| D.E. Publicado em 05/04/2017 |
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016512-60.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
EMBARGANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMBARGADO | : | ACÓRDÃO DE FOLHAS |
INTERESSADO | : | ODETE DA SILVA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro |
EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. DESNECESSIDADE DE EXAME DE TODOS OS ARGUMENTOS ARTICULADOS PELA PARTE APELANTE. CARÁTER INFRINGENTE. PREQUESTIONAMENTO NUMÉRICO. INVIABILIDADE.
1. Os embargos de declaração são destinados a complementar o julgamento da ação, quando da existência de obscuridade, omissão ou contradição. Não tendo ocorrido nenhuma destas hipóteses é de ser rejeitado o recurso.
2. O acórdão não está obrigado a contemplar todos os argumentos articulados na apelação, mas apenas aqueles que têm relevância para o desate da controvérsia.
3. Os declaratórios não se prestam a rediscutir o mérito da causa.
4. A só referência a normas legais ou constitucionais, dando-as por prequestionadas, não significa decisão a respeito dos temas propostos; imprescindível que as teses desenvolvidas pelas partes, e importantes ao deslinde da causa, sejam dissecadas no julgamento, com o perfilhamento de posição clara e expressa sobre a pretensão deduzida.
5. Tendo o aresto embargado enfrentado e resolvido a questão devolvida, carecem de consistência as alegativas de omissão alardeadas.
6. De qualquer modo, inclusive para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, é de dar-se por prequestionada a matéria versada nos artigos indigitados pela parte embargante em seu recurso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher em parte os embargos declaratórios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de março de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8838806v2 e, se solicitado, do código CRC F6D040DF. | |
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| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 28/03/2017 19:50 |
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016512-60.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
EMBARGANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMBARGADO | : | ACÓRDÃO DE FOLHAS |
INTERESSADO | : | ODETE DA SILVA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro |
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos em face de acórdão ementado nos seguintes termos:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. DIREITO DE IGUALDADE. INCAPACIDADE LABORAL. BENEFÍCIOS DE INCAPACIDADE DE AUXÍLIO-DOENÇA E DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MODELO BIOMÉDICO, SOCIAL E INTEGRADO (BIOPSICOSSOCIAL) DA INCAPACIDADE.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
2. A compreensão da proteção constitucional social diante da incapacidade para o trabalho deve partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, deve-se ter presente a dignidade humana (CR, art. 1º, III), os direitos fundamentais da liberdade e da igualdade (art. 5º, caput), os direitos fundamentais sociais à saúde, ao trabalho e à previdência social (art. 6º), o fundamento da ordem econômica na valorização do trabalho humano (art. 170), o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e justiça sociais da ordem social (art. 193) e à cobertura dos eventos de doença, invalidez e idade avançada (art. 201, I), em sintonia com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).
3. A correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, resultante da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que acarretam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.
4. Não há possibilidade de considerar que um diagnóstico biomédico, por si só, conclua pela incapacidade, sem qualquer consideração social, como se fosse possível imaginar que qualquer diagnóstico médico existisse fora de determinado contexto histórico, onde inclusive a própria noção do que é saúde e do que é doença é forjada. Essa dissociação entre a dimensão biomédica e a social é rejeitada na compreensão ora exposta, inviabilizando um método decisório onde haja duas etapas distintas e complementares. No modelo integrado das dimensões biomédica e social o juízo sobre a incapacidade não pode separar tais dimensões.
5. No modelo integrado da compreensão da incapacidade esta é é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".
6. No caso dos autos, o laudo pericial indicou que a parte autora, faxineira e com 63 anos, possui artrose cervico lombar, razão pela qual é devido o benefício.
7. Termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo, uma vez evidenciado que a incapacidade estava presente àquela data.
8. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado.
9. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
10. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015.
11. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973 e 37 da CF/88.
Os declaratórios apontam contradição existente no julgado, ao argumento de que o laudo pericial não permite concluir pela existência de incapacidade laborativa, bem como efetivar o prequestionamento do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/91.
É o relatório.
