| D.E. Publicado em 28/05/2015 |
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013958-26.2013.404.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
EMBARGANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMBARGADO | : | ACÓRDÃO DE FOLHAS |
INTERESSADO | : | SANTA DALILA BRANDÃO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Gilmar Ribeiro Fragoso |
: | Lara Melissa Weber de Freitas | |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TRÊS DE MAIO/RS |
EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO. ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE EXAME DE TODOS OS ARGUMENTOS ARTICULADOS PELO APELANTE. CARÁTER INFRINGENTE. PREQUESTIONAMENTO NUMÉRICO. INVIABILIDADE.
1. Os embargos de declaração são destinados a complementar o julgamento da ação, quando da existência de obscuridade, omissão ou contradição. Não tendo ocorrido nenhuma destas hipóteses é de ser rejeitado o recurso.
2. A via dos declaratórios não está aberta para prevenir hipotéticas interpretações contraditórias do julgado; o vício da contradição deve efetivamente existir no bojo do acórdão, comprometendo sua lógica interna em um ou mais tópicos abordados.
3. O acórdão não está obrigado a contemplar todos os argumentos articulados na apelação, mas apenas aqueles que têm relevância para o desate da controvérsia.
4. Os declaratórios não se prestam a rediscutir o mérito da causa.
5. Tendo o aresto embargado enfrentado e resolvido a questão devolvida, carecem de consistência as alegativas de contradição alardeadas.
6. De qualquer modo, inclusive para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, é de dar-se por prequestionada a matéria suscitada pela parte embargante em seu recurso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher em parte os declaratórios, tão somente para fins de prequestionamento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de maio de 2015.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7533228v12 e, se solicitado, do código CRC F8F2C1F9. | |
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| Signatário (a): | Luiz Carlos de Castro Lugon |
| Data e Hora: | 20/05/2015 17:47 |
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013958-26.2013.404.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
EMBARGANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMBARGADO | : | ACÓRDÃO DE FOLHAS |
INTERESSADO | : | SANTA DALILA BRANDÃO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Gilmar Ribeiro Fragoso |
: | Lara Melissa Weber de Freitas | |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TRÊS DE MAIO/RS |
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos em face de acórdão ementado nos seguintes termos:
-PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. BOIA-FRIA. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. SÚMULA 149 DO STJ. CONSECTÁRIOS. TUTELA ESPECÍFICA.
- Fixada pelo STJ a obrigatoriedade do reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público na REsp 1101727/PR, a previsão do art. 475 do CPC torna-se regra, admitido o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
- Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade.
- Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
- Em se tratando de trabalhador boia-fria, a aplicação da Súmula 149 do STJ é feita com parcimônia em face das dificuldades probatórias inerentes à atividade dessa classe de segurado especial.
- Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, os consectários legais comportam a incidência de juros moratórios equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança (STJ, REsp 1.270.439/PR, 1ª Seção, Relator Ministro Castro Meira, 26/06/2013) e correção monetária pelo INPC e demais índices oficiais consagrados pela jurisprudência.
- Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento das custas, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
- O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC.
- A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos 461 e 475-I, caput, do CPC, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal.
A Autarquia embargante traça considerações acerca da sua inconformidade com o acórdão embargado, requerendo seja suprida pretensa contradição existente no julgado, no que concerne ao reconhecimento do exercício de atividade rural e consequente concessão de aposentadoria rural por idade, com fundamento no art. 143 da Lei 8.213/91, a despeito de ter a parte autora exercido atividade urbana por longo tempo dentro do período de carência.
É o relatório.
Apresento o feito em mesa.
VOTO
Importante estabelecer, de saída, que a missão reparadora dos declaratórios tem por escopo sanar eventuais omissões, contradições ou obscuridades perpetradas à ocasião do julgamento do recurso (art. 535 do CPC), bem como atender ao requisito recursal do prequestionamento; lícito, também, mas em situações excepcionalíssimas, que lhes sejam atribuídos efeitos infringentes.
