| D.E. Publicado em 12/07/2018 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020102-45.2015.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | AMANDIO NECKEL PARANHOS |
ADVOGADO | : | Emanuel Cardozo |
: | Karina Weber Cardozo | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REGIME ESTATUTÁRIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. OCORRÊNCIA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. POSSIBILIDADE. ATIVIDADE ESPECIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO TEMPO INSUFICIENTE.
1. O INSS não tem legitimidade para atuar como réu nas ações em que o labor prestado pelo segurado foi vinculado a ente público, com regime próprio de previdência, exceto se o vínculo não teve solução de continuidade e foi extinto o regime próprio, situação em que o RGPS é o regime subsidiário.
2. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.
3. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
4. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
5. Inviável o reconhecimento da natureza especial do labor desempenhado quando não há prova de sujeição do segurado a agentes nocivos, ou mesmo de que a atividade era passível de enquadramento por categoria profissional, nos termos da legislação vigente à época em que desenvolvido o trabalho.
6. Não preenchidos os requisitos cumulativos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, seja na forma integral, seja na modalidade proporcional, não tem o segurado direito ao benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, extinguir o feito, sem exame do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento da natureza especial das atividades desempenhadas no período de 25-06-1974 a 20-07-1984, com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, ante a ilegitimidade passiva do INSS, e dar parcial provimento ao apelo da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de junho de 2018.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9396161v8 e, se solicitado, do código CRC 7CB99BF5. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
| Data e Hora: | 04/07/2018 14:07 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020102-45.2015.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | AMANDIO NECKEL PARANHOS |
ADVOGADO | : | Emanuel Cardozo |
: | Karina Weber Cardozo | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária proposta por AMANDIO NECKEL PARANHOS contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, postulando a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, desde a DER (25-03-2011), mediante o reconhecimento, como tempo de serviço, da atividade que sustenta ter exercido como trabalhador rural nos períodos de 19-03-1964 a 04-10-1971, 19-01-1972 a 31-05-1974 e 01-08-1984 a 30-09-1986, bem como da natureza especial, prejudicial à saúde ou à integridade física, de atividades laborais que alega ter desenvolvido nos períodos de 25-06-1974 a 20-07-1984, 01-10-1986 a 30-11-1986, 01-09-1987 a 04-11-1987 e 04-01-1988 a 10-01-1990, com a conversão do respectivo tempo de serviço especial em tempo de serviço comum, com os devidos acréscimos.
Sentenciando, o juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, apenas para reconhecer a especialidade do tempo de serviço no período de 01-10-1986 a 30-11-1986. Condenou o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.000,00, com exigibilidade suspensa em razão da concessão de AJG. Não sujeitou o feito à remessa oficial.
O demandante apela. Afirma que a prova dos autos demonstra o exercício de labor rurícola, em regime de economia familiar, nos períodos postulados na inicial, bem como a natureza especial das atividades desempenhadas nos períodos de 25-06-1974 a 20-07-1984, 01-09-1987 a 04-11-1987 e 04-01-1988 a 10-01-1990.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
REMESSA NECESSÁRIA
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
O intuito do legislador foi salvaguardar os atos já praticados, perfeitos e acabados, aplicando-se a nova lei processual com efeitos prospectivos.
Nesse sentido as sentenças sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório se condenassem a Fazenda Pública ou assegurassem ao autor direito equivalente a valor superior a sessenta salários mínimos.
A superveniência dos novos parâmetros (NCPC, art. 496, § 3º), aumentando o limite para reexame obrigatório da sentença, traz a indagação quanto à lei aplicável às sentenças publicadas anteriormente e ainda não reexaminadas. Uma das interpretações possíveis seria a de que, em tendo havido fato superveniente à remessa - novo CPC, a suprimir o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas sentenças que a houvessem condenado ou garantido proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos, não seria caso de se julgar a remessa. Inexistindo o interesse, por força da sobrevinda dos novos parâmetros, não haveria condição (interesse) para o seu conhecimento.
No entanto, em precedente repetido em julgamentos sucessivos, o STJ assentou que a lei vigente à época da prolação da decisão recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
Nesses termos, em atenção ao precedente citado, impõe-se que a possibilidade de conhecimento da remessa necessária das sentenças anteriores à mudança processual observe os parâmetros do CPC de 1973, aplicando-se o novo CPC às sentenças posteriores.
Se a sentença sujeita a reexame necessário é a que condena a Fazenda Pública em valor excedente a sessenta salários mínimos, impõe-se aferir o proveito econômico assegurado ou o montante da condenação na data em que proferida a decisão, pois é neste momento que é feita a avaliação quanto à obrigatoriedade da remessa. Valores sujeitos a vencimento futuro não podem ser considerados para este efeito.
