EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM Apelação Cível Nº 5013465-17.2020.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
EMBARGANTE: ALINE RODRIGUES WENDT
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos pela autora contra acórdão assim ementado (evento 21, Acor2):
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
3. Não comprovada a hipossuficiência familiar, é de ser indeferido o benefício assistencial ao deficiente pleiteado.
4. Majorada em 20% a verba honorária fixada na sentença, observados os limites máximos das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85 do CPC/2015. Exigibilidade suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça.
A parte embargante sustenta que o decisum foi omisso quanto à condição socioeconômica da requerente nos seguintes termos: a) a renda variável percebida pela genitora é inferior à exigida por lei para fins de concessão do benefício assistencial; b) a aposentadoria por idade percebida pelo pai é equivalente a um salário mínimo, valor que deve ser excluído do cômputo da renda familiar por ser idoso - além disso, tem vários problemas de saúde; c) o imóvel em que a família reside foi recebido por herança e não significa renda; d) foram colacionados documentos que comprovam a hipossuficiência, tais como declaração de Imposto de Renda, extrato bancário e estorno de cheques por insuficiência de saldo, sendo que a assistente social concluiu pela miserabilidade. Requer que sejam sanadas as omissões apontadas, atribuindo-se efeitos infringentes ao recurso (evento 30, EmbDecl1).
Com contrarrazões (evento 35), os autos vieram para julgamento.
VOTO
O voto condutor do acórdão referiu de forma expressa e detalhada sobre a condição financeira da família da autora, verbis (evento 21, RelVoto1):
Condição socioeconômica
O estudo socioeconômico (evento 2, Vol2, p. 32-34), realizado em 02/2017, apontou que a autora, Aline (24 anos), vivia com o pai, Nelmo (61 anos), e com a mãe, Inês (56) anos, em residência própria, um prédio de dois andares em alvenaria, em Roque Gonzales/RS, sendo que no andar de baixo estava instalada a estofaria da família, enquanto a residência propriamente dita situava-se no piso superior. A moradia era composta por duas salas, cozinha, três quartos, dois banheiros e uma área aberta, estando guarnecida com móveis e eletrodomésticos suficientes para a autora e seus pais que ali residem, nos dizeres da assistente social.
A renda familiar informada era de cerca de R$ 800,00 mensais, provenientes do labor da genitora com consertos e reformas em estofados realizados de forma esporádica. O pai da requerente não laborava, conforme relatado na visita domiciliar, em razão de problemas de saúde (diabetes, hipertensão arterial e depressão).
A asssistente social consignou que os gastos mensais eram de R$ 117,00 com energia elétrica, R$ 200,00 com medicamentos não obtidos na rede pública de saúde, R$ 400,00 com supermercado, além de gastos com IPTU, em valor não informado. Referiu que a maior preocupação do núcleo familiar era manter a alimentação conforme o tratamento prescrito à demandante.
O parecer da assistente social foi favorável à concessão do benefício.
Segundo mencionado supra, tendo os impedimentos de longo prazo sido comprovados a partir de 06/2016, importa analisar as condições sociais e econômicas da família a partir desta data.
Consta do CNIS da mãe da autora o recolhimento de contribuições, na qualidade de contribuinte individual, em meses aleatórios e em valores variados.
Confira-se:
08/2016 - R$ 2.088,00;
09/2016 - R$ 2.088,00;
11/2016 - R$ 1.030,00;
12/2016 - R$ 900,00;
02/2017 - R$ 100,00;
03/2017 - R$ 1.776,00;
06/2017 - R$ 540,00;
08/2017 - R$ 100,00;
09/2017 - R$ 920,00;
12/2017 - R$ 1.700,00.
Outrossim, o genitor da requerente, segundo informação do CNIS, teve reconhecido o labor como segurado especial de 21/01/2010 a 08/11/2019, obtendo a a aposentadoria por idade a partir de 08/11/2019 (evento 14, Anexo1, p. 4).
Considerando-se que: a) a mãe da requerente recebia remuneração variável, conforme demonstrado pelas contribuições vertidas ao RGPS; b) o pai da autora laborava como rurícola, tendo obtido a aposentadoria por idade a partir de 11/2019; c) a família reside em uma casa em alvenaria, em boas condições de habitabilidade; e d) não foram relatados gastos extraordinários; a conclusão é de que não há que falar em hipossuficiência familiar.
Em atenção às questões levantadas pela embargante é importante tecer esclarecimentos complementares, destacando-se que foram analisadas as condições socioeconômicas do núcleo familiar a partir de 06/2016:
a) A renda variável percebida pela genitora entre 08/2016 e 12/2017 - detalhada no voto acima transcrito e independente do valor - entra no cômputo da renda familiar, não havendo razão para exclusão. Omissão inexistente.
b) segundo acima mencionado, o genitor da requerente teve reconhecido o labor como segurado especial de 21/01/2010 a 08/11/2019, obtendo a a aposentadoria por idade a partir de 08/11/2019 (evento 14, Anexo1, p. 4), no valor de um salário mínimo.
