| D.E. Publicado em 10/11/2015 |
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 0025498-37.2014.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
EMBARGANTE | : | HELENA MUHL KNUTZEN |
ADVOGADO | : | Carla Perazzoli Bonato |
: | Renata Zeni | |
EMBARGADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. DESCONSTINUIDADE. PERÍODOS INTERCALADOS DE TRABALHO URBANO.
. A partir da jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte, quanto aos conceitos de descontinuidade do trabalho rural e de período imediatamente anterior ao requerimento, bem como de uma ótica constitucional na superação da redação paradoxal do art. 39, I, da Lei nº 8.213/91, é possível o cômputo de períodos intercalados de trabalho rural para a implementação da carência exigida para a concessão de aposentadoria rural por idade.
. O desempenho de atividade rural no último período reconhecido, de 2005 a 2013, evidencia que a autora de fato voltou a viver do trabalho rural, readquirindo a condição de segurada especial, viabilizando a concessão do benefício, haja vista que, em época pretérita, de 1969 a 1984 e de 1987 a 1994 também desempenhou atividade rural, totalizando mais de 33 anos na data do implemento do requisito etário.
. Tendo desempenhado atividade rural em tempo superior àquele estabelecido como carência, ainda que descontinuamente, mas, voltando a viver do trabalho rural, em período superior a 1/3 da carência exigida para o benefício pretendido, em momento imediatamente anterior ao requerimento, faz jus ao benefício de aposentadoria rural por idade.
. Evidenciado, pela prova carreada aos autos, que a vida produtiva da autora foi eminentemente dedicada às lides rurais, não se lhe pode indeferir a aposentadoria em virtude do exercício intercalado de trabalho urbano, embora por tempo prolongado.
. Mais do que a fixação de prazos rígidos a limitar o período de afastamento aceitável do labor rural na consideração do implemento do requisito carência, importante sopesar as circunstâncias do caso concreto das quais emergirá a convicção segura no sentido de que o retorno ao meio rural teve como finalidade a garantia da sobrevivência, não configurando mera artimanha para forjar a satisfação dos requisitos legais à concessão do benefício previdenciário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de outubro de 2015.
Juiz Federal LUIZ ANTÔNIO BONAT
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal LUIZ ANTÔNIO BONAT, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7890023v2 e, se solicitado, do código CRC 4E0CEBBB. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Luiz Antônio Bonat |
| Data e Hora: | 29/10/2015 18:34 |
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 0025498-37.2014.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
EMBARGANTE | : | HELENA MUHL KNUTZEN |
ADVOGADO | : | Carla Perazzoli Bonato |
: | Renata Zeni | |
EMBARGADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de embargos infringentes opostos em face de acórdão com o seguinte teor:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. BOIA-FRIA. ATIVIDADE RURAL. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS. 1. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea. 2. Não comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei n. 8.213/91), é indevido o benefício de aposentadoria por idade rural."
Pretende a embargante a prevalência do voto vencido ao argumento de que é possível o cômputo do tempo de serviço rural descontínuo para a implementação da carência necessária à aposentadoria rural por idade.
É o relatório.
VOTO
Quanto à comprovação da atividade rural no período de carência, no voto condutor do acórdão da lavra da Des. Federal Vânia Hack de Almeida, constou:
Do trabalho rural no caso concreto
Tendo a parte autora implementado o requisito etário em 29/07/2012 e requerido o benefício em 19/04/2013, deve comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 meses anteriores aos respectivos marcos indicados.
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental -Súmula 73 do TRF 4ª Região). Ressalta-se, ainda, que o início de prova material deve ser complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, e Súmula 149 do STJ.
