Apelação Cível Nº 5023369-32.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: DEBORA DE LIMA VIEIRA
ADVOGADO: DIOGO FIGUEIREDO DE OLIVEIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação da parte autora contra sentença (prolatada em 25/07/2018 na vigência do NCPC) que julgou improcedente o pedido de salário maternidade, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Diante do exposto. JULGO IMPROCEDENTE o pedido contido na AÇÃO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO .PREVIDENCIÁRIO proposta por DÉBORA DE UMA VIEIRA contra o INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, ficando resolvido o processo com base no artigo 487, I, do Código de Processo.CiviI. Condeno a parte autora a pagar as despesas processuais e honorários ao procurador do INSS, fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, nos termos do artigo 85, § 39, do Código de Processo Civil. As obrigações sucumbenciais da autora ficam suspensas na forma do artigo 98 do Código de Processo Civil, pelo deferimento da gratuidade de Justiça em seu favor.
A parte autora apelou alegando, em apertada síntese, que foram acostados documentos que confirmam o efetivo exercício da atividade rural da requerente, e que foram corroborados pelos depoimentos das testemunhas em justificação administrativa.
Ademais, sustentou que exerce atividade rural juntamente de seu esposo em 2,0 ha de terras de propriedade de seu pai, localizadas na Linha Pavão, interior do município de Dois Irmãos das Missões RS.
Destacou ainda, que no período anterior ao nascimento de seu filho não exerceu nenhuma outra atividade, atuando exclusivamente nas lides rurais,
Requereu a reforma da sentença para conceder à apelante o benefício de salário maternidade, nos termos do postulado na inicial.
Sem as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Objeto da ação
A presente ação se limita a concessão do benefício de salário maternidade em decorrência do nascimento de Kauã Vieira Silva ocorrido em 28/03/2016. Para fins de clareza, transcrevo excerto do relatório da sentença (evento 3, SENT17, p.1):
DÉBORA DE LIMA VIEIRA, qualificada na inicial, propôs AÇÃO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO contra o INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, igualmente identificado, narrando ter sido negado, administrativamente, a concessão de salário-maternidade, em razão de não ter sido comprovada a qualidade .de segurada especial pelo período de carência do beneficio. Afirmou preencher os requisitos para a concessão do beneficio. Efetuou os requerimentos de estilo, valorou a causa e juntou documentos. Realizada a justificação Administrativa, foram ouvidas três testemunhas (fls. 90-95). Citado, o réu apresentou contestação alegando, em síntese, que a autora não comprovou o exercício da atividade rural em regime de economia familiar pelo período correspondente a carência do benefício. Requereu a improcedência do pedido e juntou documentos.
Mérito
O salário-maternidade, benefício previdenciário que visa substituir a remuneração da segurada ou do segurado da Previdência Social em virtude de nascimento de filho ou de adoção ou guarda judicial de criança, está previsto nos artigos 71 e 71-A, da Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213/91), nos termos seguintes:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
Art. 71-A. Ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013).
O salário-maternidade foi estendido à categoria das seguradas especiais em virtude da alteração do art. 39 da Lei de Benefícios, promovida pela Lei n. 8.861, de 25 de março de 1994, que acrescentou o parágrafo único ao dispositivo citado, in verbis:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - omissis;
II - omissis.
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.
Posteriormente, a Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1999, acrescentou a alínea III e o parágrafo único ao art. 25 da Lei n. 8.213/91, com a seguinte redação:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)
III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado." (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Assim, dois são os requisitos para a concessão do salário-maternidade à segurada especial:
a) o nascimento do filho ou a adoção de criança, em regra;
b) a comprovação do exercício de atividade rural da mãe, na forma descrita no artigo 11, inciso VII, da Lei 8.213/91, ainda que descontínuo, nos dez meses imediatamente anteriores ao início do benefício, salvo em caso de parto antecipado, em que aplicável a redução proporcional acima exposta.
No que tange à qualidade de segurado especial, prevê o art. 11, inciso VII, da Lei n. 8.213/91:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
"VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo".
No caso concreto, a maternidade foi comprovada pela demandante por meio da juntada da certidão de nascimento de KAUÃ VIEIRA SILVA, ocorrido em 28/03/2016 (evento 3, ANEXOS PET4, p.5).
