EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001577-55.2010.404.7007/PR
RELATOR | : | LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
EMBARGANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMBARGADO | : | ACÓRDÃO |
INTERESSADO | : | NADIR ANTUNES BUENO |
ADVOGADO | : | ARNI DEONILDO HALL |
INTERESSADO | : | GERENTE EXECUTIVO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE FRANCISCO BELTRÃO - SOLANGE MENDES NOGUEIRA -MATR 0901200 |
EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. PREQUESTIONAMENTO.
1. Os embargos de declaração são destinados a complementar o julgamento da ação, quando da existência de obscuridade, omissão ou contradição. Ocorrida omissão, é de ser acolhido o recurso no ponto.
2. São atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme os termos do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ.
3. Os declaratórios não se prestam a rediscutir o mérito da causa.
4. A só referência a normas legais ou constitucionais, dando-as por prequestionadas, não significa decisão a respeito dos temas propostos; imprescindível que as teses desenvolvidas pelas partes, e importantes ao deslinde da causa, sejam dissecadas no julgamento, com o perfilhamento de posição clara e expressa sobre a pretensão deduzida
5. De qualquer modo, inclusive para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, é de dar-se por prequestionada a matéria versada nos artigos indigitados pela parte embargante em seu recurso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher parcialmente os embargos declaratórios, com efeitos infringentes, para fins de prequestionamento e para sanar omissão relativa à prescrição quinquenal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de março de 2015.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7002897v12 e, se solicitado, do código CRC A6A0FDF8. | |
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| Signatário (a): | Luiz Carlos de Castro Lugon |
| Data e Hora: | 10/03/2015 15:51 |
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001577-55.2010.404.7007/PR
RELATOR | : | LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
EMBARGANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMBARGADO | : | ACÓRDÃO |
INTERESSADO | : | NADIR ANTUNES BUENO |
ADVOGADO | : | ARNI DEONILDO HALL |
INTERESSADO | : | GERENTE EXECUTIVO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE FRANCISCO BELTRÃO - SOLANGE MENDES NOGUEIRA -MATR 0901200 |
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos em face de acórdão que deu provimento à apelação da parte autora para condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria rural por idade, determinando a imediata implantação de benefício previdenciário.
Nas razões do recurso, alega a Autarquia que o acórdão houve por comprovada a atividade rural com base apenas em provas testemunhais, contrariando entendimento do STJ. Além disso, alega que o acórdão foi omisso no que se refere à prescrição quinquenal incidente no caso analisado. Requer sejam sanadas as alegadas omissões e contradições com o provimento dos embargos.
A parte autora manifestou-se nos autos.
É o relatório.
Apresento o feito em mesa.
VOTO
Importante estabelecer que a missão reparadora dos declaratórios tem por escopo sanar eventuais omissões, contradições ou obscuridades perpetradas à ocasião do julgamento do recurso (art. 535 do CPC), bem como atender ao requisito recursal do prequestionamento; lícito, também, mas em situações excepcionalíssimas, que lhes sejam atribuídos efeitos infringentes.
Da prescrição
Verifico que assiste razão à Autarquia ao alegar a existência de omissão relativa à prescrição quinquenal, motivo pelo qual agrego os seguintes fundamentos ao decisum para que passem a fazer parte integrante do julgado:
"Em se tratando de obrigação de trato sucessivo e de verba alimentar, não há falar em prescrição do fundo de direito. Contudo, são atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme os termos do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ."
No caso concreto, tendo a ação sido ajuizada em 30/09/2010, estão prescritas as parcelas anteriores a 30/09/2005 e posteriores à DER (13/06/2005).
