Apelação Cível Nº 5005419-58.2015.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CESAR ALVES DE CANDIDO (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
A sentença proferida na ação ajuizada por César Alves de Cândido contra o INSS julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento do tempo de serviço especial, de conversão em tempo especial dos períodos anteriores a 28 de abril de 1995 e de revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. O autor foi condenado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência.
O autor interpôs apelação, inconformado com a decisão que extinguiu o feito sem resolução do mérito quanto ao período de 01-06-1998 a 31-12-2003 e não reconheceu a especialidade do período de 01-01-2004 a 22-09-2004. Requereu a anulação da sentença, para que a fase de instrução seja reaberta e o direito fundamental à prova e o devido processo legal sejam assegurados. Defendeu a necessidade da realização de prova pericial, visto que os formulários emitidos pela empresa deixam dúvida acerca da veracidade das informações prestadas, em razão da oscilação no nível de intensidade do ruído, e a atividade de soldador expõe o trabalhador a diversos agentes químicos decorrentes da utilização da solda. Disse que o julgador extinguiu o feito sem resolução do mérito em relação ao período de 01-06-1998 a 31-12-2003 (evento 36), porque o formulário juntado ao processo administrativo referia-se apenas ao período de 01-01-2004 a 22-09-2004. Alegou que a empresa preencheu o formulário de forma incorreta e somente no curso da ação judicial conseguiu o documento. Argumentou que não pode ser prejudicado pela desídia da empresa, razão pela qual requereu a análise do pedido e postulou a suspensão do processo até a apresentação da revisão agendada na via administrativa, porém o julgador não reconsiderou a decisão de extinção do pedido. Ponderou que o interesse de agir foi demonstrado e que o prévio requerimento administrativo é dispensável em ações que visam à revisão do benefício concedido. Sustentou que, na função de soldador, esteve exposto a outros agentes nocivos, além daqueles informados no formulário (hidrocarbonetos aromáticos): fumos metálicos com presença de ferro, manganês, cádmio, zinco e chumbo, bem como radiações não ionizantes. Referiu que juntou como prova emprestada o laudo pericial pericial judicial referente ao processo nº 5002774.02.2011.404.7107, que examinou as condições de trabalho na mesma empresa (Pilati Móveis Ltda.) e na mesma função de soldador, o qual comprova a exposição aos fumos metálicos e a radiações não ionizantes. Salientou que a empresa não apresentou os comprovantes de entrega dos equipamentos de proteção individual, notas fiscais de compra dos EPI e comprovantes/certificados de participação em treinamentos acerca dos riscos profissionais. Apontou que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, em período posterior a junho de 1998, a desconfiguração da natureza especial da atividade em decorrência do uso de EPI é admissível, desde que haja laudo técnico afirmando inequivocamente que houve a neutralização ou a redução dos efeitos nocivos do agente agressivo a níveis toleráveis.
O INSS apresentou contrarrazões.
A sentença foi publicada em 8 de maio de 2017.
VOTO
Não conhecimento da apelação - tempo de serviço especial no período de 01-06-1998 a 31-12-2003
No evento 36, o juízo de primeiro grau proferiu decisão parcial no curso do processo, para extinguir o feito sem resolução do mérito, com base no art. 485, inciso VI, do CPC, em relação ao pedido de reconhecimento do tempo de serviço especial no período de 01-06-1998 a 31-12-2003, por ausência de interesse de agir.
A parte autora, ao se manifestar sobre a decisão, afirmou que encaminhou o agendamento do pedido administrativo de revisão e postulou a suspensão do processo até o INSS concluísse a análise do requerimento (evento 40).
O juízo indeferiu o pedido de suspensão do feito, já que o processo foi extinto sem resolução do mérito quanto ao período de 01-06-1998 a 31-12-2003 (evento 43).
O art. 354 do Código de Processo Civil de 2015 assim dispõe:
Art. 354. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, o juiz proferirá sentença.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento.
Note-se que, entre as hipóteses taxativas de cabimento do recurso de agravo de instrumento, segundo o art. 1.015 do CPC, o inciso XIII prevê outros casos expressamente expressamente referidos em lei.
Dessa forma, nos termos da legislação de regência, o recurso cabível para obter a reforma da decisão de extinção parcial do feito sem resolução do mérito ou de julgamento antecipado parcial do mérito não é a apelação, mas sim o agravo de instrumento.
No caso presente, a parte autora não interpôs o recurso cabível contra a decisão de extinção parcial do processo, deixando fluir in albis o prazo recursal.
Assim, é inviável o conhecimento da apelação no ponto em que impugna a extinção do feito sem resolução do mérito, seja em decorrência da preclusão, seja em virtude da inadequação da via recursal. Não se aplica o princípio da fungibilidade, já que se trata de erro inescusável e grosseiro.
