APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000225-07.2011.4.04.7208/SC
RELATOR | : | VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | CARLOS CÉSAR CUNHA |
ADVOGADO | : | DENÍSIO DOLÁSIO BAIXO |
: | SILVANA LORENÇO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. FRAUDE NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. CANCELAMENTO. DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE. MÁ-FÉ CONFIGURADA. DESCONTO EM PARCELAS. DESCABIMENTO.
1. Tendo sido concedido o benefício mediante fraude e não sendo possível conceber a hipótese de que o autor tenha agido de boa-fé, devida a restituição dos valores recebidos indevidamente.
2. O desconto parcelado dos valores pagos além do devido, previsto no art. 115, II, § 1º da Lei nº 8.213/91, não tem cabimento na hipótese em que o próprio benefício restou integralmente cancelado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 02 de setembro de 2015.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7722884v7 e, se solicitado, do código CRC 800CAFC. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000225-07.2011.4.04.7208/SC
RELATOR | : | VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | CARLOS CÉSAR CUNHA |
ADVOGADO | : | DENÍSIO DOLÁSIO BAIXO |
: | SILVANA LORENÇO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito proposta contra o INSS, objetivando suspender o desconto de valores recebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 137.795.547-5). Subsidiariamente, requereu sejam recalculados os valores e parcelados no limite de 30% do rendimento do segurado, caso já aposentado, ou parcelados até a liquidação efetiva do débito junto à Previdência Social, de modo que não haja prejuízo ao sustento do autor e sua família.
Referiu que seu benefício teve o pagamento bloqueado em 07/2007, por suspeita de fraude em sua concessão. Alegou ter agido de boa-fé, não contribuindo para a fraude, razão pela qual não deve restituir o valor pago pela autarquia.
Sentenciando, o juízo a quo julgou improcedente o pedido e condenou o autor ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa. Custas na forma da lei.
Irresignado, o demandante apelou. Reiterou a ausência de má-fé, alegando que, quando outorgou poderes ao terceiro, também repassou quantia em dinheiro achando que seria totalmente destinada ao pagamento de contribuições referentes a períodos pretéritos, sem imaginar que estaria fraudando a Previdência. Defendeu a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé. Alegou que a planilha de cálculo apresentada não contém detalhamento dos valores. Requereu, caso se entenda cabível a restituição, o parcelamento do débito até o limite de 30% dos seus atuais proventos.
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Conforme relatado, cuida-se de examinar apelação interposta pelo autor objetivando a reforma da sentença que julgou improcedente o pedido envolvendo a inexigibilidade dos valores pagos a título de benefício previdenciário, suspenso em face de irregularidades na sua concessão.
Cumpre registrar, inicialmente, que, no exercício do princípio da autotutela, o INSS pode rever os atos administrativos praticados quando constatado erro ou equívoco por parte da Administração, desde que não se tenha verificado a decadência ou que a revisão no âmbito administrativo não viole a segurança jurídica (a ser avaliada no caso concreto, já que os administrados não podem permanecer indefinidamente sujeitos a alterações originadas da autotutela).
É sabido que a Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos quando eivados de vícios (Súmula 473 do STF).
Segundo Odete Medauar, em virtude do princípio da autotutela administrativa, "a Administração deve zelar pela legalidade de seus atos e condutas e pela adequação dos mesmos ao interesse público. Se a Administração verificar que atos e medidas contêm ilegalidades, poderá anulá-los por si própria; se concluir no sentido da inoportunidade e inconveniência, poderá revogá-los" (Medauar, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª Edição: São Paulo.2008, p. 130).
Cuidando-se de verdadeira ilegalidade, impõe-se ao ente público o dever de zelar pela regularidade de sua atuação, mesmo que não provocada.
Assim, viável a revisão Administrativa do ato concessório do benefício previdenciário.
Pelo que se depreende nos autos, a parte autora percebeu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição durante o período de 01/11/2005 a 01/07/2007.
