Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DIREITO ADQUIRIDO. ATIVIDADE DE VIGILANTE. PERÍODO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. TRF4. 5005...

Data da publicação: 13/04/2022, 07:01:30

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DIREITO ADQUIRIDO. ATIVIDADE DE VIGILANTE. PERÍODO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. 1. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal. 2. Até 28/04/1995, é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995, necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e, a contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. 3. É admissível o reconhecimento da atividade especial de vigilante, com ou sem arma de fogo, em data posterior à edição da Lei n.º 9.032/95 e do Decreto n.º 2.172/97, desde que haja comprovação da efetiva nocividade da atividade por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, após essa data, mediante apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional, nem intermitente, exposição a agente nocivo que coloque em risco a integridade física do segurado (Tema 1.031 do STJ). 4. O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial (Tema 998 do STJ). (TRF4, AC 5005814-26.2019.4.04.7102, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 05/04/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5005814-26.2019.4.04.7102/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JOSE CARLOS BUENO DA SILVA (AUTOR)

ADVOGADO: GABRIELA DO CANTO PEREZ (OAB RS106708)

ADVOGADO: ATILA MOURA ABELLA (OAB RS066173)

RELATÓRIO

JOSE CARLOS BUENO DA SILVA ajuizou ação de procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS ajuizou postulando a concessão do benefício de aposentadoria especial desde 29/03/2017 (DER do NB 181.148.801-0), mediante a averbação do tempo de serviço especial já reconhecido pelo INSS na via administrativa (de 27/05/1987 a 28/04/1995), bem como o reconhecimento do tempo de serviço especial desenvolvido durante o período de 29/04/1995 a 29/03/2017 (DER). Postulou a reafirmação da DER, caso necessário. Subsidiariamente, requereu a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo:

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, concedo a tutela provisória de urgência antecipada à parte autora determinando a implantação do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a ser efetivada no prazo de 20 dias, com DIP em 01/01/2021, e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015, condenando o INSS:

1) Averbar e computar o tempo de serviço especial já reconhecido pelo INSS em grau recursal de 27/05/1987 a 28/04/1995, convertendo-o em tempo de serviço comum pelo fator 1,4, se for o caso;

2) Averbar e computar o tempo de trabalho exercido em condições especiais pela parte autora no período de 29/04/1995 a 29/03/2017, convertendo-os em tempo de serviço comum pelo fator 1,4, se for o caso;

3) Conceder ao Sr. JOSÉ CARLOS BUENO DA SILVA o benefício mais vantajoso, NB 181.148.801-0, com DIB em 29/03/2017 (DER), entre as seguintes modalidades, conforme opção do segurado na fase de execução da sentença:

3.1) aposentadoria especial, devendo sua RMI consistir em 100% do salário-de-benefício, apurado de acordo com a redação atual do art. 29, inciso II, da Lei nº 8.213/91, sem aplicação do fator previdenciário, condicionado ao afastamento compulsório das atividades especiais na forma do art. 57, par. 8, da Lei n. 8.213/91; ou

3.2) aposentadoria por tempo de contribuição, devendo sua RMI consistir em 100% da média dos salários-de-contribuição existentes após julho de 1994, devidamente atualizados até a DIB, sem incidência do fator previdenciário;

4) Pagar os valores devidos desde 29/03/2017 (DIB), corrigidos monetariamente, acrescidas de juros moratórios, sem capitalização, conforme os critérios fixados na fundamentação da sentença, descontados os valores recebidos a título de beneficios inacumuláveis e antecipação de tutela.

Intime-se o INSS para, no prazo de 20 (vinte) dias, implantar o benefício em favor da parte autora, a partir de 01/01/2021 (DIP). Deverá comprovar o cumprimento da medida em tal lapso.

QUADRO PARA FINS DE CUMPRIMENTO PELO INSS

NOME DO BENEFICIÁRIOJOSÉ CARLOS BUENO DA SILVA
NB181.148.801-0
ESPÉCIEAposentadoria por Tempo de Contribuição Integral
PROVIMENTOConcessão
DIB29/03/2017
DIP01/04/2021
DCBSem DCB
RMI100% (cem por cento) do salário-de-benefício sem a incidência do fator previdenciário

Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais arbitro em 10% sobre o valor da condenação, seguindo os percentuais mínimos fixados no art. 85 do CPC/2015, observadas as Súmulas 76 do TRF da 4ª Região e 111 do STJ.

O 13º salário do presente ano e as parcelas vincendas deverão ser pagos na via administrativa.