No caso dos autos, como a sentença fixou tão somente a averbação de período rural, não se pode cogitar de condenação em parcelas vencidas até então, nem em resultado econômico da demanda. Não se trata de sentença ilíquida, mas de decisão cujos efeitos não se produzem diretamente por força do processo, dependentes que estão, para terem reflexos econômicos, de situações futuras e incertas.
Em tais condições, correta a sentença ao não sujeitar o feito ao reexame necessário.
PRELIMINAR
Em sede preliminar, cumpre declarar ex officio a ilegitimidade passiva do INSS relativamente ao pedido de reconhecimento da natureza especial das atividades desempenhadas no período de 25-06-1974 a 20-07-1984, durante o qual o demandante laborou junto à Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul.
Com relação à legitimidade do INSS para atuar como réu nas ações em que o labor prestado pelo segurado foi vinculado a ente público, com regime próprio de previdência, é entendimento desta Corte que, se o vínculo não teve solução de continuidade, e tendo sido extinto o regime próprio, em razão da frustrada tentativa de implantação, não há como afastar a legitimidade da autarquia, já que o RGPS é o regime subsidiário.
Contudo, se remanesce o regime próprio, o reconhecimento da especialidade das atividades deverá ser buscado perante aquele regime e não junto ao RGPS. E essa é a hipótese a que se amolda o presente caso concreto, porquanto a documentação juntada às fls. 57-58 demonstra que, durante o interstício postulado, o autor manteve vínculo estatutário com o Estado do Rio Grande do Sul, vertendo contribuições ao regime próprio dos servidores efetivos desse ente federativo, gerido pelo Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPE.
Nesse sentido, colaciono julgado da Quinta Turma desta Corte, que tive a oportunidade de relatar:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. REGIME ESTATUTÁRIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS
O INSS não tem legitimidade para atuar como réu nas ações em que o labor prestado pelo segurado foi vinculado a ente público, com regime próprio de previdência, exceto se o vínculo não teve solução de continuidade e foi extinto o regime próprio, situação em que o RGPS é o regime subsidiário.
(TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5018437-93.2016.404.0000, 5ª TURMA, (Auxílio Favreto) Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 21/07/2016)
Impõe-se, portanto, a extinção do feito, sem resolução do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento da natureza especial das atividades desempenhadas no período de 25-06-1974 a 20-07-1984, com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil.
MÉRITO
A controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento da atividade rural desempenhada sob o regime de economia familiar nos períodos de 19-03-1964 a 04-10-1971, 19-01-1972 a 31-05-1974 e 01-08-1984 a 30-09-1986;
- ao reconhecimento do exercício de atividade especial nos períodos de 01-09-1987 a 04-11-1987 e 04-01-1988 a 10-01-1990;
- à consequente concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
TEMPO DE SERVIÇO RURAL
O aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99.
Outrossim, o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011).
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, esta Turma, ao julgar as apelações interpostas contra sentença proferida na ação civil pública nº 5017267-34.2013.404.7100/RS, a qual foi movida pelo Ministério Público Federal para afastar a idade mínima prevista no art. 11 da Lei 8.213/91 para fins de reconhecimento de tempo de serviço e contribuição, consolidou o entendimento de que se mostra possível o cômputo de período de trabalho realizado antes dos doze anos de idade (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, julgado em 09-04-2018).
Prevaleceu o entendimento de que apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), a realidade fática brasileira demonstra que uma gama expressiva de pessoas inicia a vida profissional em idade inferior àquela prevista constitucionalmente, sem possuir a respectiva proteção previdenciária, e que a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. Concluiu-se, portanto, que por meio de início de prova material, sendo admissível a utilização de documentos em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea, é possível o reconhecimento de tempo de serviço sem restrição de limite etário, inclusive em idade inferior a 12 anos.
Exame do tempo rural no caso concreto
A título de prova documental do exercício da atividade rural, a parte autora, nascida em 19-03-1952, em Campo Novo - RS, trouxe aos autos:
- certidão expedida pelo INCRA em 26-10-2001, segundo a qual foi localizado cadastro de imóvel rural de 17,5 hectares, localizado na seção Turvo, em Campo Novo - RS, em nome do genitor do demandante, Sr. Ito de Souza Paranhos, relativamente ao período de 1966 a 1982, sem registro de trabalhadores assalariados permanentes (fl. 75);
- título definitivo de outorga de propriedade rural pelo INCRA ao pai do autor, que está qualificado como agricultor, datado de 1976, referente a uma área de terras de 1,1 hectares, localizada em Campo Novo - RS, e a respectiva matrícula no registro de imóveis (fls. 20-21);
- contrato de arrendamento rural, firmado em 14-12-1977 e válido por três anos, segundo o qual o autor arrendou uma área de 6,6 hectares, localizada em Braga - RS (fl. 18);
- contrato de arrendamento rural, firmado em 03-04-1984 e sem prazo determinado, segundo o qual o autor arrendou uma área de 9,0 hectares, localizada em Braga - RS (fl. 19);
- documento de pesagem de soja, em nome do autor, datado de 07-04-1984 (fl. 76).
