Apelação Cível Nº 5007215-89.2021.4.04.7102/RS
RELATORA: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA
APELANTE: JOAO RODRIGO SOUSA DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A): LUCAS CARDOSO FURTADO (OAB RS114034)
ADVOGADO(A): ATILA MOURA ABELLA (OAB RS066173)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em 07/07/2021 contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, postulando a concessão do benefício de aposentadoria especial, desde a DER (15/05/2020), mediante o reconhecimento da especialidade das atividades desenvolvidas nos períodos de 22/10/1985 a 30/01/1988, 01/06/1990 a 30/03/1992, 16/06/1994 a 20/05/1998, 18/03/1999 a 07/01/2010 e 23/01/2012 a 27/07/2018. O autor pediu, ainda, indenização por dano moral. Subsidiariamente, pediu a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição e, ainda, a reafirmação da DER.
O juízo a quo, em sentença publicada em 04/11/2021, julgou parcialmente procedentes os pedidos, reconhecendo a especialidade das atividades desenvolvidas nos períodos de 22/10/1985 a 31/01/1988, 01/06/1990 a 30/03/1992 e 16/06/1994 a 20/05/1998, convertidos em tempo comum pelo fator 1,4, e determinando ao INSS sua averbação. Diante da sucumbência recíproca, condenou as partes ao pagamento de honorários advocatícios fixados nos percentuais mínimos do art. 85 do CPC, vedada a compensação e suspensa a exigibilidade em relação ao autor por ser beneficiário da justiça gratuita.
Apelou o autor postulando o reconhecimento do labor especial de 18/03/1999 a 07/01/2010 e 23/01/2012 a 27/07/2018. Subsidiariamente, pediu a anulação da sentença para produção da prova pericial requerida.
Apelou o INSS impugnando o valor atribuído à causa, por excessivamente fixado com o propósito de deslocar a competência para o rito comum ordinário. Sustentou não ter sido comprovado o exercício de labor especial nos períodos reconhecidos em sentença, uma vez que não há elementos que apontem exposição habitual e permanente a fatores nocivos no desempenho da atividade, não demonstrada a utilização da metodologia da NHO-01 da Fundacentro para avaliação do ruído, nem informada a composição e nível de concentração dos agentes químicos. Argumentou, ainda, que a utilização de EPIs eficazes neutraliza a ação nociva do agente e elide a especialidade. Por fim, pediu a distribuição proporcional dos honorários advocatícios.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Os apelos preenchem os requisitos legais de admissibilidade.
Da impugnação do valor da causa
A r. sentença proferida pela MM. Juíza Federal Andreia Momolli bem analisou a questão controvertida, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, in verbis:
Valor da causa e competência do Juízo
No que tange ao valor atribuído pela parte ao pedido de condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral, adoto o entendimento reiterado do Tribunal Regional da 4ª Região, que pode ser assim exposto:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO E DANOS MORAIS. VALORAÇÃO DA CAUSA. 1. Em se tratando de cumulação de pedidos, o valor da causa será a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (art. 292, inc. VI, do CPC). 2. A jurisprudência deste Regional estabeleceu que o valor atribuído à indenização por danos morais não pode ultrapassar ou ser desproporcional aos valores vencidos e vincendos. 3. Competência do Juizado Especial para o julgamento da demanda. (TRF4, AG 5006847-80.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 19/08/2020)
No caso dos autos, o autor apresentou cálculo do valor da causa, considerando R$ 46.796,97 de parcelas vencidas e vincendas e dano moral de R$ 20.000,00. Não é caso de correção do valor atribuído à causa, nos termos do entendimento citado.
Mantenho, assim, a competência para processamento e julgamento do feito.
Assim, não se afigurando excessivo o valor fixado a título de danos morais para fins de determinação do valor da causa, não merece provimento o apelo do INSS no ponto.