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de bóia-fria, caso dos autos, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao bóia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Nesse sentido, como início de prova material do labor rural, juntou a parte autora os seguintes documentos:
1) Certidão de casamento da autora, datada de 22/05/1987, em que seu esposo, "Leocadio Anildo Knutzen", aparece qualificado como "agricultor" (fl.17);
2) Certidão de casamento dos pais da autora, "José Nelson Mühl" e "Maria Grespan", datada de 26/05/1956, em que o pai da autora aparece qualificado como "agricultor" (fl.18);
3) Certidão de óbito de "José Nelson Mühl", pai da autora, datada de 13/06/2002, em que consta o nome da autora (fl.19);
4) Pedido de inscrição como produtor, em nome de "José Nelson Mühl", datado de 11/07/1958, em que o pai da autora informa que sua atividade principal é a agricultura (criação de suínos) (fl.21);
5) Ficha cadastral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carazinho, datada de 06/07/1971, em nome do pai da requerente, em que o mesmo aparece qualificado como "agricultor" e com contribuições durante os anos de 1974 a 19995 (fl. 22-23);
6) Notas fiscais em nome do pai da autora, referentes aos anos de 1977 e 1980 (fl.23-23verso)
7) Pedido de inscrição de produtor, expedido pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, em nome do pai da autora, datado de 15/03/1977 (fl.25);
8) Notas fiscais em nome do pai da requerente, referentes aos anos de 1976, 1980, 1983, 1984, 1986, 1987, 1989(fls. 26-33 e 40);
9) Certificado de cadastro de imóvel rural em nome da autora, datada de 19/03/2013, referente aos anos de 2006 a 2009 (fl. 34);
10) Notas fiscais em nome de "Leocadio Anildo Knutzen", marido da autora, referentes aos anos de 1980, 1992 a 1994 (fls. 32-39);
11) Certidão de óbito em nome de "Leocadio Anildo Knutzen", datada de 14/06/1997, em que o mesmo aparece qualificado como "agricultor" (fl. 42);
12) Notas fiscais em nome da autora, referentes aos anos de 2001, 2005 a 2013 (fls. 43-59);
13) Ofício de registro de imóveis em nome da autora, referente ao pagamento de sua propriedade (fração de terras) datado de 2003 (fl. 62);
14) Extrato do INFBEN em que consta a informação de que a autora é beneficiária de pensão por morte desde 14/06/1997 (fl. 64)
A prova testemunhal foi colhida em audiência de instrução, nos seguintes termos (fls. 101-103):
A testemunha David Jacomelli, afirmou que conhece a autora desde criança; que não sabe informar quantos anos tinha quando conheceu a autora; que a autora sempre trabalhou com os pais, em casa, no município de Segredo; que a autora morou em Segredo até o seu casamento; que não sabe informar com qual idade a autora casou (acima de 20 anos); que após sair de Segredo não sabe onde a autora foi trabalhar; que quando morava com os pais, plantavam milho, soja... tudo de forma manual; que as terras eram do pai da autora; que tinham 14 ou 15 hectares; que a família toda auxiliava no sustento da casa; que não tinham outra fonte de renda fora a agricultura; que a autora tinha 9 ou 10 irmãos; que a autora ia de manhã para a aula e de tarde trabalhavam.
A testemunha Mauri Aires, afirmou que conhece a autora desde pequeno pois eram colegas de aula; desde 7 ou 8 anos; que a autora ia para a escola de manhã; que a autora plantava milho, feijão e até arroz, que plantavam pouco soja; que as terras eram dos pais da autora, uma pequena propriedade; devia ter uns 15 hectares; que não possuíam empregados, somente os familiares; que os vizinho às vezes trocavam serviço, como forma de ajudar os vizinhos; que a autora não tinha maquinário; que a autora foi sua vizinha até o casamento; que a autora devia ter uns 25 ou 26 anos.
A testemunha Ynacio Maldaner, afirmou que a autora era sua vizinha; que conheceu a autora após o casamento, quando a autora foi morar com seu marido e sua sogra, na Linha Santana; que a autora trabalhava na lavourinha, com vaca de leite; que a autora auxiliava em tudo, tanto em casa quanto na lavoura; que a autora tirava leite diariamente, que o trabalho na safra era direto, sempre no serviço; que as terras eram do marido e da sogra da autora; que devia ser em torno de 20 hectares; que não possuíam empregados; que a autora ficou na região durante uns 4 ou 5 anos; que foi após o casamento; que posteriormente saíram de lá mas não sabe onde foram morar; que a autora retornou para as terras da sogra, posteriormente; que não possuem empregados; que não arrendam as terras pois moram e trabalham ali.
A testemunha Romilda Ellwanger, afirmou que a autora é sua vizinha; que conhece a autora desde quando ela era casada e morava em Linha Santana; que a autora sempre trabalhou com o marido e sua sogra, na lavoura; que as terras eram de sua sogra, em torno de 18 ou 20 hectares; que nunca tiveram empregados, e possuíam apenas um tratorzinho que o seu marido lidava; que não tinham outra fonte de renda; que só lidavam com lavoura e vaca de leite; que a autora é sua vizinha e trabalha na agricultura até hoje; que a autora mora nas terras de sua falecida sogra, com o cunhado e a cunhada; que todos trabalham na lavoura; que a autora ajuda na lavoura e com as vacas de leite até hoje; que a autora é vizinha da depoente e elas desempenham as mesmas atividades.
No entanto, alegou o INSS que há a insuficiência da prova material referente ao período de carência, um dos requisitos para a concessão do benefício postulado. De fato, conforme a prova juntada aos autos, a autora esteve afastada das lides rurais nos períodos de 1994 a 1997 e de 2000 a 2005, conforme a própria petição inicial informa (fl.12). Portanto, tenho que merece acolhida o recurso da autarquia, reformando-se a sentença.
O Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, vencido, entendeu possível o cômputo de períodos intercalados de trabalho rural e concedeu aposentaria rural por idade ao embargante pelos seguintes fundamentos:
Como ressaltado pela Relatora, foram apresentados documentos que se prestam como início de prova material. A prova testemunhal, por sua vez, é precisa e convincente acerca do trabalho rural desempenhado pelo autor nos períodos que objetiva comprovar.
Nega a Relatora o direito à aposentadoria rural por idade porque, em que pese tenha a parte requerente comprovado o trabalho rural, é impossível somar, para efeitos de carência, os referidos períodos de labor rural, tendo em vista haver longo intervalo de tempo entre eles.
Peço vênia para divergir.
Em julgamentos mais antigos adotei o entendimento de que a Lei 8.213/91 até admite a descontinuidade da atividade rural para fins de concessão de aposentadoria por idade, mas seria inviável a soma de períodos antigos de atividade rural com período mais recente para fins de implementação do lapso equivalente à carência, haja vista a necessidade de prova de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento ou ao implemento do requisito etário.
Melhor refletindo sobre a matéria, tenho que conclusão diversa se impõe.
Assim estabelece o artigo 143 da Lei 8.213/91, que estabeleceu regra transitória para a concessão de aposentadoria rural por idade (observe-se que teve sua vigência prorrogada até 31/12/2010 - v. artigo 2º da Lei 11.718, 20/06/2008):
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. (Redação dada pela Lei nº. 9.063, de 1995) (Vide Medida Provisória nº 410, de 2007). (Vide Lei nº 11.718, de 2008)
Como regra permanente no que toca aos segurados especiais, a Lei 8.213/91 estabeleceu em seu artigo 39:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou
II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.
Para os segurados especiais, portanto, foi assegurada a concessão de aposentadoria por idade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprovado o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido.
Avultam dois questionamentos relevantes na análise do direito à aposentadoria rural dos segurados especiais: como deve ser conceituada a descontinuidade e o que deve ser considerado período imediatamente anterior.
Quanto à segunda questão (comprovação de atividade no período imediatamente anterior), o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de apreciá-la. Segue precedente da 3ª Seção do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS: IDADE E COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE AGRÍCOLA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. ARTS. 26, I, 39, I, E 143, TODOS DA LEI N. 8.213/1991. DISSOCIAÇÃO PREVISTA NO § 1º DO ART. 3º DA LEI N. 10.666/2003 DIRIGIDA AOS TRABALHADORES URBANOS. PRECEDENTE DA TERCEIRA SEÇÃO.
1. A Lei n. 8.213/1991, ao regulamentar o disposto no inc. I do art. 202 da redação original de nossa Carta Política, assegurou ao trabalhador rural denominado segurado especial o direito à aposentadoria quando atingida a idade de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher (art. 48, § 1º).
2. Os rurícolas em atividade por ocasião da Lei de Benefícios, em 24 de julho de 1991, foram dispensados do recolhimento das contribuições relativas ao exercício do trabalho no campo, substituindo a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola (arts. 26, I e 39, I).
3. Se ao alcançar a faixa etária exigida no art. 48, § 1º, da Lei n. 8.213/91, o segurado especial deixar de exercer atividade como rurícola sem ter atendido a regra de carência, não fará jus à aposentação rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.
4. Caso os trabalhadores rurais não atendam à carência na forma especificada pelo art. 143, mas satisfaçam essa condição mediante o cômputo de períodos de contribuição em outras categorias, farão jus ao benefício ao completarem 65 anos de idade, se homem, e 60 anos, se mulher, conforme preceitua o § 3º do art. 48 da Lei de Benefícios, incluído pela Lei nº 11.718, de 2008.
5. Não se mostra possível conjugar de modo favorável ao trabalhador rural a norma do § 1º do art. 3º da Lei n. 10.666/2003, que permitiu a dissociação da comprovação dos requisitos para os benefícios que especificou: aposentadoria por contribuição, especial e por idade urbana, os quais pressupõem contribuição.
6. Incidente de uniformização desprovido.
(Pet 7476 / PR. PETIÇÃO. 2009/0171150-5. Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Relator p/ Acórdão Ministro JORGE MUSSI. Órgão Julgador. S3 - TERCEIRA SEÇÃO. Data do Julgamento: 13/12/2010)
Para a Corte uniformizadora, como se vê, somente tem direito à aposentadoria por idade como trabalhador rural aquele que está desempenhando atividade rural quando do implemento dos requisitos. Inviável a aplicação, ao benefício rural, do entendimento pertinente à aposentadoria urbana por idade, segundo o qual os requisitos para a concessão do benefício não necessitam ser preenchidos simultaneamente.
Resta em aberto a questão da descontinuidade. O que seria descontinuidade? Seria admissível descontinuidade com perda da condição de segurado?
