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Apelação Cível Nº 5000510-91.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LUIS CARLOS KLAUS RAMOS (AUTOR)
RELATÓRIO
LUIS CARLOS KLAUS RAMOS ajuizou ação de procedimento comum contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde 01/02/2012 (DER) mediante a averbação dos períodos de 01/08/1977 a 10/09/1977 e 18/02/1977 a 23/12/1977 e o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 12/04/1999 a 10/07/1999, 07/08/1985 a 03/12/1985, 12/12/1985 a 22/04/1986, 01/07/1986 a 15/08/1986, 12/03/1982 a 02/11/1982, 08/02/1982 a 12/02/1982, 26/08/1986 a 26/03/1991, 03/04/1991 a 04/01/1995, 11/03/1983 a 21/01/1984, 02/04/1984 a 21/06/1985, 02/05/2016 a 09/08/2017, 25/08/2000 a 23/11/2004 e 01/06/2007 a 09/05/2008.
Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo (
):Ante o exposto:
a) extingo o feito, sem resolução de mérito, por falta de interesse processual, no que se refere ao pedido de reconhecimento do período de 01/08/1977 a 10/09/1977 (Calçados Marcela Ltda), com fulcro no artigo 485, inciso VI, do Novo Código de Processo Civil;
b) reconheço a prescrição das parcelas anteriores a 16/01/2015 e julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na presente ação, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, para o fim de:
b.1) declarar que a Parte Autora exerceu atividade urbana de 18/02/1977 a 23/12/1977;
b.2) declarar que o trabalho, de 07/08/1985 a 03/12/1985, 12/12/1985 a 22/04/1986, 01/07/1986 a 15/08/1986, 12/03/1982 a 02/11/1982, 08/02/1982 a 12/02/1982, 26/08/1986 a 26/03/1991 e 03/04/1991 a 04/01/1995, 11/03/1983 a 21/01/1984, 02/04/1984 a 21/06/1985 e 18/11/2003 a 23/11/2004, foi prestado em condições especiais e que a Parte Autora tem direito à sua conversão para tempo de serviço comum com acréscimo;
b.3) determinar ao INSS que averbe o tempo ora reconhecido, sendo o especial com o decorrente acréscimo, somando-o ao tempo de serviço/contribuição já admitido administrativamente.
Diante da sucumbência recíproca das Partes, que reputo equivalente, condeno-as a arcarem com honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o montante devido até a data desta sentença (artigo 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do Novo Código de Processo Civil c/c Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF4), cabendo a cada parte arcar com metade do valor em favor do advogado da outra, não sendo compensáveis os montantes. A condenação da Parte Autora, contudo, fica suspensa em função da gratuidade da justiça.
Deixo de condenar as partes em custas diante da isenção concedida pelo artigo 4º, incisos I e II, da Lei n.º 9.289/1996.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Tendo em vista que a presente sentença não apresenta condenação, e que o valor do proveito econômico e da causa não supera o parâmetro previsto no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC/2015, incabível a remessa necessária ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Eventuais apelações interpostas pelas partes restarão recebidas na forma do artigo 1.012 do CPC. Sendo interposto(s) recurso(s), dê-se vista à parte contrária, para contrarrazões, e, na sequência, remetam-se os autos ao Tribunal para exame de admissibilidade e apreciação.
Apela o INSS.
Nas suas razões recursais (
), requer o afastamento da especialidade reconhecida pela sentença, afirmando a impossibilidade de utilização de laudo similar para avaliação do ruído. Outrossim, sustenta a impossibilidade de reafirmação da DER para momento anterior ao ajuizamento da ação. Na eventualidade, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da citação e o afastamento da incidência de juros de mora.Com contrarrazões (
), vieram os autos a esta Corte.É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo.
Preliminar: interesse recursal
Nas suas razões recursais, o INSS sustenta, além do afastamento da especialidade reconhecida pela sentença, a impossibilidade de reafirmação da DER para momento anterior ao ajuizamento da ação. Na eventualidade, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da citação e o afastamento da incidência de juros de mora.
Contudo, da leitura da sentença, observa-se que embora o julgador a quo, na tentativa de conceder o benefício pleiteado mediante reafirmação, tenha computado os períodos de contribuição supervenientes à DER (até 12/04/2018), o autor não preenchia os requisitos legais para a concessão do benefício, sequer em sua modalidade proporcional.
Não houve, portanto, reafirmação da DER, não assistindo interesse recursal ao INSS quanto ao tópico. Igualmente, ficam prejudicadas as questões subsidiárias veiculadas, relacionadas à concessão do benefício e pagamento dos atrasados, o que não ocorreu.