Para fins de constituição de início de prova material, a ser complementada por prova testemunhal idônea, a parte autora apresentou documentos, dentre os quais se destacam:
a) Certidão de nascimento de Kauã Vieira Silva, ocorrido em 28/03/2016, filho de Mozarte do Nascimento Silva e Débora de Lima Vieira Silva, ambos qualificados como "agricultores", averbada em 05/04/2016 (evento 3, ANEXOS PET4, p.5);
b) Declaração de nascido vivo na qual a autora está qualificada como "agricultora" (evento 3, ANEXOS PET4, p.6);
c) Certidão de casamento de Mozarte do Nascimento Silva, qualificado como "diarista" e Débora de Lima Vieira qualificada como "doméstica" (evento 3, ANEXOS PET4, p.13);
d) Ficha cadastral expedida pela Secretaria Municipal de Assistência Social do município de Dois Irmãos das Missões, na qual a autora está qualificada como "agricultora" e o esposo como "agricultor" (evento 3, ANEXOS PET4, p.14);
e) Ficha cadastral expedida pela Secretaria Municipal de Saúde do município de Dois Irmãos das Missões, com registros referentes à autora nos anos de 2015 e 2016, na qual a requerente e seus genitores estão qualificados como "agricultores" (evento 3, ANEXOS PET4, p.19);
f) Certidão de nascimento de Érick Wéder Vieira Freire, ocorrido em 18/05/2009 filho de Anderson Villiava Freire e Débora de Lima Vieira, qualificada como "agricultora", averbada em 25/06/2010 (evento 3, ANEXOS PET4, p.22).
Foi realizada justificação administrativa em 29/09/2017, oportunidade na qual foram ouvidas duas testemunhas (evento 3, OFÍCIO C12, p.6).
A testemunha Geolar Antônio Menegat prestou depoimento com o seguinte teor:
Informa o depoente que reside na Linha pavão, interior de Dois Irmãos das Missões faz em torno de 12 anos. Diz que conhece a requerente Débora de Lima Viera Silva faz tempo, uns 10 anos. O depoente diz que desde que a conheceu ela reside na Linha Pavão. O depoente diz que mora a 2 Km da casa da requerente. Diz que a Débora mora com o esposo Mozarte e mais dois filhos. Diz que faz cerca de 10 anos que requerente reside com o esposo, desde que a conheceu. Diz que a requerente possui dois filhos, o mais novo tem dois naos e meio a três anos e o mais velho tem uns 10 anos. Diz que os dois filhos são do esposo, Mozarte. Diz que a requerente possuía cerca de 1 hectare próprio, não sabe se tem escritura, além desse pedaço a requerente planta em outra terra arrendada, não lembra o nome do prop´rietário, na mesma Linha Pavão. Diz que a requerente trabalha com a ajuda do esposo e planta mandioca, feijão, arroz, batata-coce, além de criação de animais. Diz qe o trabalho é feito de forma manual e não tem peões nem empregados na propriedade. Diz que a renda da requerente e do esposo é só da lavoura, não tem comércio nem casas na cidade que alugam, não arrenda nem cede as terras. A requerente não é faxineira nem doméstica na cidade e não tem conhecimento que ela tenha morado na cidade, sabe que ela sempre morou no interior. Além da agricultura a requerente recebe bolsa-família. Pelo procurador Diogo de Oliveira Figueiredo foi feita a pergunta se a requerente no último ano se mudou para a cidade ao que a testemunha disse que sim, que no último ano ela foi para a cidade, mas até então só tinha morado na lavoura. Pelo procurador Diogo foi feita a pergunta se o depoente sabe o nome de dois vizinhos da requerente do interior da Linha Pavão ao que a testemunha disse João Abel e Henrique. Nada mais.
No depoimento da testemunha Celito Francisco Dallabrida, por sua vez, referiu o que segue:
Informa o depoente que reside faz tempo no endereço mencionado que se criou nessa cidade. Diz que conhece a requerente Débora de Lima Viera Silva faz tempo, cerca de 10 anos. Diz que a requerente reside com o esposo Duarte na Linha Pavão, interior de Dois Irmãos das Missões. Informa que faz em torno de 5 anos que a requerente reside com o esposo na Linha Pavão. Não sabe informar se a terra emq ue a requerente mora e trabalha é própria, sabe que ela exerce a atividade rural na Linha Pavão, com ajuda do esposo. Diz que o casal planta milho, mandioca, alface, cira galinha. O trabalho é feito de forma manual e não há peões nem empregados na propriedade. Diz o depoente que da cidade onde mora até a Linha Pavão são cerca de 2 km e que seguido passa pela Linha pavão e então vê a requerente e o esposo trabalhando. Diz que a renda do casal é só da lavoura, não possuem comércio nem casa na cidade que alugam. Diz que a requerente não trabalha de doméstica nem de faxineira na cidade. Diz que faz em torno de um ano que o casal se mudou para a cidade de Erval Seco. Diz que o casal tem três filhos. Pelo procurador Diogo de Oliveira Figueiredo foi feita a pergunta se a testemunha sabe o sobrenome do esposo da requerente ao que a testemunha disse que não sabe. O procurador fez aq pergunta se o esposo da requerente tem algum apelido ao que a testemunha disse que todos conhecem pelo nome de Duarte. Nada mais.
