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Apelação Cível Nº 5006155-96.2012.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SADI ANTONIO DAL PIVA
RELATÓRIO
SADI ANTONIO DAL PIVA ajuizou ação de procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS postulando o reconhecimento de períodos de atividade especial, concedendo-se o benefício de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, aposentadoria por tempo de contribuição a contar da DER (08/08/2011)
Processado o feito, sobreveio sentença julgando parcialmente procedente o pedido (evento 66).
Na sessão de 31/07/2018, a Quinta Turma desta Corte, anulou, de ofício, a sentença, determinando a reabertura da instrução processual, restando prejudicada a análise dos apelos e da remessa oficial.
Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo (evento 248):
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015, para CONDENAR o INSS:
a) a reconhecer o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos de 16/03/1981 a 28/02/1982, 22/03/1982 a 29/06/1982, 14/06/1982 a 13/11/1986, 18/11/1986 a 19/09/1993 e 18/11/1986 a 08/08/2011 e determinar sua averbação pelo Réu;
b) a conceder o benefício de aposentadoria especial em favor da parte autora, com data de início do benefício - DIB em 08/08/2011 (DIB) e renda mensal inicial (RMI) em valor equivalente a 100% do salário-de-benefício, calculado com base na média dos 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994 (art. 3º da Lei 9.876, combinado com o art. 29, II da Lei no 8.213, com a redação dada por essa Lei), atualizados até a DIB (08/08/2011), sem aplicação do fator previdenciário;
c) ao pagamento das parcelas/diferenças vencidas a contar de DER/DIB (08/08/2011) até a DIP, atualizadas e acrescidas de juros, conforme determinado na fundamentação. Os valores recebidos pela parte autora em razão de concessão de tutela de urgência ou de percepção de benefício inacumulável entre a DIB e DIP deverão ser descontados, observada a irrepetibilidade do maior valor em cada competência.
A partir da implantação do benefício deverá a parte autora afastar-se do exercício das atividades nocivas à saúde.
Condeno o INSS ao ressarcimento dos honorários periciais à Seção Judiciária do Rio Grande do Sul (evento 179) e ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais arbitro nos percentuais mínimos fixados no art. 85 do CPC/2015, observando ainda o disposto nas Súmulas 76 do TRF da 4ª Região e 111 do STJ.
A Autarquia é isenta de custas (art. 4º, I, da Lei 9.289/96). Deverá, contudo, reembolsar as despesas feitas pela parte autora (parágrafo único, do art. 4º da mesma Lei).
Havendo recurso voluntário, intime-se a parte contrária para contrarrazões. Decorrido o prazo, apresentadas ou não as contrarrazões, remetam-se os autos ao TRF da 4° Região.
Sentença não sujeita a remessa necessária (art. 496 do CPC/2015, TRF4 5053000-74.2020.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 01/03/2021).
Com o trânsito em julgado, proceda-se nos termos do Título II do Livro I da Parte Especial do CPC/2015.
Publicação automática.
Sem necessidade de registro.
Intimem-se.
Apela o INSS.
Alega: (a) a necessidade de suspensão do feito para aguardar o resultado do recurso extraordinário admitido no STF relativamente ao Tema 998 do STJ; (b) impossibilidade de reconhecimento da especialidade do período em gozo de benefício; (c) quanto aos períodos de 18/11/1986, afirma a impossibilidade de reconhecimento de serviço especial por exposição à eletricidade sem contato habitual e permanente com agente nocivo; (d) impossibilidade de reconhecimento pela exposição à eletricidade para período posterior a 05/03/1997, tendo em vista que a Constituição Federal não abarca a periculosidade, bem como em virtude da ausência de fonte de custeio; (d) necessidade de afastamento das atividades, nos termos do artigo 57, §8º, da Lei 8.213/91, sendo que o autor não é profissional da saúde e não se enquadra no julgamento dos embargos declaratórios do RE 791961.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo.
Não conheço do recurso no ponto em que se insurge quanto à necessidade de afastamento das atitividades especiais, uma vez que no mesmo sentido da sentença.
Com efeito, a Julgadora monocrática deixou consignado que a partir da implantação do benefício deverá a parte autora cessar o exercício de atividade nociva à saúde, fazendo referência ao julgamento dos embargos declaratórios no RE 791961 quanto aos profissionais de saúde, constando o seguinte:
Comprovado ser o caso da parte autora, não será necessário o afastamento da atividade com a DIP, enquanto persistir o contexto pandêmico e sua condição de enfrentamento ao COVID-19, nos termos da citada decisão.
