Apelação Cível Nº 5005987-87.2019.4.04.7122/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: TERESA SERRA OTTO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente pedido de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez.
A parte autora apelou alegando cerceamento de defesa pelo indeferimento de perícia com especialista em ortopedia, requerendo a anulação da sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Cerceamento de defesa
A parte autora afirma que houve cerceamento de defesa pelo indeferimento da realização de perícia ortopédica.
Com razão. A causa de pedir incluída na inicial refere também a existência de problemas ortopédicos, os quais são demonstrados por atestados e exames complementares juntados aos autos.
Entretanto, havendo, nos autos, elementos suficientes para decidir a lide, não há falar em nulidade da sentença e necessidade de realização de perícia diversa.
Benefício por incapacidade
Conforme o disposto no art. 59 da Lei n.º 8.213/91, o auxílio-doença é devido ao segurado que, havendo cumprido o período de carência, salvo as exceções legalmente previstas, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
A aposentadoria por invalidez, por sua vez, será concedida ao segurado que, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nessa condição, nos termos do art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social.
A lei de regência estabelece que a carência exigida para a obtenção desses benefícios é de 12 (doze) contribuições mensais (art. 25, I), salvo nos casos legalmente previstos.
Em sendo a incapacidade anterior à filiação ao RGPS, ou à recuperação da condição de segurado, resulta afastada a cobertura previdenciária (art. 42, §2º e art. 59, §1º).
Caso concreto
A autora, doméstica, desempregada, nascida em 09/08/64, ajuizou ação em 19/07/19, objetivando a concessão de auxílio-doença em razão de transtorno afetivo bipolar, episódio atual grave com sintomas psicóticos e doença ortopédica. Referiu que requereu auxílio-doença em 14/02/07 (NB 519.546.210-7), requerendo a concessão de benefício desde então e a conversão em aposentadoria por invalidez.
Houve emenda da inicial para esclarecer que o benefício cessado em 14/06/19 e objeto dos autos é o 624.554.400-2 (ev. 13)
- Incapacidade
Durante a instrução processual, em 04/11/19, foi realizada perícia médica por psiquiatra que não constatou incapacidade em decorrência de - F33.0 - Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve - F41.2 - Transtorno misto ansioso e depressivo.
A parte autora requereu a realização de perícia com ortopedista, sobrevindo a sentença de improcedência.
Registre-se que, ao decidir, esta Corte não está vinculada às conclusões do laudo pericial, havendo elementos substanciais nos autos que apontam para solução diversa da aventada na perícia. É o caso dos autos.
Constam dos autos diversos atestados médicos de psiquiatras e psicólogos credenciados à rede municipal de saúde, o último de 12/06/19, indicando que a autora vem em tratamento psiquiátrico desde 2001, em uso de diversas medicações, que diminuem seus reflexos e capacidade motora, com períodos de agudização importantes e histórico de internações prévias, prognóstico reservado, todos eles referindo incapacidade sem previsão de alta. Consta, também, atestado de cirurgião-geral, de 08/01/18 informando dor no ombro direito há três semanas, com piora movimentos MSD. Foram juntados, ainda, tomografia computadoriza de 09/07/18, informando discopatia degenerativa da coluna lombar, com protusão discal e sinais de compressão medula nível C5/C6 e ecografia ombro direito de 08/01/18 que informa cápsula articular levemente distendida. A autora possui histórico de internações prévias em 2009, com relatos de dor no peito, desmaios, taquicardia (atestmed3 e examed7, ev. 1).
Conforme Plenus, recebeu NB 5179387945 de 15/09/06 a 11/07/17 em razão de F31.6 (transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto e benefício 6245544002, de 28/06/19 a 14/06/19.
De perícias realizadas em processo anteriormente ajuizado, constata-se que a autora é também portadora de problemas cardiológicos, sendo diagnosticada como portadora de Arritmia cardíaca não especificada (I499) - Hipertensão essencial (primária) (I10) - (laudo1, ev. 2) :
Trabalhava como empregada doméstica até 2004. Relata que ficou deprimida desde que o seu marido faleceu. Diz que já se sentia depressiva anteriormente e com a morte de seu companheiro os sintomas se agravaram. Informa que vem realizando tratamento psiquiátrico e se sente melhor. Atualmente, a sua maior queixa está relacionada aos sintomas cardiovasculares. Diz que tem arritmias cardíacas e está sendo avaliada para a colocação de marca passo. Reside com o filho mais jovem, de 19 anos e realiza as atividades domésticas com poucas limitações. Na entrevista, mostra-se cooperante, com bom discernimento e capacidade argumentativa. Mostra ansiedade e depressão com a possibilidade de perder o benefício. Está preocupada com a situação financeira.