Alude o embargante que o acórdão recorrido é contraditório, porquanto reconhece o exercício de atividade rural e o consequente direito à concessão de aposentadoria rural por idade à parte autora, com fundamento no art. 143 da Lei 8.213/91, a despeito de ter ela exercido atividade urbana por longo tempo dentro do período de carência.
Descabida tal pretensão, uma vez que a via dos declaratórios não está aberta para prevenir hipotéticas interpretações contraditórias do julgado; o vício da contradição deve efetivamente existir no bojo do acórdão, comprometendo sua lógica interna num ou mais tópicos abordados, jamais entre o acórdão e a lei, a jurisprudência ou o entendimento da parte. Exemplifica o seguinte julgado:
"A contradição que autoriza os embargos de declaração é do julgado com ele mesmo, jamais a contradição com a lei ou com o entendimento da parte."
(STJ - 4ª Turma. RESP 218.528-SP-SDcl, Relator Min. Cesar Rocha. DJU nº 22/04/2002)
Ademais, não antevejo, na espécie, qualquer das hipóteses legais de admissibilidade dos embargos de declaração em face do aresto, em cuja fundamentação há manifestação expressa acerca das matérias, com base no entendimento adotado à época, verbis (fls. 95 e ss):
Do caso concreto
A parte autora, nascida em 04/08/1953 (fls. 26), implementou o requisito etário em 04/08/2008 e requereu o benefício na via administrativa em 18/08/2010 (fls. 24). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 162 meses anteriores à implementação da idade (04/02/1995 - 04/08/2008) ou nos 174 meses que antecederam o requerimento administrativo (18/02/1996 - 18/08/2010); ou, ainda, nos períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Certidões de nascimento dos filhos Isaias e Rosane, em que consta a profissão do marido da autora como agricultor, datadas de 04/10/1985 e 01/12/1989 (fls. 11/12);
- Fichas de assistência médico-sanitária, emitidas pela Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, constando a profissão da requerente como diarista, com registros de atendimento de 03/04/2006 a 12/02/2010 (fls. 13/17)
- Declarações de Ivo Cassemiro Debald, Alberto Rolim da Silva e Ivo Eichkoff Muller, em que afirmam que a requerente vive da agricultura, plantando soja, milho, mandioca e tirando leite, desde 1980 (fls. 28/39 e 31);
- Declaração de Antonio Reinaldo Hipolito da Silva, em que este afirma que a autora trabalha em sua propriedade, na produção de soja, milho, leite e mandioca, em regime de parceria, desde 1990 (fls. 30);
- Declaração de Edio Pinno, em que relata que a demandante exerce a atividade de diarista desde o ano de 1988 até os dias de hoje, datada de 25/08/2010 (fls. 40).
Da entrevista rural da parte requerente (fls. 32), colhe-se que esta nunca abandonou o meio rural, sempre trabalhando como diarista rural em terras de terceiros, como Antonio Reinaldo Hipolito da Silva e Arcidio Moreira. Exercia, dentre outras atividades, a plantação de soja, milho, trigo, a colheita, e a quebra de milho.
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais. A testemunha Sadi dos Santos Antunes alega que conhece a demandante há, aproximadamente, 15 anos, e que desde essa época até os dias de hoje esta sempre trabalhou como diarista rural, laborando todos os dias da semana e, às vezes, no fim de semana, durante todo o ano, principalmente na colheita, em atividades como o arranque de feijão, quebra de milho, colheita e carpida em terras de terceiros. Antonio Reinaldo da Silva relatou que a requerente trabalha para ele há, aproximadamente, 18 anos, durante todo o ano, não sabendo especificar quantas vezes a chama por ano para o labor por ano, afirmando que ela presta serviços para outros agricultores também. Aduziu, ainda, que a parte autora é conhecida na região por seu trabalho de diarista rural, e que já a transportou muitas vezes para campos de colheita de milho e feijão.