Do cerceamento de defesa
Nos termos do art. 370 do Novo CPC, como já previa o CPC/1973 no art. 130, cabe ao julgador, inclusive de ofício, determinar a produção das provas necessárias ao julgamento de mérito. Portanto, se entender encontrar-se munido de suficientes elementos de convicção, é dispensável a produção de outras. Assim, não merece acolhida o apelo do autor quanto à anulação da sentença para produção da prova pericial.
MÉRITO
Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento do exercício de atividade especial nos períodos de 22/10/1985 a 31/01/1988, 01/06/1990 a 30/03/1992 e 16/06/1994 a 20/05/1998, 18/03/1999 a 07/01/2010 e 23/01/2012 a 27/07/2018;
- à consequente concessão de aposentadoria especial, a contar da DER (15/05/2020);
- aos honorários advocatícios.
Tempo de serviço especial
O tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova, cuja previsão legislativa expressa se deu com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99. Nesse sentido é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24/9/2008; EREsp 345554/PB, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 8/3/2004; AGREsp 493.458/RS, Quinta Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU 23/6/2003; e REsp 491.338/RS, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 23/6/2003).
Isso assentado, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, em que necessária sempre a aferição de seus níveis (decibéis/ºC IBUTG), por meio de parecer técnico trazido aos autos ou, simplesmente, referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14-10-1996, que a revogou expressamente, de modo que, no interregno compreendido entre essas datas e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) após 06-03-1997, quando vigente o Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).
Exame do tempo especial no caso concreto
Passo, então, ao exame dos períodos controvertidos nesta ação, com base nos elementos contidos nos autos e na legislação de regência, para concluir pelo cabimento ou não do reconhecimento da natureza especial da atividade desenvolvida.
Períodos: (1) 22/10/1985 a 31/01/1988; (2) 01/06/1990 a 30/03/1992 e 16/06/1994 a 20/05/1998
Empresa: Desconzi & Cia Ltda. (fábrica de telhas e tijolos)
Atividade/função: (1) servente; (2) oleiro
Categoria profissional: Trabalhadores nas indústrias metalúrgicas, de vidro, de cerâmica e de plásticos
Prova: CTPS (evento 1 - procadm4, pp. 13/14); laudo pericial judicial emprestado (evento 1 - procadm4, pp. 17/29)
Enquadramento legal: item 2.5.2 (fundição, cozimento, laminação, trefilação, moldagem) do Anexo ao Decreto n.º 53.831/64
Conclusão: a atividade profissional desempenhada pela parte autora é enquadrada como especial, e a prova é adequada. Portanto, é cabível o reconhecimento da natureza especial do labor, devendo ser confirmada a sentença no ponto.
Períodos: (1) 18/03/1999 a 28/02/2004; (2) 01/03/2004 a 07/01/2010
Empresa: PRT - Prestação de Serviços de Limpeza Ltda./SulClean Serviços Ltda.
Atividade/função: servente de limpeza
Agente nocivo: agentes biológicos
Prova: CTPS (evento 1 - procadm4, p. 14); PPP - Perfil profissiográfico previdenciário (evento 1 - procadm4, pp. 30/31, 32/33); PPRA - Programa de prevenção de riscos ambientais (evento 1 - procadm4, pp. 34/39)
Enquadramento legal: item 3.0.1 (microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas) do Anexo IV do Decreto n. 2.172/97 e do Anexo IV do Decreto n. 3.048/99.
Conclusão: Segundo o formulário relativo ao primeiro período, as atividades do autor consistiam em fazer café, limpeza do chão em geral dos escritórios, limpeza dos banheiros, coleta de lixo dos escritórios, faxinas gerais, e refere na seção de fatores de risco a exposição a álcalis cáusticos. Não é possível atribuir nocividade a agentes químicos oriundos de produtos de limpeza comuns, inclusive de uso doméstico, pois os produtos de limpeza utilizados na higienização em geral, descritos no laudo técnico da empresa, detêm concentração reduzida de substâncias químicas, destinadas à remoção dos resíduos, não oferecendo risco à saúde do trabalhador. Já o formulário do segundo intervalo refere que o autor estava exposto a agentes biológicos nas atividades de limpeza de banheiros e recolhimento de lixo sanitário. Como prestava serviço na Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar, em locais com grande circulação de pessoas, as atividades efetivamente não podem ser equiparadas àquelas desenvolvidas em ambientes domésticos. Assim, considerando comprovada a exposição aos agentes biológicos no segundo período, a prova pode ser aplicada, por similaridade, ao primeiro intervalo, de modo que é cabível o reconhecimento da natureza especial do labor, devendo ser reformada a sentença no ponto.