Em auditoria interna realizada junto à APS de Tijucas, foi constatada a existência de fraude na concessão de diversos benefícios, dentre os quais se inclui o do autor, em relação ao qual foram apontadas as seguintes irregularidades:
a) Inexistência de ação judicial movida contra o INSS, a despeito de esse ter sido o fundamento da concessão;
b) Inexistência de processo administrativo referente ao benefício;
c) Insuficiência de tempo de contribuição do autor constante do CNIS;
d) Divergência entre o tempo de contribuição do autor constante do CNIS e aquele considerado na concessão do benefício.
Em 03/09/2008, o benefício foi cessado após oportunizada a interposição dos recursos administrativos cabíveis. Na oportunidade, foi determinado que a demandante procedesse à devolução dos valores recebidos durante o período anteriormente referido.
Feito o breve relato, necessário para bem compreender o caso dos autos, antecipo desde já o entendimento de que não assiste razão ao recorrente, motivo pelo qual a sentença deve ser mantida. Dessa forma, peço vênia para transcrevê-la, adotando seus fundamentos como razões de decidir:
Inicialmente, impende reconhecer que o INSS proporcionou ao autor a possibilidade de defesa (pág. 72-74 e 95-96), tendo cumprido, portanto, entre outros dispositivos, a Súmula nº 160 do TFR: "A suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em procedimento administrativo".
No processo administrativo em que se constataram as irregularidades foram reconhecidos 37 anos, 10 meses e 9 dias (fl. 36) de tempo de contribuição, ao passo que o autor possuía, de fato, tão-somente 13 anos, 11 meses e 3 dias (fl. 57). Aliás, no primeiro depoimento prestado pelo autor (perante a Polícia Federal, fl. 164), informou que teria pagado R$ 17.000,00 (dezessete mil reais) para Paulinho, sendo que este "nunca comentou a quem se destinariam tais valores" e o autor "também nunca perguntou". Em juízo, confirmou que Paulinho lhe disse "que a pessoa do INSS teria informado que o autor deveria pagar R$ 17.000,00 de atrasados para se aposentar (...), que o autor perguntou se daquele valor o servidor do INSS receberia alguma parte, respondendo o cunhado que 'sim', no montante de R$ 1.500,00 daquele total" (fl. 137v).
A confissão do pagamento de tal quantia para obtenção do benefício previdenciário demonstra, de forma inquestionável, que o autor não agiu de boa-fé durante o ocorrido, razão pela qual há que prevalecer a decisão administrativa que apurou a fraude na concessão do benefício do autor e impôs-lhe a devolução das parcelas irregularmente recebidas.
Destarte, cumpre aplicar ao caso em exame o § 2º, do art. 154, do Regulamento da Previdência Social - RPS (Decreto nº 3.048/1999, com redação atualizada pelo Decreto nº 5.699/2006). Tal dispositivo determina que a restituição de valores previdenciários recebidos indevidamente, quando comprovada fraude, deverá ser efetuada de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244 do RPS, com atualização dos valores nos moldes do art. 175 do mesmo regulamento. O parcelamento do débito, se assim desejar, deverá ser obtido administrativamente, mediante requerimento do autor junto à autarquia previdenciária.
É importante mencionar que, no caso em análise, não se trata de extravio do processo administrativo, mas de inexistência de processo para concessão do benefício, motivo pelo qual a autarquia solicitou ao autor a apresentação dos documentos fundamentais à concessão do benefício pleiteado.
Conforme observado pelo juízo a quo, há diversas circunstâncias que evidenciavam a existência de fraude na concessão da aposentadoria, a exemplo do que ocorreu com outros benefícios concedidos na Agência do INSS de Tijucas/SC, que inclusive ensejaram operação especial da Polícia Federal (Operação Iceberg), amplamente divulgada.
A principal alegação de que o benefício foi obtido por intermédio de terceiro não demonstra, por si só, que o autor não tinha conhecimento da fraude.
Com efeito, o tempo de contribuição totalizado no CNIS em nome do autor na DER (01/11/2005) era de apenas 13 anos, 11 meses e 3 dias (evento 2 - CONTESTA9, pág. 33), ao passo que o tempo totalizado de modo fraudulento foi de mais de 37 anos.
A idade do autor na DER era de 48 anos, pois nascido em 11/01/1957.
A renda do benefício cancelado, em 2005, era de R$ 1.870,00.