Na apelação, refere a autarquia previdenciária que por não enquadrar-se o autor no conceito de segurado especial, deve ele comprovar seu labor rural na forma do art. 3º da Lei 11.718/2008. Isso porque, conforme prevê a mencionada legislação, o art. 143 da Lei 8.213/91 somente se aplica, no cálculo da carência exigida, até 31 de dezembro de 2010, sendo que a partir daí surgem novas regras que exigem o enquadramento do segurado em empregado ou contribuinte individual. Equivoca-se a autarquia ao deixar de enquadrar o autor como segurado especial. Vejamos:
No plano jurisdicional, o que se afigura como o principal empecilho para a efetivação do direito fundamental à Previdência Social, no caso dos trabalhadores rurais boias-frias, volantes ou diaristas, é a dificuldade de enquadrar tal grupo de trabalhadores em uma das categorias de segurado do Regime Geral de Previdência Social, contidos nas Leis 8.212 e 8.213 de 1991. A legislação previdenciária brasileira não trata de forma explícita a categoria composta pelos trabalhadores rurais diaristas (também chamados de boias-frias ou volantes). Tratando-se de proteção de ordem trabalhista, tais obreiros encontram salvaguarda no art. 17 da Lei 5.889/73, legislação que dispõe sobre o trabalho rural, que possui caráter residual: "as normas da presente Lei são aplicáveis, no que couber, aos trabalhadores rurais não compreendidos na definição do art. 2º, que prestem serviços a empregador rural". Sobre esse dispositivo, assevera OLIVEIRA (1997, p. 147, in BERWANGER, 2011, p. 91) que "a proteção legal deixa em segundo plano as diferenças entre trabalhador rural empregado, trabalhador rural eventual, 'empreiteiros operários rurais". O Tribunal Superior do Trabalho já se pronunciou quanto à aplicação desta regra aos diaristas:
Diante da semelhança entre as condições de trabalho, compreendendo as rotinas de horário, frequência e intervalos, a faixa de renda, sua realização em proveito do empreendedor agropecuário, a equiparação do trabalhador rural sem vínculo empregatício (volante, diarista, boia-fria) ao trabalhador empregado, no tocante aos direitos trabalhistas mínimos, está positivada no ordenamento jurídico, através da norma contida no art. 17 da Lei 5.889/1973, compondo uma espécie de padrões civilizatórios mínimos. (RR - 21200-93.2007.5.09.0567 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 28/09/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/10/2011).
Não há, todavia, dispositivo de caráter similar na legislação previdenciária. Com efeito, a Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213/91) estabelece, em seu artigo 11, as categorias de segurado obrigatório do Regime Geral da Previdência Social, distribuindo-os em seus incisos, quais sejam: o empregado celetista (inciso I), o empregado doméstico (inciso II), o contribuinte individual (inciso V - onde se enquadram o empresário, o autônomo e a pessoa equiparada a autônomo), o trabalhador avulso (inciso VI) e o segurado especial (inciso VII). A doutrina especializada tenta alocar o trabalhador boia-fria em uma dessas categorias. Tal enquadramento carece de consenso entre os principais autores que se ocuparam da matéria.