A prova testemunhal produzida, por sua vez, é coerente e uníssona ao confirmar o exercício da atividade rural em grande parte dos períodos vindicados. Em audiência realizada em 21-10-2014, foram colhidos os depoimentos de quatro testemunhas, registradados em mídia digital (fl. 151), de seguinte teor:
Nicolau Ribeiro de Lima, 61 anos: que conhece o autor desde a infância, que moravam a quinhentos metros de distância, que moravam na roça, que a família trabalhava na lavoura, em mais ou menos 15 hectares; que toda a família trabalhava; que cultivavam o básico; que não tinham empregados; que o autor trabalhou desde criança; que venderam o imóvel por volta de 1972 e foram para Braga, permanecendo na lavoura; que criavam animais; que o autor saiu da roça para trabalhar na polícia.
Atílio Mafalda de Oliveira, 69 anos: que conheceu o autor em Bom Progresso; que o conhece desde a infância; que a família do autor residia e trabalhava na lavoura; que tinham aproximadamente 15 hectares de terra; que trabalhavam os pais e os filhos, plantando soja, milho; que não havia empregados, nem fonte de renda fora da agricultura; que até 1970 e poucos eles ficaram em Bom Progresso, quando o pai do autor vendeu as terras e foi para Braga; o trabalho era braçal; que as crianças começavam a trabalhar na roça aos 8 anos de idade.
João Mafalda de Oliveira, 56 anos: que conhece o autor desde quando a família trabalhava em Braga; que Bom Progresso e Braga são dividias pelo Rio Turvo; que a família trabalhava na área; que isso foi em meados nos anos 1970, e a família morou lá por uns 8 anos; que por volta de 1986; que da roça o autor foi trabalhar como brigadiano e, depois que saiu da Birgada, trabalhou mais um tempo na agricultura, por mais uns dois anos; que antes de a família ir para Braga, eles moravam em Bom Progresso e já eram agricultores.
Marcos Dionísio do Nascimento Costa, 63 anos: conheceu o autor na infância; que a família morava em Bom Progresso; que dali foram para Braga; que de Braga o autor foi trabalhar na Brigada; que da Brigada o autor retornou ao trabalho rural, quando arrendou um pedaço de terras, tendo trabalhado na roça até por volta de 1985/86, sem ajuda de empregados; que nesse período o autor já era casado.
Em sede recursal, o demandante postula o reconhecimento de tempo de serviço rural nos períodos de 19-03-1964 a 04-10-1971, 19-01-1972 a 31-05-1974 e 01-08-1984 a 30-09-1986.
O apelo deve ser provido em parte.
Cotejando a prova oral com os elementos probatórios materiais jungidos ao feito, entendo possível o reconhecimento do labor rural do autor a contar de 19-03-1964 até 04-10-1971, a partir de quando passou a exercer labor urbano, e, depois, de 01-08-1984 a 30-09-1986, quando, além de viger o segundo contrato de arrendamento, não há vínculo urbano concomitante. Quanto ao período de 19-01-1972 a 31-05-1974, não há qualquer documento que indique o retorno do demandante ao meio rural, e poderia balizar o reconhecimento de dito interstício, mas tão somente a ausência de registro de trabalho urbano, o que não basta à comprovação pretendida.
Portanto, resta comprovado o exercício da atividade rural nos períodos de 19-03-1964 a 04-10-1971 e 01-08-1984 a 30-09-1986, merecendo parcial reforma a sentença no ponto.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
O tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova. Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AGRESP 493.458/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJU 23/06/2003, e REsp 491.338/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU 23/06/2003), a qual passou a ter previsão legislativa expressa com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99.
Isso assentado, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis (dB) por meio de parecer técnico trazido aos autos, ou simplesmente referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre essa data e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95, no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;
c) após 06-03-1997, quando vigente o Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Exame do tempo especial no caso concreto
Passo, então, ao exame dos períodos controvertidos nesta ação, com base nos elementos contidos nos autos e na legislação de regência, para concluir pelo cabimento ou não do reconhecimento da natureza especial da atividade desenvolvida.
Período: 01-09-1987 a 04-11-1987
Empresa: CONCEL Engenharia Ltda.