Durante muito tempo predominou nesta Corte o entendimento de que a descontinuidade somente seria admitida quando não superados os prazos de período de graça previstos no artigo 15 da Lei 8.213/91.
A revisão da orientação se impõe, o que, a propósito, já ocorreu na 5ª Turma deste Tribunal.
Ao segurado urbano há muito é admitida pela jurisprudência (e agora consagrado na legislação de regência) a soma de períodos de trabalho, independentemente da perda da condição de segurado, para fins de concessão de aposentadoria por idade. Não há razão para se negar isso ao segurado rural, mormente em se considerando que já lhe é vedada a obtenção de benefício mediante implemento não simultâneo dos requisitos atividade/idade mínima, consoante precedente do Superior Tribunal de Justiça acima mencionado.
A adoção de entendimento restritivo quanto ao conceito de descontinuidade acaba por deixar ao desamparo segurados que desempenharam longos períodos de atividade rural, mas por terem intercalado períodos significativos de atividade urbana ou mesmo de inatividade, restam excluídos da proteção previdenciária.
Choca-se com a Constituição Federal interpretação conducente a desvalorizar o trabalho, que é um de seus valores fundantes (art. 1º, IV, da CF). Ademais, a previdência é um direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal, e o artigo 7º, XIV do mesmo Diploma assegura, sem restrições, direito à aposentadoria ao trabalhador rural. Não fosse isso, atenta contra o princípio da universalidade (art. 194, I, da CF), recusar o direito à aposentadoria ao trabalhador rural que exerceu sua atividade por longo período, a partir de um conceito restritivo de descontinuidade.
Nessa linha, ainda que não se possa afastar a necessidade de comprovação de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, pois isso é expressamente exigido pela Lei 8.213/91, e já foi também afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, não tendo a legislação estabelecido um conceito de descontinuidade, deve a definição desta categoria ser obtida à luz dos princípios constitucionais informadores do regime jurídico previdenciário. E, nesse sentido, não sendo a norma claramente restritiva, a interpretação a ser extraída, conquanto possa estabelecer condicionamentos, não pode inviabilizar o direito dos segurados rurais.
Tenho, assim, que havendo prova de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior, deve ser admitido o direito ao benefício com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigido pela legislação de regência.
Isso, a propósito, é o que estabelecem os artigos 144, 145 e 148 da Instrução Normativa INSS/PRES 45, de 06/08/2010:
Capítulo VI - Das prestações em geral
Seção I - Da carência
.....
Art. 144. Para o segurado especial que não contribui facultativamente, o período de carência de que trata o § 1º do art. 26 do RPS é contado a partir do efetivo exercício da atividade rural, mediante comprovação, na forma do disposto no art. 115.
Art. 145. No caso de comprovação de desempenho de atividade urbana entre períodos de atividade rural, com ou sem perda da qualidade de segurado, poderá ser concedido benefício previsto no inciso I do art. 39 e art. 143, ambos da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumpra o número de meses de trabalho idêntico à carência relativa ao benefício, exclusivamente em atividade rural, observadas as demais condições.(grifei)
Parágrafo único. Na hipótese de períodos intercalados de exercício de atividade rural e urbana, observado o disposto nos arts. 149 e 216, o requerente deverá apresentar um documento de início de prova material do exercício de atividade rural após cada período de atividade urbana.
....
Art. 148. Para fins de concessão dos benefícios devidos ao trabalhador rural previstos no inciso I do art. 39 e art. 143, ambos da Lei nº 8.213, de 1991, considera-se como período de carência o tempo de efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, correspondente ao número de meses necessários à concessão do benefício requerido, computados os períodos a que se referem os incisos III a VIII do § 5º do art. 7º, observando-se que:
I - para a aposentadoria por idade prevista no art. 215 do trabalhador rural empregado, contribuinte individual e especial será apurada mediante a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou, conforme o caso, no mês em que cumprir o requisito etário, computando-se exclusivamente, o período de natureza rural; e
II - para o segurado especial e seus dependentes para os benefícios de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão por morte, auxílio-reclusão e salário-maternidade, a apuração da atividade rural será em relação aos últimos doze meses ou ao evento, conforme o caso, comprovado na forma do § 3º do art. 115.
Parágrafo único. Entende-se como forma descontínua os períodos intercalados de exercício de atividades rurais, ou urbana e rural, com ou sem a ocorrência da perda da qualidade de segurado, observado o disposto no art. 145.(grifei)
Por outro lado, os artigos 214 e 215 da mesma IN 45/2010 estatuem:
Capítulo IV - Das prestações em geral
Seção IV - Dos benefícios
Subseção II - Da aposentadoria por idade
....
Art. 214. A aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11 da Lei nº 8.213, de 1991, será devida para o segurado que, cumprida a carência exigida, completar sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos, se mulher.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, o trabalhador rural deverá comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, ou, conforme o caso, ao mês em que cumpriu o requisito etário, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência exigida.