VOTO
Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: a) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; b) suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; c) corrigir erro material (CPC/2015, art. 1.022, incisos I a III; CPC/1973, art. 535). Em hipóteses excepcionais, admite a jurisprudência emprestar-lhes efeitos infringentes.
A parte embargante sustenta que a decisão recorrida foi contraditória quanto ao reconhecimento da incapacidade laborativa da parte autroa, devendo ser revista.
Não antevejo na espécie, porém, qualquer das hipóteses legais de admissibilidade dos embargos de declaração em face do aresto, em cuja fundamentação há manifestação expressa acerca da questão controvertida pela parte embargante, verbis:
Mérito: modelo integrado biomédico e social da incapacidade
A compreensão da proteção constitucional social diante da incapacidade para o trabalho deve partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, deve-se ter presente a dignidade humana (CR, art. 1º, III), os direitos fundamentais da liberdade e da igualdade (art. 5º, caput), os direitos fundamentais sociais à saúde, ao trabalho e à previdência social (art. 6º), o fundamento da ordem econômica na valorização do trabalho humano (art. 170), o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e justiça sociais da ordem social (art. 193) e à cobertura dos eventos de doença, invalidez e idade avançada (art. 201, I).
Arrolados os princípios pertinentes ao âmbito de proteção constitucional, o próximo passo é compreender o que é incapacidade enquanto categoria jurídica, para o que é imprescindível visualizá-la como fenômeno socialmente relevante que o direito destaca e juridiciza.
Do mesmo modo que outros elementos da vida social juridicizados, os diversos conceitos veiculados pelo direito referem-se a determinadas realidades, cuja nomeação possibilita não-só sua percepção, como também atua decisivamente em sua dinâmica no mundo das relações sociais juridicizadas. Nessa medida, ao lidar com conceitos o jurista não pode fazê-lo na fria assepsia da abstração alheia ao mundo, ambiente onde carne e ossos habitam, em especial quando se persegue o significado de incapacidade para a proteção constitucional previdenciária.
Com efeito, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência, segurança e risco, são binômios que só ganham sentido a partir dos corpos inseridos no mundo onde habitam. Mundo esse gestado pela relação complexa entre as diversas esferas da vida pessoal, corporal, psíquica, social, política, laboral e cultural, onde uma dimensão constrói a outra e é por ela simultaneamente construída. Não há, de fato, existência humana fora do tempo e do espaço socialmente construídos e vividos. Daí que saúde e doença, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência só possam ser corretamente compreendidos no tempo histórico, que é sempre e necessariamente social.
Postas essas premissas, não há como interpretar os artigos 42 (um corpo humano concreto, historicamente "considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência" - nas palavras da lei) e 59 (um corpo humano concreto e histórico que "ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual" - igualmente na dicção legal) fora das coordenadas normativas constitucionais, fora da historicidade e da concretude.
Nesse quadro, não há conceituação juridicamente correta de incapacidade senão mediante a consideração conjunta da dimensão biomédica (aqui abrangendo também as avaliações psicológicas) e da dimensão social, uma vez que a falta de uma dessas dimensões inviabiliza no mundo concreto e na história onde tomam sentido e existência os conceitos e as realidades da saúde, da doença e da capacidade para o trabalho ou atividade habitual.
Com efeito, o debate sobre benefícios por incapacidade pode ser lido, dentre tantas formas, pelo destaque de alguns momentos: (1) a constatação dos limites estritamente biomédicos, (2) o desafio da fundamentação pela invocação de causas supralegais e (3) a invocação de analogia ou interpretação extensiva com o modelo constitucional da deficiência. Diante dessa evolução, aqui se sustenta, como fundamento jurídico para o reconhecimento do direito a benefícios relativos à incapacidade, um conceito juridicamente correto e adequado de incapacidade (4).