Da comprovação da atividade rural
Em relação à alegação no sentido de que ausente comprovação do tempo de serviço rural no período de carência, não antevejo qualquer das hipóteses legais de admissibilidade dos embargos de declaração em face do aresto, em cuja fundamentação há manifestação expressa acerca da matéria suscitada. Isto porque os declaratórios apenas se prestam para suprimento de omissão, harmonização de pontos contraditórios ou mesmo esclarecimento de obscuridades, não sendo possível emprestar-lhes caráter infringente ao viabilizar a rediscussão de matéria já resolvida no pronunciamento embargado, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida. Constou do voto condutor do acórdão recorrido:
A parte autora, nascida em 08/09/1949 (CERTCAS6), implementou o requisito etário em 08/06/2010 e requereu o benefício na via administrativa em 13/06/2005 (PROCADM8, fl. 1). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 174 meses anteriores à implementação da idade (08/12/1995 - 08/06/2010) ou nos 144 meses que antecederam o requerimento administrativo (13/06/1993 - 13/06/2005); ou, ainda, nos períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Certidão de casamento da autora, datada de 1976, em que consta a profissão do marido da autora como agricultor, (CERTCAS6);
- Matrícula de imóvel rural, datada de 1991, em que consta a profissão do marido da autora como agricultor, (PROCADM9, fls. 03/04);
- Certidão de casamento de filha da autora, datada de 1987, em que consta a profissão de seu genro como agricultor, (PROCADM8, fls. 10);
- Certidão de casamento de filho da autora, em que constam as profissões do filho e da nora da autora como agricultores, (PROCADM8, fls. 11).
Do depoimento pessoal da autora, (AUDIO MP32), colhe-se que ela sempre trabalhou no meio rural, na condição de boia-fria, junto de seu marido. A autora trabalhou para proprietários rurais como Sedeny e Santo, onde laborava nas culturas de mandioca, feijão e milho, além de outras. A autora somente parou de trabalhar no meio rural há cerca de 2 anos, em razão de problemas de saúde.
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais. As testemunhas disseram que a autora sempre trabalhou no meio rural, mesmo quando se mudou para o meio urbano, há cerca de 20 anos. Disseram que a autora trabalhou como diarista para vários proprietários rurais, inclusive para elas próprias, por muito tempo.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material, para o que, reitere-se, consideradas as peculiaridades do trabalho na agricultura, não se pode exigir que sejam apenas por si mesmos conclusivos ou suficientes para a formação de juízo de convicção. É aceitável que a prova contenha ao menos uma indicação segura de que o fato alegado efetivamente ocorreu, vindo daí a necessidade de sua complementação pela prova oral, a qual, como se viu, confirmou de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora.
A entidade previdenciária entende que não há comprovação de trabalho rural no período de carência, já que a prova material corresponde apenas a início probatório e a prova testemunhal não preenche todo o período necessário. Ainda que se admita ter havido interrupção do serviço rural, por falta de provas, de 1993 a 1999 e posteriormente a 2003, o artigo 143 da Lei 8.213/91 estabelece que a atividade rural prestada no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico da carência prevista no art. 142 da mesma lei, pode ser exercida de modo descontínuo. (Grifei)
Vem esta Turma analisando sistematicamente a questão de como dimensionar o conceito de "descontinuidade da atividade rural", que aqui também se impõe, pois, no caso concreto, o autor comprovou o exercício de atividade rural durante um longo tempo, porém de forma intermitente.
O eminente Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, ao relatar a AC nº 0006495-67.2012.404.0000, enfrentou o tema com a acuidade que lhe é característica, em esclarecedor raciocínio cujos argumentos peço vênia para transcrever:
Predomina nesta Corte o entendimento de que a descontinuidade somente é admitida quando não superados os prazos de período de graça previstos no artigo 15 da Lei 8.213/91.
Tenho que a revisão da orientação se impõe.
Ao segurado urbano há muito é admitida pela jurisprudência (e agora consagrado na legislação de regência) a soma de períodos de trabalho, independentemente da perda da condição de segurado, para fins de concessão de aposentadoria por idade. Não há razão para se negar isso ao segurado rural, mormente em se considerando que já lhe é vedada a obtenção de benefício mediante implemento não simultâneo dos requisitos atividade/idade mínima, consoante precedente do Superior Tribunal de Justiça acima mencionado.
A adoção de entendimento restritivo quanto ao conceito de descontinuidade acaba por deixar ao desamparo segurados que desempenharam longos períodos de atividade rural, mas por terem intercalado períodos significativos de atividade urbana ou mesmo de inatividade, restam excluídos da proteção previdenciária.