Assim, apenas na hipótese de a parte autora comprovar que se enquadra na situação prevista no julgamento dos embargos de declaração é que não será necessário o afastamento da atividade.
Preliminar: suspensão do feito
O INSS requereu a suspensão do julgamento, de forma a aguardar o resultado sobre a existência de repercussão geral no STF (RE 1279819) quanto à matéria decidida pelo STJ no Tema 998.
Na data de 30/10/2020, o STF decidiu pela inexistência de repercussão geral no RE 1279819, por se tratar de matéria infraconstitucional:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CÔMPUTO DO PERÍODO DE AUXÍLIO-DOENÇA NÃO ACIDENTÁRIO. LEIS 8.212/1991 E 8.213/1991 E DECRETOS 3.048/1999 E 4.882/2003. CONTROVÉRSIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
A decisão transitou em julgado no dia 05/12/2020.
Afasto, portanto, a preliminar.
Mérito
Pontos controvertidos
Nesta instância, são controvertidos os seguintes pontos:
- possibilidade de cômputo de período em gozo de auxílio-doença como de atividade especial;
- comprovação do exercício de atividades especiais no período posterior a 18/11/1986 em virtude da exposição à eletricidade;
Das atividades especiais
Considerações gerais
O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Nesse sentido, é a orientação consolidada do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1603743/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 28/05/2019; REsp 1151363/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011) e desta Corte (TRF4, AC 5002503-16.2018.4.04.7117, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 25/06/2021; TRF4, AC 5042509-86.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 17/06/2021; TRF4, ARS 5042818-97.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 06/04/2020).
Dessa forma, considerando a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) No período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04-08-2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07-11-2005), em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) A partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n.º 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória n.º 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) A partir de 06/03/1997, data da entrada em vigor do Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n.º 1.523/96 (convertida na Lei n.º 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo I) até 05/03/1997, e os Decretos n.º 2.172/97 (Anexo IV) e n.º 3.048/99 a partir de 06/03/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto n.º 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003).
Eletricidade
A atividade de eletricitário constava como perigosa no Código 1.1.8 do Quadro Anexo do Decreto n.º 53.831, de 25/03/1964, envolvendo as operações em locais com eletricidade em condições de perigo de vida; trabalhos permanentes em instalações ou equipamentos elétricos com risco de acidentes, pelos eletricistas, cabistas, montadores, dentre outros, cuja jornada normal ou especial fixada em lei para os serviços expostos a tensão superior a 250 volts, caracterizando, dessa forma, a especialidade do trabalho.
Apesar da ausência de previsão expressa pelos Decretos n.º 2.172/1997 e 3.048/1999, é possível o reconhecimento da especialidade do labor desenvolvido com exposição à tensão elétrica superior a 250 Volts após 05/3/1997, com base no entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n.º 1.306.113/SC (Tema 534), em que restou assentado o cabimento do enquadramento como atividade especial do trabalho exposto ao agente perigoso eletricidade, exercido após a vigência do Decreto n.º 2.172/1997, para fins de aposentadoria especial, desde que a atividade exercida esteja devidamente comprovada pela exposição aos fatores de risco de modo permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais, considerando o caráter exemplificativo das normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador.
