
Apelação Cível Nº 5004862-23.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LEOCIRA FATIMA SERVES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Leocira Fátima Serves interpôs apelação em face de sentença, prolatada no bojo de embargos à execução, que julgou procedente o pedido do Instituto Nacional do Seguro Social, embargante, para declarar que a execução deve prosseguir unicamente em relação aos honorários advocatícios, no valor de R$ 1.720,82 (um mil setecentos e vinte reais e oitenta e dois centavos), atualizados até junho de 2014, condenando-a ao pagamento das custas e honorários advocatícios, permitindo a compensação desses com os da execução. Ficou mantida a concessão da assistência judiciária gratuita, sendo estendida a este incidente (Evento 3 - SENT11).
Argumentou que não pode ser penalizada pela inércia do INSS em proceder na cessação do benefício de maneira tardia, sendo que os efeitos da revogação de tutela, se houver, devem se dar a partir da efetiva cessação do benefício pelo Instituto, que detém o controle de pagamentos, não podendo os efeitos da revogação retroagir aos valores pagos no decorrer do processo judicial. Registrou que os valores indevidamente pagos pela autarquia são irrepetíveis, pois recebidos de boa-fé e possuem caráter alimentar. Citou precedentes. Caso mantida a sentença, pugnou pelo afastamento da compensação dos honorários advocatícios, pois tais valores pertencem ao advogado e não se confundem com os valores devidos à parte (Evento 3 - APELAÇÃO13).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Caso concreto
A matéria devolvida pela parte embargada, ora apelante, diz respeito à possibilidade de compensação, pelo INSS, de valores equivocadamente pagos a maior com valores ainda a receber a título de auxílio-doença.
A fim de contextualizar a situação ora em debate, cabem as seguintes considerações.
Leocira Fátima Serves ajuizou ação ordinária visando a concessão de auxilio-doença, o qual foi concedido de 09/12/2009 e 21/12/2011. A sentença foi confirmada em grau recursal. Por força de decisão que antecipou os efeitos da tutela, passou a receber o benefício em 06/12/2010, com implantação retroativa a 01/12/2010. A decisão transitou em julgado em 13/12/2012 e a autarquia tomou ciência apenas em 25/05/2013, oportunidade na qual cessou o pagamento, uma vez que o auxílio-doença tinha sido concedido somente até 21/12/2011.
A execução foi proposta por Leocira para compelir o INSS a pagar os valores relativos às competências de 09/12/2009 até 01/12/2010, pois a partir daí o benefício já estava implantado, conforme acima referido. Opôs o INSS, então, embargos à execução, referindo que é cabível a compensação dos valores ora discutidos com os pagos em decorrência do atraso na cessação do pagamento, a fim de evitar o enriquecimento sem causa por parte da segurada. Por fim, registrou que somente estão pendentes de pagamento os honorários advocatícios de sucumbência, arbitrados em R$ 1.720,82, atualizados até 06/2014. Propôs, assim, a adequação do montante devido.
A exequente, ora apelante, esclareceu, por sua vez, que está executando os valores ainda não adimplidos compreendidos entre 09/12/2009 e 01/12/2010, e que não pode ser penalizada, agora, pela inércia do INSS em cessar o pagamento, destacando que os valores já recebidos são irrepetíveis, e, por isso, não se pode agora proceder a tal compensação.
Estabelecidas tais premissas, deve-se dar parcial provimento à apelação apenas para deferir o pedido para afastar a compensação dos honorários sucumbenciais, pois, como bem referiu o causídico, tal quantia serve para remunerar os serviços prestados e não se confundem com os valores recebidos pela parte. Nesse sentido, já há entendimento consolidado no âmbito desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. AUXÍLIO-DOENÇA. INTERPRETAÇÃO DO JULGADO. HONORÁRIOS NO PROCESSO DE CONHECIMENTO E NO PROCESSO DE EMBARGOS DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. 1. O termo inicial dos cálculos de liquidação de sentença que concedeu auxílio-doença a contar da data do requerimento administrativo deve ser interpretado como aquele que foi indicado na inicial como data da entrada do requerimento após o indeferimento e cancelamento do auxílio-doença, isto porque o pedido foi delimitado nesse sentido, sendo exercida a defesa do INSS com base nesses fatos, e porque com base nessa situação foi proferida a sentença do processo de conhecimento. 2. A regra do "caput" do art. 21 do CPC não pode ser aplicada para compensar honorários devidos pelo executado no processo de conhecimento com aqueles devidos pelo embargado no processo de embargos do devedor, porquanto não se verifica a figura jurídica da compensação, ou seja, não há relação de débito e crédito entre os advogados, mas, sim, do autor devendo honorários ao advogado do réu e este devendo honorários para o advogado do autor. Ademais, não é possível a compensação da verba honorária de sucumbência nos embargos do devedor com os honorários que estão sendo executados, relativos ao processo de conhecimento, se tal não foi contemplado pelo título judicial em execução. (TRF4, AC 0009235-56.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 23/04/2018)
Prosseguindo, no que diz respeito à questão de fundo, deve ser mantida a sentença. É certo que os valores recebidos de boa-fé pelo segurado, devido ao seu caráter alimentar, são irrepetíveis. Seguem os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. DIREITO DA AUTORA À PERCEPÇÃO DE PENSÃO POR MORTE NEGADO. IRREPETIBILIDADE. BOA-FÉ EVIDENTE. Não obstante o julgamento do Tema 692 pelo STJ, a Terceira Seção deste Tribunal tem entendimento consolidado no sentido de não caber devolução dos valores recebidos a título de tutela antecipada posteriormente revogada, em razão do caráter alimentar dos recursos percebidos de boa-fé. (TRF4, AG 5039445-58.2018.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 13/12/2018)
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. INOCORRÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA. DEVOLUÇÃO. DESNECESSIDADE. 1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo. 2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. 3. Não comprovada a miserabilidade familiar, a autora não faz jus ao benefício assistencial requerido. 4. Não obstante o julgamento do Tema 692 pelo STJ, a Terceira Seção desta Corte consolidou entendimento pela irrepetibilidade dos valores recebidos a título de tutela antecipada posteriormente revogada, por se tratar de verba alimentar recebida de boa-fé. (TRF4, AC 5022627-07.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 30/11/2018)
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO PERCEBIDO POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Presente a boa-fé e considerando a natureza alimentar dos valores recebidos por força de antecipação dos efeitos da tutela, mesmo que posteriormente revogada, não podem ser considerados indevidos os pagamentos realizados, não havendo que se falar, por consequência, em restituição, devolução ou desconto. 2. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é descabida a cobrança de valores recebidos em razão de decisão judicial posteriormente revogada. Precedentes da 3º Seção deste Tribunal. (AC 5021882-95.2016.404.9999, re. Des. João Batista Pinto Silveira, 6ª Turma, julgado em 02/08/2017) (TRF4, AG 5029908-38.2018.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 21/09/2018)
Todavia, pagos valores a maior e identificada a situação nos autos, com prova nesse sentido, como no presente caso, tem razão a autarquia ao referir que devem ser compensados, pois o pagamento a maior configuraria enriquecimento ilícito por parte do beneficiário.