Choca-se com a Constituição Federal interpretação conducente a desvalorizar o trabalho, que é um de seus valores fundantes (art. 1º, IV, da CF). Ademais, a previdência é um direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal, e o artigo 7º, XIV do mesmo Diploma assegura, sem restrições, direito à aposentadoria ao trabalhador rural. Não fosse isso, atenta contra o princípio da universalidade (art. 194, I, da CF), recusar o direito à aposentadoria ao trabalhador rural que exerceu sua atividade por longo período, a partir de um conceito restritivo de descontinuidade.
Nessa linha, ainda que não se possa afastar a necessidade de comprovação de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, pois isso é expressamente exigido pela Lei 8.213/91, e já foi também afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, não tendo a legislação estabelecido um conceito de descontinuidade, deve a definição desta categoria ser obtida à luz dos princípios constitucionais informadores do regime jurídico previdenciário. E, nesse sentido, não sendo a norma claramente restritiva, a interpretação a ser extraída, conquanto possa estabelecer condicionamentos, não pode inviabilizar o direito dos segurados rurais.
Tenho, assim, que havendo prova de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior, deve ser admitido o direito ao benefício com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigido pela legislação de regência.
Isso, a propósito, é o que estabelecem os artigos 144, 145 e 148 da Instrução Normativa INSS/PRES 45, de 06/08/2010:
Capítulo VI - Das prestações em geral
Seção I - Da carência
.....
Art. 144. Para o segurado especial que não contribui facultativamente, o período de carência de que trata o § 1º do art. 26 do RPS é contado a partir do efetivo exercício da atividade rural, mediante comprovação, na forma do disposto no art. 115.
Art. 145. No caso de comprovação de desempenho de atividade urbana entre períodos de atividade rural, com ou sem perda da qualidade de segurado, poderá ser concedido benefício previsto no inciso I do art. 39 e art. 143, ambos da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumpra o número de meses de trabalho idêntico à carência relativa ao benefício, exclusivamente em atividade rural, observadas as demais condições.(grifei)
Parágrafo único. Na hipótese de períodos intercalados de exercício de atividade rural e urbana, observado o disposto nos arts. 149 e 216, o requerente deverá apresentar um documento de início de prova material do exercício de atividade rural após cada período de atividade urbana.
....
Art. 148. Para fins de concessão dos benefícios devidos ao trabalhador rural previstos no inciso I do art. 39 e art. 143, ambos da Lei nº 8.213, de 1991, considera-se como período de carência o tempo de efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, correspondente ao número de meses necessários à concessão do benefício requerido, computados os períodos a que se referem os incisos III a VIII do § 5º do art. 7º, observando-se que:
I - para a aposentadoria por idade prevista no art. 215 do trabalhador rural empregado, contribuinte individual e especial será apurada mediante a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou, conforme o caso, no mês em que cumprir o requisito etário, computando-se exclusivamente, o período de natureza rural; e
II - para o segurado especial e seus dependentes para os benefícios de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão por morte, auxílio-reclusão e salário-maternidade, a apuração da atividade rural será em relação aos últimos doze meses ou ao evento, conforme o caso, comprovado na forma do § 3º do art. 115.
Parágrafo único. Entende-se como forma descontínua os períodos intercalados de exercício de atividades rurais, ou urbana e rural, com ou sem a ocorrência da perda da qualidade de segurado, observado o disposto no art. 145.(grifei)
Por outro lado, os artigos 214 e 215 da mesma IN 45/2010 estatuem:
Capítulo IV - Das prestações em geral
Seção IV - Dos benefícios
Subseção II - Da aposentadoria por idade
....
Art. 214. A aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11 da Lei nº 8.213, de 1991, será devida para o segurado que, cumprida a carência exigida, completar sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos, se mulher.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, o trabalhador rural deverá comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, ou, conforme o caso, ao mês em que cumpriu o requisito etário, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência exigida.
§ 2º Os trabalhadores rurais referidos no caput, que não atendam o disposto no § 1º deste artigo, mas que satisfaçam a carência exigida computando-se os períodos de contribuição sob outras categorias, inclusive urbanas, farão jus à aposentadoria por idade ao completarem sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher, observado o § 3º do art. 174.
