APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002572-29.2014.4.04.7007/PR
RELATOR | : | ANA CARINE BUSATO DAROS |
APELANTE | : | IVANI TEREZINHA DALAZEN |
ADVOGADO | : | ANDERSON MACOHIN |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. IMPRESCINDIBILIDADE DA PROVA ORAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. É pacífica a jurisprudência no sentido de que, em se tratando de segurado especial, é exigível início de prova material complementado por prova testemunhal a fim de ser verificado o efetivo exercício da atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar.
2. Presente o início de prova documental do labor rurícola e ausente a prova oral, imprescindível para a solução da lide posta em Juízo, deve ser anulada a sentença, a fim de que seja reaberta a instrução processual e oportunizada a inquirição de testemunhas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, anular de ofício a sentença, determinando o retorno dos autos à origem com o fim de que seja reaberta a fase instrutória, ficando prejudicado o recurso da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2017.
Ana Carine Busato Daros
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Ana Carine Busato Daros, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8747762v11 e, se solicitado, do código CRC 117FF643. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002572-29.2014.4.04.7007/PR
RELATOR | : | ANA CARINE BUSATO DAROS |
APELANTE | : | IVANI TEREZINHA DALAZEN |
ADVOGADO | : | ANDERSON MACOHIN |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
A parte autora pretende obter a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 147.793.904-8, DER em 25-05-2010) mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural exercido de 27-05-0968 a 26-05-1970.
Após regular instrução, é prolatada sentença, julgando improcedente o pedido.
Irresignada, a parte autora apela. Em suas razões, defende o exercício de atividade rural no período que busca ver reconhecido.
Decorrido o prazo para contrarrazões, os autos são remetidos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Tempo de serviço rural
Quanto ao reconhecimento de trabalho rural aplicam-se as seguintes regras gerais:
1 - Exige-se início de prova material do exercício da atividade rural, nos termos do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/91, que pode ser entendido como a presença de quaisquer dos documentos relacionados no parágrafo único do art. 106 da Lei n. 8.213/91, cujo rol não é exaustivo, não se admitindo a prova exclusivamente testemunhal para fins de comprovação do exercício da atividade rurícola, conforme entendimento sedimentado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário").
2 - Admite-se a utilização de documentos em nome de terceiros membros do grupo familiar, conforme entendimento já consolidado através da Súmula n.° 73 do TRF da 4ª Região ("Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental").
3 - Admite-se, também, a descontinuidade da prova documental, bem como a ampliação da abrangência do início de prova material a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal. Com efeito, para caracterizar o início de prova material não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, seja porque a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. O início de prova material deve viabilizar, em conjunto com a prova oral, um juízo de valor seguro acerca da situação fática. Nesse sentido o STJ, recentemente, editou a Súmula 577, cujo teor é o seguinte: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentando, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório" (Recursos Especiais 1.321.493 e 1.348.633).
4 - O exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
5 - O tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
6 - A utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
7 - Segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença".
8 - No que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal.
Estabelecidas essas premissas legais, passo à análise do caso concreto.
DO TEMPO RURAL - CASO CONCRETO
O exercício da atividade rural deve ser demonstrado por início de prova material corroborado por prova testemunhal, de modo a evidenciar o efetivo desempenho da atividade nos termos do art. 11, VII e § 1º, da Lei 8.213/91.
No caso dos autos, para fazer prova do exercício de atividades rurais, a autora acostou ao processo, dentre outros, os seguintes documentos:
- escritura pública, dando conta da aquisição de terreno rural pelo pai da autora, em 1958, no interior de Itatiba do Sul/RS;
- ficha de inscrição do pai da autora no sindicato dos trabalhadores rurais de Itatiba do Sul/RS, com admissão em dezembro de 1968 e exclusão em janeiro de 1973, com a observação que houve transferência para o Paraná.
Na Justificação Administrativa (evento 43), a autora, conforme consignado na sentença, afirmou que trabalhou desde criança na agricultura em imóvel rural de propriedade de seu pai, localizado no interior do município de Itatiba/RS, na linha Lageado das Pedras; eram 27 alqueires; eram em oito irmãos; em 1970, veio com a família morar no interior do município de Ampére/PR, na Linha Francio; ali eram 22 alqueires e plantavam em 80%; nos dois locais, sua família sempre sobreviveu somente da renda auferida com a atividade agrícola; trabalhavam em regime de economia familiar; tinham uma trilhadeira; o restante do serviço era manual; sempre trabalhou nessa condição; a produção destinava-se basicamente para o consumo familiar, sendo vendido o que sobrava; no Paraná, o pai contratava um peão que, durante um mês, trabalhava uns 15 dias; estudou na escola Tiradentes até o terceiro ano do primário, no Rio Grande do Sul; no Paraná, estudou até a sexta série no Colégio Cândido Portinari; permaneceu trabalhando como agricultora até julho de 1990.
Duas das testemunhas ouvidas, Iracema Stahelski e Valter Rabaioli afirmaram que conhecem a autora somente quando ela passou a morar com a família na Linha Francio, no interior de Ampére/PR, em uma propriedade rural adquirida por seu pai, posteriormente ao período que busca reconhecer.