§ 2º Os trabalhadores rurais referidos no caput, que não atendam o disposto no § 1º deste artigo, mas que satisfaçam a carência exigida computando-se os períodos de contribuição sob outras categorias, inclusive urbanas, farão jus à aposentadoria por idade ao completarem sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher, observado o § 3º do art. 174.
Art. 215. Para fins de aposentadoria por idade prevista no inciso I do art. 39 e art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991 dos segurados empregados, contribuintes individuais e especiais, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e no inciso VII do art. 11 do mesmo diploma legal, não será considerada a perda da qualidade de segurado os intervalos entre as atividades rurícolas, devendo, entretanto, estar o segurado exercendo a atividade rural ou em período de graça na DER ou na data em que implementou todas as condições exigidas para o benefício.(grifei)
Parágrafo único. Os trabalhadores rurais de que trata o caput enquadrados como empregado e contribuinte individual, poderão, até 31 de dezembro de 2010, requerer a aposentadoria por idade prevista no art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991, no valor de um salário mínimo, observando que o enquadrado como segurado especial poderá requerer o respectivo benefício sem observância ao limite de data, conforme o inciso I do art. 39 da Lei nº 8.213, de 1991.
Registro que a IN INSS/PRES 20, de 11/10/2007, antecessora da IN 45/2010, continha dispositivos no mesmo sentido (artigos 58 e 148).
A existência de ato expedido pelo próprio INSS contemplando a possibilidade de concessão de aposentadoria rural por idade quando comprovado o desempenho de atividade rural de forma descontínua, com ou sem a ocorrência da perda da qualidade de segurado, só faz reforçar o entendimento acima exposto. Ato administrativo não confere direito ou sequer pode contrariar o que estabelece a lei, mas certamente, ao pautar o procedimento da própria administração, não pode ser desprezado na solução de litígio judicial, salvo se claramente ilegais, o que não ocorre no caso. Está em discussão conceito de descontinuidade de atividade rural. O conceito adotado pela administração é favorável aos segurados e consentâneo com interpretação que homenageia a ordem constitucional. Não se afigura recomendável, assim, que o Judiciário adote interpretação mais rigorosa que a própria administração.
Há uma ponderação a fazer, contudo.
A aposentadoria rural por idade aos 55 ou 60 anos de idade, e sem recolhimento de contribuições, constitui um direito garantido aos segurados especiais, ou seja, àqueles trabalhadores rurais que residem em imóveis rurais ou em aglomerados urbanos ou rurais próximos a imóveis rurais, e que, individualmente ou em regime de economia familiar, exercem atividade agropecuária em pequenas propriedades em regime de subsistência, haja ou não comercialização de produtos. Trata-se, pois, de benefício destinado àqueles que realmente sobrevivem da atividade rural. Segurado especial é aquele que vive das lides agropecuárias, de modo que o enquadramento nesta categoria necessariamente implica vínculo significativo com a terra.
Assim, ainda que possível a descontinuidade, não se pode admitir que o retorno às atividades no campo por pequeno período, muitos anos após a o abandono do campo, viabilize a concessão de aposentadoria rural, até porque os frutos do trabalho rural, como sabido, não são imediatos. Somente o efetivo desempenho de atividade rural por período razoável, de modo a evidenciar sua importância para a sobrevivência do trabalhador, pode ser admitido como retomada da condição de segurado especial.
Pare-me apropriada, no caso, a aplicação analógica, até para evitar um subjetivismo exacerbado, do disposto no parágrafo único do artigo 24 da Lei de Benefícios:
Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.
Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Entendeu o legislador que o desempenho de um terço da carência caracteriza efetiva nova vinculação à previdência, de modo a possibilitar ao segurado o cômputo dos períodos anteriores.
Assim, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, é razoável se entenda que no caso de descontinuidade deve ser comprovado que no último período de atividade rural (o período imediatamente anterior) o segurado desempenhou atividade rural por tempo significativo, passando de fato a sobreviver dos frutos de seu trabalho junto à terra, podendo ser utilizado como parâmetro aproximado para isso o prazo previsto no parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91.
Nesse sentido é pacífica a jurisprudência da 5ª Turma desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. DESCONTINUIDADE DO LABOR. POSSIBILIDADE.
1. Procede o pedido de aposentadoria rural por idade quando atendidos os requisitos previstos nos artigos 11, VII, 48, § 1º e 142, da Lei nº 8.213/1991.
2. Comprovado o implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinqüenta e cinco anos para a mulher), e o exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que a comprovação seja feita de forma descontínua, é devido o benefício de aposentadoria rural por idade à parte autora.
3. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea, sendo dispensável o recolhimento de contribuições para fins de concessão do benefício.