Não há custas judiciais a serem satisfeitas, considerando que o INSS é isento e que o Autor litiga ao abrigo da Assistência Judiciária Gratuita.

Não há remessa necessária, pois o valor da condenação ou o proveito econômico obtido na causa não ultrapassa 1.000 (mil) salários-mínimos, incidindo ao caso o art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, conforme jurisprudência pacificada do Eg. TRF da 4ª Região.

Havendo recurso de apelação, dê-se vista a parte adversa para contrarrazões, e na sequência remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Com o trânsito em julgado, proceda-se nos termos do Título II do Livro I da Parte Especial do CPC/2015.

Publicação automática.

Sem necessidade de registro.

Intimem-se.

Apela o INSS.

Alega: (a) a impossibilidade de enquadramento da atividade de vigilante como especial, por equiparação à de guarda, sendo exigido o porte de arma de fogo, bem como não ser possível a caracterização da especialidade após 28/04/1995, tendo em vista que a periculosidade não mais está listada como fundamento para o cômputo de tempo especial, havendo previsão de proteção de risco apenas para o RPPS, bem como em virtude da violação aos princípios do equilíbrio atuarial e financeiro e da prévia fonte de custeio; (b) impossibilidade de cômputo como de atividade especial de período em que a parte autor esteve em gozo de benefício previdenciário.

Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo.

Mérito

Pontos controvertidos

Nesta instância, são controvertidos os seguintes pontos:

- comprovação do exercício de atividades especiais no período de 29/04/1995 a 29/03/2017;

- possibilidade de cômputo como de atividade especial de período em que a parte autor esteve em gozo de benefício previdenciário.

Das atividades especiais

Considerações gerais

O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Nesse sentido, é a orientação consolidada do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1603743/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 28/05/2019; REsp 1151363/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011) e desta Corte (TRF4, AC 5002503-16.2018.4.04.7117, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 25/06/2021; TRF4, AC 5042509-86.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 17/06/2021; TRF4, ARS 5042818-97.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 06/04/2020).

Dessa forma, considerando a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:

a) No período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04-08-2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07-11-2005), em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;

b) A partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n.º 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória n.º 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;

c) A partir de 06/03/1997, data da entrada em vigor do Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n.º 1.523/96 (convertida na Lei n.º 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo I) até 05/03/1997, e os Decretos n.º 2.172/97 (Anexo IV) e n.º 3.048/99 a partir de 06/03/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto n.º 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003).

Da atividade de vigia ou vigilante

O reconhecimento da especialidade do trabalho realizado pelos vigilantes e demais agentes da área da segurança, para fins da percepção de aposentadoria especial, já foi controvertido; no entanto, consolidou-se o entendimento de que, até 28/04/1995, deveria ser equiparada à atividade de guarda, considerada perigosa e elencada no código 2.5.7 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64.

Por outro lado, extinto em 29/04/1995 o enquadramento por categoria profissional, passou a ser necessária, a partir de então, a efetiva demonstração da exposição a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, não se admitindo a presunção decorrente do desempenho da profissão.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça afetou a questão da possibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, exercida após a edição da Lei n.º 9.032/1995 e do Decreto n.º 2.172/1997, com ou sem o uso de arma de fogo, à sistemática dos processos repetitivos (Tema 1.031 do STJ). No julgamento, realizado em 09/12/2020, foi fixada a seguinte tese:

É admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado.

Portanto, devidamente comprovada a exposição aos fatores prejudiciais à integridade física do segurado (por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, após essa data, mediante apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente), é possível o reconhecimento da especialidade do período laborado como vigia/vigilante, independentemente do uso de arma de fogo.

Da fonte de custeio

É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.

O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entende devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.

De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio(CF/88, art. 195, §5º).

Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.

Cômputo do período em gozo de benefício por incapacidade como tempo especial

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou o julgamento do REsp n.º 1.759.098/RS e do REsp n.º 1.723.181/RS, interpostos em face do IRDR n.º 08 deste Tribunal, submetendo a seguinte questão ao julgamento do colegiado:

Possibilidade de cômputo de tempo de serviço especial, para fins de inativação, do período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença de natureza não acidentária.

Os recursos foram julgados na sessão de 26/06/2019 (publicados no DJe de 01/08/2019), restando firmada a seguinte tese:

Tema 998: O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.

De acordo com o que dispõe o art. 1.040 do CPC, tão logo publicados os acórdãos dos REsp nº 1.759.098/RS e 1.723.181/RS deve ser adotada e aplicada a tese lá firmada, esteja o processo sobrestado ou não.

