Data provável de recuperação da capacidade: 13/12/2021
- Observações: No quadro apresentado pelo do autor recomenda-se afastamento por período não inferior a 3 meses a contar da perícia, tempo para realização dos tratamentos complementares e devida recuperação.
- A recuperação da capacidade laboral depende da realização de procedimento cirúrgico? NÃO
- O(a) examinado(a) apresenta transtorno relacionado ao uso de substância(s) psicoativa(s) (ébrio habitual e/ou viciado em drogas ilícitas) ou está impossibilitado de exprimir sua vontade em razão de causa transitória ou permanente? NÃO
- Foram avaliadas outras moléstias indicadas nos autos, mas que não são incapacitantes? SIM
- Quais? Quadro de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
- Por que não causam incapacidade? Sem seguimento pneumológico, us de broncodilatadores, sem intercorrências relacionadas à doença.
(...)".
Dessarte, penso que é possível concluir que o período em que recebeu o benefício de auxílio-doença, de 18-4-2019 a 30-6-2019, em razão de "Hérnia inguinal" e "Hérnia umbilical", tenha sido suficiente para que a segurada se submetesse ao tratamento e recuperasse a capacidade laborativa.
Cabe destacar, ainda, que a autora deixou de juntar aos autos atestados médicos que dessem conta de sua alegada incapacidade laboral no período entre a DCB do auxílio-doença nº 627.598.237-7, em 30-6-2019, e a DIB do auxílio-doença nº 636.234.946-0, em 29-8-2021.
Cumpre esclarecer que o perito judicial é o profissional de confiança do juízo, cujo compromisso é examinar a parte com imparcialidade. Embora seja certo que o juiz não fica adstrito às conclusões do perito, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente, o que, a meu sentir, não ocorreu no presente feito.
Ante o exposto, voto por extinguir parcialmente o feito, com resolução do mérito, em face do reconhecimento parcial da procedência do pedido pelo réu, nos termos do art. 487, III, a, do CPC, e, no restante, negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003278112v6 e do código CRC 259bd290.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5003353-80.2021.4.04.7112/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: ARISOLETE CAMARGO DA ROSA (AUTOR)
ADVOGADO: HUMBERTO REIS DE SOUZA (OAB RS083199)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO PARCIAL DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PELO INSS NO QUE TANGE AO PEDIDO DE AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORAL NÃO COMPROVADA NO RESTANTE DO PERÍODO POSTULADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, extinguir parcialmente o feito, com resolução do mérito, em face do reconhecimento parcial da procedência do pedido pelo réu, nos termos do art. 487, III, a, do CPC, e, no restante, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de julho de 2022.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003278113v3 e do código CRC 067cf812.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/07/2022 A 27/07/2022
Apelação Cível Nº 5003353-80.2021.4.04.7112/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: ARISOLETE CAMARGO DA ROSA (AUTOR)
ADVOGADO: HUMBERTO REIS DE SOUZA (OAB RS083199)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/07/2022, às 00:00, a 27/07/2022, às 14:00, na sequência 1563, disponibilizada no DE de 11/07/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, EXTINGUIR PARCIALMENTE O FEITO, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, EM FACE DO RECONHECIMENTO PARCIAL DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PELO RÉU, NOS TERMOS DO ART. 487, III, A, DO CPC, E, NO RESTANTE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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