APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5001562-95.2010.4.04.7004/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOSE BORGES DE FREITAS |
ADVOGADO | : | JOÃO LUIZ SPANCERSKI |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO.
Estando a decisão da Turma de acordo com o entendimento externado pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso especial repetitivo, não se aplica, no caso, o artigo 1.040, Inciso II, do Código de Processo Civil/2015.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, manifestar a subsistência do julgado proferido pela Turma no sentido de negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial e determinar a implantação do benefício, determinando o retorno dos autos à egrégia Vice-Presidência, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de setembro de 2016.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8549209v4 e, se solicitado, do código CRC 772AD572. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 22/09/2016 12:49 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5001562-95.2010.4.04.7004/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOSE BORGES DE FREITAS |
ADVOGADO | : | JOÃO LUIZ SPANCERSKI |
RELATÓRIO
Na forma do art. 1.040, Inciso II, do Código de Processo Civil/2015, vieram os autos da Vice-Presidência da Corte para eventual juízo de retratação, em razão do julgamento do Tema nº 642 pelo STJ, conforme exposto na decisão da Vice-Presidência que assim dispôs (Evento 59):
O entendimento desta Corte diverge, s.m.j., da solução que lhe emprestou o STJ, o qual pacificou o(s) assunto(s) ora tratado(s) nos seguintes termos:
Tema STJ nº 642 - O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.
Remetam-se, pois, os autos à Turma/Seção deste Regional para reexame, consoante previsto no art. 1030, II, ou no art. 1040, II, do Novo CPC.
Intimem-se.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, em relação ao juízo de retratação, assim estabelece o art. 1.040, Inciso II, do Código de Processo Civil/2015:
Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
(...)
II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
No caso, vieram os autos da Vice-Presidência para análise de possível retratação quanto ao segurado especial ter que estar laborando na agricultura quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer o seu benefício, conforme o entendimento do STJ, no recurso especial repetitivo (nº 1.354.908/SP), vinculado ao Tema nº 642, representativo da controvérsia, por seu turno, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016
Posto isto, passo a analisar a questão posta.
No caso concreto, entendo não estar presente situação que justifique a retratação, pois analisando-se o processo, verifica-se que o feito foi instruído com início de prova material e corroborado pela prova testemunhal colhida, demonstrando o exercício de atividades rurais pela parte autora no período de carência, ou seja, de 15-06-1993 a 15-06-2005. Nesse sentido, transcrevo parte da decisão desta Turma (Evento 5):
"O Magistrado a quo deslindou com muita propriedade a questão posta nos autos, razão pela qual adoto a sua fundamentação como razão de decidir (Evento n.º 29, SENT1):
'(...).
Decido.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Prejudicial de mérito: prescrição quinquenal
Nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/1991, são atingidas pela prescrição, que pode ser reconhecida de ofício (CPC, art. 219, § 5.º), todas as prestações e diferenças vencidas no período além dos 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação.
Vale frisar que, consoante entendimento jurisprudencial pacificado, nas relações de trato sucessivo em que figurar como devedora a Fazenda Pública, como na espécie, 'quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação' (Súmula n.º 85 do STJ).
No presente caso, como o pedido administrativo foi formulado em 02/08/2006 e a ação foi ajuizada em 05/11/2010, não há falar-se em prescrição, pois não houve o decurso do prazo de cinco anos.
2.2. Mérito: direito ao benefício almejado
A parte autora pleiteia a concessão do benefício de aposentadoria por idade (artigos 39, inciso I, e 143 da Lei n.º 8.213/1991), na condição de trabalhador rural volante/diarista (boia-fria).