É de se destacar que a exposição do trabalhador às tensões elétricas revelam um fator de risco bem superior à média, porquanto um único momento de desatenção pode implicar em uma fatalidade, o que não é o caso de outros agentes que exigem maior tempo de contato. Nestas condições, exigir do trabalhador um contato permanente com o agente eletricidade seria o mesmo que exigir condições não humanas de trabalho, que demandariam atenção redobrada durante todo o período da jornada de trabalho, e muito provavelmente implicariam o perecimento físico, ou pelo menos na degradação psicológica do segurado.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. FONTE DE CUSTEIO. ELETRICIDADE. PERICULOSIDADE. DECRETO N. 2.172, DE 1997. EXCLUSÃO. LISTA DE AGENTES NOCIVOS EXEMPLIFICATIVA. SÚMULA 198 DO TFR. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. UTILIZAÇÃO DE EPI. INEFICÁCIA RECONHECIDA. ART. 57, § 8º, DA LEI DE BENEFÍCIOS. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. TEMA 709 DO STF. DESAPOSENTAÇÃO. TEMA 503 DO STF. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo n. 1.306.113, consolidou o entendimento de que é possível o reconhecimento, como especial, do tempo de serviço em que o segurado ficou exposto, de modo habitual e permanente, a tensões elétricas superiores a 250 volts também no período posterior a 05-03-1997, desde que amparado em laudo pericial, tendo em vista que o rol de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172 é meramente exemplificativo. 4. Para se ter por comprovada a exposição a agente nocivo que não conste do regulamento, é imprescindível a existência de perícia judicial ou laudo técnico que demonstre o exercício de atividade com exposição ao referido agente, nos termos preconizados pela Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, a qual, embora tenha sido editada quando vigia legislação previdenciária atualmente revogada, continua válida. 5. A despeito da ausência de previsão expressa pelos Decretos n. 2.172/97 e 3.048/99, é possível o reconhecimento da especialidade do labor desenvolvido com exposição à eletricidade superior a 250 volts após 05-03-1997, com fundamento na Súmula n.º 198/TFR, na Lei n. 7.369/85 (regulamentada pelo Decreto n. 93.412/96) e, a partir de 08-12-2012, na Lei n. 12.740. 6. Em se tratando de periculosidade decorrente do contato com tensões elevadas, não é exigível a permanência da exposição do segurado ao agente eletricidade durante todos os momentos da jornada laboral, haja vista que sempre presente o risco potencial ínsito à atividade. Precedentes da Terceira Seção desta Corte. 7. A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais da atividade exercida no período anterior a 03-12-1998, data da publicação da MP n. 1.729, de 02 de dezembro de 1998, convertida na Lei n. 9.732, de 11 de dezembro de 1998, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/91. 8. Tratando-se de eletricidade, esta Corte já decidiu que a exposição do segurado ao agente periculoso sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. (...). (TRF4, AC 5018079-28.2017.4.04.7200, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 18/09/2020). [grifei]
Da fonte de custeio
É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entende devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio(CF/88, art. 195, §5º).
Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Do caso concreto
Na hipótese vertente, os períodos controversos de atividade laboral exercidos em condições especiais foram assim analisados na sentença:
Períodos/Empresas/ Funções/Atividades /Enquadramento legal/Conclusão: | Período: 18/11/1986 a DER Empresa: Companhia Riograndense de Saneamento Função: montador até 30/06/2007; assistente de montagem desde então Atividades desempenhadas: fazer montagem, desmontagem e instalação de grupos motor-bomba nas estações elevatórias de água e esgotos, instalações e reparos em quadros de comandos elétricos de BT, conserto de motores, bombas e tubulações de água e esgotos, troca de gaxetas, rolamentos e peças em motores de acoplamento Agentes nocivos: eletricidade acima de 250V Enquadramento legal: Quadro do ANEXO III, previsto no artigo 2º, do Decreto 53.831/64, no item “1.1.8 – ELETRICIDADE – Operações em locais com eletricidade em condições de perigo de vida – Trabalhos permanentes em instalações ou equipamentos elétricos com riscos de acidentes – Eletricistas, Cabistas, Montadores e outros”, em serviços expostos a tensão superior a 250 Volts. Ressalto, quanto à ausência do agente eletricidade (tensão superior a 250 Volts) no rol dos Decretos n° 2.172/97 e 3.048/99, que o mencionado rol não é taxativo, não havendo óbice ao reconhecimento de outros agentes que não os expressamente elencados, desde que demonstrada a nocividade da exposição no caso concreto, conforme reiterada jurisprudência (5002795-22.2013.404.7102, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão José Antonio Savaris, juntado aos autos em 07/08/2013; PEDILEF 50012383420124047102, JUIZ FEDERAL BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁ, TNU, DOU 26/09/2014 PÁG. 152/227; TRF4, APELREEX 5009075-16.2012.404.7208, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 22/05/2015). Nesse sentido, precedente do STJ de observância obrigatória, nos termos do artigo 927 do CPC/2015: REsp 1306113/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013. Acrescento, ainda, que, dando-se o enquadramento por periculosidade, a exposição não necessita ser habitual e permanente (TRF4, AC 5008982-33.2019.4.04.7200, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 05/06/2020) Por fim, consoante julgado acima e nos termos da tese fixada no IRDR - Tema 15, o uso de equipamentos de proteção não descaracterizam da especialidade do labor. Sobre o tempo em que o segurado esteve afastado das atividades laborais em virtude de demissão posteriormente anulada pela Justiça do Trabalho, já decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que adoto como razões de decidir, pela aplicação por analogia do art. 65, parágrafo único do Decreto nº 3.0488/99, bem como que a lógica do dispositivo vem reforçada pela decisão do Tema nº 998/ do Superior Tribunal de Justiça (TRF4, AC 5006624-81.2017.4.04.7001, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 05/11/2019) |
Provas: | CTPS, PPP, laudo pericial, depoimento das testemunhas, laudo INTECNIAL |
Como se vê, em se tratando de eletricidade, desnecessária a exposição de forma habitual e permanente, bem como possível o reconhecimento em razão da periculosidade após 05/03/1997, conforme acima explicitado, devendo ser mantida a sentença no ponto.
