Apelação Cível Nº 5004411-61.2020.4.04.7207/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: LUIZ ROGERIO GOULART (AUTOR)
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada contra Caixa Econômica Federal, visando a cobertura securitária com amortização do saldo devedor do contrato nº 855552907155, bem como repetição de indébito pelos valores pagos desde a sua aposentadoria por invalidez.
Processado o feito, foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Ante o exposto, PRONUNCIO A PRESCRIÇÃO em relação ao pedido de cobertura securitária para o período compreendido entre a aposentadoria por invalidez e o requerimento administrativo e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, na forma do art. 487, I, do CPC, para condenar a ré a:
a) Restituir à parte autora os valores cobrados indevidamente a contar da data do requerimento administrativo (15/07/2020), atualizados na forma da fundamentação;
b) Amortizar 100% do saldo devedor remanescente em 15/07/2020 do contrato nº 855552907155, nos termos estipulados pelo contrato de seguro.
Mantenho a decisão que deferiu a tutela provisória de urgência.
Tendo em vista a sucumbência mínima do autor, condeno a ré no pagamento das custas e dos honorários de sucumbência, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, assim considerado o valor do saldo devedor remanescente em 07/2020 (R$ 66.541,74), atualizado pelo IPCA-E, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Apela a CAIXA, alegando que a pretensão veiculada na inicial encontra-se prescrita, eis que transcorrido o prazo previsto no normativo do FGHab. A comunicação do fato ocorreu após transcorrido mais de 01 ano da intimação da concessão do benefício de invalidez permanente, estando, portanto, extinta a pretensão pela prescrição temporal. Caso não sejam reconhecidas as preliminares e a prejudicial de mérito, o que se admite apenas para fins de argumentação, cumpre pontuar que não há possibilidade de cobertura para a situação fática descrita na inicial, eis que não restou apresentado nos autos a perícia realizada para a suposta doença ensejadora da aposentadoria, mas tão somente a carta de concessão. Assim, não é possível verificar-se a total e permanente invalidez do autor para toda e qualquer atividade laboral. Requer o provimento da apelação a fim de: a) Reformar a sentença a fim de que seja reconhecida a improcedência do pedido de restituição de valores a parte autora; b) Reformar a sentença a fim de que não seja reconhecida amortização de 100% do saldo devedor remanescente em 15/07/2020 do contrato nº 855552907155; c) Reformar a sentença a fim de que seja invertido o ônus sucumbencial fixado, tendo em vista ainda, que a apelante não foi sucumbente nos autos, devendo a condenação imposta recair apenas sob a parte apelada; d) Alternativamente, a redução pela metade dos honorários fixados, com base no §4°do artigo 90 do CPC.
Apela o autor adesivamente, requerendo a reforma da sentença para não reconhecer a prescrição em vista da ocorrência de suspensão do prazo prescricional, considerando os efeitos da pandemia da COVID-19. Com isso, por consequência, merece acolhimento também o pleito de restituição das parcelas pagas do financiamento, desde a parcela de maio/2019.
Com contrarrazões, veio o processo para esta Corte.
É o relatório. Peço dia.
VOTO
Trata-se de processo por meio do qual o autor almeja ver reconhecido seu direito à cobertura de seguro atrelado a financiamento habitacional, em virtude da concessão de aposentaria por invalidez, com a respectiva quitação do mútuo celebrado.
O autor firmou com a CEF, em 13/12/2013, Contrato de Mútuo Habitacional - Programa Minha Casa, Minha Vida - com utilização do FGTS (evento 1, OUT4).
Referido financiamento imobiliário é garantido pelo Fundo Garantidor da Habitação Popular - FGHAB. Dentre as contingências cobertas pelo FGHAB, encontra-se o evento invalidez permanente do mutuário, com a consequente assunção por aquele Fundo do saldo devedor.
O mutuário obteve a concessão da aposentadoria por invalidez, em 10/04/2019 (evento 1, CCON6). Em 15/07/2020 (Evento 1 OUT8), o autor notificou extrajudicialmente a CEF, pleiteando a cobertura securitária para o sinistro ocorrido.
Acionada a cobertura securitária, a CEF negou-se a efetivá-la, sob a alegação de que a comunicação da invalidez ocorreu mais de um ano após a concessão do benefício pelo INSS. No indeferimento administrativo de evento 18, OUT2, a ré informa a negativa de cobertura securitária em razão do decurso do prazo de 1 (um) ano para comunicação da ocorrência ao agente financeiro, referindo-se à solicitação datada de 15/07/2020 (evento 1, OUT8).