Períodos: (1) 23/01/2012 a 19/03/2015; (2) 20/03/2015 a 01/05/2016; (3) 02/05/2016 a 27/07/2018
Empresa: SulClean Serviços Ltda.
Atividade/função: (1) servente de limpeza na Auditoria Militar; (2) servente de limpeza no Monet Plaza Shopping; (3) monitor na Sulclean
Agente nocivo: agentes biológicos (vírus, fungos e bactérias)
Prova: CTPS (evento 1 - procadm4, p. 15); PPP (evento 1 - procadm4, pp. 32/33 e 45/47); PPRA - Programa de prevenção de riscos ambientais (evento 1 - procadm4, pp. 34/39)
Enquadramento legal: item 3.0.1 (microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas) do Anexo IV do Decreto n. 2.172/97 e do Anexo IV do Decreto n. 3.048/99.
Conclusão: o agente nocivo ao qual estava exposta a parte autora está elencado como especial, e a prova é adequada. Considerando que o autor efetuava a limpeza de banheiros e recolhimento de lixo sanitário de locais frequentados por grande número de pessoas, suas tarefas não podem ser equiparadas às atividades desenvolvidas em ambientes domésticos, e os formulários atestam a exposição aos agentes biológicos nos períodos questionados. Portanto, é cabível o reconhecimento da natureza especial do labor, devendo ser reformada a sentença no ponto.
Intermitência na exposição aos agentes nocivos
A exigência de comprovação da exposição habitual e permanente do segurado a agentes nocivos para fins de caracterização da especialidade de suas atividades foi introduzida pela Lei n.º 9.032/95, razão pela qual, para períodos anteriores a 28-04-1995, a questão perde relevância.
Em relação aos intervalos posteriores a 28/04/1995, registro que a habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei n.º 9.032/95, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição é ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n. 0003929-54.2008.404.7003, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24/10/2011; EINF n. 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF n. 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; TRF4, EINF n. 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Deve-se lembrar, ainda, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
Equipamento de Proteção Individual - EPI
A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é considerada irrelevante para o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas sob exposição a agentes nocivos até 03/12/1998, data da publicação da MP 1.729/98, convertida na Lei 9.732/98, que alterou o § 2.º do artigo 58 da Lei 8.213/91.
Para os períodos posteriores, merece observância o decidido pela 3ª Seção desta Corte, ao julgar o IRDR n.º 5054341-77.2016.4.04.0000, em 22/11/2017, quando fixada a seguinte tese jurídica:
“A mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário.”
Conforme estabelecido no precedente citado, tem-se que a mera anotação acerca da eficácia dos equipamentos protetivos no PPP apenas pode ser considerada suficiente para o afastamento da especialidade do labor caso não contestada pelo segurado.
Há, também, hipóteses em que é reconhecida a ineficácia dos EPIs ante a determinados agentes nocivos, como em caso de exposição a ruído, a agentes biológicos, a agentes cancerígenos e à periculosidade. Nessas circunstâncias, torna-se despiciendo o exame acerca do fornecimento e da utilização de EPIs.
Nos demais casos, a eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, mas a partir de toda e qualquer forma pela qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida.
No caso dos autos, relativamente ao período a partir de dezembro de 1998, há apenas referências genéricas ao fornecimento e/ou utilização de EPIs, sem afirmação categórica de que os efeitos nocivos do agente insalutífero tenham sido neutralizados ou ao menos reduzidos a níveis aceitáveis, de forma que não resta elidida a natureza especial da atividade.