Destarte, importante ressalvar que não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Na espécie, as certidões de nascimento dos filhos nas quais a autora está qualificada como "agricultora", constituem início de prova material, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.VALORAÇÃO.
I - A certidão de nascimento, onde o cônjuge da autora é qualificado como lavrador, constitui início de prova material apta à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários.
II - Procedeu-se à valoração, e não ao reexame, da documentação constante dos autos.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 951.518/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 29/09/2008)
Em idêntico sentido, os seguintes precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA.
1. Nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como boias-frias, diaristas ou volantes, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, que dificulta a comprovação documental da atividade, o entendimento pacífico desta Corte, seguindo orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada, permitindo-se até mesmo a prova exclusivamente testemunhal.
2. A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente desta Terceira seção.
3. Caso em que a prova testemunhal foi uníssona e consistente ao corroborar o início de prova material apresentado, confirmando o labor rural da autora, na condição de boia-fria, inclusive durante a gestação, com indicação dos proprietários das terras nas quais trabalhou e dos intermediários que a transportavam ao serviço.
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL BÓIA-FRIA. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. DOCUMENTO COMPROBATÓRIO HÁBIL. REQUISITOS LEGAIS DEMONSTRADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. As certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural, nos termos na jurisprudência pacífica do Egrégio STJ. 2. Demonstrada a maternidade e a qualidade de trabalhadora rural bóia-fria, mediante início razoável de prova documental, corroborada pela prova testemunhal, durante período equivalente ao da carência, é devido o salário-maternidade. 3. Em ações de salário-maternidade, o valor da condenação de apenas quatro salários mínimos exige ponderação para montante maior que o usual 10%, sob pena de aviltamento do trabalho técnico do patrono da parte autora. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007858-84.2015.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, POR UNANIMIDADE, D.E. 29/07/2015, PUBLICAÇÃO EM 30/07/2015).
No mais, o exercício de eventual trabalho urbano nos intervalos da atividade rural, é comum em se tratando de trabalhadores rurais do tipo diarista, safrista ou bóia-fria, visto que não possuem emprego permanente.
O pai da criança, esposo da autora, Sr. Mozarte do Nascimento Silva, qualificado como "diarista" na certidão de casamento com a autora (evento 3, ANEXOS PET4, p.13) apresenta curtos registros urbanos, conforme CNIS abaixo; contudo, extemporâneos a carência do benefício e insuficientes para descaracterizar o labor rurícola do grupo familiar da autora.
Assim, não fica descaracterizado o trabalho rural, cuja descontinuidade é, aliás, admitida expressamente pela Lei n. 8.213/1991, em seu art. 143. Precedentes recentes deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL COMO "BÓIA-FRIA". INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. EXERCÍCIO EVENTUAL DE ATIVIDADE URBANA. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. O exercício eventual de atividade urbana é comum em se tratando de trabalhadores rurais do tipo diarista, safrista ou boia-fria, visto que não possuem emprego permanente, não descaracterizando o trabalho rural, cuja descontinuidade é, aliás, admitida expressamente pela LBPS (art. 143). 3. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5011392-14.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 14/06/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. LABOR URBANO DE INTEGRANTE DO NÚCLEO FAMILIAR. DESCONTINUIDADE DO LABOR. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. TUTELA ANTECIPATÓRIA. MANUTENÇÃO. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. 3. "A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto". Súmula 41 da TNU (DJ 03/03/2010). 4. O fato de a demandante ter exercido atividade de caráter urbano por curto período não impede, no caso, a concessão do beneficio pleiteado, porquanto o art. 143 da LBPS permite a descontinuidade do trabalho campesino. 5. Atendidos os pressupostos legais da probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300, CPC/15), é de ser mantida a tutela antecipatória deferida na sentença. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0015660-02.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, D.E. 31/01/2017, PUBLICAÇÃO EM 01/02/2017)
Dessa forma, tendo havido início razoável de prova material, complementado por prova oral da atividade campesina exercida pela autora no período de carência, deve ser reformada a sentença para conceder o benefício de salário-maternidade à autora DEBORA DE LIMA VIEIRA.