No sentido de evitar o enriquecimento ilícito e a possibilidade de glosa dos valores, em situações análogas, os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. LEI N. 11.960/2009. APLICAÇÃO DE FORMA SEPARADA. DESCONTO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO ADMINISTRATIVAMENTE. 1. Na liquidação dos valores devidos judicialmente pela Fazenda Pública, a TR deve ser utilizada como índice de correção monetária, enquanto os juros de 0,5% têm a função de fazer frente aos efeitos da mora, de modo que devem ser apurados separadamente, vedada quanto a estes a capitalização composta. 2. Os proventos pagos pelo INSS na via administrativa relativos ao deferimento do benefício no curso da ação devem ser abatidos na execução dos valores da aposentadoria prevista no julgado, no limite da mensalidade referente ao benefício judicial, como forma de evitar o enriquecimento ilícito do exequente, que deve receber exatamente o que está previsto no julgado em execução. Nas competências em que o valor recebido administrativamente for superior àquele devido em razão do julgado o abatimento ocorre até o valor da mensalidade resultante da aplicação do julgado. Precedente desta Corte. (TRF4, AC 5004192-21.2015.4.04.7111, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 02/06/2017)
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA. COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS PARA O VALOR DE 1 (UM) SALÁRIO MÍNIMO A CONTAR DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. PAGAMENTOS ADMINISTRATIVOS. PORTARIA Nº 714/93. 1. As planilhas emitidas pelo DATAPREV registrando o pagamento administrativo de valores (HISCRE), uma vez emitidas por entidade administrativa, guardam presunção ex vi legis de legitimidade e veracidade, ainda que não estejam assinadas por funcionário público, pois emitidas por sistema informatizado do INSS, mediante o processamento de dados constantes dos seus registros, além de carreadas ao processo pelo representante judicial do Instituto, o qual subscreveu a peça respectiva. 2. O cálculo de liquidação do julgado que contemplou a complementação dos proventos para o valor de 1 (um) salário mínimo, a partir da promulgação da Carta Constitucional de 1988, deve proceder ao abatimento dos valores pagos administrativamente pelo INSS em cumprimento à Portaria nº 714/93, sob pena da Fazenda Pública estar sendo compelida a novo e indevido pagamento, gerando enriquecimento ilícito da parte exequente. (TRF4, AC 0016708-30.2015.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 11/04/2017)
Ora, sendo devidos os valores, segundo decisão transitada em julgado, referente ao período compreendido entre 09/12/2009 e 21/12/2011, ou seja, aproximadamente 24 meses, considerando que a apelante recebeu o pagamento desde a antecipação de tutela, concedida em 06/12/2010, com implantação retroativa a 01/12/2010, cujos pagamentos somente foram cessados em 25/05/2013, não há valores a executar em face do INSS, pois já foram pagos 29 meses.
O provimento da apelação, portanto, é parcial, apenas para afastar a compensação dos honorários advocatícios determinada em sentença.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5004862-23.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LEOCIRA FATIMA SERVES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUXÍLIO-DOENÇA. TEMPO DETERMINADO. COMPENSAÇÃO COM VALORES RECEBIDOS A MAIOR. POSSIBILIDADE. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU SEM CAUSA. IRREPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Havendo prova do pagamento do auxílio-doença por período maior do que o determinado na sentença transitada em julgado, não há valores a executar, a fim de evitar o enriquecimento ilícito ou sem causa por parte do segurado. Todavia, as competências pagas a maior espontaneamente pelo INSS são irrepetíveis, visto que recebidos de boa-fé e em razão de seu caráter alimentar. Precedentes.
2. É incabível a compensação dos honorários fixados nos embargos com os valores decorrentes da execução, pois possuem natureza distinta e não se confundem. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de julho de 2019.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001173231v5 e do código CRC 05d3f399.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 09/07/2019
Apelação Cível Nº 5004862-23.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: LEOCIRA FATIMA SERVES
ADVOGADO: FABIANO VUADEN (OAB RS059203)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 09/07/2019, na sequência 193, disponibilizada no DE de 24/06/2019.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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