Em um primeiro momento, apercebeu-se a inadequação da compreensão da incapacidade, numa perspectiva estritamente biomédica, como "impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas, provocadas por doença ou acidente". Essa constatação levou à consideração de circunstâncias como idade e escolaridade do segurado (momento 2), denominadas nesse debate como "causas supralegais" (Rafael Machado de Oliveira, "Incapacidade biopsicossocial no Direito Previdenciário", disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/incapacidade-biopsicossocial-no-direito-previdenci%C3%A1rio, 31/08/2016).
Diante disso, num terceiro momento, invocou-se interpretação extensiva, assim como do recurso à analogia, como fundamentos para alcançar circunstâncias sociais que, em acréscimo à avaliação biomédica, levem eventualmente à conclusão pela proteção previdenciária por incapacidade (João Augusto Câmara da Silveira, "O conceito de incapacidade no âmbito do benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez", Revista Direito e Liberdade, disponível em http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/viewFile/711/640, 31/08/2016).
Nesse sentido, a propósito, a elaboração doutrinária e jurisprudencial que, passo a passo, consolidam a noção de "invalidade social", atentando para as circunstâncias de cada caso (idade, tipo de incapacidade, escolaridade, profissão, potencial agravamento, possibilidade de tratamento, risco na permanência na atividade, dentre outros) e valendo-se inclusive em analogia à proteção jurídica da deficiência, terreno onde a chamada abordagem biopsicossocial é juridicamente expressa e obrigatória.
A argumentação que fundamenta este voto diferencia-se das posições acimas resumidas. Nelas, o elemento central para a constatação da incapacidade é o diagnóstico médico de doença ou acidente que impossibilita o exercício de atividade profissional. A dimensão social terá relevância e será considerada quando acrescer elementos em situações onde, "a priori", o diagnóstico biomédico, por si só, não gera convencimento pela incapacidade e, daí, a situação exige maior investigação.
Na compreensão do conceito de incapacidade ora proposta afirma-se que não há possibilidade de considerar que um diagnóstico biomédico, por si só, conclua pela incapacidade, sem qualquer consideração social, como se fosse possível imaginar que qualquer diagnóstico médico existisse fora de determinado contexto histórico, onde inclusive a própria noção do que é saúde e do que é doença é forjada. Essa dissociação entre a dimensão biomédica e a social é rejeitada na compreensão ora exposta, inviabilizando um método decisório onde haja duas etapas distintas e complementares. No modelo integrado das dimensões biomédica e social o juízo sobre a incapacidade não pode separar tais dimensões.
No modelo integrado da compreensão da incapacidade essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".
Dois exemplos deixam isso bem claro: a biografia conhecida de Stephen Hawking e a história da homossexualidade.
Hawking é uma celebridade científica e até midiática mundial. Não somente graças à sua persistência, mas em especial pelo acesso a tratamento e equipamentos adequados, esse físico lecionou por anos e hoje é diretor de pesquisa em Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica da prestigiada Universidade de Cambridge, ostentando capacidade para a vida acadêmica profissional, com vasta produção contemporânea. Sua história é exemplo vivo de como a "impossibilidade de desempenho", mesmo diante de doença tão severa (esclerose lateral amiotrófica) não pode ser, por si só, dissociada do contexto social, conclusiva pela incapacidade. A dimensão social, portanto, é decisiva para avaliar a "impossibilidade para desempenho", elemento nuclear do conceito de incapacidade.
A homossexualidade, enquanto orientação sexual, até pouco tempo atrás, provocou diagnósticos onde a terapia era a internação compulsória (isso para não falar da insistência de alguns ainda hoje querem considerá-la doentia, ao ponto de defenderem recursos públicos para terapias de saúde "de conversão"). A mesma pessoa, com a mesma corporalidade e psiquismo, alguns anos atrás diagnosticada com grave distúrbio, estigmatizada até como ameaça à sociedadel hoje é considerada distante de qualquer patologia. A dimensão social, portanto, é decisiva não-somente para avaliar "a impossibilidade de desempenho", mas também para interpretar o outro elemento nuclear do conceito de incapacidade, qual seja, "impossibilidade de desempenho provocada por doença".