Art. 215. Para fins de aposentadoria por idade prevista no inciso I do art. 39 e art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991 dos segurados empregados, contribuintes individuais e especiais, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e no inciso VII do art. 11 do mesmo diploma legal, não será considerada a perda da qualidade de segurado os intervalos entre as atividades rurícolas, devendo, entretanto, estar o segurado exercendo a atividade rural ou em período de graça na DER ou na data em que implementou todas as condições exigidas para o benefício.(grifei)
Parágrafo único. Os trabalhadores rurais de que trata o caput enquadrados como empregado e contribuinte individual, poderão, até 31 de dezembro de 2010, requerer a aposentadoria por idade prevista no art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991, no valor de um salário mínimo, observando que o enquadrado como segurado especial poderá requerer o respectivo benefício sem observância ao limite de data, conforme o inciso I do art. 39 da Lei nº 8.213, de 1991.
Registro que a IN INSS/PRES 20, de 11/10/2007, antecessora da IN 45/2010, continha dispositivos no mesmo sentido (artigos 58 e 148).
A existência de ato expedido pelo próprio INSS contemplando a possibilidade de concessão de aposentadoria rural por idade quando comprovado o desempenho de atividade rural de forma descontínua, com ou sem a ocorrência da perda da qualidade de segurado, só faz reforçar o entendimento acima exposto. Ato administrativo não confere direito ou sequer pode contrariar o que estabelece a lei, mas certamente, ao pautar o procedimento da própria administração, não pode ser desprezado na solução de litígio judicial, salvo se claramente ilegais, o que não ocorre no caso. Está em discussão conceito de descontinuidade de atividade rural. O conceito adotado pela administração é favorável aos segurados e consentâneo com interpretação que homenageia a ordem constitucional. Não se afigura recomendável, assim, que o Judiciário adote interpretação mais rigorosa que a própria administração.
Há uma ponderação a fazer, contudo.
A aposentadoria rural por idade aos 55 ou 60 anos de idade, e sem recolhimento de contribuições, constitui um direito garantido aos segurados especiais, ou seja, àqueles trabalhadores rurais que residem em imóveis rurais ou em aglomerados urbanos ou rurais próximos a imóveis rurais, e que, individualmente ou em regime de economia familiar, exercem atividade agropecuária em pequenas propriedades em regime de subsistência, haja ou não comercialização de produtos. Trata-se, pois, de benefício destinado àqueles que realmente sobrevivem da atividade rural. Segurado especial é aquele que vive das lides agropecuárias, de modo que o enquadramento nesta categoria necessariamente implica vínculo significativo com a terra.
Assim, ainda que possível a descontinuidade, não se pode admitir que o retorno às atividades no campo por pequeno período, muitos anos após a o abandono do campo, viabilize a concessão de aposentadoria rural, até porque os frutos do trabalho rural, como sabido, não são imediatos. Somente o efetivo desempenho de atividade rural por período razoável, de modo a evidenciar sua importância para a sobrevivência do trabalhador, pode ser admitido como retomada da condição de segurado especial.
Pare-me apropriada, no caso, a aplicação analógica, até para evitar um subjetivismo exacerbado, do disposto no parágrafo único do artigo 24 da Lei de Benefícios:
Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.
Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Entendeu o legislador que o desempenho de um terço da carência caracteriza efetiva nova vinculação à previdência, de modo a possibilitar ao segurado o cômputo dos períodos anteriores.
Assim, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, é razoável se entenda que no caso de descontinuidade deve ser comprovado que no último período de atividade rural (o período imediatamente anterior) o segurado desempenhou atividade rural por tempo significativo, passando de fato a sobreviver dos frutos de seu trabalho junto à terra, podendo ser utilizado como parâmetro aproximado para isso o prazo previsto no parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91.
Com efeito, havendo prova da atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento e equivalente a um terço ou mais daquele relativo à carência, deve ser admitido o direito à aposentadoria rural por idade com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigida pela legislação previdenciária.