Assim, deve ser parcialmente conhecido o apelo.
Mérito
Pontos controvertidos
Nesta instância, são controvertidos os seguintes pontos:
- a especialidade dos períodos de 07/08/1985 a 03/12/1985, 12/12/1985 a 22/04/1986, 01/07/1986 a 15/08/1986, 12/03/1982 a 02/11/1982, 08/02/1982 a 12/02/1982, 26/08/1986 a 26/03/1991 e 03/04/1991 a 04/01/1995, 11/03/1983 a 21/01/1984, 02/04/1984 a 21/06/1985 e 18/11/2003 a 23/11/2004, reconhecidos pela sentença, alegando o INSS a impossibilidade de utilização de laudo similar para avaliação do ruído.
Das atividades especiais
Considerações gerais
O reconhecimento da especialidade da atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Nesse sentido, é a orientação consolidada do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1603743/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 28/05/2019; REsp 1151363/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011) e desta Corte (TRF4, AC 5002503-16.2018.4.04.7117, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 25/06/2021; TRF4, AC 5042509-86.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 17/06/2021; TRF4, ARS 5042818-97.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 06/04/2020).
Dessa forma, considerando a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) No período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04-08-2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07-11-2005), em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) A partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n.º 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória n.º 1.523, de 14/10/1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) A partir de 06/03/1997, data da entrada em vigor do Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n.º 1.523/96 (convertida na Lei n.º 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo I) até 05/03/1997, e os Decretos n.º 2.172/97 (Anexo IV) e n.º 3.048/99 a partir de 06/03/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto n.º 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003).
Do ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o reconhecimento da especialidade do labor exige, em qualquer período, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Ou seja, não basta, aqui, mesmo no período anterior a 28/04/1995, o enquadramento por categoria profissional, sendo exigida prova da exposição ao agente nocivo.
O Quadro Anexo do Decreto n.º 53.831, de 25/03/1964, o Anexo I do Decreto n.º 83.080, de 24/01/1979, o Anexo IV do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, e o Anexo IV do Decreto n.º 3.048, de 06/05/1999, alterado pelo Decreto n.º 4.882, de 18/11/2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, in verbis:
Período trabalhado | Enquadramento | Limites de tolerância |
Até 05/03/1997 | 1. Anexo do Decreto nº 53.831/64; 2. Anexo I do Decreto nº 83.080/79; | 1. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB. |
De 06/03/1997 a 06/05/1999 | Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 | Superior a 90 dB. |
De 07/05/1999 a 18/11/2003 | Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, na redação original | Superior a 90 dB. |
A partir de 19/11/2003 | Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003 | Superior a 85 dB. |
Quanto ao período anterior a 05/03/97, são aplicáveis concomitantemente, para fins de enquadramento, os Decretos n.ºs 53.831/64 e 83.080/79 até 05/03/97, data imediatamente anterior à publicação do Decreto n.º 2.172/971. Desse modo, até então, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto n.º 53.831/64.
O Decreto n.º 4.882/2003, que reduziu o limite de tolerância ao agente físico ruído para 85 decibéis, não pode ser aplicado retroativamente. Dessa forma, entre 06/03/1997 e 18/11/2003, o limite de tolerância ao ruído corresponde a 90 decibéis, consoante o código 2.0.1 do Anexo IV dos Decretos n° 2.172/1997 e 3.048/1999. O Superior Tribunal de Justiça examinou a matéria em recurso especial repetitivo e fixou a seguinte tese:
Tema 694: O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). (REsp 1.398.260/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014)
Portanto, considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição a ruído superior a 80 dB até 05/03/1997, superior a 90 dB entre 06/03/1997 a 18/11/2003 e superior a 85 dB a partir de 19/11/2003.
Conforme a Norma de Higiene Ocupacional nº 1 (NHO 01), da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) - norma que estabelece a metodologia para a avaliação ambiental da exposição a ruído (art. 68, § 12, Decreto nº 3.048/99) -, o ruído deve ser calculado mediante uma média ponderada (Nível de Exposição Normalizado – NEN).
Quando esse dado (média ponderada) constar do processo, é ele que deve ser usado para fins de verificação do enquadramento da atividade como especial, uma vez que essa metodologia, que considera as variações da incidência de ruído, efetivamente retrata de modo fiel as condições de trabalho a que o segurado está submetido.