Ressalto que em 14/10/2020, o autor pleiteou formalmente, através da Solicitação de Cobertura de Garantia por MI - para os Fundos FAR/FDS/FGHAB a cobertura securitária (Evento 12 OUT2).
Por se tratar de contrato de mútuo firmado no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, a parcela cobrada pelo agente financeiro não se trata de seguro, mas sim de uma contribuição ao FGHab - Fundo Garantidor da Habitação Popular, prevista na cláusula trigésima do instrumento contratual com base nas disposições da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009.
Não se pode confundir, portanto, a contribuição ao Fundo Garantidor da Habitação Popular - FGHAB com a contratação de cobertura securitária sobre danos físicos nos imóveis, morte e invalidez permanente do mutuário e responsabilidade civil do construtor, forte no art. 14 da Lei 4.380/64.
O regulamento do FGHAB dispõe:
Extingui-se a responsabilidade da garantia oferecida pelo FGHAB: II - em relação ao mutuário, no caso de invalidez permanente, após decorrido 1 (um) ano sem que o mutuário tenha comunicado a ocorrência ao agente financeiro, contado da data da ciência da concessão da aposentadoria por invalidez permanente: a) no caso de o mutuário ser vinculado ao Regime Geral de Previdência Social, como a data a partir da qual o mutuário é chamado pelo órgão previdenciário a comparecer em agência bancária para receber seu primeiro benefício.
No entanto, embora seja incontroverso que a comunicação da invalidez tenha ocorrido mais de um ano após a concessão da aposentadoria por invalidez (10/04/2019), o CONTRATO do autor tem uma PECULIARIDADE que deve ser levada em consideração.
Consta do contrato de financiamento:
A CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEGUNDA – COMUNICAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS À HABILITAÇÃO DO FUNDO GARANTIDOR DA HABITAÇÃO POPULAR – O(s) DEVEDOR(ES) FIDUCIANTE(S) declaram(m) estar ciente(s) e, desde já, se comprometem a informar a seus beneficiários que, em caso de ocorrência de morte, os mesmos beneficiários deverão comunicar o evento à CAIXA, por escrito e imediatamente, sob pena de perda de cobertura depois de decorridos três anos contados da data do óbito.
Parágrafo Primeiro – O(s) DEVEDOR(ES) FIDUCIANTE(S) declara(m) estar ciente, ainda, de que deverão comunicar à CAIXA a ocorrência de sua invalidez permanente ou danos físicos no imóvel objeto deste contrato e apresentar respectiva documentação;
(...)
Parágrafo Quarto – No caso de cobertura por morte ou invalidez permanente, deverão ser apresentados, no mínimo, os seguintes documentos:
I - Certidão de óbito, no caso de morte;
II – carta de concessão da aposentadoria por invalidez permanente, emitida pelo órgão previdenciário ou publicação da aposentadoria no Diário Oficial, se for funcionário público;
O contrato celebrado entre as partes, em momento algum, faz referência ao prazo prescricional ânuo, ao contrário, o único prazo prescricional expresso é trienal, conforme disposto na CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEGUNDA, acima transcrita.
Não há dúvida que o Código de Defesa do Consumidor se aplica aos contratos firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação.
Nesse sentido:
SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. CLÁUSULA DE GARANTIA. FUNDO GARANTIDOR DA HABITAÇÃO POPULAR - FGHAB. INVALIDEZ. PRECEDENTES. 1. A cobertura do Fundo Garantidor da Habitação Popular - FGHab decorre de expressa previsão legal, e pode abranger os eventos morte e invalidez permanente, bem como a ausência de pagamento das prestações em virtude de desemprego ou redução temporária da capacidade de pagamento e, ainda, despesas para a recuperação de danos físicos aos imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida. 2. Comprovada documentalmente a concessão de aposentadoria por invalidez posteriormente à celebração do contrato de financiamento, e tendo a CEF ciência inequívoca da concessão do benefício e da pretensão do mutuário em quitar o saldo devedor antes de decorrido um ano, o autor faz jus à cobertura do saldo devedor pelo FGHab a contar da concessão da aposentadoria por invalidez. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001408-72.2014.404.7219, 3ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 01/06/2016) grifou-se
Deve ser afastada, portanto, a restrição imposta pelo Regulamento do FGHAB e não replicada no contrato firmado entre as partes.