Atividade/função: motorista
Agente nocivo: não há
Categoria profissional: não se aplica
Prova: CTPS (fl. 30)
Conclusão: o autor postula o reconhecimento da natureza especial do trabalho desenvolvido no período ora analisado através do enquadramento de sua atividade na categoria profissional de motorista de caminhão. Como prova, contudo, consta dos autos apenas anotação em CTPS como "motorista", sem qualquer especificação. Tampouco no CNIS está registrado o código CBO da atividade. Portanto, é inviável o reconhecimento da natureza especial do labor, devendo ser confirmada a sentença no ponto.
Período: 04-01-1988 a 10-01-1990
Empresa: Hidrosomat Ltda.
Atividade/função: motorista
Agente nocivo: não há
Categoria profissional: não se aplica
Prova: CTPS (fl. 31)
Conclusão: como ocorre no interstício acima examinado, também em relação a este o autor postula o reconhecimento da natureza especial do trabalho desenvolvido através do enquadramento de sua atividade na categoria profissional de motorista de caminhão. Como prova, contudo, também consta dos autos apenas anotação em CTPS como "motorista", sem qualquer especificação. No CNIS tampouco há registro do código CBO da atividade. Portanto, é inviável o reconhecimento da natureza especial do labor, devendo ser confirmada a sentença no ponto.
Em conclusão, resta mantida a sentença no ponto em que não reconheceu a natureza especial do labor desempenhado nos períodos de 01-09-1987 a 04-11-1987 e 04-01-1988 a 10-01-1990.
REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC n.º 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos arts. 52 e 53 da Lei n.º 8.213/91, pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no art. 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de julho de 1991 e previsto no art. 25, II, da referida Lei, para os inscritos posteriormente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço para a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direito à aposentadoria proporcional no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.
Com as alterações introduzidas pela EC n.º 20/98, o benefício passou denominar-se aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo art. 201, § 7º, I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.
Em caráter excepcional, possibilitou-se que o segurado já filiado ao regime geral de previdência social até a data de publicação da Emenda, ainda se aposente proporcionalmente quando, I) contando com 53 anos de idade, se homem, e com 48 anos de idade se mulher - e atendido ao requisito da carência - II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e de 25 anos, se mulher; e b) e um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional (art. 9º, § 1º, da EC n.º 20/98). O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens "a" e "b" supra, até o limite de 100%.
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§§ 3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do "fator previdenciário", conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29-11-1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I e § 7º), observando-se, no entanto, a regra de transição prevista no artigo 3º da Lei n. 9.876/99.
DIREITO À APOSENTADORIA NO CASO CONCRETO
No caso em exame, considerada a presente decisão judicial, tem-se a seguinte composição do tempo de serviço da parte autora, na DER (25-03-2011):
a) tempo reconhecido administrativamente: 22 anos, 04 meses, 27 dias (fl. 101-102);
b) tempo rural reconhecido nesta ação: 09 anos, 08 meses, 16 dias;
c) acréscimo decorrente do cômputo do período de 01-10-1986 a 30-11-1986, com a conversão de tempo especial para comum pelo fator 1,4 (determinado na sentença e incontroverso em sede recursal): 02 meses, 24 dias.
Total de tempo de serviço na DER: 32 anos, 02 meses, 07 dias.
Como se vê, a parte autora, com a presente decisão, não alcança o período de 35 anos exigido para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição integral.
Tampouco é possível a outorga de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, pois não atendido o pedágio previsto no art. 9º, § 1º, da EC n.º 20/98.
Desse modo, a parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
CONCLUSÃO
Feito extinto, sem resolução do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento da natureza especial das atividades desempenhadas no período de 25-06-1974 a 20-07-1984, com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, ante a ilegitimidade passiva do INSS.
Apelo da parte autora parcialmente provido, apenas para reconhecer os períodos de 19-03-1964 a 04-10-1971 e 01-08-1984 a 30-09-1986 como tempo de serviço rural, que devem ser averbados em prol do segurado.
Sentença mantida quanto aos demais aspectos.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por extinguir o feito, sem exame do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento da natureza especial das atividades desempenhadas no período de 25-06-1974 a 20-07-1984, com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, ante a ilegitimidade passiva do INSS, e dar parcial provimento ao apelo da parte autora.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/06/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020102-45.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00161562220118210033
RELATOR | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Waldir Alves |
APELANTE | : | AMANDIO NECKEL PARANHOS |
ADVOGADO | : | Emanuel Cardozo |
: | Karina Weber Cardozo | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/06/2018, na seqüência 28, disponibilizada no DE de 12/06/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU EXTINGUIR O FEITO, SEM EXAME DO MÉRITO, QUANTO AO PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA NATUREZA ESPECIAL DAS ATIVIDADES DESEMPENHADAS NO PERÍODO DE 25-06-1974 A 20-07-1984, COM FUNDAMENTO NO ART. 485, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ANTE A ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS, E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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