Sempre me pareceu paradoxal a redação do artigo 48, § 2º, da Lei nº 8.213/91, quando menciona "o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento"; s.m.j., qualquer descontinuidade da prestação laboral implicaria, ipso facto, em situar o lapso de tempo fora do "imediatamente anterior". O eminente Desembargador supracitado soube surpreender uma lacuna que dificultava concretização de direito fundamental; lapso legislativo que bem se supriu pelo uso da analogia, à luz dos princípios constitucionais. A respeito, as preleções de Susana Sbrogio'Galia (in Mutações Constitucionais e Direitos Fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, Ed. 2007, p.143/144):
Do caráter principiológico das normas de direito fundamental, resulta que não somente os direitos fundamentais podem se restringidos frente aos princípios opostos, como a sua restringibilidade pode ser limitada. E, se a restrição aos direitos fundamentais ocorre quando,diante do caso concreto, princípios opostos possuam maior peso que o princípio de direito fundamental em exame, pode-se dizer que os direitos fundamentais consistem na própria limitação à sua respectiva restrição e restringibilidade.
A idéia de traçar limites aos limites dos direitos fundamentais, difundida na doutrina tedesca durante a Lei Fundamental de Bonn, não pode ser dissociada dos direitos fundamentais. As restrições aos limites destes direito não consistem institutos autônomos, mas "pautas complementares e acessórias, destinadas a assegurara a supremacia dos direitos fundamentais. Em outras palavras, trata-se de instrumentos normativo-metódicos de aplicação dos direitos fundamentais, cuja finalidade é garantir o seu caráter vinculante". Nessa condição, insere-se o princípio da proporcionalidade, da proibição de excesso e da vedação à tutela insuficiente do estado, cujo exame ocorre na sequência.
Por esse motivo, as restrições aos direitos fundamentais, a exemplo do que acontece no Direito pátrio, prescindem de explicitação no texto constitucional, sendo deduzidas do próprio dever de proteção jurídico-constitucional aos direitos fundamentais, assim como do princípio do Estado de Direito."
E prossegue a ilustre doutrinadora (ob.cit., p. 152/153):
"É nesse sentido que se posiciona Mendes, pois, se os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote) expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote), haverá não só uma proibição de excesso, mas uma proibição de omissão do Estado na implementação da eficácia dos direitos fundamentais (Untermassverbote). Em se verificando que a eficácia dos direitos fundamentais dirige-se, de forma imediata, contra o Estado - pois é o destinatário da tutela destes direitos -, e mediata contra os particulares - porquanto irradia efeitos que impõem o dever de guarda e proteção suficiente por parte do estado, em relação às pretensões e interesse dos demais sujeitos privados -, evidencia-se, outrossim, a Constituição proibir que se desça abaixo de um certo mínimo de proteção, identificando-se o que Canaris batizou, com base em precedentes do Tribunal Constitucional alemão, de "proibição de insuficiência". Segundo Sarlet, a proibição de insuficiência reconduz ao princípio do estado de Direito, em que o Estado exsurge como detentor do monopólio do emprego da forma e da solução dos litígios entre particulares, salvo situações determinadas pela própria ordem jurídica.
Deparando-nos com essa ambivalente perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, constata-se uma dupla feição no que concerne aos limites dos limites destes direitos e ao dever de proteção pelo Estado, consubstanciados no princípio da proporcionalidade. Se, sob o enfoque dos direitos de defesa (ou direitos subjetivos e sentido negativo), configurar-se-ia, como limite à restrição, o que a doutrina sedimentou como proibição de excesso; em contrapartida, também falharia o Estado quanto ao seu dever de proteção, ao atuar de forma insuficiente, abaixo dos limites mínimos de proteção exigidos pela Constituição."
Em igual diapasão, Jairo Gilberto Schafer (in Direitos Fundamentais - proteção e restrições, Livraria do Advogado, 2001, p. 106):
"Uma das questões essenciais na análise da estrutura das normas restritivas de direitos fundamentais refere-se à aplicabilidade e função teórica do princípio da proporcionalidade. No ensinamento de Juarez Freitas, o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos.
De acordo com o princípio da proporcionalidade, sempre que haja restrições que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o intérprete deve atuar segundo o princípio da justa medida, vale dizer, escolhendo, dentre as medidas necessárias, para atingir os fins legais, aquelas que impliquem o sacrifício mínimo dos direitos dos cidadãos. Ou seja: as restrições que afetem direitos e interesses dos cidadãos só devem ir até onde sejam imprescindíveis para assegurar o interesse público, não devendo utilizar-se medidas mais gravosas quando outras que o sejam menos forem suficientes para atingir os fins da lei."