Assentar um modelo integrado de compreensão da incapacidade não significa colocar em questão todo e qualquer diagnóstico médico conclusivo e, tantas vezes na prática, indisputável quanto à incapacidade de alguém. Trata-se de explicitar que a evidência da incapacidade medicamente atestada de alguém totalmente imobilizado (por esclerose, por exemplo) produz-se porque está (corretamente) implícito que, em tais circunstâncias presumidas ou demonstradas, efetivamente tão elevado grau de imobilidade gera a situação, para aquele indivíduo, social e historicamente situado, de incapacidade como impossibilidade de desempenho para atividades que garantam a subsistência.
Expostos esses fundamentos, conclui-se que a correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento do segurado.
Acrescento mais alguns exemplos.
Hipótese nítida de aplicação do modelo integrado da incapacidade é a de mulher de idade avançada, com baixa escolaridade, impossibilitada fisicamente para serviços domésticos remunerados, em contexto social onde eventual tentativa de reabilitação ver-se-ia frustrada por crise no mercado de trabalho, associada ou não à carência de serviços públicos de educação. Como é fácil de ver, alegar que do ponto de vista médico tal segurada poderia desempenhar atividade escriturária seria desconhecer a abordagem biopsicossocial com prejuízo concreto e grave à segurada e frustração do dever constitucional de proteção social.
O mesmo se concluiria diante de alegação de capacidade para labor rural por segurada portadora de algumas limitações, à consideração de que as atividades rurais desempenhadas por mulheres são mais leves. O modelo social, ao revelar precisamente o contrário (a carga de trabalho rural feminino é mais pesada que a masculina), fornece conclusão oposta, vale dizer, pela presença de incapacidade.
O modelo integrado, ademais, abre espaço para concluir pela incapacidade em hipótese onde, apesar de parecer biomédico atestar taxativamente pela capacidade atual de segurado, as condições sociais concretas e disponíveis em que desempenha sua função acarretem, de modo previsível e plausível, dano efetivo à saúde, considerando o seu estado atual e as barreiras que enfrenta.
Por outro lado, o modelo social abre espaço para concluir pela capacidade para o trabalho sempre que, não obstante alguma limitação, o indivíduo tiver à sua disposição meios socialmente acessíveis, que lhe permitam desempenhar adequadamente e sem prejuízo à saúde as funções atinentes à sua ocupação.
Não por acaso, a compreensão jurídica vigente da deficiência, tanto na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.472/1993, com a redação da Lei nº 12.435/2011), como na Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência), quanto na Lei Complementar nº 142/2013 (sobre a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada no RGPS), adotam essa abordagem biopsicossocial, cujo fundamento maior se encontra na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao direito brasileiro com estatura constitucional.
Nessa linha, salientando os deveres constitucionais de proteção envolvidos na apreciação jurídica dessa questão, transcrevo as ponderações do Juiz Federal Marcelo Cardozo da Silva, apresentadas em sessão de julgamento (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006808-86.2016.4.04.9999/RS):
"O conteúdo normativo do conceito de incapacidade laboral, atrelado às exigências constitucionais de suficiência de cobertura previdenciária para os casos de doença e invalidez, gera múltiplas considerações para a análise jurídica:
a) considerações a partir do preceito da proporcionalidade enquanto proibição de insuficiência dos deveres de proteção, visando-se a verificar se o conceito jurídico de incapacidade laboral atualmente empregado pela política pública, basilar para a conseqüência jurídica da proteção social exigida pelo artigo 201, I, da Constituição, atende às exigências constitucionais de cobertura, que, por seu turno, encontra-se normativamente amalgamada com outros princípios veiculadores de direitos fundamentais (saúde, trabalho, assistência aos desamparados - artigo 6º, caput, da Constituição);
b) considerações sobre as relações normativas, de possível intersecção, entre o conceito de incapacidade laboral e o conceito de deficiência, previsto no Artigo 2º da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que é integrador dos modelos médico e social; referida Convenção, porque internalizada ao direito brasileiro pelo procedimento previsto no artigo 5º, parágrafo 3º, da Constituição, apresenta status constitucional;
c) considerações sobre se o conceito de incapacidade laboral adotado pela política pública previdenciária, porque fundado essencialmente em alterações morfopsicofisiológicas padecidas pelo corpo, gera ofensa ao princípio da igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição) por possível discriminação institucional contra grupos socialmente vulneráveis, por exemplo, contra idosos, boias-frias (artigo 3º, IV, da Constituição).