O benefício de aposentadoria rural por idade dos trabalhadores rurais, filiados à Previdência Social ao tempo da publicação da Lei de Benefícios (Lei n.º 8.213, de 1991), a partir da vigência da Lei n.º 9.032 (DOU de 29.04.1995), requer, para a sua concessão, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher (art. 48, §1.º, da LB); b) prova do efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício (artigos 39, I, e 143 da LB, com a redação dada pela Lei n.º 9.063/1995), utilizando-se, para tanto, da tabela trazida pelo art. 142 da referida LB, de acordo com o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
A regra que exige a comprovação do exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício (artigos 39, I, e 143 da LB), com efeito, deve ser interpretada em favor do segurado, devendo, portanto, ser temperada à luz do princípio do direito adquirido e do disposto no § 1.º do art. 102 da LB. Desse modo, ainda que o benefício venha a ser requerido formalmente muito tempo após a implementação dos seus requisitos - idade e tempo de trabalho rural equivalente a um dos interregnos especificados progressivamente no artigo 142 da LB - não pode o segurado ser prejudicado. Nesse sentido: TRF4, Quinta Turma, AC n.º 2000.70.04.001306-8/PR, Relator Otávio Roberto Pamplona, DJU de 04.05.2005.
Assim, deve ser levada em conta, para a concessão da aposentadoria por idade, a data em que foram cumpridos os requisitos legais, não obstante o benefício somente seja devido a partir do efetivo requerimento administrativo. O entendimento consolidado de que para a concessão da aposentadoria por idade não é necessário que os requisitos exigidos pela lei sejam preenchidos simultaneamente, entretanto, não se aplica ao trabalhador rural, pois este deve, nos termos dos referidos artigos 39, inciso I, e 143 da LB, comprovar o exercício da atividade, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao implemento dos requisitos para a obtenção do benefício.
2.2.1. Atividade rural: análise do caso concreto
A parte autora nasceu em 15/06/1945 (evento 1, RG3), tendo completado a idade de 60 anos em 15/06/2005, e sustenta que exerceu atividades rurais no período de 1969 a 2006, como boia-fria, em diversas propriedades na região de Maria Helena e Umuarama/PR. O requerimento administrativo foi formulado em 02/08/2006.
Destarte, segundo a tabela progressiva do art. 142 da LB, para ter direito à aposentadoria no ano de 2005, a parte autora deveria comprovar o exercício de atividade rural pelo período mínimo de 144 meses no período imediatamente anterior; no ano de 2006, quando houve o pedido administrativo, a comprovação da atividade seria pelo período de 150 meses, referindo-se ao período que antecedera o requerimento.
O trabalho rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3.º, da Lei n.º 8.213/1991, e da Súmula n.º 149 do Superior Tribunal de Justiça (A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário), à exceção dos trabalhadores rurais boias-frias.
Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, o rol é meramente exemplificativo, não se exigindo prova plena do labor rural de todo o tempo que se almeja comprovar, mas tão somente um início de prova material que, consoante interpretação da lei, deve ser contemporâneo ao período, mesmo que parcialmente.
O que importa é a apresentação de documentos que caracterizem o efetivo exercício da atividade rural, os quais não necessitam figurar em nome da parte autora para serem tidos como início de prova do trabalho rural, pois não há essa exigência na lei e, normalmente, em se tratando de atividade desenvolvida pela família, os atos negociais são efetivados em nome do chefe do grupo familiar, geralmente o genitor ou o marido (nesse sentido: EDRESP 297.823/SP, STJ, 5.ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 26.08.2002, p. 283; AMS 2001.72.06.001187-6/SC, TRF da 4.ª Região, 5.ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 05.06.2002, p. 293). Nesse particular, confira-se o teor da Súmula n.º 73 do TRF da 4.ª Região: 'Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental'.
Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação, que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Cumpre ressaltar que o trabalhador rural diarista/boia-fria, como ressaltado pelo eminente Des. Federal Otávio Roberto Pamplona (TRF da 4.ª Região, 5.ª Turma, Apelação Cível - 566155, Processo: 200304010176630/PR, DJU de 16.03.2005, p. 747), traduz-se 'naquele que se desloca diariamente para propriedade rural, geralmente para executar tarefas sob empreitada. É aquele trabalhador que possui vários empregadores, porém sem qualquer formalidade: no fim da jornada recebe pelo trabalho realizado, amiúde sem recibo, e parte em busca de nova empreitada'.
