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PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. TRF4. 5023536-49.2018.4.04.9999...

Data da publicação: 07/07/2020, 18:51:01

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Não são restituíveis os valores recebidos a título de benefício previdenciário em virtude de decisão judicial, diante do caráter alimentar da verba e da boa-fé do segurado. (TRF4, AC 5023536-49.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 12/11/2018)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5023536-49.2018.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ILMA IZA WEBER

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra a sentença, prolatada em 20-04-2018 (e. 2. 26 e 27), que julgou improcedente o pedido de declaração de inexistência de débito decorrente de valores pagos a título de antecipação de tutela posteriormente revogada.

Sustenta, em síntese, que os valores alimentares foram percebidos de boa-fé em face da decisão judicial posteriormente revogada, devendo ser prestigiada a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica (e. 2.32).

Embora intimado, o INSS deixou de apresentar contrarrazões.

Nesta instância, manifestou-se a Procuradoria Regional da República da 4ª Região pelo regular prosseguimento do feito (e. 8.1).

É o relatório.

VOTO

A r. sentença foi vazada nestas letras (e. 2.26):

In casu, verifica-se que a demandante somente recebeu o benefício de
aposentadoria por idade entre 15.9.2016 a 30.6.2017 por força de tutela específica de
obrigação de fazer concedida pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento da apelação cível n. 0021569-30.2013.4.04.9999/SC (fls. 26/40), porquanto, no primeiro grau (autos n. 0001202-60.2012.8.24.0256), a pretensão da demandante foi julgada inteiramente improcedente (fls. 23/25). Ocorre que, como a sentença proferida pelo juízo a quo foi restabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 42/46), a tutela específica acabou sendo tacitamente revogada, o que legitimou o INSS a buscar a restituição dos valores recebidos.

Não ocorreu, portanto, uma “dupla conformidade” entre a sentença e o acórdão de 2ª instância, o que, de acordo com entendimento do STJ anterior ao REsp n. 1.401.560 (exarado em regime de recurso repetitivo), criaria na parte vencedora/beneficiária a
legítima expectativa de que seria de fato titular do direito, caracterizando sua boa-fé.

Sem razão, no entanto.

Tratando-se de benefício previdenciário, já decidiu a 3ª Seção deste Tribunal, em sede de ação rescisória (n.º 2002.04.01.049702-7/RS, Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu), ser indevida a devolução de valores recebidos em razão da decisão rescindenda, pelo caráter alimentar intrínseco aos benefícios previdenciários, e especialmente pela presunção de legitimidade da decisão judicial concessória dessa vantagem.

Tal entendimento faz-se pertinente, também, às antecipações ou liminares cassadas em virtude de decisão definitiva, já que o provimento de urgência, mutatis mutandis, também guarda sua autoridade, presumindo-se legítimo até decisão final. Além disso, o inegável caráter alimentar dos valores percebidos, bem como a boa-fé do beneficiado, impõe uma análise diferenciada da problemática, devendo-se preservar a dignidade do cidadão.

A matéria resta pacificada na Terceira Seção desta Corte: AR 2003.04.01.030574-0/SC, Relator Juiz Federal Roger Raupp Rios, D.E. em 11-11-2014.

De outra parte, o art. 115, II, da Lei 8.213/91, autoriza que o INSS proceda ao desconto, na fonte, de valores pagos a maior, mas não prevê que é repetível o valor previdenciário pago por força de tutela antecipada/liminar posteriormente revogada.

Ainda que assim não fosse, o art. 115, II, da Lei 8.213/91, segundo o qual podem ser descontados dos benefícios, o pagamento de benefício além do devido, tem de ser interpretado de acordo com a Constituição da República. Nessa perspectiva, apenas quando demonstrada a má-fé do beneficiário se afigura legítima a restituição de valores previdenciários indevidamente recebidos. Isso porque não é proporcional - e viola, portanto, o devido processo legal substancial - a determinação de devolução de valores de natureza alimentar recebidos de boa-fée por determinação de autoridade estatal.

É justamente em função da natureza alimentar do benefício previdenciário, este genuíno direito humano e fundamental, que a revogação da tutela jurisdicional provisória, dispensada para a proteção do hipossuficiente contra riscos de subsistência, não implica a devolução de valores que, recebidos de boa-fé,se presumem consumidos para a manutenção do beneficiário. A exigência de devolução do que se presume ter sido exaurido para a manutenção da subsistência do hipossuficiente viola, decisivamente, o princípio da proporcionalidade.