A Constituição não pode ser havida como mera carta de intenções.
No que concerne à construção analógica, in casu, tenho eu que a exigência do cumprimento da terça parte do período de carência previsto na legislação pertinente para que se possa deferir o benefício, é imprescindível para evitar a oneração dos cofres previdenciários com situações artificialmente engendradas.
No caso em tela, a testemunha Santo afirmou que a autora trabalhou em suas terras de 2000 a 2002 e que viu a autora trabalhando em outras terras, posteriormente, na condição de boia-fria. Tais fatos levam a crer que a autora prosseguiu na atividade rural por pelo menos 4 anos durante o período de carência, o que evidencia que a autora de fato voltou a viver exclusivamente do trabalho rural, na condição de segurado especial, pois o lapso corresponde a um terço do período equivalente à carência. Concretamente demonstrada, pois, a reaquisição da condição de segurado especial, de modo que viável a concessão do benefício, haja vista que, como também comprovado nos autos, em época pretérita (de 1976 a 1987) a demandante desempenhou atividade rural nos termos exigidos. A soma dos interregnos comprovados excede o tempo equivalente à carência, na data do implemento do requisito etário ou da DER.
A inconformidade veiculada, então, vem travestida da intenção de alcançar a reforma do julgado, o que demandaria o uso da via recursal adequada, devem ser rejeitados, no tópico, os declaratórios.
Registra a jurisprudência:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. SUM-98 DO STJ. SUM-282 E SUM-356 DO STF.
Nega-se provimento aos embargos declaratórios que, a pretexto de esclarecerem omissão, obscuridade ou contradição, buscam REDISCUTIR o mérito. Os embargos, neste caso, têm propósito meramente de prequestionamento, para interposição de recurso às instâncias superiores (SUM-98 do STJ, SUM-282 e SUM-356 do STF).
(EDAC n. 1998.04.01.023335-3/PR - 1ª Turma - Desembargador Federal Vladimir Freitas - DJ em 26.01.1999).
Como se pode ver, as questões relevantes da demanda foram analisadas e resolvidas pelo aresto embargado, não merecendo este qualquer reparo no ponto.
Sobre o prequestionamento dos dispositivos legais relacionados, creio não haver voz dissonante nesta Corte, bem assim naquelas superiores, do entendimento de que importa é que o acórdão debata, discuta e adote entendimento explícito sobre a questão federal ou constitucional, desnecessária a individualização numérica dos artigos em que se funda o decisório. Isso porque, sendo a missão constitucional da jurisdição recursal extraordinária julgar as causas decididas em única ou última instância (art. 102, III e 105, III, ambos da Carta da República), a só referência a normas legais ou constitucionais, dando-as por prequestionadas, não significa decisão a respeito dos temas propostos; imprescindível que as teses desenvolvidas pelas partes, importantes ao deslinde da causa, sejam dissecadas no julgamento, com o perfilhamento de posição clara e expressa sobre a pretensão deduzida.
O prequestionamento numérico, então, é dispensado pela jurisprudência, como exemplificam as decisões que seguem:
ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITO ADQUIRIDO - AFRONTA À LICC - IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO - APOSENTADORIA - EX-CELETISTA - ATIVIDADE INSALUBRE - AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO - POSSIBILIDADE - PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO.
1 - No tocante ao art. 6º, da LICC, após a Constituição Federal de 1988, a discussão acerca da contrariedade a este dispositivo adquiriu contornos constitucionais, inviabilizando-se sua análise através da via do Recurso Especial, conforme inúmeros precedentes desta Corte (AG.REG. em AG nº 206.110/SP, REsp nº 158.193/AM, AG.REG. em AG nº 227.509/SP).
2 - Este Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento, mediante sua Corte Especial, no sentido de que a violação a determinada norma legal ou dissídio sobre sua interpretação não requer, necessariamente, que tal dispositivo tenha sido expressamente mencionado no v. acórdão do Tribunal de origem. Cuida-se do chamado prequestionamento implícito (cf. EREsp nº 181.682/PE, 144.844/RS e 155.321/SP). Sendo a hipótese dos autos, afasta-se a aplicabilidade da Súmula 356/STF para conhecer do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional.