Em depoimento prestado na Polícia Federal (evento 2 - OUT17, pág. 24), o autor afirmou que conseguiu o benefício por intermédio de seu cunhado Pedro Paulo Reis, vulgo Paulinho; que pagou a este a quantia de R$ 17.000,00 para obter o benefício; que Paulinho não mencionou a quem se destinaria o dinheiro, e o autor tampouco perguntou; que o pagamento ocorreu dias após o recebimento da carta de concessão. Além disso, referiu ter perquirido Paulinho acerca do fato de constar na carta de concessão endereço no bairro Morretes, em Itapema, onde nunca morou, tendo aquele dito que era para dar celeridade junto ao INSS de Tijucas.
Inquirido em juízo, o autor, após confirmar os termos do depoimento prestado na Polícia Federal (evento 2 - AUDIÊNCI24), retificou-o em parte, alegando que entregou os valores antes de receber a carta de concessão, e que acreditava que o montante seria destinado ao pagamento de contribuições referentes a períodos pretéritos. Disse ainda ter perguntado ao seu cunhado se daquele valor o servidor do INSS receberia alguma parte, ao que foi respondido afirmativamente; que não estranhou ter se aposentado com 48 anos porque trabalhava desde os 12 anos; que recolhia INSS sobre 2 ou 3 salários e que estranhou o valor do benefício, por ser elevado, mas a funcionária do INSS de Tijucas disse que estava tudo certo.
Diante desse contexto, não é crível que o autor sequer suspeitasse da existência de irregularidade no ato de concessão, seja pelo tempo de contribuição considerado na concessão de sua aposentadoria, muito superior àquele efetivamente trabalhado, pelo valor do benefício concedido ou mesmo pelo montante pago para que terceira pessoa providenciasse sua aposentadoria junto à Previdência, o que muito bem demonstra a ausência de boa-fé de sua parte.
Em relação ao argumento de que o autor teria agido de boa-fé porque acreditava que o dinheiro desembolsado seria destinado ao pagamento de contribuições referentes a períodos pretéritos, observo que, inicialmente, o autor afirmou que o pagamento ocorreu após o recebimento da carta de concessão; posteriormente, alegou que se destinava ao pagamento de contribuições em atraso, porém admitiu ter sido informado de que servidor do INSS receberia parcela daquele montante.
Dessa forma, tendo sido concedido o benefício mediante fraude e não sendo possível conceber a hipótese de que o autor tenha agido de boa-fé, pois há indicação de ter, no mínimo, aceitado a possibilidade de que fora irregularmente concedido, os valores indevidamente pagos e apurados devem por ele ser ressarcidos.
Devida a restituição, não vejo como a parte autora possa se valer da previsão contida no art. 115, II, § 1º da Lei nº 8.213, na medida em que o desconto feito em parcelas naqueles moldes somente está reservado para as hipóteses de pagamento de benefício além do devido, salvo má-fé. No caso, está se tratando do próprio benefício que restou integralmente cancelado, razão pela qual o percentual de 30% nem sequer terá base para incidir.
Quanto ao pedido de recálculo do débito, a autora não formulou nenhuma impugnação específica, limitando-se a afirmar que a planilha apresentada pelo INSS está totalmente obscura sem nenhum tipo de detalhamento quanto à aplicação de juros, correções e diferenças ali descritas.
No entanto, a planilha (evento 2 - CONTESTA9, pág. 46) contém os valores recebidos pelo autor no período entre novembro de 2005 e julho de 2007, acrescidos apenas de correção monetária pelos índices indicados (Portaria MPS n. 324, de 14/10/2008), não havendo como acolher a pretensão neste ponto.
Mantém-se, portanto, a sentença.
Prequestionamento
Quanto ao prequestionamento, não há necessidade de o julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamentam sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria através do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13-09-99).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 02/09/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000225-07.2011.4.04.7208/SC
ORIGEM: SC 50002250720114047208
RELATOR | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Márcia Neves Pinto |
APELANTE | : | CARLOS CÉSAR CUNHA |
ADVOGADO | : | DENÍSIO DOLÁSIO BAIXO |
: | SILVANA LORENÇO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02/09/2015, na seqüência 759, disponibilizada no DE de 19/08/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7812019v1 e, se solicitado, do código CRC 1879AA89. | |
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