O Supremo Tribunal Federal firmou orientação jurisprudencial neste sentido:

EMENTA DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 22.9.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fépelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito à repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, ARE 734199 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014).

Em interpretação conforme do art. 115, II, da Lei 8.213/91, resta assegurada a não repetição dos valores havidos de boa-fé por força de antecipação da tutela (ainda que posteriormente revogada) ou por força de erro administrativo, salvo se comprovada a má-fé.

Ademais, não se pode olvidar que a Corte Especial do STJ reconhece a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé:

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA QUE DETERMINA O RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. CONFIRMAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO REFORMADA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.

1. A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância.

2. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia - e, de fato, deve confiar - no acerto do duplo julgamento.

3. Por meio da edição da súm. 34/AGU, a própria União reconhece a irrepetibilidade da verba recebida de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea ou inadequada da Lei pela Administração. Desse modo, e com maior razão, assim também deve ser entendido na hipótese em que o restabelecimento do benefício previdenciário dá-se por ordem judicial posteriormente reformada.

4. Na hipótese, impor ao embargado a obrigação de devolver a verba que por anos recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força definitiva, não se mostra razoável, na medida em que, justamente pela natureza alimentar do benefício então restabelecido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família.

Assim, a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais.

5. Embargos de divergência no recurso especial conhecidos e desprovidos.

(EREsp 1086154/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2013, DJe 19/03/2014)

Nessa exata linha de intelecção, cabe ressaltar que inexiste qualquer modificação na jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal quanto à inexigibilidade de devolução de valores percebidos do boa fé, em razão do recente julgamento do MS 25.430/DF, finalizado em 26/11/2015. Nessa assentada, a maioria do Pretório Excelso reafirmou que as verbas recebidas até o momento do julgamento, tendo em conta o princípio da boa fé e da segurança jurídica, não terão que ser devolvidas, mantendo entendimento de composição anterior daquela honorável Corte:

CONSTITUCIONAL. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. QUINTOS. INCORPORAÇÃO. NOMEAÇÃO NA MAGISTRATURA. VANTAGEM NÃO PREVISTA NO NOVO REGIME JURÍDICO (LOMAN). INOVAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA.

1. O Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento de que descabe alegar direito adquirido a regime jurídico. Precedentes.

2. Preservação dos valores já recebidos em respeito ao princípio da boa-fé.Precedentes.

3. Agravo regimental parcialmente provido.

(AI 410946 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-81 DIVULG 06-05-2010 PUBLIC 07-05-2010 EMENT VOL-02400-05 PP-00949).

Por conseguinte, não obstante o precedente da 1ª Seção do STJ, em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.401.560/MT - Tema 692), não merece acolhida a pretensão do INSS à devolução ou abatimento dos valores, devendo ser reformada a sentença para declarar a inexigibilidade do montante pago em decorrência da antecipação de tutela concedida por esta Corte, consoante precedentes deste Colegiado:

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. Incabível a devolução dos valores recebidos em razão de antecipação de tutela concedida nos presentes autos, conforme iterativa jurisprudência que consagrou o princípio da irrepetibilidade dos valores de benefícios previdenciários recebidos em situações similares, sempre que verificada a boa-fé do beneficiário. Precedentes desta Corte e do STF. (TRF4, AC 5018782-64.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 27/09/2018)

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE/REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA NÃO COMPROVADA. DESCABIMENTO. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO. DESCABIMENTO. 1. Não comprovada a incapacidade ou redução da capacidade laboral são indevidos os benefícios de auxílio-acidente, auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. (TRF4, AC 5043186-19.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 17/08/2018)

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000727306v3 e do código CRC 2875f536.Informações adicionais da assinatura:
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5023536-49.2018.4.04.9999
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5023536-49.2018.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ILMA IZA WEBER

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

Não são restituíveis os valores recebidos a título de benefício previdenciário em virtude de decisão judicial, diante do caráter alimentar da verba e da boa-fé do segurado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 07 de novembro de 2018.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000727307v3 e do código CRC e714207d.Informações adicionais da assinatura:
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5023536-49.2018.4.04.9999
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/11/2018

Apelação Cível Nº 5023536-49.2018.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ILMA IZA WEBER

ADVOGADO: CARINI INES HUBNER KONZEN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/11/2018, na sequência 282, disponibilizada no DE de 16/10/2018.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



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