Exames físicos e complementares: Não foi realizado exame físico na presente avaliação. Realiza tratamento na Rede Municipal de Saúde. Refere que atualmente não existe psiquiatra no posto de saúde. Apresenta atestado do médico psiquiatra CRM 32249. Tem prescrição de Paroxetina, Amitriptilina, Carbamazepina, Lamotrigina e Clonazepan. Não comprova adesão e regularidade no tratamento psiquiátrico. Também faz uso de medicação cardiológica.
Justificativa/conclusão: Autos cuidados adequados, orientada, lúcida, afeto hipomodulado, humor levemente depressivo, sem alterações de curso ou conteúdo de pensamento, memória preservada, informa bem, inteligência aferida como na média, sem referencia de alterações de sensopercepção, juízo crítico preservado. No presente exame NÃO encontro elementos objetivos que me façam ter a convicção da existência de incapacidade laborativa devido a sintomas psiquiátricos. Existe a possibilidade de apresentar limitação cardiológica.
...
Histórico da doença atual: A autora é hipertensa. Refere que tem arritmia cardiaca. Apresentou Relatório de Estudo eletrofisiológico invasivo e ablação percutânea por cateter com radiofrequência de 28.04.2010: Ablação da região de via de saída de VD por apresentar taquicardia ventricular monomórfica não sustentada. Está em uso de Sotalol120mg 2xs ao dia. Atendimento de emergência de 01.09.2017 por falta de ar e desmaios. Exames realizados normais
O ser humano é um grande sistema, composto de vários elementos (órgãos) e subsistemas. Não pode ser avaliado de forma segmentada, mas pelo todo, de forma holística. Assim, quando há muitas doenças - todas elas demonstradas aqui - a circunstância de, individualmente, cada patologia não ser, em tese, incapacitante, não afasta a possibilidade de, por estarem todas relacionadas ao mesmo organismo, conduzirem à impossibilidade do desempenho de atividade laborativa.
Como se verifica dos autos, a parte autora é portadora de patologia psiquiátrica incapacitante de longa data, estando em gozo de benefício por muitos anos, possuindo, ainda, problemas ortopédicos e cardiológicos, fazendo jus ao restabelecimento do auxílio-doença desde 14/06/19.
Cabível, portanto, o restabelecimento do auxílio doença desde que indevidamente cessado, frente à constatação de que nesta ocasião o segurado já se encontrava impossibilitado de trabalhar, e a respectiva conversão em aposentadoria por invalidez na data desse julgamento, quando constatada, no confronto com os demais elementos de prova, como idade avançada, baixa instrução e experiência profissional restrita, a condição definitiva da incapacidade, haja vista a remota possibilidade de recuperação ou de reabilitação profissional.
Consectários e provimento finais
- Correção monetária
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei n.º 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/97, foi afastada pelo STF no julgamento do tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, com trânsito em julgado em 03/03/2020.
No julgamento do tema 905, através do REsp 1.495146, e interpretando o julgamento do STF, transitado em julgado em 11/02/2020, o STJ definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, no recurso representativo da controvérsia e que, aos previdenciários, voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Honorários Advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.
Considerando a natureza previdenciária da causa, bem como a existência de parcelas vencidas, e tendo presente que o valor da condenação não excederá de 200 salários mínimos, os honorários de sucumbência devem ser fixados originariamente em 10% sobre as parcelas vencidas, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC. Conforme a Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, a verba honorária deve incidir sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (acórdão).
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei n.º 9.289/96).
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Dados para cumprimento: ( X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 624.554.400-2 |
Espécie | aposentadoria por invalidez |
DIB | data desse julgamento |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | sem DCB |
RMI | a apurar |
Observações | conversão do auxílio-doença (624.554.400-2), cessado em 14/06/19, em aposentadoria por invalidez a partir dessa data |
Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de vinte dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
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Apelação Cível Nº 5005987-87.2019.4.04.7122/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: TERESA SERRA OTTO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. INCAPACIDADE COMPROVADA. AUXÍLIO-DOENÇA. RESTABELECIMENTO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. CONCESSÃO.
Cabível o restabelecimento do auxílio doença desde que indevidamente cessado, frente à constatação de que nesta ocasião o segurado já se encontrava impossibilitado de trabalhar, e a respectiva conversão em aposentadoria por invalidez na data do julgamento, quando constatada, no confronto com os demais elementos de prova, a condição definitiva da incapacidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de fevereiro de 2021.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002278094v3 e do código CRC 0f7af4e2.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 10/02/2021
Apelação Cível Nº 5005987-87.2019.4.04.7122/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: TERESA SERRA OTTO (AUTOR)
ADVOGADO: VAGNER STOFFELS CLAUDINO (OAB RS081332)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 10/02/2021, na sequência 543, disponibilizada no DE de 29/01/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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