Tem-se, assim, como possível que o atual conceito de incapacidade laboral empregado pela Previdência Social, sustentado em um modelo essencialmente médico que se cinge a uma apreciação da correlação entre alterações morfopsicofisiológicas padecidas e a impossibilidade de realização de funções específicas de uma atividade ou ocupação por parte do segurado, apresenta-se como provavelmente antijurídico, pois que não englobante da complexa relação de interação existente entre: i) doenças/incapacidades/disfuncionalidades; ii) profissão ou ocupação; e iii) barreiras sociais e fatores pessoais que possam obstruir a plena e efetiva participação do segurado, em condições de igualdade, no mercado de trabalho.
Por consequência, também há se questionar a suficiência do sistema probatório empregado pela política pública (e, em larga escala, em Juízo também) para fins de averiguação de alegações de incapacidade laboral, pois que fundado exclusivamente em perícias médicas, que têm, como base de perquirição, à evidência, questionamentos próprios do modelo médico.
Portanto, caso se venha a adotar um modelo integrado médico e social para averiguação da incapacidade laboral, há a necessidade de alteração do paradigma probatório para abarcar também os questionamentos do modelo social, tal como, aliás, deu-se no âmbito da conceituação de deficiência a partir da internalização da Convenção das Pessoas com Deficiência, que gerou, no INSS, a construção de um modelo de perícias médicas/sociais integrado para fins de aplicação da Lei Complementar 142/2013, com o desenvolvimento e utilização, tomando-se por base a Classificação Internacional de Funcionalidades (CIF) da Organização Mundial da Saúde, do Índice de Funcionalidade Brasileiro (IF-BrA).
3. O modelo integrado médico/social de incapacidade laboral não necessariamente exigirá, em todos os casos, a realização de perícias sociais.
De fato, há alterações morfopsicofisiológicas que já trazem em si possíveis (para não se dizer lógicas) conclusões sobre uma situação de incapacidade laboral. Nesses casos, não haveria necessidade de realização de pericial social integrada específica, pois que as respostas às indagações, que por ela seriam trazidas, já seriam, de antemão, conhecidas.
Em verdade, a integração dos modelos médico/social exigiria a realização de atividades periciais integradas (médica e social) exatamente naquelas hipóteses em que, das condições pessoais e sociais do segurado, consideradas suas específicas atividades laborais, formação, idade, barreiras sociais, possam provir previsões, fundadas em evidências, de que esteja a vivenciar incapacidade laboral."
Do caso concreto
A presente ação foi distribuída em 19/06/2013 no Juízo Estadual de Torres/RS, com pedidos atinentes a benefícios por incapacidade.
No que diz respeito ao requisito da incapacidade, durante a instrução processual, foram realizadas duas perícias judiciais (fls. 26/44 e 61/62). A primeira, efetuada em 03/12/2013, conduzida pelo médico Carlos Rippa Maltz, especialista em Ortopedia e Traumatologia, atestou ser a parte autora portadora de artrose cervico lombar (CID M54.5, M54.2 e M71.1), afastando, porém, a existência de incapacidade para as atividades laborativas. A segunda, executada em 17/12/2014, conduzida pela médica Tamara Mucenic, especialista em Reumatologia, atestou não ser a parte autora portadora de qualquer doença incapacitante, apenas apresentando degenerações leves e fraturas simples já consolidadas, sem sequelas, negando a existência de incapacidade para as atividades laborativas.
Todavia, limitar-se a tal análise biomédica seria incongruente com o conteúdo normativo do direito à proteção social por incapacidade laboral, conforme a compreensão acima delineada.