Especificamente, o próprio INSS, mediante a Resolução INSS/PRES n.º 600 de 2017, aprovou o chamado "Manual de Aposentadoria Especial", o qual, no item 3.1.5 do "Capítulo II - Agentes Nocivos" expressamente reconhece a ineficácia de EPIs em relação a agentes biológicos.
Requisitos para concessão de aposentadoria especial
A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, é devida ao segurado que, além da carência, tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.
Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversão de tempo de serviço especial em comum, pois o que enseja a outorga do benefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na norma em comento (15, 20, ou 25 anos), sob condições nocivas.
Direito à aposentadoria especial no caso concreto
No caso em exame, considerado o presente provimento judicial, a parte autora contava com 25 anos, 4 meses e 7 dias de tempo de serviço especial até 12/11/2019.
Assim, em 13/11/2019, antes da vigência das regras da Ementa Constitucional nº 103/2019, o autor já implementava os requisitos para a concessão do benefício, e, portanto, tem direito adquirido à concessão do benefício desde a DER (15/05/2020), a ser calculado em 13/11/2019.
Os salários de contribuição que integrarão o período básico de cálculo (PBC) deverão ser atualizados até a data em que reconhecido o direito adquirido, apurando-se nessa data a renda mensal inicial (RMI), a qual deverá ser reajustada, nos mesmos meses e índices oficiais de reajustamento utilizados para os benefícios em manutenção, até a data do início do benefício (DIB).
A carência necessária à obtenção do benefício de aposentadoria no ano de 2020 (art. 142 da Lei n.º 8.213/91) restou cumprida, tendo em vista que a parte autora possuía mais de 180 contribuições na DER.
Da necessidade de afastamento da atividade especial
No julgamento do Tema 709, em sede de embargos de declaração julgados em 23/02/2021, o STF fixou a seguinte tese:
"I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.
II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão"
Definida, em decisão com efeitos vinculantes, a questão da constitucionalidade da norma que veda a percepção de aposentadoria especial pelo segurado que permanece em atividade classificada como especial ou que a ela retorna, e estabelecida a eficácia da decisão, impõe-se assegurar à Autarquia previdenciária a possibilidade de proceder à verificação quanto à permanência do segurado no exercício de atividade classificada como especial ou quanto ao seu retorno. Uma vez verificada a continuidade ou o retorno do labor especial, poderá cessar (suspender) o pagamento do benefício previdenciário em questão, sem prejuízo do pagamento dos valores vencidos desde o termo inicial do benefício até a data da cessação.
Ressalte-se que, nos casos específicos de profissionais de saúde constantes do rol do art. 3º-J, da Lei nº 13.979/2020, e que estejam trabalhando diretamente no combate à epidemia do COVID-19, ou prestando serviços de atendimento a pessoas atingidas pela doença em hospitais ou instituições congêneres, públicos ou privados, encontram-se suspensos os efeitos do decidido pelo STF no caso, nos termos da decisão liminar proferida pelo Exmo. Min. Relator Dias Toffoli. Em tais casos, deverá ser observado pelo juízo de origem, oportunamente, o que vier a ser decidido pelo tribunal superior quanto ao ponto.
Dessa forma, cumprindo com os requisitos tempo de serviço e carência, a parte autora tem direito:
- à implementação do benefício de aposentadoria especial, desde a data do requerimento;
- ao pagamento das parcelas vencidas.
Quanto à data de início do benefício, esta deve ser fixada na DER, porquanto o direito já se incorpora ao seu patrimônio jurídico do segurado na data do implemento das condições necessárias à inativação, tendo exercitado seu direito por ocasião do requerimento administrativo (TRF/4ª Região, EIAC n.º 2003.71.08.012162-1, 3ª Seção, Rel. Des. João Batista Pinto da Silveira, D.E. de 19/08/2009).