É de se destacar, ainda, que o STF reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão, por se tratar de questão de natureza infraconstitucional (Tema 1.107).

Portanto, é possível o cômputo, como tempo especial, do período relativo ao auxílio-doença, de qualquer natureza, desde que intercalado com desempenho de atividades em condições especiais.

Do caso concreto

Na hipótese vertente, os períodos controversos de atividade laboral exercidos em condições especiais foram devidamente analisados na sentença:

A partir do conjunto probatório presente nos autos, a atividade especial pretendida deve ser analisada nos seguintes termos:

Períodos/Empresas:29/04/1995 a 29/03/2017 - Prefeitura Municipal de Santa Maria.
Função/Atividades:Vigilante.
Agentes nocivos:Arma de fogo (Periculosidade).
Enquadramento legal:Decreto nº 53.831/64;

Código 2.5.7 (Guarda).Súmula 198 do TFR.

Provas:- Perfis Profissiográficos Previdenciários (Evento 1, PPP4 e PPP7);

- Fotografias do autor armado em serviço (Evento 1, FOTO6);- CTPS (Evento 1, PROCADM3, fls. 09/18);- Certificados de curso de vigilante com armamento e tiro (Evento 1, PROCADM8, fls. 21/24).

Conclusão:Em relação à atividade de vigilante, a jurisprudência do STJ e da 3ª Seção do TRF da 4ª Região firmou entendimento no sentido de que, até 28/04/1995, é possível o reconhecimento da especialidade da profissão de vigia ou vigilante por analogia à função de guarda, tida por perigosa (código 2.5.7 do Quadro Anexo ao Decreto n.º 53.831/64), independentemente de o segurado portar arma de fogo no exercício de sua jornada laboral (REsp nº 541377/SC, 5ª Turma, Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 24/04/2006; EIAC n.º 1999.04.01.082520-0, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 10-04-2002, Seção 2, pp. 425-427).

Após, é possível o reconhecimento como atividade especial desde que apresentadas provas da permanente exposição do trabalhador à atividade nociva, independentemente do uso de arma de fogo ou não. Nesse sentido: STJ, Pet 10.679/RN, 1ª Seção, julgado em 22/05/2019, DJe 24/05/2019.

No Tema 1031 do STJ, restou firmada a seguinte teses: "É admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado."

Aplicada ao caso dos autos, deve ser reconhecida a nocividade da atividade, por se tratar de função de vigilante das instalações da Prefeitura Municipal de Santa Maria, com utilização de arma de fogo em serviço, conforme fotografias apresentadas e realização de cursos de aramamento e tiro no período.

No caso, os documentos apresentados revelam que o autor portava arma de fogo em serviço no período postulado.

Outrossim, no que tange ao uso de equipamentos de proteção individual, o recente julgamento do Tema 15 do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas do TRF da 4ª Região assentou que não se cogita do afastamento da especialidade pelo uso de EPI, em se tratando de periculosidade, como é o caso da atividade de vigilante (TRF4 5054341-77.2016.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator para Acórdão JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 11/12/2017). Logo, eventual fornecimento e uso de EPI não impede o reconhecimento da atividade especial, no caso dos autos.

Quanto à alegação do INSS de impossibilidade de ampliação das hipóteses de enquadramento definidas pelo Regulamento da Previdência Social, observo que o rol dos Decretos não é taxativo, passível de enquadrarem-se outras situações, desde que agressoras à integridade física do obreiro, nos termos do entendimento firmado pelo STJ (REsp 354737 / RS, Recurso Especial 2001/0128342-4, Relatora Ministra Maria Thereza De Assis Moura, T6 - Sexta Turma, julgado em 18/11/2008, DJe 09/12/2008; REsp 1443817 / RS, Recurso Especial 2014/0063759-8, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, T1 - Primeira Turma, julgado em 05/06/2017, DJe 08/06/2017).

Logo, a atividade deve ser reconhecida como especial.

Portanto, o conjunto probatório permite o reconhecimento do exercício de atividade especial no período controvertido de 29/04/1995 a 29/03/2017.

Ressalto que, embora não seja possível o reconhecimento em virtude da categoria profissional após a vigência da Lei 9.032/95, deve ser mantido o reconhecimento em razão da periculosidade, conforme já referido.

Consectários legais. Correção monetária e juros de mora.

Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Tema 905 (REsp n.º 1.495.146), interpretando o julgamento do Supremo Tribunal Federal no Tema 810 (RE 870.947), as condenações judiciais previdenciárias sujeitam-se à atualização monetária pelo INPC:

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.