Termo Inicial
O termo inicial do benefício em questão decorre de lei, especificamente, do art. 71 da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS). É devido desde o requerimento administrativo (quando ocorrido antes do parto, até o limite de 28 dias), ou desde o dia do parto (quando requerimento posterior), por 120 dias, com parcelas pertinentes ao salário-mínimo da época em que devidas.
O parto ocorreu em 28/03/2016 (evento 3, ANEXOS PET4, p.5) e o requerimento administrativo foi apresentado em 28/06/2016 (evento 3, ANEXOS PET4, p.42), portanto é devido o salário maternidade desde a data do nascimento.
Abono anual
É devido o abono anual à segurada gestante, correspondente ao período de duração do salário-maternidade, nos termos do art. 120 do Decreto nº3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.032/2001, sendo esse o entendimento desta Corte, conforme precedente abaixo transcrito:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO. 1. Nos termos dos arts. 71 e seguintes da Lei n. 8.213/91, é devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural no período de dez meses que antecede o início do benefício. 2. A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente desta Terceira Seção. 3. Preenchidos os requisitos legais, é de se conceder o benefício à autora. 4. É devido o abono anual à segurada gestante ou adotante, correspondente ao período de duração do salário-maternidade, nos termos do art. 120 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.032/2001. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0022561-88.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, D.E. 14/05/2014, PUBLICAÇÃO EM 15/05/2014)
Como a parte autora logrou êxito na integralidade do pedido, invertem-se os ônus da sucumbência, nos termos do art. 86, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil (CPC), para condenar a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, como segue.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado da 3ª Seção deste Tribunal,incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006, de acordo com o art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n. 8.880/94;
- INPC a partir de 04/2006, de acordo com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP nº316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91, sendo que o art. 31 da Lei nº 10.741/03, determina a aplicabilidade do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso.
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870947, com repercussão geral, tendo-se determinado, no recurso paradigma a utilização do IPCA-E, como já havia sido determinado para o período subsequente à inscrição em precatório, por meio das ADIs 4.357 e 4.425.
Interpretando a decisão do STF, e tendo presente que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial), o Superior Tribunal de Justiça, em precedente também vinculante (REsp 149146), distinguiu, para fins de determinação do índice de atualização aplicável, os créditos de natureza previdenciária, para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a tal natureza de obrigação, o índice que reajustava os créditos previdenciários anteriormente à Lei 11.960/09, ou seja, o INPC.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde julho de 2009 até setembro de 2017, quando julgado o RE 870947, pelo STF (IPCA-E: 64,23%; INPC 63,63%), deforma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril de 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, os juros de mora devem incidir à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado hígido pelo STF no RE 870947, com repercussão geral reconhecida. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRgnoAgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Prequestionamento
O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.
Conclusão
Provido o recurso da parte autora. Adequados consectários à orientação do STF no RE 870947.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000696173v19 e do código CRC fbdd3bfc.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Data e Hora: 22/10/2018, às 18:28:28
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Apelação Cível Nº 5023369-32.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: DEBORA DE LIMA VIEIRA
ADVOGADO: DIOGO FIGUEIREDO DE OLIVEIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHO RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. ATIVIDADE URBANA DO ESPOSO. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. ABONO ANUAL. CONSECTÁRIOS.
1. Comprovado o labor rural durante o período de carência exigido em lei, é devida a concessão do salário-maternidade.
2. A certidão de nascimento do(a) filh(o)a em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça - STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente da Terceira Seção TRF4.
3. O fato de o marido/companheiro da autora ter exercido atividade urbana não constitui óbice, por si só, ao enquadramento da autora como segurada especial, desde que demonstrado nos autos que a indigitada remuneração não era suficiente para tornar dispensável o labor agrícola desempenhado pela esposa ou pelo núcleo familiar.
4. É devido o abono anual à segurada gestante, correspondente ao período de duração do salário-maternidade, nos termos do art. 120 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.032/2001. Precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
5. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando, no recurso paradigma, a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária.
6. Considerando que o recurso que originou o precedente do STF tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC.
7. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de outubro de 2018.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000696174v4 e do código CRC 4593e47a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Data e Hora: 22/10/2018, às 18:28:28
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/10/2018
Apelação Cível Nº 5023369-32.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: DEBORA DE LIMA VIEIRA
ADVOGADO: DIOGO FIGUEIREDO DE OLIVEIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/10/2018, na sequência 1014, disponibilizada no DE de 01/10/2018.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 20:36:34.