Acrescento às percucientes palavras, ainda, que, em regra, o boia-fria é contratado pelo produtor rural por meio de um intermediário, conhecido popularmente por 'gato', que agencia esses trabalhadores rurais e lhes fornece o transporte para o local de desenvolvimento do trabalho, além de ser o responsável pelo pagamento.
Diante dessa peculiar situação do trabalhador diarista/boia-fria, a exigência de início de prova material para efeito de comprovação do exercício da atividade agrícola vem sendo interpretada com temperamento pela jurisprudência, podendo, inclusive, ser dispensada em casos extremos, em razão da informalidade com que é exercida a profissão e a dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições.
A situação previdenciária do trabalhador rural volante, conhecido vulgarmente por boia-fria, foi bem analisada em acórdão prolatado no e. TRF da 3.º Região, cuja relatoria coube ao Juiz Federal SANTORO FACCHINI, ementado nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. PROVA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SALÁRIOS PERICIAIS. 1 - Há de se observar que a situação do trabalhador rural não é, legalmente, a mesma, para fins previdenciários, após a edição da Lei 8.213/91. 2 - De fato, o trabalhador rural, no sistema precedente, não era obrigado a recolher contribuições, e era beneficiário do PRORURAL, instituído pelas Leis Complementares 11/71 e 16/73, que possuía um plano limitado de cobertura social, inferior ao que era garantido aos trabalhadores urbanos. 3 - Assim, a partir da nova Constituição Federal, e, particularmente, com a edição do novo plano de custeio e benefícios da Previdência Social, foi o ruralista definitivamente integrado a um sistema único, de maneira geral, com os mesmos direitos e obrigações dos empregados no setor urbano. 4 - Repita-se, a partir da edição da Lei 8.213/91, o trabalhador rural foi integrado ao sistema previdenciário geral, tornando-se segurado obrigatório, diferentemente do que ocorria no período anterior, de vigência do PRORURAL, nos termos do que preceituavam as Leis Complementares 11/71 e 16/73. 5 - Ocorre que, não obstante o trabalhador rural esteja, agora, vinculado ao sistema geral da Previdência, a questão acerca da formalização dos vínculos de trabalho, no campo, continua precária. É fato público e notório que a contratação de empregados, na área rural, continua, em muitos casos, sendo feita sem registro em carteira, e, naturalmente, sem o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social. 6 - Assim, se o trabalhador rural, mesmo após novembro de 1991, trabalhou como empregado, em caráter não eventual, não se pode exigir dele o recolhimento das contribuições sociais devidas. Outrossim, a prova da atividade rural há de ser admitida, ainda, com razoável início de prova material, complementada por depoimentos. 7 - Quanto à situação do chamado bóia-fria, o entendimento deste Relator caminhava no sentido de que tal atividade não poderia caracterizar relação de emprego formal, e que o seu enquadramento melhor se amoldaria às disposições da Lei 9.786, de 26.11.1999, que acrescentou a alínea 'g' ao artigo 11, inciso V, da Lei 8.213/91, qualificando como contribuinte individual quem 'presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, sem relação de emprego'. Entrementes, há que se reconhecer que o próprio INSS o considera como empregado. De fato, a regulamentação administrativa da autarquia (ON 2, de 11/3/1994, artigo 5, item 's', com igual redação da ON 8, de 21/3/97), considera o trabalhador volante, ou bóia-fria, como empregado. 8 - Logo, para fins previdenciários, deve o bóia-fria ser qualificado como empregado, não lhe cabendo, portanto, comprovar o recolhimento das contribuições sociais devidas, que ficam a cargo do empregador [...] 12 - Há de se considerar, também, o que dispõe o artigo 143, da mesma Lei 8.213/91. Trata-se, aqui, de disposições excepcionais e transitórias (norma de transição), estabelecendo que os trabalhadores rurais, definidos nos incisos I, alínea 'a' (empregado rural), inciso V (contribuinte individual) ou VII (segurado especial) do artigo 11, poderão, até 2006, requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, desde que, igualmente, comprovem atividade rural, no período imediatamente anterior ao requerimento, ainda que de forma descontínua, pelo prazo de carência requerido. 13 - Portanto, se a autora era empregada rural, aí incluída a situação de 'bóia-fria', não lhe cabe o recolhimento das contribuições sociais devidas. [...] Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento parcial às apelações e à remessa oficial, nos termos do voto do Relator (Apelação Cível nº 662823/SP (200103990047066), 1ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Juiz Santoro Facchini. j. 05.08.2002, DJU 18.11.2002, p. 594, destaquei).