Deste modo, cuidando-se de trabalhadora em atividade eminentemente braçal (faxineira), com idade avançada (63 anos), há que se indagar quais as efetivas possibilidades de trabalho e renda, mormente em contextos de crise econômica (veja-se o crescimento nos últimos tempos dos índices de desemprego e a queda dos rendimentos vinculados ao trabalho no país).
Considerando esse cenário, a sentença recorrida comporta reforma, a fim de que se reconheça à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez a contar da data do requerimento administrativo, já que a documentação médica disponível nos autos (fls. 12-17) revela o quadro incapacitante à época do pedido encaminhado ao INSS.
A meu sentir, está configurado, na hipótese, o indisfarçável propósito de abrir debate acerca dos fundamentos do julgado, o que, à evidência toda, é incabível neste momento. Então, se a inconformidade veiculada guarda nítidos contornos infringentes e a pretensão de declarar o aresto, consoante as previsões legais, vem travestida da intenção de alcançar a reforma do julgado, o que demandaria o uso da via recursal adequada, devem ser rejeitados, no tópico, os declaratórios.
Registra a jurisprudência:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO. OMISSÃO. OBSCURIDADE. ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE EXAME DE TODOS OS ARGUMENTOS ARTICULADOS PELO APELANTE. CARÁTER INFRINGENTE. PREQUESTIONAMENTO NUMÉRICO. INVIABILIDADE. 1. Os embargos de declaração são destinados a complementar o julgamento da ação, quando da existência de obscuridade, omissão ou contradição. Não tendo ocorrido nenhuma destas hipóteses é de ser rejeitado o recurso. 2. O acórdão não está obrigado a contemplar todos os argumentos articulados na apelação, mas apenas aqueles que têm relevância para o desate da controvérsia. 3. Os declaratórios não se prestam a rediscutir o mérito da causa. 4. Sendo a missão constitucional da jurisdição recursal extraordinária julgar as causas decididas em única ou última instância (art. 102, III e 105, III, ambos da Carta da República), a só referência a normas legais ou constitucionais, dando-as por prequestionadas, não significa decisão a respeito dos temas propostos; imprescindível que as teses desenvolvidas pelas partes, e importantes ao deslinde da causa, sejam dissecadas no julgamento, com o perfilhamento de posição clara e expressa sobre a pretensão deduzida. 5. Tendo o aresto embargado enfrentado e resolvido a questão devolvida, carecem de consistência as alegativas alardeadas. 6. De qualquer modo, inclusive para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, é de dar-se por prequestionada a matéria versada nos artigos indigitados pela parte embargante em seu recurso. (TRF4, EDAC 5052077-06.2011.404.7100, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Luiz Carlos de Castro Lugon, juntado aos autos em 01/09/2014)
Sobre o prequestionamento dos dispositivos legais relacionados, creio não haver voz dissonante nesta Corte, bem assim naquelas superiores, do entendimento de que importa é que o acórdão debata, discuta e adote entendimento explícito sobre a questão federal ou constitucional, desnecessária a individualização numérica dos artigos em que se funda o decisório. Isso porque, sendo a missão constitucional da jurisdição recursal extraordinária julgar as causas decididas em única ou última instância (art. 102, III e 105, III, ambos da Carta da República), a só referência a normas legais ou constitucionais, dando-as por prequestionadas, não significa decisão a respeito dos temas propostos; imprescindível que as teses desenvolvidas pelas partes, importantes ao deslinde da causa, sejam dissecadas no julgamento, com o perfilhamento de posição clara e expressa sobre a pretensão deduzida.
O prequestionamento numérico, então, é dispensado pela jurisprudência, como exemplificam as decisões que seguem:
ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITO ADQUIRIDO - AFRONTA À LICC - IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO - APOSENTADORIA - EX-CELETISTA - ATIVIDADE INSALUBRE - AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO - POSSIBILIDADE - PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO.
1 - No tocante ao art. 6º, da LICC, após a Constituição Federal de 1988, a discussão acerca da contrariedade a este dispositivo adquiriu contornos constitucionais, inviabilizando-se sua análise através da via do Recurso Especial, conforme inúmeros precedentes desta Corte (AG.REG. em AG nº 206.110/SP, REsp nº 158.193/AM, AG.REG. em AG nº 227.509/SP).