No entanto, quando não houver indicação da metodologia, ou for utilizada metodologia diversa, o enquadramento deve ser analisado de acordo com a aferição do ruído que for apresentada no processo, bastando que a exposição esteja embasada em estudo técnico realizado por profissional habilitado para tanto (AC 5015224-47.2015.4.04.7200, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, em 19/09/2019; AC 5001695-25.2019.4.04.7101, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, em 06/08/2020; AC 5003527-77.2017.4.04.7129, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, em 08/07/2020; TRF4, AC 5020691-74.2019.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 07/06/2021).
Por outro lado, em se tratando de níveis variáveis de ruído, deve-se adotar o critério do “pico de ruído”, afastando-se o cálculo pela média aritmética simples, por não representar com segurança o grau de exposição ao agente nocivo durante a jornada de trabalho, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1.083 dos Recursos Repetitivos:
"O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço." (REsp 1890010/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 18/11/2021, DJe 25/11/2021)
Cabe destacar, ainda, que, embora a partir da edição da MP n.º 1.729/98, convertida na Lei n.º 9.732/98, que alterou o § 2º do art. 58 da Lei n.º 8.213/91, a utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) seja relevante para reconhecimento da atividade exercida sob condições especiais, com relação ao agente nocivo ruído, o uso de EPI revela-se ineficaz para neutralizar os danos causados ao organismo humano.
Isso porque, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.
Por essa razão, o STF, no julgamento Tema 555 (ARE nº 664.335) fixou tese segundo a qual “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”.
Do caso concreto
Na hipótese vertente, quanto aos períodos controversos de atividade laboral exercidos em condições especiais, a sentença restou assim fundamentada (
):"Do tempo especial
Analisando-se as especificidades do tempo alegadamente especial invocado pela Parte Autora, tem-se o que segue:
Períodos reconhecidos como especiais
Empresa: CALÇADOS LAYRA LTDA. |
Períodos: 07/08/1985 a 03/12/1985 e 12/12/1985 a 22/04/1986 |
Função e setor: Cortador |
Provas:
CTPS- Evento 24, PROCADM1, Página 11/12 DSS por Sindicato-Evento 24, PROCADM1, Página 16 Comprovante de inatividade - evento 43 - SITCADCNPJ2, p. 10 Laudo similar - evento 37 |
Conclusão: conforme anotação em CTPS, o autor exercia a função de Cortador. Comprovada a inatividade da empresa, foi requerida a utilização de laudo similar o qual indica, para as atividades do setor Corte, exposição a ruído de 86 a 90 dB. Assim, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: TOK POP INDÚSTRIA DE CALÇADOS LTDA. |
Períodos: 01/07/1986 a 15/08/1986 |
Função e setor: Cortador |
Provas:
CTPS-Evento 24, PROCADM1, Página 12 DSS por Sindicato- Evento 24, PROCADM1, Página 17 Comprovante de inatividade - evento 43 - SITCADCNPJ2, p. 08 Laudo similar - evento 37 |
Conclusão: conforme anotação em CTPS, o autor exercia a função de Cortador. Comprovada a inatividade da empresa, foi requerida a utilização de laudo similar o qual indica, para as atividades do setor Corte, exposição a ruído de 86 a 90 dB. Assim, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: CALÇADOS CIRO S/A. |
Períodos: 12/03/1982 a 02/11/1982 |
Função e setor: Cortador |
Provas:
CTPS- Evento 24, PROCADM1, Página 10 DSS por Sindicato- Evento 24, PROCADM1, Página 18 Comprovante de inatividade - evento 43 - SITCADCNPJ2, p. 06 Laudo similar - evento 37 |
Conclusão: conforme anotação em CTPS, o autor exercia a função de Cortador. Comprovada a inatividade da empresa, foi requerida a utilização de laudo similar o qual indica, para as atividades do setor Corte, exposição a ruído de 86 a 90 dB. Assim, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: INDÚSTRIA DE CALÇADOS LIARA LTDA |
Períodos: 08/02/1982 a 12/02/1982, 26/08/1986 a 26/03/1991 e 03/04/1991 a 04/01/1995 |
Função e setor: Cortador |
Provas:
CTPS- Evento 24, PROCADM1, Páginas 10 e 12 DSS por Sindicato- Evento 24, PROCADM1, Página 19, 22 e 23 Comprovante de inatividade - evento 43 - SITCADCNPJ2, p. 05 Laudo similar - evento 37 |
Conclusão: conforme anotação em CTPS, o autor exercia a função de Cortador. Comprovada a inatividade da empresa, foi requerida a utilização de laudo similar o qual indica, para as atividades do setor Corte, exposição a ruído de 86 a 90 dB. Assim, está comprovada a especialidade dos períodos. |
Empresa: NISCHE CALÇADOS E BOLSAS LTDA. |
Períodos: 11/03/1983 a 21/01/1984 |
Função e setor: Cortador e outros serviços |
Provas:
CTPS- Evento 24, PROCADM1, Página 11 DSS por Sindicato - Evento 24, PROCADM1, Página 20 Comprovante de inatividade - evento 43 - SITCADCNPJ2, p. 04 Laudo similar - evento 37 |
Conclusão: conforme anotação em CTPS, o autor exercia a função de Cortador. Comprovada a inatividade da empresa, foi requerida a utilização de laudo similar o qual indica, para as atividades do setor Corte, exposição a ruído de 86 a 90 dB. Assim, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: CALÇADOS GLÓRIA LTDA |
Períodos: 02/04/1984 a 21/06/1985 |
Função e setor: Cortador e outros serviços |
Provas:
CTPS- Evento 24, PROCADM1, Página 11 DSS por Sindicato- Evento 24, PROCADM1, Página 21 Comprovante de inatividade - evento 43 - SITCADCNPJ2, p. 03 Laudo similar - evento 37 |
Conclusão: conforme anotação em CTPS, o autor exercia a função de Cortador. Comprovada a inatividade da empresa, foi requerida a utilização de laudo similar o qual indica, para as atividades do setor Corte, exposição a ruído de 86 a 90 dB. Assim, está comprovada a especialidade do período. |
Períodos parcialmente reconhecidos como especiais
Empresa: DECR Indústria de Artefatos de Couro Ltda. |
Períodos: 25/08/2000 a 23/11/2004 |
Função e setor: Cortador |
Provas:
CTPS- Evento 24, PROCADM1, Página 13 Comprovante de inatividade - evento 43 - SITCADCNPJ2, p. 03 Laudo similar - evento 37 |
Conclusão: conforme anotação em CTPS, o autor exercia a função de Cortador. Comprovada a inatividade da empresa, foi requerida a utilização de laudo similar o qual indica, para as atividades do setor Corte, exposição a ruído de 86 a 90 dB. Assim, está comprovada a especialidade do período de 18/11/2003 a 23/11/2004. |
(...)
Com efeito, quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde efetivamente exerceu atividades especiais, não há óbice à utilização de perícia produzida de modo indireto, em empresa similar àquela em que o segurado trabalhou, inclusive para fins de avaliação do ruído. Veja-se o julgado do STJ
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO. PERÍCIA INDIRETA EM EMPRESA SIMILAR. LOCAL DE TRABALHO ORIGINÁRIO INEXISTENTE. POSSIBILIDADE. 1. "Mostra-se legítima a produção de perícia indireta, em empresa similar, ante a impossibilidade de obter os dados necessários à comprovação de atividade especial, visto que, diante do caráter eminentemente social atribuído à Previdência, onde sua finalidade primeira é amparar o segurado, o trabalhador não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção, no local de trabalho, de prova, mesmo que seja de perícia técnica". (REsp 1.397.415/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.11.2013). 2. Agravo Regimental não provido.(AgRg no REsp 1422399/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 27/03/2014)
Além disso, não se pode perder de vista as peculiaridades do trabalho desenvolvido e dificuldades relativas à produção de provas que enfrentam os trabalhadores da indústria calçadista. Nesse passo, tomo de empréstimo as razões da AC 5020867-97.2017.4.04.7108 (SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 08/07/2021):
(...)
Com relação às funções genéricas de 'serviços gerais' ou 'auxiliar técnico', e também com relação à utilização de laudos técnicos por similaridade na indústria calçadista, adiro aos seguintes fundamentos, da lavra da Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene (TRF4, APELRE 0025291-38.2014.404.9999, 6.ª Turma, por unanimidade, publicação em 04/08/2016):
"No que se refere a empresas calçadistas, é fato notório que neste tipo de local de trabalho os operários são contratados como serviços gerais, mas que a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais. É notório ainda que a indústria calçadista sempre depende da cola para a industrialização dos seus produtos. Os vapores da cola são hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos que causam tontura, dor de cabeça, náuseas, tosse, ardência nos olhos, além de outros problemas de saúde ao trabalhador. Acrescente-se que este tipo de indústria também precisa de produtos químicos e vários outros insumos que contêm na sua composição diversos agentes nocivos à saúde.
Ora, a realidade e a singularidade das funções dos trabalhadores nas indústrias de calçados não podem ser ignoradas, razão por que a prova pericial pode ser produzida em empresa similar àquela falida ou desativada. Se a perícia assim realizada for compatível com as informações sobre as atividades exercidas em condições especiais, ainda que tais informações tenham sido preenchidas por síndico ou sindicato, isto não deixará dúvida acerca dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto, assegurando-lhe o direito à conversão para tempo comum daquele serviço exercido numa atividade que efetivamente era especial.