Acolho o precedente como razão de decidir, de modo que há de ser concluído que o trabalhador rural diarista/boia-fria está dispensado de comprovar o recolhimento das contribuições previdenciárias para ter direito ao benefício de aposentadoria por idade rural ou para ter o direito à averbação do tempo de serviço rural para concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, não se podendo impedir, ainda, que seus beneficiários alcancem os benefícios a que têm direito, desde que, evidentemente, o trabalho rural seja comprovado.
Deve ser registrada a posição do TRF da 4.ª Região e da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná, de que, na ausência de regulamentação específica, confere ao trabalhador rural diarista/boia-fria o mesmo tratamento dado pela legislação ao segurado especial (TRF4, AC 2008.70.99.000910-6, 6.ª Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, D.E. 18/07/2008). Finalmente, anota-se que a Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 4.ª Região editou, recentemente, o enunciado de Súmula n.º 14, segundo o qual 'A falta de início de prova material não é impeditiva da valoração de outros meios de prova para o reconhecimento do labor rural por boia-fria'.
No caso concreto, para demonstrar o trabalho rural que alega ter exercido, a parte autora apresentou os seguintes documentos (evento 1): a) certidão de casamento celebrado em 1969, constando a profissão como sendo lavrador; b) certidões de nascimento das filhas em 1970 e 1978, onde foi qualificado como sendo lavrador (CERTCAS2).
Tais documentos, embora contenham a qualificação profissional do autor como 'lavrador', são extemporâneos ao período objeto de comprovação. Não obstante, indicam que o autor tem ligação com o meio rural, há tempos laborando nesse meio. Assim, esse indício somado à prova oral permitem concluir que o trabalho rural do autor se estendeu ao longo do tempo.
De fato, a prova oral produzida em audiência demonstra o efetivo labor rural do autor pelo tempo necessário à concessão do benefício (evento 24).
Em seu depoimento pessoal, o autor afirmou:
'Moro em Foz do Iguaçu faz três anos. Antes morava aqui em Umuarama, por cinco anos. Antes eu morava em Maria Helena/Pr, na Estrada Santa Amélia. Morava numa fazenda, de propriedade de um japonês chamado Mituira. Não me recordo o primeiro nome. A fazenda tinha cerca de 50 alqueires. Morei nesta fazenda por uns 15 anos. Depois fui morar num sítio de uma pessoa conhecida por Goiano. Não me recordo o nome dele. Na fazenda de Mituira, morava sem pagar aluguel em uma casa que havia no local e trabalhava como diarista para ele e para outros produtores rurais. Eu não era empregado de Mituira. Na fazenda era produzido café, milho e amendoim. Sempre morei com minha esposa, Maria Matilde de Freitas. Também trabalhei para o Fernandinho e para o Mariano, que eram produtores rurais da região. Sempre ia trabalhar com minha esposa. A distância entre as propriedades de Mituira e Fernandinho era pequena, cerca de 500 metros, pois eram vizinhas. Moramos cerca de dois ou três meses no sítio do Goiano, há cerca de 17 anos atrás. Depois fomos morar em uma casinha na beira da estrada, que também pertencia à Mutuira. Chegamos a trabalhar na propriedade de Caetano. Não me recordo de pessoa alguma chamada João. Não sei quem é Maria Francisca de Jesus, nem Odete. Não sei dizer se essas pessoas moravam na região ou tinham propriedade rural ali. Nunca trabalhei na cidade. Sempre ia trabalhar na roça com a minha esposa. Antes de Umuarama, nunca havia morado na cidade. Sempre em sítio ou fazenda. Faz cerca de cinco anos que me mudei para Umuarama, mas não me recordo o ano. Em Umuarama, continuei trabalhando como bóia-fria, para um ou outro produtor rural. Não sei citar nome de nenhum produtor rural para quem tenha trabalhado nesse período. As propriedades ficavam nas redondezas de Umuarama. Sempre era contratado por um 'gato', cujos nomes não me recordo. Íamos para o trabalho de carrinho de cavalo, caminhão ou a pé. Minha esposa continuou indo junto. Íamos para a roça trabalhar todos os dias.'