3 - O servidor público que, quando ainda celetista, laborava em condições insalubres, tem o direito de averbar o tempo de serviço com aposentadoria especial, na forma da legislação anterior, posto que já foi incorporado ao seu patrimônio jurídico.
4 - Precedentes (REsp nºs 321.108/PB, 292.734/RS e 307.670/PB).5 - Recurso conhecido, nos termos acima expostos e, neste aspecto, provido para, reformando o v. acórdão de origem, julgar procedente o pedido do autor, ora recorrente, invertendo-se o ônus da sucumbência já fixados na r. sentença monocrática.
(RESP 434129 / SC - Relator Min. JORGE SCARTEZZINI - DJ em DJ DATA:17/02/2003)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PREQUESTIONAMENTO - ALCANCE DO INSTITUTO.
A exigência do prequestionamento não decorre de simples apego a determinada forma. A razão de ser está na necessidade de proceder a cotejo para, somente então, assentar-se o enquadramento do recurso no permissivo legal. Diz-se prequestionado determinado tema quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, contando a parte sequiosa de ver o processo guindado a sede extraordinária com remédio legal para compeli-lo a tanto - os embargos declaratórios. A persistência da omissão sugere hipótese de vício de procedimento. Configura-se deficiência na entrega da prestação jurisdicional, o que tem contorno constitucional, pois a garantia de acesso ao judiciário há que ser emprestado alcance que afaste verdadeira incongruência, ou seja, o enfoque de que, uma vez admitido, nada mais é exigível, pouco importando a insuficiência da atuação do estado-juiz no dirimir a controvérsia. Impor para configuração do prequestionamento, além da matéria veiculada no recurso, a referência ao número do dispositivo legal pertinente, extravasa o campo da razoabilidade, chegando às raias do exagero e do mero capricho, paixões que devem estar ausentes quando do exercício do ofício judicante. Recurso extraordinário - violação a lei. Tanto vulnera a lei o provimento judicial que implica exclusão do campo de aplicação de hipótese contemplada, como o que inclui exigência que se lhe mostra estranha. Recurso extraordinário - violação a lei - registro de candidatos ao senado - suplentes - par. 3. Do artigo 45 da constituição federal. Este dispositivo legal não disciplina o registro dos candidatos. Vulnera-o decisão que o tem como pertinente para, de forma peremptória, indeferir o registro de chapa em que apresentado apenas um suplente, pouco importando que a diligência objetivando a complementação respectiva esteja prevista em diploma legal de cunho ordinário. O desrespeito a este não serve à manutenção do esvaziamento dos direitos e garantias constitucionais explícitos e dos que decorrem dos princípios inseridos na lei maior.
(RE 128519/DF - RELATOR MINISTRO MARCO AURELIO - TRIBUNAL PLENO - DJ EM 08-03-91).
Dou por prequestionada a matéria versada nos art. 55, 3º e art. 143 da Lei 8.213/91, nos termos das razões de decidir.
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de acolher parcialmente os embargos declaratórios, com efeitos infringentes, para fins de prequestionamento e para sanar a omissão relativa à prescrição quinquenal, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10/03/2015
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001577-55.2010.404.7007/PR
ORIGEM: PR 50015775520104047007
INCIDENTE | : | EMBARGOS DE DECLARAÇÃO |
RELATOR | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto Strapason |
EMBARGANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMBARGADO | : | ACÓRDÃO |
INTERESSADO | : | NADIR ANTUNES BUENO |
ADVOGADO | : | ARNI DEONILDO HALL |
INTERESSADO | : | GERENTE EXECUTIVO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE FRANCISCO BELTRÃO - SOLANGE MENDES NOGUEIRA -MATR 0901200 |
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ACOLHER PARCIALMENTE OS EMBARGOS DECLARATÓRIOS, COM EFEITOS INFRINGENTES, PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO E PARA SANAR A OMISSÃO RELATIVA À PRESCRIÇÃO QUINQUENAL, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
: | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria
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