Nesse sentido, já decidiu este Tribunal Regional Federal:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO. EXTINÇÃO PARCIAL DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 354 C/C 1.015 DA LEI 13.105/2015. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. 1. À luz do disposto no art. 354 c/c art. 1.015, XIII do CPC/2015, o pronuncialmento judicial de extinção parcial do processo, sem resolução de mérito, por ilegitimidade passiva da União pode ser objeto de agravo de instrumento. 2. A apelação não conhecida por constituir via recursal inadequada. (TRF4, AC 5003436-87.2016.4.04.7204, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 04/09/2018)
Nulidade da sentença
Nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo as que julgar desnecessárias ou inúteis ao deslinde da questão.
Para a verificação da especialidade das atividades exercidas com exposição a agentes nocivos, leva-se em consideração, via de regra, o conteúdo da documentação técnica fornecida pela empresa. Contudo, a presunção de veracidade das informações constantes nos formulários, laudos técnicos e perfil profissiográfico previdenciário não é absoluta.
Caso o segurado questione, de forma fundamentada, a exatidão, a suficiência ou a fidedignidade dos dados contidos nesses documentos, trazendo aos autos elementos indiciários do cometimento de imprecisão, omissão ou equívoco, é plausível a produção de prova pericial em juízo.
É necessário, igualmente, avaliar a utilidade da prova que se pretende produzir e a possibilidade material de sua produção. Afinal, a referida prova objetiva conferir segurança ao julgamento, propiciando ao seu destinatário suficientes elementos para avaliação quanto aos argumentos que respaldam a pretensão articulada na petição inicial.
Por outro lado, admite-se a utilização de prova emprestada, realizada no mesmo local de trabalho ou em outro estabelecimento que apresente estrutura e condições de trabalho semelhantes àquele em que a atividade foi exercida, uma vez que o seu uso não apenas observa o princípio da economia processual, mas também possibilita que os princípios do contraditório e da ampla defesa possam também ser exercidos no processo para o qual a prova foi trasladada. Neste sentido, já decidiu este Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. LABORATORISTA, TÉCNICO QUÍMICO, QUIMICO E ANALISTA DE LABORATÓRIO. CATEGORIA PROFISSIONAL. AGENTES QUÍMICOS. EPIs. APOSENTADORIA ESPECIAL. AFASTAMENTO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL. REAFIRMAÇÃO DA DER. TERMO INICIAL. AFASTAMENTO COMPULSÓRIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA ESPECIFICA. 1. Demonstrada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida 2. É admissível, assegurado o contraditório, prova emprestada de processo do qual não participaram as partes do processo para o qual a prova será trasladada. A grande valia da prova emprestada reside na economia processual que proporciona, tendo em vista que se evita a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo. Igualmente, a economia processual decorrente da utilização da prova emprestada importa em incremento de eficiência, na medida em que garante a obtenção do mesmo resultado útil, em menor período de tempo, em consonância com a garantia constitucional da duração razoável do processo, inserida na CF pela EC 45/2004. (...) (TRF4 5002141-84.2013.4.04.7215, SEXTA TURMA, Relator EZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 11/07/2017)
No caso presente, as provas necessárias para o julgamento da questão já se encontram juntadas aos autos.
A parte autora juntou à inicial o laudo pericial produzido nos autos da ação nº 5002774.02.2011.404.7107, que examinou as condições de trabalho de trabalhador que exerceu a função de soldador na mesma empresa onde o autor laborou (evento 1, laudo15).
Por sua vez, o perfil profissiográfico previdenciário descreve de forma pormenorizada o cargo e as funções exercidas, o setor de trabalho e os equipamentos utilizados pelo trabalhador, permitindo aferir a similitude entre as atividades desempenhadas pelo autor na empresa (evento 23, ppp2).
Uma vez que a realização de perícia técnica com a finalidade de comprovar o trabalho prestado em condições especiais é dispensável, não procede a alegação de ofensa aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Por esses fundamentos, rejeito a preliminar de nulidade da sentença.
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 5 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213/91), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
Utilização de equipamento de proteção individual
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a Medida Provisória nº 1.729/1998, convertida na Lei nº 9.732/1998, modificou a redação do art. 58, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, estabelecendo que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial. Note-se que a questão atinente ao uso do EPI só passou a ter relevância, para fins de reconhecimento das atividades exercidas em condições especiais, a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729/1998.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada:
Tema nº 555: I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
(ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
No período posterior à MP nº 1.729/1998, o uso de EPI se revela, de per si, ineficaz para neutralizar os danos causados ao organismo humano pelo ruído. Com efeito, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.