4. É possível admitir o cômputo de períodos de labor rural intercalados para fins de concessão de aposentadoria por idade rural, desde que demonstrada a condição de segurado especial no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou implemento do requisito etário
5. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
(TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024622-82.2014.404.9999, 5ª TURMA, Des. Federal ROGERIO FAVRETO, POR UNANIMIDADE, D.E. 10/03/2015, PUBLICAÇÃO EM 11/03/2015)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. DESCONTINUIDADE DO TRABALHO RURAL. POSSIBILIDADE.
1. Procede o pedido de aposentadoria rural por idade quando atendidos os requisitos previstos nos artigos 11, VII, 48, § 1º e 142, da Lei nº 8.213/91.
2. Comprovado o implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher), e o exercício de atividade rural ainda que de forma descontínua por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devido o benefício de aposentadoria rural por idade à parte autora.
3. Existindo prova de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior à carência, deve ser admitido o direito ao benefício com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigido pela legislação de regência.
4. A adoção de entendimento muito restritivo quanto ao conceito de descontinuidade acaba por deixar ao desamparo segurados que desempenharam longos períodos de atividade rural, mas, por terem intercalado períodos significativos de atividade urbana ou mesmo de inatividade, restam excluídos da proteção previdenciária.
5. Choca-se com a Constituição Federal interpretação conducente a desvalorizar o trabalho, que é um de seus valores fundantes (art. 1º, IV, da CF). Ademais, a previdência é um direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal, e o artigo 7º, XIV, do mesmo Diploma assegura, sem restrições, direito à aposentadoria ao trabalhador rural, atentando ainda contra o princípio da universalidade (art. 194, I, da CF), recusar o direito à aposentadoria ao trabalhador rural que exerceu sua atividade por longo período, a partir de um conceito restritivo de descontinuidade.
6. Nessa linha, no caso da aposentadoria com utilização exclusiva de tempo rural, ainda que não se possa afastar a necessidade de comprovação de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, pois isso é expressamente exigido pela Lei 8.213/91, e já foi também afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, não tendo a legislação estabelecido um conceito de descontinuidade, deve a definição desta categoria ser obtida à luz dos princípios constitucionais informadores do regime jurídico previdenciário. E, nesse sentido, não sendo a norma claramente restritiva, a interpretação a ser extraída, conquanto possa estabelecer condicionamentos, não pode inviabilizar o direito dos segurados rurais.
7. Ainda que possível a descontinuidade, não se pode admitir que o retorno às atividades rurais por pequeno período, muitos anos após a o abandono do campo, viabilize a concessão de aposentadoria rural por idade, até porque os frutos do trabalho rural, como sabido, não são imediatos. Somente o efetivo desempenho de atividade rural por período razoável, de modo a evidenciar sua importância para a sobrevivência do trabalhador, pode ser admitido como retomada da condição de segurado especial.
8. Nessa hipótese, é razoável se entenda que, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, havendo descontinuidade, deve ser comprovado que no último período de atividade rural (o período imediatamente anterior) o segurado desempenhou atividade rural por tempo significativo, passando de fato a sobreviver dos frutos de seu trabalho junto à terra.
9. Comprovado o implemento da idade mínima, e o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, no caso em apreço é devido o benefício de aposentadoria rural por idade, pois o período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário/requerimento é significativo, evidenciando que a parte autora de fato voltou a viver do trabalho na terra, na condição de segurado especial.
(TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0018554-19.2014.404.9999, 5ª TURMA, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR UNANIMIDADE, D.E. 12/12/2014, PUBLICAÇÃO EM 15/12/2014)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. BOIA-FRIA. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. SÚMULA 149 DO STJ. DESCONTINUIDADE. CONSECTÁRIOS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O prévio requerimento na via administrativa é desnecessário quando notória a negativa da entidade previdenciária ao pleito - especialmente por falta de condição legal.
2. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade.
3. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
4. Em se tratando de trabalhador boia-fria, a aplicação da Súmula 149 do STJ é feita com parcimônia em face das dificuldades probatórias inerentes à atividade dessa classe de segurado especial.
5. Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, os consectários legais comportam a incidência de juros moratórios equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança (STJ, REsp 1.270.439/PR, 1ª Seção, Relator Ministro Castro Meira, 26/06/2013) e correção monetária pelo INPC e demais índices oficiais consagrados pela jurisprudência.
6. Havendo prova da atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento e equivalente a pelo menos um terço daquele relativo à carência, deve ser admitido o direito à aposentadoria rural por idade com o cômputo de períodos anteriores descontínuos ( art. 48, § 2º, e art. 143 da Lei 8.213/91) para fins de implemento de carência.
7. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC.
8. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos 461 e 475-I, caput, do CPC, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal. 9. Tramitando a ação na Justiça Estadual do Paraná, deve o INSS responder integralmente pelo pagamento das custas processuais (Súmula nº 20 do TRF4).
(TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013303-88.2012.404.9999, 5ª TURMA, Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, POR UNANIMIDADE, D.E. 30/09/2014, PUBLICAÇÃO EM 01/10/2014)
No caso dos autos, a demandante preencheu o requisito etário, em 29/07/2012 e requereu o benefício em 19/04/2013, devendo comprovar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 180 meses anteriores aos respectivos marcos indicados.
O desempenho de atividade rural no último período reconhecido, que vai de 01/01/2005 a 19/04/2013, evidencia que a parte autora de fato voltou a viver do trabalho na terra, na condição de segurada especial. Concretamente demonstrada, pois, a reaquisição da condição de segurado especial, de modo que viável a concessão do benefício, haja vista que, como também comprovado nos autos, em época pretérita, de 20/07/1969 a 22/05/1987 e de 23/05/1987 a 03/10/1994, a parte autora desempenhou atividade rural na condição de segurado especial, e a soma dos lapsos comprovados supera o tempo equivalente à carência exigida para a concessão da aposentadoria rural por idade, na data do requerimento administrativo.
Tem a demandante, assim, direito à aposentadoria rural por idade deste a DER, pois no caso não há parcelas prescritas.
A comprovação do trabalho rural no período de carência, perpassa o exame de temas conflituosos atinentes à compreensão do que seja a descontinuidade do trabalho rural e o período imediatamente anterior ao requerimento.
Tenho que o voto vencido bem solucionou a questão a partir da análise exaustiva da evolução da jurisprudência acerca do tema, tanto no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, quanto nesta Corte, cabendo apenas acrescentar que a paradoxal redação do art. 39, I, da Lei nº 8.213/91 quando mencionada "o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício" - dado que qualquer descontinuidade da prestação laboral implicaria, ipso facto, em situar o lapso de tempo fora do "imediatamente anterior" - também pode ser superada a partir de uma ótica eminentemente constitucional, como ensina Susana Sbrogio'Galia (in Mutações Constitucionais e Direitos Fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, Ed. 2007, p.143/144):
"Do caráter principiológico das normas de direito fundamental, resulta que não somente os direitos fundamentais podem se restringidos frente aos princípios opostos, como a sua restringibilidade pode ser limitada. E, se a restrição aos direitos fundamentais ocorre quando, diante do caso concreto, princípios opostos possuam maior peso que o princípio de direito fundamental em exame, pode-se dizer que os direitos fundamentais consistem na própria limitação à sua respectiva restrição e restringibilidade.
A idéia de traçar limites aos limites dos direitos fundamentais, difundida na doutrina tedesca durante a Lei Fundamental de Bonn, não pode ser dissociada dos direitos fundamentais. As restrições aos limites destes direito não consistem institutos autônomos, mas "pautas complementares e acessórias, destinadas a assegurara a supremacia dos direitos fundamentais. Em outras palavras, trata-se de instrumentos normativo-metódicos de aplicação dos direitos fundamentais, cuja finalidade é garantir o seu caráter vinculante". Nessa condição, insere-se o princípio da proporcionalidade, da proibição de excesso e da vedação à tutela insuficiente do estado, cujo exame ocorre na sequência.
Por esse motivo, as restrições aos direitos fundamentais, a exemplo do que acontece no Direito pátrio, prescindem de explicitação no texto constitucional, sendo deduzidas do próprio dever de proteção jurídico-constitucional aos direitos fundamentais, assim como do princípio do Estado de Direito."
E prossegue a ilustre doutrinadora (ob.cit., p. 152/153):
"É nesse sentido que se posiciona Mendes, pois, se os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote) expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote), haverá não só uma proibição de excesso, mas uma proibição de omissão do Estado na implementação da eficácia dos direitos fundamentais (Untermassverbote). Em se verificando que a eficácia dos direitos fundamentais dirige-se, de forma imediata, contra o Estado - pois é o destinatário da tutela destes direitos -, e mediata contra os particulares - porquanto irradia efeitos que impõem o dever de guarda e proteção suficiente por parte do estado, em relação às pretensões e interesse dos demais sujeitos privados -, evidencia-se, outrossim, a Constituição proibir que se desça abaixo de um certo mínimo de proteção, identificando-se o que Canaris batizou, com base em precedentes do Tribunal Constitucional alemão, de "proibição de insuficiência". Segundo Sarlet, a proibição de insuficiência reconduz ao princípio do estado de Direito, em que o Estado exsurge como detentor do monopólio do emprego da forma e da solução dos litígios entre particulares, salvo situações determinadas pela própria ordem jurídica.