Registre-se, em tempo, que o caso em análise não se amolda à questão em exame pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1.124, pois acostadas, ainda na esfera administrativa, provas suficientes para o reconhecimento do direito alegado.
Transcorridos menos de cinco anos entre a DER (15/05/2020) e o ajuizamento da demanda (07/07/2021), não incide, no caso, a prescrição quinquenal.
Consectários e provimentos finais
- Correção monetária e juros de mora
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
- INPC ou IPCA em substituição à TR, conforme se tratar, respectivamente, de débito previdenciário ou não, a partir de 30/06/2009, diante da inconstitucionalidade do uso da TR, consoante decidido pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no tema 905.
Os juros de mora, por sua vez, devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o artigo 3º da Emenda n. 113, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
Honorários advocatícios
Diante da sucumbência recíproca, os honorários de sucumbência a cargo do INSS devem ser fixados originariamente em 10% sobre as parcelas vencidas, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC. Conforme a Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, a verba honorária deve incidir sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (acórdão).
Negado provimento ao recurso do INSS, deve ser observada, em cumprimento de sentença, a majoração de 50% da verba honorária fixada, pela incidência do §11 do artigo 85 do CPC.
De outro lado, a parte autora deve arcar com honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da diferença entre a pretensão máxima postulada e aquela efetivamente deferida, observada a suspensão da exigibilidade da verba por conta da gratuidade da justiça deferida.
Tutela específica - implantação do benefício
Possível desde logo a determinação de implantação do benefício, sem prejuízo da respectiva cessação, caso o INSS verifique que o segurado permaneceu ou retornou ao exercício de atividade especial, nos termos da decisão do STF no tema 709.
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do CPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | 1897181580 |
ESPÉCIE | Aposentadoria Especial |
DIB | 15/05/2020 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES |
Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Conclusão
Apelação do INSS desprovida. Apelação do autor provida, para reconhecer a especialidade dos períodos de 18/03/1999 a 07/01/2010 e 23/01/2012 a 27/07/2018 e conceder a aposentadoria especial na DER.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS, dar provimento à apelação do autor e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004324336v23 e do código CRC aa3ee035.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5007215-89.2021.4.04.7102/RS
RELATORA: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA
APELANTE: JOAO RODRIGO SOUSA DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A): LUCAS CARDOSO FURTADO (OAB RS114034)
ADVOGADO(A): ATILA MOURA ABELLA (OAB RS066173)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS biológicos. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. epis. APOSENTADORIA especial. CONCESSÃO.
1. Não havendo excesso no valor postulado a título de danos morais para fins de composição do valor atribuído à causa, não merece provimento a impugnação do INSS.
2. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
3. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
4. A exposição a agentes biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
5. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Precedentes desta Corte.
6. Não havendo provas consistentes de que o uso de EPIs neutralizava os efeitos dos agentes nocivos a que foi exposto o segurado durante o período laboral, deve-se enquadrar a respectiva atividade como especial. A eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, como luvas, máscaras e protetores auriculares, mas a partir de todo e qualquer meio pelo qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida.
7. Implementados mais de 25 anos de tempo de atividade sob condições nocivas e cumprida a carência mínima, é devida a concessão do benefício de aposentadoria especial, a contar da data do requerimento administrativo, nos termos do § 2º do art. 57 c/c art. 49, II, da Lei n. 8.213/91.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, dar provimento à apelação do autor e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004324337v8 e do código CRC c3074b66.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/02/2024 A 21/02/2024
Apelação Cível Nº 5007215-89.2021.4.04.7102/RS
RELATORA: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
APELANTE: JOAO RODRIGO SOUSA DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A): LUCAS CARDOSO FURTADO (OAB RS114034)
ADVOGADO(A): ATILA MOURA ABELLA (OAB RS066173)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/02/2024, às 00:00, a 21/02/2024, às 16:00, na sequência 103, disponibilizada no DE de 31/01/2024.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA
Votante: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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