Por essa razão, a declaração do empregador sobre a eficácia do EPI não tem o condão de afastar o reconhecimento da especialidade com base no agente nocivo ruído, conforme a tese firmada no Tema nº 555 do STF.
Radiações não ionizantes
A exposição a radiações não ionizantes dá ensejo ao enquadramento do período como especial, no exercício da atividade de soldador com arco elétrico e com oxiacetilênio, nos termos do item 1.1.4 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/1964.
A ausência de previsão expressa de radiações não ionizantes no rol de agentes nocivos, a partir da vigência do Decreto nº 2.172/1997, não exclui a possibilidade de reconhecimento da especialidade do labor. Isso porque, consoante entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso representativo de controvérsia, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991) (REsp 1.306.113/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013).
Desse modo, constatando-se, concretamente, a insalubridade de determinada atividade, é imperioso o reconhecimento da sua especialidade, ainda que o agente nocivo não esteja elencado no respectivo ato regulamentar. Nesse sentido, aliás, já dispunha a Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.
A corroborar o exposto, já decidiu este Tribunal Regional Federal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RADIAÇÃO. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO. REAFIRMAÇÃO DA D.E.R. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido. Até 28.4.1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29.4.1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; a contar de 06.5.1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. As radiações não ionizantes podem ser consideradas insalubres, para fins previdenciários, quando provenientes de fontes artificiais. Ausente a prova do preenchimento de todos os requisitos legais, não é possível a concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição na DER. Conforme o Tema 995/STJ, "É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir." (TRF4, AC 5000971-36.2015.4.04.7012, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 18/09/2020)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REMESSA OFICIAL. ATIVIDADES RURAL E ESPECIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. . Inobstante os termos da Súmula 490 do Superior Tribunal ressalvar as sentenças ilíquidas da dispensa de reexame necessário, a remessa oficial, na espécie, não deve ser conhecida, a teor do que dispõe o artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC de 2015. Mesmo que a RMI do benefício seja fixada no teto e que sejam pagas as parcelas referentes aos últimos cinco anos com juros e correção monetária, o valor da condenação não excederá a quantia de mil salários mínimos, montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário. . A qualificação do segurado como empregador rural na documentação, por si, não descaracteriza o regime de economia familiar. Precedentes deste Tribunal. . Possibilidade do reconhecimento da atividade especial pela exposição permanente a radiações não ionizantes. Precedentes deste Tribunal. . O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial. Tema 998 do Superior Tribunal de Justiça. . Correção monetária a contar do vencimento de cada prestação, calculada pelo INPC, para os benefícios previdenciários, a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91. . Ordem para imediata implantação do benefício. (TRF4, AC 5014671-22.2014.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 08/07/2020)
Caso concreto
A controvérsia diz respeito ao exercício de atividade especial no período de 01-01-2004 a 22-09-2004.
O perfil profissiográfico previdenciário emitido pela empresa Pilati Móveis Ltda. informou que a parte autora exerceu a função de soldador I, no setor de solda, exposto aos seguintes fatores de risco ocupacionais: ruído de 82,2 dB(A), hidrocarbonetos, óleos e graxas de origem mineral. Consta o fornecimento de equipamentos de proteção individual eficazes (protetor auditivo e creme protetor de mãos).
No entanto, a prova pericial realizada nos autos da ação previdenciária nº 5002774-02.2011.404.7107 constatou a existência de outros agentes nocivos no ambiente de trabalho que não foram mencionados no PPP (evento 1, laudo15).
A presunção de veracidade das informações constantes nos formulários e laudos emitidos pela empresa não é absoluta. Dessa forma, se a parte autora apresenta indícios de que o PPP não retrata as suas reais condições de trabalho, o meio adequado para dirimir a controvérsia é a prova pericial.
Na existência de conflito entre os fatos demonstrados no PPP e as constatações registradas no laudo pericial produzido em juízo, deve preponderar a prova judicial, uma vez que foi submetida ao contraditório, com todas as etapas inerentes ao devido processo legal. Além disso, deve ser prestigiada a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional.
O laudo pericial constatou que o trabalhador, na atividade de soldador na empresa Pilati Móveis Ltda., operava máquina mig, alternando com corte e solda oxigênio e acetileno, na soldagem dos componentes para móveis (camas, criados mudos).
O perito apurou o nível de ruído de 84,8 dB(A) e a exposição a radiações não ionizantes (radiações ultravioleta) e fumos contendo cádmio, manganês, ferro, zinco e chumbo, oriundos do arco elétrico e do calor da queima da mistura dos gases.
No caso presente, a especialidade do tempo de serviço caracteriza-se devido ao enquadramento dos agentes nocivos cádmio, chumbo e manganês no Decreto nº 3.048/1999, Anexo IV, códigos 1.0.6, 1.0.8 e 1.0.14, bem como a radiações não ionizantes.
Em relação aos equipamentos de proteção individual, não há subsídio probatório para considerar que os efeitos nocivos dos fumos metálicos e das radiações não ionizantes foram neutralizados ou reduzidos a níveis toleráveis. Com efeito, a atividade de soldador exige, além do protetor auricular, máscaras de solda, luvas de segurança, óculos de proteção, máscara de proteção respiratória, avental, perneiras e blusão de raspa.
Desse modo, mesmo que alguns equipamentos de proteção individual tenham sido utilizados, não foram suficientes ou adequados para neutralizar os riscos ocupacionais presentes na atividade de soldador.
Assim, está comprovado o exercício de atividade especial no período de 01-01-2004 a 22-09-2004.
Revisão do benefício
O autor faz jus à revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a conversão do tempo de atividade especial em comum, pelo fator 1,4.
Os efeitos financeiros da condenação retroagem a 23 de outubro de 2007, consoante determinou a sentença transitada em julgado, proferida na ação nº 2007.71.57.007657-1. No evento 18, a parte autora concordou com a preliminar de coisa julgada arguida pelo INSS.
Correção monetária e juros de mora
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema nº 810, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. Em relação aos juros de mora, reputou constitucional a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017).
Os embargos de declaração opostos no RE 870.947 foram rejeitados pelo STF, não sendo acolhido o pedido de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Dessa forma, devem ser observados os critérios de correção monetária e juros de mora fixados no Tema nº 905 do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018):
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada parcela, conforme a variação do INPC, a partir de abril de 2006 (art. 41-A da Lei nº 8.213/1991).
Os juros moratórios incidem conforme a taxa de juros da caderneta de poupança, de forma simples (não capitalizada).
Ônus de sucumbência
Considerando a sucumbência mínima do INSS, mantém-se a condenação do autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, assim como a suspensão da exigibilidade das verbas de sucumbência.
Conclusão
Conheço em parte da apelação da parte autora e, nessa extensão, dou-lhe parcial provimento, para reconhecer a especialidade do tempo de serviço no período de 01-01-2004 a 22-09-2004 e condenar o INSS à revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a conversão do tempo especial em comum, e ao pagamento das eventuais diferenças da renda mensal inicial, observada a prescrição quinquenal, acrescidas de correção monetária e de juros de mora, nos termos da fundamentação.
Em face do que foi dito, voto no sentido de conhecer em parte da apelação do autor e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento.
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Apelação Cível Nº 5005419-58.2015.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CESAR ALVES DE CANDIDO (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
previdenciário. extinção do feito no curso do processo. conhecimento parcial da apelação. desnecessidade de prova pericial. exercício de atividade especial. prova emprestada. agentes químicos. fumos metálicos. radiações não ionizantes. equipamento de proteção individual.
1. O recurso cabível contra a decisão que, no curso do processo, o extingue parcialmente sem resolução do mérito, não é a apelação, mas sim o agravo de instrumento.
2. É inviável o conhecimento da apelação no ponto em que impugna a extinção do feito sem resolução do mérito, seja em decorrência da preclusão, seja em virtude da impropriedade do meio específico de impugnação.
3. A dilação probatória é prescindível, no caso em que as provas necessárias para o julgamento da questão encontram-se juntadas aos autos.
4. A presunção de veracidade das informações constantes nos formulários e laudos emitidos pela empresa não é absoluta, admitindo-se o exame da matéria com base em outras provas.
5. A prova produzida em outro processo pode ser admitida, observado o princípio do contraditório (art. 372 do Código de Processo Civil).
6. A exposição a radiações não ionizantes e a fumos metálicos oriundos da solda com arco elétrico e com oxiacetilênio caracteriza a especialidade do tempo de serviço.
7. O equipamento de proteção individual somente pode ser considerado eficaz, se for fornecido na quantidade adequada para proteger ou neutralizar os efeitos dos agentes nocivos específicos a que se expõe o trabalhador.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer em parte da apelação do autor e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002172618v6 e do código CRC fb33426b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 12/11/2020 A 19/11/2020
Apelação Cível Nº 5005419-58.2015.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO
APELANTE: CESAR ALVES DE CANDIDO (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/11/2020, às 00:00, a 19/11/2020, às 14:00, na sequência 519, disponibilizada no DE de 03/11/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER EM PARTE DA APELAÇÃO DO AUTOR E, NESSA EXTENSÃO, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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