Dito isso, deve ser reformada a sentença para reconhecer o direito à cobertura securitaria pleiteada, a partir da concessão da aposentadoria por invalidez, em maio/2019, com a restituição das parcelas adimplidas desde essa data.
Quanto à impossibilidade de cobertura para a situação fática descrita na inicial, uma vez que não restou comprovado por perícia médica a ocorrência de invalidez total e permanente, mas tão somente apresentada a carta de concessão da aposentadoria, destaco que caberia à ré, tanto na via administrativa quanto na via judicial, promover a instrução probatória no sentido de demonstrar que o autor seria capaz de exercer sua atividade habitual, de modo a afastar a presunção gerada pela concessão da aposentadoria por invalidez pelo INSS, por sinal, contratualmente prevista como documento hábil para gerar a cobertura securitária, conforme Cláusula Trigésima Segunda, parágrafo quarto, do contrato (evento 1, OUT4):
Parágrafo Quarto - No caso de cobertura por morte e invalidez permanente deverão ser apresentados, no mínimo, os seguintes documentos:
(...)
II - carta de concessão da aposentadoria por invalidez permanente, emitida pelo órgão previdenciário ou publicação da aposentadoria no Diário Oficial, se for funcionário público; (Grifei)
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da CEF e dar provimento ao recurso adesivo do autor.
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Apelação Cível Nº 5004411-61.2020.4.04.7207/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
APELANTE: LUIZ ROGERIO GOULART (AUTOR)
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
sfh. fghab. cobertura securitária. invalidez permanente. prescrição. inocorrência. fato gerador. concessão do benefício.
1. O contrato celebrado entre as partes, em momento algum, faz referência ao prazo prescricional ânuo, ao contrário, o único prazo prescricional expresso é trienal, conforme disposto na CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEGUNDA.
2. Deve ser afastada, portanto, a restrição imposta pelo Regulamento do FGHAB e não replicada no contrato firmado entre as partes.
3. Quanto à impossibilidade de cobertura para a situação fática descrita na inicial, uma vez que não restou comprovado por perícia médica a ocorrência de invalidez total e permanente, mas tão somente apresentada a carta de concessão da aposentadoria, destaco que caberia à ré, tanto na via administrativa quanto na via judicial, promover a instrução probatória no sentido de demonstrar que o autor seria capaz de exercer sua atividade habitual, de modo a afastar a presunção gerada pela concessão da aposentadoria por invalidez pelo INSS, por sinal, contratualmente prevista como documento hábil para gerar a cobertura securitária, conforme Cláusula Trigésima Segunda, parágrafo quarto, do contrato (evento 1, OUT4)
4. Deve ser reformada a sentença para reconhecer o direito à cobertura securitaria pleiteada, a partir da concessão da aposentadoria por invalidez, em maio/2019, com a restituição das parcelas adimplidas desde essa data.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da CEF e dar provimento ao recurso adesivo do autor, com ressalva do entendimento da Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de junho de 2022.
Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003194327v5 e do código CRC 93b8d060.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/05/2022 A 07/06/2022
Apelação Cível Nº 5004411-61.2020.4.04.7207/SC
RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: LUIZ ROGERIO GOULART (AUTOR)
ADVOGADO: RENÊ NUNES (OAB SC005354)
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/05/2022, às 00:00, a 07/06/2022, às 14:00, na sequência 55, disponibilizada no DE de 19/05/2022.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA CEF E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DO AUTOR, COM RESSALVA DO ENTENDIMENTO DA DESEMBARGADORA FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Ressalva - GAB. 33 (Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA) - Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA.
Não obstante venha aplicando a prescrição anual para a pretensão que busca cobertura securitária de sinistro, conforme disciplinado pelo art. 206, II, do Código Civil, prazo idêntico ao previsto no art. 18, §9º, II, da Resolução do FGHab, o caso dos autos, assim como bem destacou a eminente Relatora, tem peculiaridade a justificar a adoção do prazo de prescrição trienal.
Isto porque, o único prazo descrito no contrato de financiamento era o trienal, não havendo, em momento algum, indicação de prazo anual, embora a cláusula abordasse expressamente os eventos que ensejavam a cobertura securitária. Assim, por entender que tal aspecto vincula os pactuantes, e que tal previsão pode ter induzido o segurado a erro, o caso concreto permite compreensão distinta da que comumente aplicada.
Assim, com a ressalva de entendimento, acompanho a eminente Relatora.
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:40:22.