Dessa forma, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme os seguintes índices e respectivos períodos:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).

Por outro lado, quanto às parcelas vencidas de benefícios assistenciais, deve ser aplicado o IPCA-E.

Os juros de mora incidem a contar da citação, conforme Súmula 204 do STJ, da seguinte forma:

- 1% ao mês até 29/06/2009;

- a partir de então, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Registre-se que, quanto aos juros de mora, não houve declaração de inconstitucionalidade no julgamento do RE 870.947 pelo STF. Ainda, cabe referir que devem ser calculados sem capitalização.

Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113/2021, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas.

Honorários recursais

Não se desconhece a afetação pelo STJ do Tema 1059 - (Im) Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação. Todavia, tenho que, em se tratando de questão acessória, e a fim de evitar o sobrestamento do feito ainda na fase de conhecimento, é o caso de ser diferida a solução da questão para a fase de cumprimento da sentença, ocasião em que deverá ser aplicado o entendimento dado pelo STJ à questão.

Pois bem, na hipótese de o entendimento do Tribunal Superior vir a ser pela possibilidade de majoração, passa-se desde já a fixar o percentual a ser utilizado, de forma a permitir a aplicabilidade do julgado, no que diz respeito à majoração da verba honorária, cujo cumprimento fica diferido para o juízo da execução.

Considerando o disposto no art. 85, § 11, NCPC, e que está sendo negado provimento provimento ao recurso do INSS, alterando-se, de ofício, os consectários legais, majoro os honorários fixados na sentença em desfavor do INSS em 20%, observados os limites das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85.

Esse percentual, frise-se, deverá ser aplicado apenas no caso de o STJ, quando do julgamento do referido Tema, entender ser cabível a majoração dos honorários recursais.

Tutela específica - implantação do benefício

Tendo em vista o disposto no art. 497 do CPC/2015, correspondente ao art. 461 do CPC/1973, e a circunstância de que os recursos excepcionais, em regra, não possuem efeito suspensivo, o julgado deve ser cumprido imediatamente (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), no prazo máximo de trinta dias úteis.

Caso o benefício já tenha sido implantado por força de tutela provisória, altera-se agora o fundamento para tutela específica.

Conclusão

Apelo do INSS desprovido.

Consectários legais alterados de ofício.

Determinada a implantação do benefício.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo do INSS, alterar, de ofício, os consectários legais e determinar a implantação do benefício.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003124132v19 e do código CRC 512a28c3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGER RAUPP RIOS
Data e Hora: 5/4/2022, às 17:34:35


5005814-26.2019.4.04.7102
40003124132.V19


Conferência de autenticidade emitida em 13/04/2022 04:01:30.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5005814-26.2019.4.04.7102/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JOSE CARLOS BUENO DA SILVA (AUTOR)

ADVOGADO: GABRIELA DO CANTO PEREZ (OAB RS106708)

ADVOGADO: ATILA MOURA ABELLA (OAB RS066173)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DIREITO ADQUIRIDO. ATIVIDADE DE VIGILANTE. PERÍODO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE.

1. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal.

2. Até 28/04/1995, é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995, necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e, a contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.

3. É admissível o reconhecimento da atividade especial de vigilante, com ou sem arma de fogo, em data posterior à edição da Lei n.º 9.032/95 e do Decreto n.º 2.172/97, desde que haja comprovação da efetiva nocividade da atividade por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, após essa data, mediante apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional, nem intermitente, exposição a agente nocivo que coloque em risco a integridade física do segurado (Tema 1.031 do STJ).

4. O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial (Tema 998 do STJ).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo do INSS, alterar, de ofício, os consectários legais e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 05 de abril de 2022.



Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003124133v6 e do código CRC d89b9330.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGER RAUPP RIOS
Data e Hora: 5/4/2022, às 17:34:36


5005814-26.2019.4.04.7102
40003124133 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 13/04/2022 04:01:30.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/03/2022 A 05/04/2022

Apelação Cível Nº 5005814-26.2019.4.04.7102/RS

RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: JOSE CARLOS BUENO DA SILVA (AUTOR)

ADVOGADO: GABRIELA DO CANTO PEREZ (OAB RS106708)

ADVOGADO: ATILA MOURA ABELLA (OAB RS066173)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/03/2022, às 00:00, a 05/04/2022, às 16:00, na sequência 105, disponibilizada no DE de 18/03/2022.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS, ALTERAR, DE OFÍCIO, OS CONSECTÁRIOS LEGAIS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/04/2022 04:01:30.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora