APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001296-50.2016.4.04.7117/RS
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | LIDIA BERNIERI SPADARI |
ADVOGADO | : | MARLO ANTÔNIO ANICETO DE MELLO |
: | JOÃO LEONIR CECILIO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. REQUISITOS. LIMITES. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. MÁ-FÉ. COMPROVAÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. No tocante à possibilidade de revisão dos atos administrativos, enquanto poder-dever da autoridade pública competente, já é questão pacificada na doutrina e jurisprudência, encontrando-se a matéria sedimentada no enunciado nº 473 do Supremo Tribunal Federal.
2. A concessão de benefício previdenciário, enquanto ato administrativo, presume-se legítima e veraz, incumbindo o ônus probatório da invalidade a quem aproveita a sua retificação, no caso, o INSS. Nesse caso, faz-se necessária a comprovação de fraude ou má-fé, não sendo possível converter a análise do vício de irregularidade em mera reavaliação da prova apresentada, por atentar contra o princípio da segurança das relações jurídicas.
3. Não sendo o caso de mera reapreciação de provas, bem agiu o ente previdenciário ao determinar o cancelamento do benefício, devendo, portanto, ser mantida a sentença de improcedência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001296-50.2016.4.04.7117/RS
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | LIDIA BERNIERI SPADARI |
ADVOGADO | : | MARLO ANTÔNIO ANICETO DE MELLO |
: | JOÃO LEONIR CECILIO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora pretende o restabelecimento do benefício de aposentadoria rural por idade (NB 41/041.231.614-5), deferido em 28/10/1992), desde a data da indevida cessação em 01/04/2011 (evento 1, PROCADM4, p.11). Postula, ainda, a inexigibilidade do débito constituído pela Autarquia Previdenciária, em razão do pagamento do benefício alegadamente de forma indevida no período de 28/10/1992 a 01/01/2011.
Sentenciando, o MM. Juiz assim decidiu:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o feito, com resolução do mérito (art. 487, inciso I do CPC/2015).
Face à sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios da ex adversa, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, em conformidade com o art. 85, § 3°, inciso I, § 4º e § 6º, do Código de Processo Civil, atualizado até o efetivo pagamento pelo IPCA-E. Ressalto, contudo, que a exigibilidade de tais verbas sucumbenciais resta suspensa em virtude dos efeitos da Assistência Judiciária Gratuita deferida à autora.
Espécie não sujeita ao reexame necessário.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões no prazo legal (art. 183, caput, e/ou 1.010, § 1º, do CPC/2015). Após, deve ser dada vista ao recorrente caso sejam suscitadas pelo recorrido as matérias referidas no § 1º do art. 1.009, nos termos do § 2º do mesmo dispositivo. Por fim, remetam-se os autos ao Egrégio TRF da 4ª Região, nos termos do 1.010, § 3º, do CPC/2015.
Irresignada, a parte autora apela, alegando que não se sustenta a conclusão pela existência de má-fé, pelo fato de que não teria omitido que mantinha atividade urbana, mediante pequena casa comercial. Argumenta que o INSS não pode, após mais de 18 anos da concessão do benefício e ao argumento de "suposta" irregularidade e por fundamentos legais que não existiam na época da concessão, simplesmente suspender o benefício da parte autora. Afirma que incide no caso o prazo decadencial previsto no art. 103-A da Lei nº 8.213/91, com a redação da Lei nº 10.839/2004.
Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Da ordem cronológica dos processos
O presente feito está sendo levado a julgamento em consonância com a norma do art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que assim dispõe: os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. Nessa ordem de julgamento, também são contempladas as situações em que estejam litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei nº 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei nº 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Ademais, cumpre registrar que foi lançado ato ordinatório na informação processual deste feito programando o mês de julgamento, com observância cronológica e preferências legais. Esse procedimento vem sendo adotado desde antes (2013) da vigência do novo CPC.
Da possibilidade de revisão dos benefícios concedidos:
Cuida-se de decidir acerca da regularidade da revisão e do procedimento administrativo que implicou em cancelamento do benefício, diante da suspeita de irregularidades na sua concessão.
A questão posta nos autos, portanto, abarca a discussão do princípio da legalidade. Este princípio, aliás, deve pautar a conduta do administrador público, pois somente poderá fazer aquilo que estiver expressamente autorizado em lei, ao contrário do particular detentor de autonomia de vontade. De salientar, ainda, que o aludido princípio está arrolado no artigo 37 da Constituição Federal, devendo, portanto, a Administração Pública direta ou indireta observá-lo.
Cumpre registrar que a Administração, em atenção ao referido princípio, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Essa, aliás, a posição jurisprudencial do STF há muito tempo consolidada e expressa nas Súmulas 346 e 473.
Nessa perspectiva, necessário encontrar o fundamento legal a autorizar o procedimento de revisão adotado pelo INSS em relação ao benefício da autora.
Pois bem, segundo a legislação de regência, o Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes (artigo 11 da Lei nº 10.666/2003). Ora, a referida previsão legal somente vem conferir a plena eficácia do principio da legalidade a qual o administrador público está vinculado. Em outras palavras, constatadas irregularidades na concessão ou manutenção de benefícios, está autorizado a revisar o ato, tal como havia sido preconizado nas súmulas do STF mencionadas.
Além disso, há que se questionar acerca da decadência do direito de revisão pela Administração. Nesse sentido, de acordo com entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n.º 1.114.938/AL (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, Unânime, julgado em 14.04.2010), os benefícios previdenciários concedidos antes do advento da Lei n.º 9.784/99, têm, como termo inicial do prazo decadencial, a data de vigência da norma que o estabeleceu, ou seja, 01/02/1999. Já para os benefícios concedidos sob a égide da referida legislação, o termo inicial do prazo decadencial a ser considerado é a data do respectivo ato.
Considerando-se, ademais, que o elastecimento do prazo de cinco anos (art. 54 da Lei n.º 9.784/99) para dez anos (MP n.º 138, de 19 de novembro de 2003) - se deu antes do decurso de cinco anos da vigência da Lei n.º 9.784/99, em qualquer hipótese, tanto para benefícios concedidos antes quanto para os concedidos após o advento da Lei n.º 9.784/99, o prazo decadencial aplicável é de dez anos.
Do caso concreto:
Considerando as conclusões acima expendidas sobre a decadência, observa-se que restou consumada a referida causa extintiva, pois o prazo, nos termos do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é de dez anos, como já demonstrado e entre a concessão do benefício e o seu cancelamento transcorreu lapso superior aos dez anos.
Assim, não poderia o benefício ser cancelado, salvo comprovada a má-fé (art. 103-A da Lei n.º 8.213/91).
Logo, a alegada má-fé da parte segurada que, em princípio, excepcionaria a incidência do prazo decadencial, deve ser demonstrada pelo INSS.
No caso dos autos, constatado indícios de irregularidades, tendo em vista a acumulação de dois benefícios de aposentadoria por idade, sendo um na condição de segurada especial e outro como comerciária, procedeu a Autárquia à revisão dos atos de concessão.
Em relação à concessão da aposentadoria rural por idade, restou demonstrado que à época a autora comprovadamente realizava labor urbano, tendo um estabelecimento comercial, sendo omitido tal fal fato quando do pedido do benefício, em 28/10/1992 na agência do INSS da cidade de Erechim/RS.
Posteriormente, após completar 60 anos, logrou a autora em receber a aposentadoria urbana por idade com DIB em 08/08/1996 (evento 1, PROCAM4), ao comparecer à agência do INSS em Getúlio Vargas/RS, cidade diversa da que havia concedido a aposentadoria rural por idade, mediante o reconhecimento do labor urbano que já realizava e por ter contribuído entre 01/08/1981 a 31/07/1996.
Nessa situação, sendo certo que a autora não poderia ser qualificada como segurada especial, a concessão da aposentadoria rural por idade pelo INSS foi claramente ilegal e eivada de má-fé, tendo a autora usufruído indevidamente de dois benefícios concomitantes de aposentadoria por idade.
Nesse sentido o seguinte precedente da 3ª Seção:
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REVISÃO ADMINISTRATIVA. PRAZO DECADENCIAL. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA. APLICAÇÃO. PREPONDERÂNCIA DE UM OU OUTRO. CIRCUNSTÂNCIAS. CASO CONCRETO.
1. ...
2. ...
3. ...
4. ...
5. A aposentadoria rural por idade conferida ao segurado especial é uma exceção ao sistema contributivo da Previdência Social e, por isso mesmo, deve ser concedida de forma restritiva, tão-somente àqueles que de fato preencham seus requisitos. O art. 11, VII, e § 1º, da Lei 8.213/91 exige, para a caracterização do exercício de atividade rural em regime de economia familiar, que a atividade agrícola seja indispensável à própria subsistência e seja exercida em condição de mútua dependência e colaboração, sem o uso de empregados.
6. Sendo a autora professora aposentada, possuindo outra fonte de renda e desempenhando afazeres domésticos, incompatíveis com a idéia de dedicação concomitante com a atividade na agricultura, não há como qualificá-la como segurada especial, devendo prevalecer o princípio da legalidade sobre o da segurança jurídica, a ensejar o cancelamento do benefício, concedido em evidente afronta ao texto legal, porquanto não configuradas quaisquer das circunstâncias excepcionais que justificariam a manutenção do amparo.
(EIAC 200104010231734. 3ª Seção. Data da decisão: 08/02/2007. Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira)
A sentença proferida pelo juiz federal Luiz Carlos Cervi examinou com precisão o pedido, pelo que, para evitar tautologia, peço licença para transcrevê-la:
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como se evidencia, o fato que ensejou a revisão administrativa - e a consequente restituição determinada administrativamente - foi a apuração de irregularidades no recebimento de benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural titularizado pela autora desde 1992, vez que constatado, em revisão administrativa, que esta era proprietária de uma casa comercial, tendo efetuado contribuições no período compreendido entre 1981 a 1996. Consta dos autos, outrossim, que em 2016 a autora postulou e lhe foi deferido o benefício de Aposentadoria por Idade (antiga Aposentadoria por Velhice), época em que passou a perceber concomitantemente os dois benefícios.
É assente na jurisprudência que a Administração Pública pode rever seus próprios atos. Neste sentido, a Súmula n. 473 do Supremo Tribunal Federal:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
O artigo 115, inciso II da Lei nº 8213/91, de sua parte, autoriza o desconto de benefícios pagos além do devido, conquanto seja feito em parcelas para beneficiários de boa-fé, verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé."
Partindo da literalidade de tal artigo, o INSS entende caber sempre a restituição dos valores pagos indevidamente por erro administrativo, independentemente de estar o segurado de boa-fé ou de má-fé. No primeiro caso, a restituição seria feita em parcelas; no segundo, de uma só vez, conforme estabelecido em regulamento (Decreto nº 3.048, de 1999, art. 154).
Consolidou-se na jurisprudência, contudo, entendimento no sentido de que não cabe a restituição dos valores indevidos pelo beneficiário se reconhecido nas vias ordinárias que ele estava de boa-fé (nesse sentido: EREsp nº 612.101, Terceira Seção, rel. Min. Paulo Medina, DJ 12.03.2007). Tal entendimento - observo - não constitui novidade no âmbito da Administração Pública Federal: o Tribunal de Contas da União (TCU) tem assentado que o servidor não fica obrigado a restituir vantagens indevidas, senão a partir da ciência da declaração de ilegalidade do ato de concessão pela corte de contas, porque antes disso o servidor está de boa-fé (cf. TCU, Súmulas 106 e 249).
A aposição da boa-fé como limite às pretensões restituitórias da Administração, outrossim, se legitima na concepção de legalidade administrativa como parâmetro de juridicidade, que exige o cotejo da legalidade com os demais princípios norteadores do Estado de Direito, notadamente a segurança jurídica. Vale dizer: a legalidade, que orienta o dever de restituição à luz da vedação ao enriquecimento sem causa, deve ser compatibilizada com a proteção substancial da confiança do administrado que não contribui para o vício do ato (por todos: MAFFINI, Rafael. Principio da proteção substancial da confiança no Direito Administrativo Brasileiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 185).
Não dissente, a posição do nosso Regional:
PREVIDENCIÁRIO E ASSISTENCIAL. CUMULAÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL E AUXÍLIO-RECLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO. 1. O benefício assistencial não é acumulável com qualquer benefício previdenciário, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93 2. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.71.99.003724-8, 6ª Turma, Des. Federal CELSO KIPPER, D.E. 01/10/2009)
PREVIDENCIÁRIO. DESCONTO DE VALORES PREVIDENCIÁRIOS PAGOS A MAIOR. CESSAÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. PEDIDO DE PAGAMENTO DE DANOS MORAIS. Em se tratando da devolução dos valores percebidos de boa-fé ou por equívoco administrativo, é de se ver que a jurisprudência pátria já consolidou entendimento no sentido de que deve ser acolhida a tese da impossibilidade de repetição das referidas prestações em face da natureza alimentar de que gozam os benefícios previdenciários. Não cabem danos morais pelo fato puro e simples de a administração previdenciária, no exercício de seu poder de autotutela, efetuar a revisão da renda mensal de benefício previdenciário. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2008.71.09.000154-3, 6ª Turma, Juiz Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, POR UNANIMIDADE, D.E. 05/08/2009)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. SALÁRIO MÍNIMO. 1. Hipótese em que devida a remessa oficial. 2. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos. 3. Em se tratando de benefício com proventos fixados em um salario mínimo, incabível qualquer desconto, sob pena de violação ao art. 201, § 2 º, da CF/88, na redação dada pela EC nº 20/98. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.14.000273-0, 5ª Turma, Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI, POR UNANIMIDADE, D.E. 04/08/2009)
Nessa ótica, parece claro que a boa-fé é limite à pretensão do Estado obter a restituição de valores indevidamente pagos a beneficiários da Previdência Social, o que se fundamenta no caráter alimentar dos benefícios e na preservação dos efeitos pretéritos de atos nulos em favor de destinatários não causadores do vício.
Passo seguinte na análise da viabilidade da repetição é a definição exata do que seja boa-fé e má-fé.
Como se sabe, existem duas boas-fés no âmbito do Direito: uma objetiva, identificada em um padrão de conduta a ser tomado pelas partes, e outra subjetiva, pertinente a aspectos anímicos do agente. A fim de delimitar a restituição dos benefícios previdenciários pagos por erro, interessa-nos a segunda, referente a um estado psicológico do beneficiário que recebe a maior.
Os limites da boa-fé subjetiva, impeditiva da restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, foram bem traçados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado "A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos", inserido na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nº 78, p. 11/122, verbis:
"(...) Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não." (grifos nossos)
Como se colhe de tal entendimento, ajustado às peculiaridades do direito previdenciário, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável extrai-se a ilação de que agira em boa-fé; inviabilizada estará, assim, a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável - v.g., quando o beneficiário passa a perceber benefício em valor dobrado, ou após a extinção do direito à prestação -, à primeira vista, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição.
A última hipótese é, deveras, o caso dos autos.
Analisando os documentos coligidos ao feito, é possível aferir que a autora ocultou do INSS sua atividade empresarial quando da entrevista realizada para fins de averiguação dos requisitos para concessão da aposentadoria rural (evento 1, PROCADM3, fl. 5), com o claro objetivo de burlar a legislação que restringe a benesse ao trabalhador que labora no campo.