Destaco também que muitas vezes a solução para a busca da melhor resposta às condições de trabalho, com a presença ou não de agentes nocivos, é a constatação dessas condições em estabelecimento de atividade semelhante àquele onde laborou originariamente o segurado, no qual poderá estar presente os mesmos agentes nocivos, o que permitirá um juízo conclusivo a respeito.
Logo, não há óbice na utilização de laudo pericial elaborado em uma empresa, para comprovar a especialidade do labor em outra do mesmo ramo e no exercício de função semelhante, sendo cabível, inclusive, a utilização de laudo pericial produzido no curso de outra demanda, tendo em conta que foi elaborado sob a presença do contraditório e do princípio da bilateralidade da audiência. Neste sentido, é a jurisprudência dominante deste Tribunal: AC 2006.71.99.000709-7, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU 2.3.2007 e APELREEX 2008.71.08.001075-4, Relator Juiz Federal Guilherme Pinho Machado, D.E. 3.8.2009." (grifei)
A especialidade não está sendo reconhecida em função de enquadramento em categoria profissional, realmente inexistente quanto a tais trabalhadores, ou em função de laudos preenchidos por representante de categoria profissional, muito embora tais laudos possam ser aproveitados com relação às tarefas desenvolvidas.
O reconhecimento da especialidade deriva das conclusões constante de laudo técnico judicial por similaridade, prova emprestada (Evento 21, 'Laudo2', especialmente fl. 03), onde afirmada a exposição de tais segurados a agentes químicos, hidrocarbonetos aromáticos, consabidamente utilizados na indústria calçadista.
(...)"
No caso dos autos, considerando a inatividade das empresas da indústria calçadista em que o autor exerceu as funções de cortador (
), nada impede a utilização de laudo de empresa similar para fins de aferição do ruído ambiental ( a ), que constata ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos para o período, conforme especificado nos quadros acima transcritos.É de ser mantida, portanto, a especialidade reconhecida pela sentença.
Honorários recursais
Considerando o disposto no art. 85, § 11, CPC, e que está sendo negado provimento ao recurso do INSS, majoro em 20% os honorários fixados na sentença em desfavor do INSS, observados os limites das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85.
Conclusão
Apelo do INSS parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
Majorados os honorários advocatícios fixados em desfavor da autarquia, nos termos do art. 85, § 11, CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por conhecer em parte do apelo do INSS e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
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Apelação Cível Nº 5000510-91.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LUIS CARLOS KLAUS RAMOS (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DIREITO ADQUIRIDO. RUÍDO. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. PROVA POR SIMILARIDADE. desprovimento.
1. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal.
2. Até 28/04/1995, é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995, necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e, a contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
3. Considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição a ruído superior a 80 dB até 05/03/1997; superior a 90 dB entre 06/03/1997 a 18/11/2003 e superior a 85 dB a partir de 19/11/2003 (REsp 1.398.260). Persiste a condição especial do labor, mesmo com a redução do ruído aos limites de tolerância pelo uso de EPI.
4. Conforme a Norma de Higiene Ocupacional nº 1 (NHO 01), da FUNDACENTRO, o ruído deve ser calculado mediante uma média ponderada (Nível de Exposição Normalizado – NEN). Em se tratando de níveis variáveis de ruído, deve-se adotar o critério do “pico de ruído”, afastando-se o cálculo pela média aritmética simples, por não representar com segurança o grau de exposição ao agente nocivo durante a jornada de trabalho (Tema 1.083 do STJ).
5. Quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde efetivamente exerceu atividades especiais, não há óbice à utilização de perícia produzida de modo indireto, em empresa similar àquela em que o segurado trabalhou, inclusive para fins de avaliação do ruído. Precedente do STJ.
6. Apelo parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer em parte do apelo do INSS e, nessa extensão, negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de agosto de 2022.
Documento eletrônico assinado por ROGER RAUPP RIOS, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003388823v5 e do código CRC 039458a9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 02/08/2022 A 09/08/2022
Apelação Cível Nº 5000510-91.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: LUIS CARLOS KLAUS RAMOS (AUTOR)
ADVOGADO: CASSIA DAIANA MASSOLA ALVES (OAB RS091344)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 02/08/2022, às 00:00, a 09/08/2022, às 16:00, na sequência 556, disponibilizada no DE de 22/07/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER EM PARTE DO APELO DO INSS E, NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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