Por outro lado, a testemunha Nadir Biancheto de Costa já conhecia a autora do tempo em que morou no Rio Grande do Sul, pois seus pais possuíam terras na mesma localidade. Contudo, apenas descreveu como era o trabalho rural da requerente e de seus familiares após o ano de 1970, quando já residiam no Paraná, na Linha Francio, onde se tornaram vizinhas novamente.
Tal lacuna no depoimento pode ser reputada à falta de perguntas específicas sobre o período em que a autora vivia com a família no Rio Grande do Sul, considerando que na justificação nada é consignado a esse respeito.
Na espécie, pretendendo a parte demandante a comprovação do labor rural, é assente que a prova testemunhal não pode ser desprezada, vez que objetiva complementar a prova documental já juntada aos autos, de modo a eventualmente demonstrar o efetivo labor rurícola, as atividades desempenhadas, os locais e as condições de tais atividades, requisitos necessários para obter-se um juízo de certeza a respeito da situação fática posta perante o juízo.
Assim sendo, tendo em vista que os depoentes na via administrativa pouco esclarecem acerca do período de labor rural que a autora pretende ver reconhecido na presente ação (27-05-1968 a 26-05-1970), além do fato de que a parte não pode ser privada do direito de fazer prova no juízo, e considerando, ainda, a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais na sua grande maioria são exercitadas por pessoas hipossuficientes, circunstância que, via de regra, resulta na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional, deve ser-lhe concedida a oportunidade de fornecer ao Juízo depoimentos testemunhais que eventualmente tenham o condão de demonstrar as condições em que exercida a atividade rurícola.
De fato, para a comprovação do tempo de labor como segurado especial, faz-se necessária a juntada de quaisquer documentos constantes do elenco do artigo 106 da Lei n.º 8.213, de 24/07/1991. Devem os documentos, todavia, ser complementados por prova testemunhal idônea e consistente.
Nesse sentido, colacionam-se as seguintes decisões dessa Corte:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. NÃO AUTO-APLICABILIDADE DO INC-1 DO ART-202 DA CF-88. INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES AGRÍCOLAS.
1. (omissis).
2. (omissis).
3. No entanto, contestada a ação sob a égide da Lei-8213/91, e tendo a autora juntado aos autos início razoável de prova material de seu efetivo exercício de atividades agrícolas no período exigido por lei, causa prejuízo à demandante o julgamento antecipado da lide, sem oportunização de produção de prova oral - expressamente requerida na inicial - maculando de nulidade a sentença proferida.
4. sentença afastada de ofício, por nulidade, prejudicados os recursos.
(AC n° 9204211598-RS, 5ª Turma, Rel. Des. Virgínia Scheibe, DJU de 07/10/1998, p. 521).
PREVIDENCIÁRIO. CARÊNCIA DE AÇÃO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. LEI N.º 8.213/91. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. INSUFICIÊNCIA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. CONOTAÇÃO SOCIAL DA AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1 e 2. (...)
3. As ações de natureza previdenciária, notadamente aquelas em que se pleiteia a concessão de aposentadoria rural por idade, têm nítido caráter social, em face da notória hipossuficiência daqueles que as exercitam, devendo ser relativizado o rigorismo processual no que concerne à produção da prova necessária à demonstração do direito alegado.
4. Hipótese em que se determina a abertura da instrução processual, possibilitando à parte autora a oportunidade de fornecer ao Juízo a prova testemunhal que demonstre ou não a sua condição de segurado especial/bóia-fria.
5. Processo anulado e determinada a abertura da instrução processual.
6. Apelação da parte autora provida.
(AC n.º 2004.04.01.019282-1/PR, Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu, 6ª Turma, DJU de 27-04-2005, p. 849)
Assim sendo, não se tratando de matéria exclusivamente de direito e não estando o feito em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 515, § 3º do CPC, resta anular a sentença, para o fim de determinar o seu regular processamento, prosseguindo-se a instrução processual.
Impõe-se, assim, seja anulada a sentença, determinando-se a reabertura da instrução processual para que seja produzida prova oral relativamente ao período de 27-05-1968 a 26-05-1970, nos termos da fundamentação.
Ante o exposto, voto por anular de ofício a sentença, determinando o retorno dos autos à origem com o fim de que seja reaberta a fase instrutória, ficando prejudicado o recurso da autora.
Ana Carine Busato Daros
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002572-29.2014.4.04.7007/PR
ORIGEM: PR 50025722920144047007
INCIDENTE | : | QUESTÃO DE ORDEM |
RELATOR | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | IVANI TEREZINHA DALAZEN |
ADVOGADO | : | ANDERSON MACOHIN |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/03/2017, na seqüência 479, disponibilizada no DE de 16/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ANULAR DE OFÍCIO A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM COM O FIM DE QUE SEJA REABERTA A FASE INSTRUTÓRIA, FICANDO PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal ANA CARINE BUSATO DAROS |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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