Há certa tendência em entender que a natureza das relações de trabalho dos boias-frias é variável, podendo se enquadrar em mais de uma das hipóteses da Lei de Benefícios, a depender da relação jurídica com o empregador. Assim, ora poderia estar enquadrado como empregado celetista (inciso I), em havendo relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho - via de regra com carteira assinada -, ora poderia ser enquadrado como contribuinte individual (inciso V), autônomo, se a prestação do labor for eventual (CASTRO, C.A.P e LAZZARI, J.B. Manual de Direito Previdenciário. 15 ed. Rio de Janeiro. Forense, 2013, p. 155). Nesta senda, a alínea g do inciso V ("como contribuinte individual: quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego") representaria tipo extremamente abrangente, podendo abrigar qualquer um que, não sendo empregado, exerça labor de modo eventual (IBRAHIM, F.Z. Curso de Direito Previdenciário. 7ª ed. Rio de Janeiro. Impetus, 2006, p. 114). Por outro lado, DUARTE (Direito Previdenciário. 7ª ed. Porto Alegre. Verbo Jurídico, 2011, p. 59) assevera que o boia-fria só será contribuinte individual quando trabalhar para empresas. Em se tratando o empregador de produtor rural pessoa física, estaria emoldurado na categoria de empregado rural, ainda que o serviço seja prestado eventualmente. Outra hipótese, ainda, é levantada por BERWANGER (Previdência Rural: Inclusão Social. 2ª ed. Curitiba. Juruá, 2011, p. 93):
Há de se estabelecer uma diferenciação entre trabalhador eventual e trabalho eventual. No que se refere aos trabalhadores rurais, eles não são eventuais, porém, o trabalho, pela característica de agricultura, é sazonal, fazendo com que esse contingente não tenha oferta de trabalho de forma permanente.
Aparentemente distante das referidas contendas, o Superior Tribunal de Justiça, de outra feita, vem entendendo que o trabalhador rural boia-fria está abarcado no Regime Geral de Previdência Social como segurado especial. Demonstra-se isto a partir de trechos de julgados recentes:
Restou consignado na decisão agravada, ainda, que o Tribunal de origem estabeleceu, com base na prova dos autos, que o período vindicado pelo ora recorrente como segurado empregado é, na verdade, período no qual o segurado exercia atividade de boia-fria trabalhador rural, na qualidade de segurado especial da previdência e não segurado empregado, como quer fazer crer o ora agravante. (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.172.644 - PR (2009/0243453-6)
Discute-se nestes autos o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, na condição de boia-fria. (AgRg no AREsp 390.932/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013)
Veja-se que, em nenhum momento discutem-se os termos em que é o boia-fria enquadrado como segurado da Previdência. Esta é a corriqueira situação, em que o enquadramento na qualidade de segurado especial consta como pressuposto. Tal entendimento extrai-se, inclusive, do julgamento de Recurso Especial na da sistemática de representatividade de controvérsia (CPC, art. 543-C):
No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui afixados (REsp. 1.321.493/PR, Rel. Min. Henrique Benjamin, Primeira Seção, j. em 10.10.12, DJe 19.12.2012).
Esta Corte sequer faz diferenciação quanto à situação em que há contrato celetista, engranzando todas as hipóteses na categoria de segurado especial. Tal entendimento extrai-se da decisão tomada no REsp 1321493 / PR, ementada da seguinte forma:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
Neste acórdão, a decisão foi mantida "pois foi atestada a existência de registro na Carteira de Trabalho consubstanciada por robusta prova testemunhal".
A premente importância dessa subsunção um tanto forçada dos boias-frias em um dos regimes jurídicos da Lei de Benefícios, como dá conta todo o alegado na presente apelação, está no impacto direto que tem na efetivação do direito fundamental desses trabalhadores à Previdência Social. A analogia, construída no cotidiano forense, e encampada pelos tribunais superiores, com o regime jurídico aplicado ao segurado especial, demonstra-se, é certo, formalmente perigosa, pois que, a princípio, o segurado especial é, na literalidade da lei, aquele que, residente em imóvel rural, ou próximo a ele, trabalha individualmente ou em regime de economia familiar, situação em que, também sob esse regime, ficam abarcados cônjuges e filhos. Nesse caso, a contribuição ao Fundo da Previdência e Assistência Social ocorre pela alíquota incidente sobre a comercialização da produção (esse recolhimento totalizou 367,1 milhões no mês de março de 2014, de acordo com o Informe da Previdência Social de Abril de 2014, disponível em http://www.previdencia.gov.br/wp-content/uploads/2014/08/Informe_abril_2014. pdf, p. 24). Ora, o trabalhador boia-fria, por definição, não produz para si; ele vende a sua mão-de-obra para outrem, não havendo produção própria que se destine ao comércio. Dessa forma, se enquadrado o boia-fria como segurado especial, este acaba por não contribuir para o Fundo da Previdência e Assistência Social. Esta situação, destarte, produz infração às prescrições de justiça formal, uma vez que se trata de forma diferente indivíduos de uma mesma categoria: alguns segurados da previdência contribuem para o Fundo, outros não.