Cômputo do período em gozo de benefício por incapacidade como tempo especial
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou o julgamento do REsp n.º 1.759.098/RS e do REsp n.º 1.723.181/RS, interpostos em face do IRDR n.º 08 deste Tribunal, submetendo a seguinte questão ao julgamento do colegiado:
Possibilidade de cômputo de tempo de serviço especial, para fins de inativação, do período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença de natureza não acidentária.
Os recursos foram julgados na sessão de 26/06/2019 (publicados no DJe de 01/08/2019), restando firmada a seguinte tese:
Tema 998: O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.
De acordo com o que dispõe o art. 1.040 do CPC, tão logo publicados os acórdãos dos REsp nº 1.759.098/RS e 1.723.181/RS deve ser adotada e aplicada a tese lá firmada, esteja o processo sobrestado ou não.
É de se destacar, ainda, que o STF reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão, por se tratar de questão de natureza infraconstitucional (Tema 1.107).
Portanto, é possível o cômputo, como tempo especial, do período relativo ao auxílio-doença, de qualquer natureza, desde que intercalado com desempenho de atividades em condições especiais.
Honorários recursais
Considerando o disposto no art. 85, § 11, NCPC, e que está sendo negado provimento ao recurso, majoro os honorários fixados na sentença em desfavor do INSS em 20%, observados os limites das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85.
Tutela específica - implantação do benefício
Tendo em vista o disposto no art. 497 do CPC/2015, correspondente ao art. 461 do CPC/1973, e a circunstância de que os recursos excepcionais, em regra, não possuem efeito suspensivo, o julgado deve ser cumprido imediatamente (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), no prazo máximo de trinta dias úteis.
Conclusão
Apelo do INSS conhecido em parte e, no ponto conhecido, desprovido.
Determinada a implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por conhecer em parte do apelo do INSS e, no ponto conhecido, negar-lhe provimento, e determinar a implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003070994v25 e do código CRC 1ba79aff.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5006155-96.2012.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SADI ANTONIO DAL PIVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DIREITO ADQUIRIDO. eletricidade. PERÍODO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. IMPLANTAÇÃO.
1. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal.
2. Até 28/04/1995, é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995, necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e, a contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
3. Deve ser reconhecida a especialidade de atividade profissional sujeita à tensão elétrica superior a 250 Volts, mesmo após 05/03/1997, tendo em conta a vigência da Lei n.º 7.369 e do Decreto n.º 93.412/86 (que a regulamenta), que estabeleceram a periculosidade inerente à exposição à eletricidade, com prejuízo de eventual intermitência que não descaracteriza o risco produzido pela energia elétrica a este nível de medição.
4. O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial (Tema 998 do STJ).
5. Determinada a imediata implantação do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer em parte do apelo do INSS e, no ponto conhecido, negar-lhe provimento, e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de março de 2022.
Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003070995v16 e do código CRC 2e179727.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROGER RAUPP RIOS
Data e Hora: 15/3/2022, às 18:17:46
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/03/2022 A 15/03/2022
Apelação Cível Nº 5006155-96.2012.4.04.7102/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SADI ANTONIO DAL PIVA
ADVOGADO: RODRIGO RAMOS BAIRROS (OAB RS067241)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/03/2022, às 00:00, a 15/03/2022, às 16:00, na sequência 657, disponibilizada no DE de 23/02/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER EM PARTE DO APELO DO INSS E, NO PONTO CONHECIDO, NEGAR-LHE PROVIMENTO, E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 23/03/2022 08:01:16.