A testemunha Francisco Ribeiro de Novaes Filho disse conhecer o autor e a esposa há 19 anos, e que esse conhecimento se deu na fazenda Santa Amélia em Maria Helena/PR, onde também trabalhou como diarista. Afirmou que o casal morou nessa fazenda por cerca de 15 anos e que trabalhou como diarista nas culturas de café, milho e amendoim. Salientou que trabalhou na mesma região dos autores por mais de dez anos, tendo trabalhado com o autor e sua esposa nas propriedades rurais de Fernando e Caetano. Declarou que, quando o autor e sua esposa vieram morar na cidade de Umuarama, continuaram a fazer diárias na roça, tendo trabalhado com eles para Cassemiro, cuja propriedade ficava na região de Santa Amélia. Mencionou que o autor e sua esposa nunca trabalharam na cidade, e que sempre foram bóias-frias. Disse que faz aproximadamente três anos que os autores foram morar em Foz do Iguaçu, que em Umuarama eles foram seus vizinhos e que na época ainda trabalhavam na roça.
A testemunha Elza Selsulina Guedes Neves, por sua vez, afirmou conhecer o autor e sua esposa há 20 anos e que eles sempre trabalharam como bóias-frias, inclusive quando vieram morar em Umuarama. Ressaltou que sempre os via saindo e voltando da roça. Declarou que o autor e sua esposa trabalhavam para o Fernão e Caetano, já tendo visto o casal trabalhando na roça porque também já trabalhou na roça e trabalha até hoje. Disse que trabalhou com o autor e sua esposa na propriedade do Fernão, no município de Maria Helena na colheita de café e amendoim, e que antes de Umuarama, os autores moravam em Maria Helena, na zona rural. Os autores nunca trabalharam na cidade. Eles são analfabetos.
Como se vê, a prova testemunhal foi convincente no sentido do efetivo desempenho de labor rural pela parte autora pelo número de meses correspondente à carência exigida pela tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/1991 no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. Dessarte, tenho como devidamente preenchidos pela parte os requisitos necessários à concessão do benefício de aposentadoria por idade.
3. DISPOSITIVO
Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo com resolução de mérito, na forma do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar o INSS a:
a) CONCEDER à parte autora o benefício de aposentadoria por idade (NB: 140.683.461-8) devida ao trabalhador rural, a partir da data do requerimento administrativo (02/08/2006), com renda mensal inicial (RMI) equivalente a um salário mínimo;
b) efetuar o pagamento das prestações vincendas e vencidas desde 02/08/2006, estas devidamente corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, na forma abaixo estipulada; e
c) pagar honorários ao(à) advogado(a) da parte autora, em razão da sucumbência, os quais, sopesados os critérios legais, arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação, este apurado até a data desta sentença, excluídas as parcelas vincendas, conforme Súmula n.º 111 do STJ.
(...).' (Grifado no original. Sublinhou-se).
No caso concreto, resta comprovado trabalho agrícola no período de carência pelos documentos a se referem o Evento n.º 1, CERTCAS2: p. 1-3, PROCADM4: p. 12-13, os quais demonstram que a parte autora pode ser qualificada como sendo agricultora de profissão, o que também vem sendo aceito pela jurisprudência como início de prova material. A prova testemunhal (Evento n.º 24, TERMOAUD1) confirmou o trabalho do autor na condição de boia-fria em todo o período de carência do benefício.
Consoante se vê, embora a prova material não se revista de robustez suficiente, nos casos em que a atividade rural é desenvolvida na qualidade de boia-fria, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o 'boia-fria', da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.