Tanto é verdade, que a autora, alguns anos após ter angariado o benefício de aposentadoria por idade rural, através da Agência do INSS em Erechim, se dirigiu à Agência de Getúlio Vargas e requereu a concessão de aposentadoria por idade urbana, posto já ter completado os 60 anos necessários para sua outorga. Por óbvio, a autora não desconhecia que a norma de regência lhe conferia este direito, sendo também presumível que a requerente detinha conhecimento acerca da proibição do recebimento de duas aposentadorias concomitantes e da provável denegação do pedido de aposentadoria por idade rural, acaso fosse revelado o desempenho de atividade comercial. O objetivo de lograr proveito em detrimento dos cofres da previdência fica perceptível, inclusive, pelo fato de a autora ter efetuado os pedidos de aposentadoria em cidades diferentes, o que certamente contribuiu para tal desiderato, se consideramos que, à época (anos 90), inexistia sistema informatizado integrado na Autarquia.
Desse modo, ainda que se diga, no tocante à concessão da aposentadoria por idade rural, que o INSS detinha a informação de que a autora exercia atividade empresarial, mormente pelas contribuições recolhidas de 01/1985 a 07/1996 (evento 10, CNIS3), fato é que, se a requerente agiu de má-fé, isso se sobrepõe a qualquer equívoco que possa ter restado configurado por parte da Autarquia.
Ora. É sabido que a Previdência Social é direito que foi garantido aos trabalhadores rurais pela Carta Magna brasileira, o que gera grande efetividade no combate à pobreza no meio rural brasileiro, sendo inegável se tratar de uma das mais importantes políticas de inclusão social do Brasil. A maioria dos rurícolas, antes excluídos ou com pouco acesso à Previdência, foram enquadrados, por vontade do constituinte, como segurados especiais e têm garantidos os benefícios com a comprovação da atividade rural. Por outro lado, essa ampliação é tida como responsável por grande parte do déficit na Previdência Social, considerando a forma de participação no custeio dos trabalhadores abrangidos pela nova legislação.
É dizer, a aposentadoria por idade rural trata-se de benefício que deve ser concedido às pessoas que se enquadrem fielmente nas disposições legais atinentes, sob pena de se subverter o tão caro fim colimado pela Constituição Federal, qual seja, a justiça social.
Dito isso, no caso em apreço, entendo não ser tratar de errônea percepção da autora quanto ao preenchimento dos requisitos para aposentação por desenvolver algum trabalho na agricultura, de sorte que, à luz dos fundamentos supra expendidos, reconheço a má-fé na percepção do benefício.
Consequentemente, a revisão procedida pelo INSS não se encontra atingida pela decadência, nos termos do art. 103 da Lei 8.213/91, in verbis:
Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
De rigor, pois, o indeferimento das pretensões veiculadas na inicial.
Deixo, porém, de reconhecer a litigância de má-fé requerida pelo INSS, pois a autora se utilizou do processo para ver reconhecida em Juízo a decadência do direito à revisão, valendo-se do seu direito de defesa.
Dessa forma, tenho que os elementos constantes nos autos permitem concluir que não se tratava de segurada especial, bem como demonstrada a má-fé da parte autora, razão pela qual não vejo motivos para modificar a tão bem fundamentada sentença, que examinou com precisão toda a prova produzida nestes autos, inclusive as alegações ora reiteradas, em sede de apelação.
Conclusão:
Resta mantida integralmente a sentença.
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
Dispositivo:
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001296-50.2016.4.04.7117/RS
ORIGEM: RS 50012965020164047117
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | LIDIA BERNIERI SPADARI |
ADVOGADO | : | MARLO ANTÔNIO ANICETO DE MELLO |
: | JOÃO LEONIR CECILIO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 557, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
: | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS | |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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