Deparando-nos com essa ambivalente perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, constata-se uma dupla feição no que concerne aos limites dos limites destes direitos e ao dever de proteção pelo Estado, consubstanciados no princípio da proporcionalidade. Se, sob o enfoque dos direitos de defesa (ou direitos subjetivos e sentido negativo), configurar-se-ia, como limite à restrição, o que a doutrina sedimentou como proibição de excesso; em contrapartida, também falharia o Estado quanto ao seu dever de proteção, ao atuar de forma insuficiente, abaixo dos limites mínimos de proteção exigidos pela Constituição."
Em igual diapasão, Jairo Gilberto Schafer (in Direitos Fundamentais - proteção e restrições, Livraria do Advogado, 2001, p. 106):
"Uma das questões essenciais na análise da estrutura das normas restritivas de direitos fundamentais refere-se à aplicabilidade e função teórica do princípio da proporcionalidade. No ensinamento de Juarez Freitas, o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos.
De acordo com o princípio da proporcionalidade, sempre que haja restrições que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o intérprete deve atuar segundo o princípio da justa medida, vale dizer, escolhendo, dentre as medidas necessárias, para atingir os fins legais, aquelas que impliquem o sacrifício mínimo dos direitos dos cidadãos. Ou seja: as restrições que afetem direitos e interesses dos cidadãos só devem ir até onde sejam imprescindíveis para assegurar o interesse público, não devendo utilizar-se medidas mais gravosas quando outras que o sejam menos forem suficientes para atingir os fins da lei."
Considerando a noção de que a Constituição não pode ser havida como mera carta de intenções, a partir de uma construção analógica, passou-se a adotar como parâmetro quanto aos períodos intercalados de atividade rural aquele do art. 24, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, ou seja, que no último período de labor rural tivesse o segurado cumprido em torno da terça parte do período de carência previsto na legislação pertinente para que possa deferir o benefício, de sorte a evitar a oneração dos cofres previdenciários com situações artificialmente engendradas.
No caso em tela, o desempenho de atividade rural no último período rural reconhecido, vai de 01/01/2005 a 19/4/2013, lapso superior a um terço do período equivalente à carência que evidencia que a autora de fato voltou a viver do trabalho rural, readquirindo a condição de segurada especial, de modo que viável a concessão do benefício, haja vista que, como comprovado nos autos, em época pretérita, entre 1969 e 1987, 1987 e 1994 também desempenhou atividade rural. A soma dos interregnos comprovados (de 02/7/1969 a 22/5/1987, de 23/5/1987 a 03/10/1994 e de 01/01/2005 a 19/4/2013) corresponde a 33 anos 6 meses e 3 dias de trabalho rural e excede em muito o tempo equivalente à carência (180 meses), na data do implemento do requisito etário ou da DER, evidenciando que a vida produtiva da parte autora foi eminentemente dedicada às lides rurais, não se lhe podendo indeferir o benefício em virtude do exercício intercalado do trabalho urbano, embora por tempo prolongado.
Em casos que tais, mais do que a fixação de prazos rígidos a limitar o período de afastamento aceitável do labor rural na consideração do implemento do requisito carência, importante sopesar as circunstâncias do caso concreto das quais emergirá a convicção segura no sentido de que o retorno ao meio rural teve como finalidade a garantia da sobrevivência, não configurando mera artimanha para forjar a satisfação dos requisitos legais à concessão do benefício previdenciário. Nesse sentido já decidiu a 3ª Seção em precedentes de minha relatoria (AC 0022050-56.2014.404.9999, AC0023128-85.2014.404.9999; AC 0004591-75.2013.404.9999 julgados em 17.9.2015).
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento aos embargos infringentes.
Juiz Federal LUIZ ANTÔNIO BONAT
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal LUIZ ANTÔNIO BONAT, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7889350v2 e, se solicitado, do código CRC 174C38C3. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Luiz Antônio Bonat |
| Data e Hora: | 29/10/2015 18:34 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/10/2015
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 0025498-37.2014.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00022308220138210136
RELATOR | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
PRESIDENTE | : | Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz |
PROCURADOR | : | Dr. Marcus Vinícius Aguiar Macedo |
EMBARGANTE | : | HELENA MUHL KNUTZEN |
ADVOGADO | : | Carla Perazzoli Bonato |
: | Renata Zeni | |
EMBARGADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/10/2015, na seqüência 31, disponibilizada no DE de 19/10/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 3ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A SEÇÃO, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AOS EMBARGOS INFRINGENTES.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT |
: | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA | |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
AUSENTE(S) | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO |
Jaqueline Paiva Nunes Goron
Diretora de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Jaqueline Paiva Nunes Goron, Diretora de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7937115v1 e, se solicitado, do código CRC C070FBCE. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Jaqueline Paiva Nunes Goron |
| Data e Hora: | 29/10/2015 18:15 |