2 - Este Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento, mediante sua Corte Especial, no sentido de que a violação a determinada norma legal ou dissídio sobre sua interpretação não requer, necessariamente, que tal dispositivo tenha sido expressamente mencionado no v. acórdão do Tribunal de origem. Cuida-se do chamado prequestionamento implícito (cf. EREsp nº 181.682/PE, 144.844/RS e 155.321/SP). Sendo a hipótese dos autos, afasta-se a aplicabilidade da Súmula 356/STF para conhecer do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional.
3 - O servidor público que, quando ainda celetista, laborava em condições insalubres, tem o direito de averbar o tempo de serviço com aposentadoria especial, na forma da legislação anterior, posto que já foi incorporado ao seu patrimônio jurídico.
4 - Precedentes (REsp nºs 321.108/PB, 292.734/RS e 307.670/PB).5 - Recurso conhecido, nos termos acima expostos e, neste aspecto, provido para, reformando o v. acórdão de origem, julgar procedente o pedido do autor, ora recorrente, invertendo-se o ônus da sucumbência já fixados na r. sentença monocrática.
(RESP 434129 / SC - Relator Min. JORGE SCARTEZZINI - DJ em DJ DATA:17/02/2003)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PREQUESTIONAMENTO - ALCANCE DO INSTITUTO.
A exigência do prequestionamento não decorre de simples apego a determinada forma. A razão de ser está na necessidade de proceder a cotejo para, somente então, assentar-se o enquadramento do recurso no permissivo legal. Diz-se prequestionado determinado tema quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, contando a parte sequiosa de ver o processo guindado a sede extraordinária com remédio legal para compeli-lo a tanto - os embargos declaratórios. A persistência da omissão sugere hipótese de vício de procedimento. Configura-se deficiência na entrega da prestação jurisdicional, o que tem contorno constitucional, pois a garantia de acesso ao judiciário há que ser emprestado alcance que afaste verdadeira incongruência, ou seja, o enfoque de que, uma vez admitido, nada mais é exigível, pouco importando a insuficiência da atuação do estado-juiz no dirimir a controvérsia. Impor para configuração do prequestionamento, além da matéria veiculada no recurso, a referência ao número do dispositivo legal pertinente, extravasa o campo da razoabilidade, chegando às raias do exagero e do mero capricho, paixões que devem estar ausentes quando do exercício do ofício judicante. Recurso extraordinário - violação a lei. Tanto vulnera a lei o provimento judicial que implica exclusão do campo de aplicação de hipótese contemplada, como o que inclui exigência que se lhe mostra estranha. Recurso extraordinário - violação a lei - registro de candidatos ao senado - suplentes - par. 3. Do artigo 45 da constituição federal. Este dispositivo legal não disciplina o registro dos candidatos. Vulnera-o decisão que o tem como pertinente para, de forma peremptória, indeferir o registro de chapa em que apresentado apenas um suplente, pouco importando que a diligência objetivando a complementação respectiva esteja prevista em diploma legal de cunho ordinário. O desrespeito a este não serve à manutenção do esvaziamento dos direitos e garantias constitucionais explícitos e dos que decorrem dos princípios inseridos na lei maior.
(RE 128519/DF - RELATOR MINISTRO MARCO AURELIO - TRIBUNAL PLENO - DJ EM 08-03-91).
De qualquer modo, objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, dou por prequestionado o dispositivo legal apontado pela parte embargante, nos termos das razões de decidir
Ante o exposto, voto por acolher em parte os declaratórios, tão somente para o fim de prequestionamento.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016512-60.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00064979520138210072
INCIDENTE | : | EMBARGOS DE DECLARAÇÃO |
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | ODETE DA SILVA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/03/2017, na seqüência 622, disponibilizada no DE de 09/03/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ACOLHER EM PARTE OS DECLARATÓRIOS, TÃO SOMENTE PARA O FIM DE PREQUESTIONAMENTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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