Nem se diga que a parte autora é trabalhadora autônoma. Ocorre que, no meio rural, o chamado 'diarista', 'boia-fria' ou 'safrista', trabalha para terceiros em períodos não regulares. Sendo assim, é inegável que se estabelece vínculo empregatício entre ele e o contratante. Nesses casos, cabe ao empregador arcar com o ônus do recolhimento das Contribuições Previdenciárias. Gize-se, entretanto, que a realidade é muito diferente, pois o costume é de que não se reconheça a relação de emprego, muito menos eventual recolhimento de contribuições previdenciárias aos cofres públicos. Assim, atenta aos fatos públicos e notórios, a jurisprudência, ao permitir a prova do tempo de trabalho mediante reduzido/diminuto início de prova material desta condição devidamente corroborado por robusta prova testemunhal, tem tentado proteger esses brasileiros para que sobrevivam com um mínimo de dignidade. E, não me parece tenha a recente decisão do STJ descuidado desta realidade.
A oitiva de testemunhas, em seu conjunto, é coerente quanto ao fato de que a parte autora sempre exerceu o trabalho na roça como boia-fria. Os depoimentos das testemunhas são uniformes no sentido de que o demandante se trata de pessoa que laborou, ao longo de toda a vida como rurícola, tanto quanto que extraía dessa atividade a sua subsistência, não havendo motivo para que seja afastado seu direito ao benefício.
Ressalto, por oportuno, que da análise dos documentos trazidos aos autos, dentre os quais o que se refere ao Evento n.º 1, RG3, verifica-se que o autor se trata de pessoa humilde, não alfabetizada, razão pela qual parece-me ser possível inferir ter resultado mais trabalhosa a apresentação de início de prova material robusto e contemporâneo para comprovar o efetivo exercício da atividade rurícola, na condição de boia-fria, em todo o período de carência do benefício.
A prova testemunhal é uníssona no sentido de que o demandante efetivamente sempre trabalhou na agricultura, durante toda a sua vida, não havendo motivo para que seja afastado seu direito ao benefício.
Assim, tenho que a prova material acostada, aliada à prova testemunhal colhida, mostram-se razoáveis à demonstração de que a parte autora trabalhou na agricultura, na condição de boia-fria, durante todo o período de carência, e eventuais imprecisões verificáveis no conteúdo da prova oral podem ser atribuídas ao tempo transcorrido desde os fatos narrados, que não comprometem, porém, a idoneidade da prova.
No caso, é possível a formação de uma convicção plena, após a análise do conjunto probatório, no sentido de que, efetivamente, houve o exercício da atividade laborativa rurícola, na condição de boia-fria, em todo o período correspondente à carência.
Assim, preenchidos os requisitos da idade exigida (completou 60 anos em 15-06-2005, pois nascido em 15-06-1945: Evento n.º 1, RG3) e da carência, no caso, 144 meses (doze anos), considerado o implemento do requisito etário em 2005, deve ser mantida a sentença que concedeu o benefício de Aposentadoria Rural por Idade em favor da parte autora a partir do requerimento administrativo, em 02-08-2006 (Evento n.º 1, PROCADM4: p. 2), a teor do disposto no art. 49, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.
(...)"
Nesse contexto, tenho por inaplicável o disposto no artigo 1.040, Inciso II, do Código de Processo Civil/2015 ao presente caso, razão pela qual os autos devem ser remetidos à Vice-Presidência para juízo de admissibilidade do recurso especial.
Dispositivo:
Ante o exposto, não havendo juízo de retratação, voto por manifestar a subsistência do julgado proferido pela Turma no sentido de negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial e determinar a implantação do benefício, determinando o retorno dos autos à egrégia Vice-Presidência.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/09/2016
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5001562-95.2010.4.04.7004/PR
ORIGEM: PR 50015629520104047004
INCIDENTE | : | QUESTÃO DE ORDEM |
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | JOSE BORGES DE FREITAS |
ADVOGADO | : | JOÃO LUIZ SPANCERSKI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/09/2016, na seqüência 598, disponibilizada no DE de 02/09/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU MANIFESTAR A SUBSISTÊNCIA DO JULGADO PROFERIDO PELA TURMA NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E À REMESSA OFICIAL E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À EGRÉGIA VICE-PRESIDÊNCIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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