Importa consignar que o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), em seu art. 34, dispõe que o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família idoso não será computado pra fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Da leitura do dispositivo, conclui-se que o objetivo do legislador foi preservar a renda mínima recebida pelo idoso (no montante de um salário mínimo), excluindo-a do cálculo da renda per capita familiar. Como a intenção primordial foi assegurar a dignidade do idoso, por analogia, tal regra deve ser estendida aos demais benefícios de renda mínima, sejam eles de natureza assistencial ou previdenciária, percebidos pelo idoso, assim como pelas pessoas com deficiência integrantes da família.
Nesse sentido foi a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 580.963/PR, com repercussão geral reconhecida, declarando a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, sem pronúncia de nulidade, verbis:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
(...) 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional.
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)
O STJ também julgou a questão pela sistemática dos recursos repetitivos, decisão com trânsito em julgado em 16/12/2015, firmando o entendimento de que deve ser excluído do cômputo da renda familiar para concessão de LOAS o benefício previdenciário de um salário mínimo recebido por idoso:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Portanto, para concessão do benefício assistencial deve ser excluído:
i) o benefício de renda mínima, previdenciário ou assistencial, recebido por idoso com mais de 65 anos;
ii) o valor de um salário mínimo de benefício previdenciário de montante superior recebido por idoso com mais de 65 anos; e
iii) o benefício assistencial recebido por pessoa com deficiência de qualquer idade.
Como se trata de analogia com o disposto pelo Estatuto do Idoso no que tange ao benefício assistencial (concedido aos deficientes e às pessoas com mais de 65 anos), somente a partir desta idade - 65 anos - é possível a exclusão da renda mínima percebida por segurado idoso.
No caso em apreço, o pai da autora, nascido em 13/02/1956, conta atualmente 64 anos de idade - 61 anos à época do estudo socioeconômico -, de modo que o benefício previdenciário por ele auferido integra a renda familiar.
Vale ressaltar que não há óbice à formulação de novo pedido administrativo de benefício assistencial diante de modificação na situação fática.
Sanada a omissão apontada sem, contudo, alterar o julgado.
c) A casa em que a família reside, como a própria demandante alega, foi recebida por herança. Portanto, trata-se de imóvel próprio, não havendo dispêndio com aluguel a impactar a renda familiar. Omissão inexistente.
d) Os referidos documentos (declaração de IR, extratos bancários e cheques devolvidos) não comprovam a situação de hipossuficiência. Tal condição é aferida a partir da apreciação ampla do conjunto probatório, sopesando-se todos os elementos apresentados e não estando o juízo adstrito às conclusões do profissional encarregado da produção do laudo socioeconômico. Omissão inexistente.
Observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Acolhidos parcialmente os embargos de declaração, para sanar a omissão apontada quanto à possibilidade de exclusão da aposentadoria percebida pelo pai da autora, sem, contudo, alterar o julgado.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por acolher parcialmente os embargos de declaração para sanar a omissão apontada sem, contudo, alterar o julgado.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002119284v5 e do código CRC 3db3d205.Informações adicionais da assinatura:
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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM Apelação Cível Nº 5013465-17.2020.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
EMBARGANTE: ALINE RODRIGUES WENDT
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. omissão. benefício assistencial. renda familiar. exclusão. Benefício previdenciário. renda mínima. idoso. impossibilidade.
1. Deve ser excluído do cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de renda mínima (valor de um salário mínimo) percebido por idoso com mais de 65 anos e o benefício assistencial recebido por outro membro da família de qualquer idade. Aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
2. Hipótese em que o pai da autora não tem ainda 65 anos de idade, de modo que o benefício previdenciário por ele auferido integra o cômputo da renda familiar. Acolhido parcialmente o recurso para sanar a omissão apontada sem, contudo, alterar o julgado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, acolher parcialmente os embargos de declaração para sanar a omissão apontada sem, contudo, alterar o julgado, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002119285v3 e do código CRC d5e5cd44.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 27/10/2020 A 05/11/2020
Apelação Cível Nº 5013465-17.2020.4.04.9999/RS
INCIDENTE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: ALINE RODRIGUES WENDT
ADVOGADO: FABIANO JOSÉ ISSLER (OAB RS080004)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 27/10/2020, às 00:00, a 05/11/2020, às 14:00, na sequência 436, disponibilizada no DE de 16/10/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ACOLHER PARCIALMENTE OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARA SANAR A OMISSÃO APONTADA SEM, CONTUDO, ALTERAR O JULGADO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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