Ainda assim, enquanto não se dá conta de suprir o problema por meio de reforma legislativa, a analogia faz-se necessária, ante a constatação de que o enquadramento do boia-fria como contribuinte individual corresponderia à negativa de proteção jurídica justamente àquele trabalhador que está mais desamparado. "Observa-se, aqui, a contradição de que justamente aquele trabalhador que tem menor rendimento, porque é variável, tem maior dificuldade de acesso [à previdência], pois o grande número de boias-frias que perambulam pelas fazendas do interior (...) fica completamente desprotegido." (BERWANGER, op. cit.) Ademais, a categoria de segurado especial tem justamente a função de abranger situações especiais que se encontram no meio rural, não sendo em nada absurda a perspectiva de abrangência entre suas hipóteses dos trabalhadores volantes.
Deu lenitivo a essa situação o art. 143 da Lei de Benefícios de 1991, que concedeu ao prestador de serviços rurais, em caráter eventual, sem relação de emprego, se requerido até 2006, direito à aposentadoria por idade sem a exigência de contribuição; prazo que foi estendido pela Medida Provisória 410/07 até dezembro de 2010. Tendo em vista que a condição de boia-fria enquadra-se no conceito de segurado especial, não há que se falar na limitação da aplicação do art. 143 da Lei 8.213/91 de que trata a Lei 11.718/2008. Nesse sentido, é de colacionar-se dispositivo legal que trata da matéria, art. 125 da Instrução Normativa do INSS nº 45/2010:
"Art. 215. Para fins de aposentadoria por idade prevista no inciso I do art. 39 e art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991 dos segurados empregados, contribuintes individuais e especiais, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e no inciso VII do art. 11 do mesmo diploma legal, não será considerada a perda da qualidade de segurado os intervalos entre as atividades rurícolas, devendo, entretanto, estar o segurado exercendo a atividade rural ou em período de graça na DER ou na data em que implementou todas as condições exigidas para o benefício.
Parágrafo único. Os trabalhadores rurais de que trata o caput enquadrados como empregado e contribuinte individual, poderão, até 31 de dezembro de 2010, requerer a aposentadoria por idade prevista no art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991, no valor de um salário mínimo, observando que o enquadrado como segurado especial poderá requerer o respectivo benefício sem observância ao limite de data, conforme o inciso I do art. 39 da Lei nº 8.213, de 1991."
Como visto, somente se aplica o art. 3º da Lei 11.718/2008, mencionado pelo INSS, àqueles trabalhadores rurais pertencentes às categorias de empregado ou de contribuinte individual. No caso dos segurados especiais, em que se inclui o requerente, não incide a limitação de data, devendo ser aplicado o art. 143 da Lei 8.213/91. Ainda, traz-se a lume legislação que trata da questão em comento, art. 39, I da Lei 8.213/91:
"Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido;"
Dados os fatos, entendo cabível o enquadramento do autor na condição de segurado especial, devendo ser a ele aplicado, no que se refere à comprovação de labor rural no período de carência, o art. 143 da Lei 8.213/91.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material, para o que, consideradas as peculiaridades do trabalho na agricultura, não se pode exigir que sejam apenas por si mesmos conclusivos ou suficientes para a formação de juízo de convicção. É aceitável que a prova contenha ao menos uma indicação segura de que o fato alegado efetivamente ocorreu, vindo daí a necessidade de sua complementação pela prova oral, a qual, como se viu, confirmou de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora, razão porque a sentença merece confirmação pela Turma.
