APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033503-89.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | DORALICE APARECIDA GALI DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | Caetano Engler Dahlem |
: | Alcemir da Silva Moraes | |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. COMPROVAÇÃO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. AVERBAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO
. Fixada pelo STJ a obrigatoriedade do reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público na REsp 1101727/PR, a previsão do art. 475 do CPC/1973 torna-se regra, admitido o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. Em se tratando de trabalhador boia-fria, a aplicação da Súmula 149 do STJ é feita com parcimônia em face das dificuldades probatórias inerentes à atividade dessa classe de segurado especial.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade, independentemente das contribuições previdenciárias respectivas.
. A Lei nº 11.718/08, que acrescentou o § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213/91, possibilitou aposentadoria por idade "híbrida" aos trabalhadores rurais que não implementassem os requisitos para a aposentadoria por idade rural, se a soma do tempo de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias alcançar a carência de que trata o art. 142 da Lei nº 8.213/91, e uma vez implementada a idade mínima prevista no "caput" do art. 48 da mesma lei.
. O exercício de atividades de natureza urbana pelo cônjuge da autora, mesmo em concomitância com as lides rurais, abrangendo quase a totalidade do período de carência e auferindo renda em valor superior a dois salários mínimos, demonstram a prescindibilidade do labor agrícola, afastando a condição de segurada especial.
. Indevida a aposentadoria por idade na modalidade "híbrida", pois em que pese a parte autora ter c alcançado a idade mínima na DER, não cumpriu a carência de que trata o art. 142 da Lei 8.213/91 mediante a soma de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias,
. Assegurado o direito à averbação dos períodos ora reconhecidos como exercidos na agricultura, em regime de economia familiar, para fins de obtenção de futura aposentadoria, na forma do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 11.718/08.
. A só referência a normas legais ou constitucionais, dando-as por prequestionadas, não significa decisão a respeito dos temas propostos; imprescindível que as teses desenvolvidas pelas partes, e importantes ao deslinde da causa, sejam dissecadas no julgamento, com o perfilhamento de posição clara e expressa sobre a pretensão deduzida.
. De qualquer modo, inclusive para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, é de dar-se por prequestionada a matéria versada nos artigos indigitados pela parte apelante em seu recurso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de abril de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8890599v4 e, se solicitado, do código CRC 150F376A. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 25/04/2017 18:37 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033503-89.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | DORALICE APARECIDA GALI DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | Caetano Engler Dahlem |
: | Alcemir da Silva Moraes | |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação e remessa oficial contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da parte autora, somente para reconhecer a atividade rural exercida nos períodos de 1964 a 1969, 1979 a 1981, 04/1983 a 02/1999 e de 2002 a 2004, e determinou a sua averbação pelo INSS. Os honorários advocatícios foram fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), na proporção de 70% em desfavor da parte autora, acrescidos das custas processuais, e 30% em desfavor do INSS. Foi suspensa a execução da referida verba sucumbencial em relação à parte autora, em face da assistência judiciária gratuita concedida.
Em suas razões (Evento 33 - PET1), sustenta a parte autora que faz jus ao benefício postulado, porque provou ter exercido a atividade rural nos períodos de 1964 a 1969, 1979 a 1981, 04/1983 a 02/1999 e de 2002 a 2004. Aduz que tem direito à aposentadoria por idade híbrida, pois somando o tempo de serviço rural ao tempo de serviço urbano, teria cumprido os requisitos para a concessão do benefício. Sucessivamente, defende que o tempo de labor rural anterior à vigência da Lei n.º 8.213/91 deve ser computado independentemente de recolhimento, inclusive como tempo de carência. Postula o prequestionamento do art. 48, §3º, da Lei n.º 8.213/91. Por fim, requer a inversão do ônus da sucumbência.
O INSS também apelou (Evento 37 - PET1), sustentando que o marido da autora exercia atividade urbana desde 1979, e se aposentou por tempo de contribuição recebendo benefício em valor superior a R$ 3.000,00 (três mil reais). Aduz que deve ser afastado o reconhecimento de exercício de atividade rural pela autora nos períodos de 1964 a 1969, 1979 a 1981, 04/1983 a 02/1999 e de 2002 a 2004, em razão da ausência de prova material e da descaracterização do exercício de atividade rural em regime de economia familiar. Requer que os honorários sejam fixados em 10% do valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, §2º do CPC/2015.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (preferências legais), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da remessa oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, regulada pelo art. 543-C, do CPC, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, DJe 03/12/2009).
Assim, o reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, é regra, admitindo-se o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
Como o caso dos autos não se insere nas causas de dispensa do reexame, conheço da remessa oficial.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do tempo rural do segurado especial a partir dos 12 anos de idade
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.
Aposentadoria por idade na forma híbrida
Cumpre enfatizar, por outro lado, que com o advento da Lei 11.718/08, a legislação previdenciária passou a dispor que os trabalhadores rurais que não consigam comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência da aposentadoria por idade, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher (Lei 8.213/91, art. 48, § 3º, com a redação dada pela Lei 11.718, de 2008).
Na interpretação deste novel dispositivo, este Tribunal Regional Federal orienta:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR IDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. LEI Nº 11.718/2008. LEI 8.213, ART. 48, § 3º. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A SEGURADO QUE NÃO ESTÁ DESEMPENHANDO ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE. 1. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem. 2. Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade. 3. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo no que toca ao período rural. 4. Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91, ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana. (TRF4, EI Nº 0008828-26.2011.404.9999, 3ª SEÇÃO, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por maioria, vencido o Relator, D.E. 10/01/2013, publicação em 11/01/2013).
Nessas condições, uma vez implementada a idade mínima, quando a soma do tempo de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias do segurado alcançar a carência de que trata o art. 142 da Lei 8.213/91, o segurado fará jus à aposentadoria híbrida.
Fixados tais pressupostos, cumpre verificar se a autora logrou comprovar o exercício de atividade agrícola, de acordo com os critérios que seguem.
Do caso concreto
Neste feito, o exame recursal abrange a apelação cível, expressamente interposta diante da sentença recorrida (Evento 28), e a remessa oficial, a qual conheço de ofício.
Nessas circunstâncias, havendo recurso de apelação por parte do INSS, onde suscitados os tópicos indicados no relatório, tenho que quanto aos demais fundamentos de mérito a sentença deve ser confirmada por suas próprias razões, uma vez que lançada conforme a legislação aplicável. Tanto que a autarquia previdenciária deles teve expressa ciência e resolveu não se insurgir.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Carteira de trabalho e previdência social da autora, na qual constam registros de vínculos empregatícios nos períodos de 01/01/1982 a 02/03/1983, 01/12/2011 a 30/06/2013 e de 01/02/2014 a 01/10/2014 (Evento 1 - OUT3);
- Certidão de casamento dos pais da autora, datada de 23/02/1957, na qual o pai da autora foi qualificado como lavrador (Evento 1 - OUT4);
- Certidão de óbito de Euclydes Galli, pai da autora, ocorrido em 26/12/2003, datada de 05/01/2004, na qual ele foi qualificado como agricultor aposentado (Evento 1 - OUT5);
- Certidão de óbito de Maria Aparecida Galli, mãe da autora, datada de 13/04/2010 (Evento 1 - OUT6);
- Certidão de casamento, ocorrido em 17/01/1970, datada de 09/03/1999, na qual o cônjuge da autora foi qualificado como trabalhador rural, e o pai da autora foi qualificado como lavrador (Evento 1 - OUT7);
- Certidão de nascimento de Donizete Aparecido dos Santos, filho da autora, ocorrido em 06/12/1970, datada de 17/04/1976, na qual o cônjuge da autora foi qualificado como lavrador (Evento 1 - OUT8);
- Notas fiscais de entrada/produtor rural, emitida em nome da autora, datada de 05/03/2003 (Evento 3 - OUT3);
- Informações de benefício, emitida em 20/11/2015, na qual consta que o cônjuge da autora recebeu auxílio doença como comerciário de 25/03/2000 a 18/05/2000, e aposentadoria por tempo de contribuição como comerciário desde 15/03/1999, cujo valor em 11/2015 importava em R$ 3.022,57 (Evento 22 - OUT6);
- Consulta junto ao DETRAN, datada de 20/11/2015, na qual consta que o cônjuge da autora possui um Ford/Corcell II, ano de fabricação e modelo 1980, sem restrição a venda, e um Chevrolet/Cobalt, ano de fabricação 2014, modelo 2015, com venda restrita por alienação fiduciária junto ao Banco GMAC S/A (Evento 22 - OUT8);
- Carteira de trabalho e previdência social, na qual consta registro de vínculo empregatício no período de 01/02/2014 a 01/10/2014 (Evento 22 - OUT10);
- CNIS da autora, emitido em 11/06/2015, no qual consta registro de vínculo empregatício de 01/01/1982 a 02/03/1983, recolhimentos como contribuinte individual nos períodos de 01/12/2011 a 30/11/2012, 01/02/2013 a 31/05/2013, 01/03/2014 a 30/09/2014, acompanhado da relação de remunerações (Evento 22 - OUT10);
- CNIS do cônjuge da autora, emitido em 11/06/2015, no qual constam registros de vínculos empregatícios nos períodos de 01/08/1975 em diante, 07/04/1976 em diante, 01/08/1976 a 30/01/1978, 01/04/1978 em diante, 19/10/1978 a 23/05/1979, 11/06/1979 a 19/01/1987, 01/03/1987 a 27/10/2000, 01/07/1987 a 12/1998, recebimento de aposentadoria por tempo de contribuição a partir de 15/03/1999, e recebimento de auxílio doença previdenciário de 25/03/2000 a 18/05/2000 (Evento 22 - OUT10);
- Termo de recebimento e responsabilidade, datado de 09/10/2001, referente a um bloco de nota fiscal de produtor em nome do cônjuge da autora (Evento 22 - OUT10);
- Notas fiscais de entrada/produtor rural, emitidas em nome da autora e de seu cônjuge, datadas de 31/01/2002, 11/11/2002, 21/02/2002, 05/03/2003, 27/02/2003 (Evento 22 - OUT10 e OUT12);
- Resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição, emitido em 11/06/2015, no qual o INSS reconhece os períodos de 01/01/1982 a 02/03/1983, 01/12/2011 a 30/11/2012, 01/02/2013 a 31/05/2013, 01/03/2014 a 30/09/2014, totalizando 38 meses (Evento 22 - OUT12).
Do depoimento pessoal da parte requerente (Evento 45), colhe-se que:
"(...) afirmou ter trabalhado no sítio de seu avô em São Pedro do Ivaí com sua família desde os 12 anos e que também trabalhou posteriormente como boia-fria ao se mudar para Marechal Cândido Rondon: Os pais eram lavradores. Nasceu em Tabatinga - SP, veio para o Paraná quando era criança, em São Pedro do Ivaí. E saiu de lá quando casou, com dezessete. Que ficaram mais dois anos lá e vieram para cá (Marechal Cândido Rondon) em 1979. Seu o endereço aqui é Rua doze de outubro, 2079, loteamento Elio Winter. Que em São Pedro do Ivaí a atividade dos seus pais era de lavradores, trabalhavam na roça. Que o seu avô tinha um sitiozinho pequeno (em São Pedro do Ivaí). Lá trabalhava a família do seu avô, as famílias de mais dois tios e a do seu pai. Que trabalhavam para sobreviver naquele pedaço de terra. Que plantavam milho, feijão, arroz, mandioca. Coisas que eram para o gasto. (A propriedade em que trabalhava toda a família) era do seu avô. Eram oito alqueires. Não era mecanizada, era tudo manual. O plantio era para consumo próprio. Ajudava a sua família desde os dez, onze anos. Tinha duas vaquinhas de leite, tinha uns porquinhos e tinha um burro e uma carroça para puxar os alimentos da roça. Não havia empregados, era só a família. Que casou aos dezessete anos em São Pedro do Ivaí e seu marido era lavrador também, trabalhava na roça para os outros, de boia-fria. Que saíram de lá e ficaram um ano e pouquinho em Apucarana e depois vieram para cá. Que em Apucarana seu marido trabalhava na cidade e ela trabalhava em uma chácara com uma mulher. Que vieram para Marechal Cândido Rondon em 1979 em busca de uma vida melhor. Que aqui o Orlando(esposo) já começou a trabalhar na Cercar e ela trabalhava como... aquela época era difícil mulher conseguir emprego, daí trabalhava na roça, trabalhava como boia-fria. Lembra que trabalhou para o Elio Winter, para o Schneider e para o Kaefer. Que capinavam mandioca, milho. Que plantavam e colhiam, quebravam milho. Que ficou nesta atividade até mais ou menos 2011. Em 1982 trabalhou na Irmãos Pequito, que era a Loja Renascença. Aí fechou e não arrumou emprego. Então trabalhou de boia-fria de novo. Naquela época recebia por dia de trabalho, só que eles preferiam, e os trabalhadores também, receber no fim de semana. Na sexta-feira, depois do dia de serviço, eles faziam o pagamento da semana para todo mundo.
Que (em 2011) trabalhou de doméstica (na cidade) com carteira registrada por um ano e pouco, saiu alguns meses, voltou de novo e foi quando a sua patroa faleceu, em 1º de janeiro de 2014 (...)."
Em sede judicial, foram ouvidas três testemunhas (Evento 45).
A testemunha Benedito Cesário de Oliveira afirmou:
"(...) ter conhecido a Sr.ª Doralice em São Pedro do Ivaí, onde ela trabalhava na propriedade de seu avô, e que reencontrou a requerente em Marechal Cândido Rondon, onde ela trabalhou de boia-fria para ajudar no sustento da família (...) conheço a Sr.ª Doralice de São Pedro do Ivaí, norte do Paraná em 1965 pra frente, não lembro bem direito também de quantos anos. Ela tinha de doze para treze anos, por aí. Conheci o pai dela, eles moravam no sítio do avô dela (a família). O pai era Euclydes. A ocupação do Sr. Euclydes e da mãe da Sr.ª Doralice era geralmente na roça. Todo mundo nessa época só trabalhava na roça. Na época só se plantava feijão, milho. Soja não existia na época. De lá para cá depois nós nos separamos, aqui que nós fomos se encontrar de novo. Naquela época a Sr.ª Doralice trabalhava com a família na roça. Antigamente as crianças não tinham igual hoje de não trabalhar. Criança com oito, dez anos, todo mundo ia para a roça. Eles tinham porco, alguma vaquinha, só mesmo para o gasto da família. Não tinha empregado, o sítio era pequeno. Era só a família que trabalhava. Não era mecanizada a terra, era só na enxada. (...) nós morávamos na vila. A vila era pertinho daquele sítio. A distância devia dar uns oito quilômetros... por aí, não lembro bem certinho. (...) Reencontrei a Sr.ª Doralice aqui em Marechal em 1982. Ela chegou antes um pouquinho aqui. (...) Naquela época, em 1982, ela trabalhou muito na boia-fria. O Orlando já trabalhava, não lembro no que que era, se era em uma firma. Mas ela trabalhava de boia-fria. O Sr. Orlando trabalhava de eletricista. (...) Aqui na cidade ela trabalhou em uma firmazinha, não me recordo o nome da firma dela que ela trabalhou ali pouco tempinho. Trabalhou um tempinho só. O restante do período foi na boia-fria mesmo, todo dia. Não chovendo era todo dia, de segunda à sexta. Cheguei a trabalhar com ela. Eu trabalhava empregado em uma época, daí quando nós tínhamos férias - sabe, família pobre tem que trabalhar - nós íamos junto (...). O marido trabalhava já de eletricista. O trabalho dela na boia-fria era necessário para manter a família, porque hoje em dia o salário é muito pouquinho, se não ajudar a renda de alguém para dar uma mão fica difícil. (...) quem que levava na boia-fria era o Zé do Cepo, Joaquim Paixão, nós íamos em vários lugares, mas o mais conhecido era o Renato Kaefer, Elio Winter e Nel Schneider. O preço era por dia, mas só recebia no fim da semana. Se a pessoa queria, às vezes recebia. Mas geralmente era no fim de semana, na sexta-feira ou no sábado de manhã ia na casa deles lá para ver se saía. Esses 'gatos' pegavam as pessoas geralmente ali na Maripá, em frente ao Weimann. Que ali moravam os dois, os dois gatos moravam ali, moravam daquele lado nosso lá".
A testemunha Francisco Ferreira da Silva, por sua vez, relatou que conhece a autora desde 1980 ou 1981, que na época ela já era casada, que ela trabalhava com o pai do depoente, que era "gato", como bóia-fria. Afirmou que trabalhava junto com a autora às vezes, que eram vizinhos, e que ela trabalha como diarista e o pai do depoente pagava por semana. Referiu que a autora também trabalhou para o Joaquim Paixão, que a autora trabalhou durante pouco mais de um ano em uma loja, e ela continuou trabalhando com o pai do depoente, inclusive nos finais de semana, na colheita do algodão. Mencionou que a autora trabalhou nas propriedades de Renato Kaefer, Elio Winter, principalmente de 1980 a 2000. Esclareceu que na época era comum os maridos trabalharem na cidade as mulheres trabalharem na roça. Ressaltou que o rendimento obtido pela autora era indispensável ao sustento da família.
Por fim, a testemunha José Gomes Barbosa da Luz declarou que conhece a autora porque ela trabalhava com o pai do depoente, Joaquim Paixão, desde 1980, que contratava diarista para trabalhar nas propriedades rurais de Renato Kaefer, Elio Winter e Nel Schneider. Referiu que trabalhou com a autora, que ela trabalhava todos os dias, ou com o pai do depoente, ou com outro "gato". Assinalou que a autora trabalhou na roça até o ano 2000, que o marido da autora nunca trabalhou como bóia-fria, e não sabe se a autora exerceu alguma atividade urbana. Referiu que o salário do marido não era suficiente para garantir o sustento da família. Mencionou que a autora morava a 500 metros da residência do depoente.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que somente é possível o reconhecimento da atividade rural da autora de 1964 a 1969, antes do seu casamento, época em que exerceu labor agrícola com seus pais.
Em relação aos períodos de 1979 a 1981 e 04/1983 a 02/1999, em que pese haja provas de que a autora exerceu atividade rural, esse labor não foi praticado em regime de economia familiar, porquanto o sustento da família provinha principalmente da atividade laborativa do esposo da autora, que exerce atividades urbanas desde 1978. De acordo com o CNIS do esposo da autora, as remunerações por ele auferidas desde 1982 eram em valor suficiente para caracterizar a prescindibilidade da renda obtida pela autora com o labor agrícola, afastando a sua condição de segurada especial. Além disso, em consulta ao sistema CNIS, verificou-se que o cônjuge da autora recebe benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde 15/03/1999, cujo valor em 02/2017 importou em R$ 3.584,82 (três mil, quinhentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), o que corresponde a mais de três salários mínimos, cujo valor era de R$ 937,00 (novecentos e trinta e sete reais).
Examinados os autos sob esse prisma, a autora não tem direito à aposentadoria por idade híbrida, pois apesar de ter cumprido o requisito etário em 23/07/2012, quando completou 60 anos, a autora não implementou a carência exigida mediante a soma do tempo de trabalho rural com o tempo de serviço urbano, até a DER (11/05/2015) ou até a data da ajuizamento da ação.
Entretanto, em que pese não fazer jus ao benefício pretendido ou possível (idade rural ou híbrida), resta a demandante o direito à averbação dos períodos ora reconhecidos como exercidos na agricultura, em regime de economia familiar, a saber, de 23/07/1964 (data em que a autora completou 12 anos) a 31/12/1969 (ano anterior ao casamento), para fins de obtenção de futura aposentadoria, na forma do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 11.718/08.
Dos ônus sucumbenciais
Em face da sucumbência, condeno a parte autora a pagar as custas e os honorários advocatícios, estes no percentual de 10% sobre o valor da causa, cuja execução resta suspensa, nos termos da art. 12 da lei 1.060/50.
Do prequestionamento
Sobre o prequestionamento dos dispositivos legais relacionados, creio não haver voz dissonante nesta Corte, bem assim naquelas superiores, do entendimento de que importa é que o acórdão debata, discuta e adote entendimento explícito sobre a questão federal ou constitucional, desnecessária a individualização numérica dos artigos em que se funda o decisório. Isso porque, sendo a missão constitucional da jurisdição recursal extraordinária julgar as causas decididas em única ou última instância (art. 102, III e 105, III, ambos da Carta da República), a só referência a normas legais ou constitucionais, dando-as por prequestionadas, não significa decisão a respeito dos temas propostos; imprescindível que as teses desenvolvidas pelas partes, importantes ao deslinde da causa, sejam dissecadas no julgamento, com o perfilhamento de posição clara e expressa sobre a pretensão deduzida.
O prequestionamento numérico, então, é dispensado pela jurisprudência, como exemplificam as decisões que seguem:
ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITO ADQUIRIDO - AFRONTA À LICC - IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO - APOSENTADORIA - EX-CELETISTA - ATIVIDADE INSALUBRE - AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO - POSSIBILIDADE - PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO.
1 - No tocante ao art. 6º, da LICC, após a Constituição Federal de 1988, a discussão acerca da contrariedade a este dispositivo adquiriu contornos constitucionais, inviabilizando-se sua análise através da via do Recurso Especial, conforme inúmeros precedentes desta Corte (AG.REG. em AG nº 206.110/SP, REsp nº 158.193/AM, AG.REG. em AG nº 227.509/SP).
2 - Este Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento, mediante sua Corte Especial, no sentido de que a violação a determinada norma legal ou dissídio sobre sua interpretação não requer, necessariamente, que tal dispositivo tenha sido expressamente mencionado no v. acórdão do Tribunal de origem. Cuida-se do chamado prequestionamento implícito (cf. EREsp nº 181.682/PE, 144.844/RS e 155.321/SP). Sendo a hipótese dos autos, afasta-se a aplicabilidade da Súmula 356/STF para conhecer do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional.
3 - O servidor público que, quando ainda celetista, laborava em condições insalubres, tem o direito de averbar o tempo de serviço com aposentadoria especial, na forma da legislação anterior, posto que já foi incorporado ao seu patrimônio jurídico.
4 - Precedentes (REsp nºs 321.108/PB, 292.734/RS e 307.670/PB).5 - Recurso conhecido, nos termos acima expostos e, neste aspecto, provido para, reformando o v. acórdão de origem, julgar procedente o pedido do autor, ora recorrente, invertendo-se o ônus da sucumbência já fixados na r. sentença monocrática.
(RESP 434129 / SC - Relator Min. JORGE SCARTEZZINI - DJ em DJ DATA:17/02/2003)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PREQUESTIONAMENTO - ALCANCE DO INSTITUTO.
A exigência do prequestionamento não decorre de simples apego a determinada forma. A razão de ser está na necessidade de proceder a cotejo para, somente então, assentar-se o enquadramento do recurso no permissivo legal. Diz-se prequestionado determinado tema quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, contando a parte sequiosa de ver o processo guindado a sede extraordinária com remédio legal para compeli-lo a tanto - os embargos declaratórios. A persistência da omissão sugere hipótese de vício de procedimento. Configura-se deficiência na entrega da prestação jurisdicional, o que tem contorno constitucional, pois a garantia de acesso ao judiciário há que ser emprestado alcance que afaste verdadeira incongruência, ou seja, o enfoque de que, uma vez admitido, nada mais é exigível, pouco importando a insuficiência da atuação do estado-juiz no dirimir a controvérsia. Impor para configuração do prequestionamento, além da matéria veiculada no recurso, a referência ao número do dispositivo legal pertinente, extravasa o campo da razoabilidade, chegando às raias do exagero e do mero capricho, paixões que devem estar ausentes quando do exercício do ofício judicante. Recurso extraordinário - violação a lei. Tanto vulnera a lei o provimento judicial que implica exclusão do campo de aplicação de hipótese contemplada, como o que inclui exigência que se lhe mostra estranha. Recurso extraordinário - violação a lei - registro de candidatos ao senado - suplentes - par. 3. Do artigo 45 da constituição federal. Este dispositivo legal não disciplina o registro dos candidatos. Vulnera-o decisão que o tem como pertinente para, de forma peremptória, indeferir o registro de chapa em que apresentado apenas um suplente, pouco importando que a diligência objetivando a complementação respectiva esteja prevista em diploma legal de cunho ordinário. O desrespeito a este não serve à manutenção do esvaziamento dos direitos e garantias constitucionais explícitos e dos que decorrem dos princípios inseridos na lei maior.
(RE 128519/DF - RELATOR MINISTRO MARCO AURELIO - TRIBUNAL PLENO - DJ EM 08-03-91).
De qualquer modo, inclusive para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, dou por prequestionada a matéria versada no artigo 48, §3º, da Lei n.º 8.213/91.
Conclusão
O apelo da parte autora resta improvido. O apelo da autarquia e a remessa oficial restam parcialmente providos para o fim de afastar o reconhecimento da atividade rural da autora nos períodos de 1979 a 1981 e 04/1983 a 02/1999, bem como para condenar a parte autora nas custas processuais e honorários advocatícios.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8890598v2 e, se solicitado, do código CRC DC84E597. | |
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| Data e Hora: | 25/04/2017 18:37 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5033503-89.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00067243220158160112
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | DORALICE APARECIDA GALI DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | Caetano Engler Dahlem |
: | Alcemir da Silva Moraes | |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/04/2017, na seqüência 461, disponibilizada no DE de 04/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8957038v1 e, se solicitado, do código CRC D9E9B292. | |
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