De outra parte, sobre o prequestionamento dos dispositivos legais relacionados, creio não haver voz dissonante nesta Corte, bem assim naquelas superiores, do entendimento de que importa é que o acórdão debata, discuta e adote entendimento explícito sobre a questão federal ou constitucional, desnecessária a individualização numérica dos artigos em que se funda o decisório. Isso porque, sendo a missão constitucional da jurisdição recursal extraordinária julgar as causas decididas em única ou última instância (art. 102, III e 105, III, ambos da Carta da República), a só referência a normas legais ou constitucionais, dando-as por prequestionadas, não significa decisão a respeito dos temas propostos; imprescindível que as teses desenvolvidas pelas partes, importantes ao deslinde da causa, sejam dissecadas no julgamento, com o perfilhamento de posição clara e expressa sobre a pretensão deduzida.
O prequestionamento numérico, então, é dispensado pela jurisprudência, como exemplificam as decisões que seguem:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PREQUESTIONAMENTO - ALCANCE DO INSTITUTO.
A exigência do prequestionamento não decorre de simples apego a determinada forma. A razão de ser está na necessidade de proceder a cotejo para, somente então, assentar-se o enquadramento do recurso no permissivo legal. Diz-se prequestionado determinado tema quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, contando a parte sequiosa de ver o processo guindado a sede extraordinária com remédio legal para compeli-lo a tanto - os embargos declaratórios. A persistência da omissão sugere hipótese de vício de procedimento. Configura-se deficiência na entrega da prestação jurisdicional, o que tem contorno constitucional, pois a garantia de acesso ao judiciário há que ser emprestado alcance que afaste verdadeira incongruência, ou seja, o enfoque de que, uma vez admitido, nada mais é exigível, pouco importando a insuficiência da atuação do estado-juiz no dirimir a controvérsia. Impor para configuração do prequestionamento, além da matéria veiculada no recurso, a referência ao número do dispositivo legal pertinente, extravasa o campo da razoabilidade, chegando às raias do exagero e do mero capricho, paixões que devem estar ausentes quando do exercício do ofício judicante. Recurso extraordinário - violação a lei. Tanto vulnera a lei o provimento judicial que implica exclusão do campo de aplicação de hipótese contemplada, como o que inclui exigência que se lhe mostra estranha. Recurso extraordinário - violação a lei - registro de candidatos ao senado - suplentes - par. 3. Do artigo 45 da constituição federal. Este dispositivo legal não disciplina o registro dos candidatos. Vulnera-o decisão que o tem como pertinente para, de forma peremptória, indeferir o registro de chapa em que apresentado apenas um suplente, pouco importando que a diligência objetivando a complementação respectiva esteja prevista em diploma legal de cunho ordinário. O desrespeito a este não serve à manutenção do esvaziamento dos direitos e garantias constitucionais explícitos e dos que decorrem dos princípios inseridos na lei maior.
(RE 128519/DF - RELATOR MINISTRO MARCO AURELIO - TRIBUNAL PLENO - DJ EM 08-03-91).
De qualquer modo, inclusive para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, dou por prequestionada a matéria versada nos declaratórios, nos termos das razões de decidir.
Ante o exposto, voto no sentido de acolher em parte os declaratórios, tão somente para fins de prequestionamento.
É o voto.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/05/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013958-26.2013.404.9999/RS
ORIGEM: RS 00050798720118210074
INCIDENTE | : | EMBARGOS DE DECLARAÇÃO |
RELATOR | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr. Domingos Sávio Dresch da Silveira |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | SANTA DALILA BRANDÃO DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Gilmar Ribeiro Fragoso |
: | Lara Melissa Weber de Freitas | |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TRÊS DE MAIO/RS |
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ACOLHER EM PARTE OS DECLARATÓRIOS, TÃO SOMENTE PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
: | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria
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