APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004478-93.2015.4.04.7209/SC
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | FRANCISCA CORREIA |
ADVOGADO | : | DÉBORA CRISTINA PEYERL |
: | JESSICA DIANE BAIL | |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. restabelecimento de auxílio-doença. alta programada. observÂncia de perícia prévia. portadora de aids.
1. O cancelamento do benefício de auxílio-doença em razão do instituto da alta médica programada sem realização de perícia causa prejuízos à subsistência do segurado, que depende do benefício previdenciário para sua manutenção. Em casos tais, demonstrado que não houve possibilidade de pedido de prorrogação, deve ser deferida a segurança para manter o benefício ao segurado até, ao menos, a realização de exame pericial que venha a comprovar eventual retorno da aptidão laboral.
2. In casu, não foi constatada a existência de ilegalidade no ato administrativo que cessou o auxílio-doença da impetrante, porém foi reconhecido o seu direito ao restabelecimento do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de novembro de 2017.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9209363v70 e, se solicitado, do código CRC 71B02106. | |
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004478-93.2015.4.04.7209/SC
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | FRANCISCA CORREIA |
ADVOGADO | : | DÉBORA CRISTINA PEYERL |
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RELATÓRIO
Francisca Correia, nascida em 04/11/1968, impetrou, em 03/09/2015, mandado de segurança, com pedido de liminar, objetivando o restabelecimento do benefício de auxílio-doença n. 601.431.297-1, desde a data da cessação indevida (07/07/2015), bem como a determinação de que o pagamento não seja suspenso sem a realização de prévia perícia médica.
Nas informações (evento 15), a autoridade impetrada narrou que a segurada foi submetida a exame médico pericial no dia 15/06/2015, o qual teve como conclusão a sugestão de revisão em dois anos (R2). Diante disso, a análise foi remetida ao SST - Serviço de Saúde do Trabalhador - para homologação, a qual ocorreu no dia 07/07/2015 e teve a seguinte conclusão: "não há justificativa para manutenção de BI em avaliação do Dr. Julyan". Em virtude disso, o benefício de aiuxílio-doença da ipmetrante foi cessado em 07/07/2015, pelo motivo "54" (limite médico informado pela perícia).
O julgador a quo deferiu em parte o pedido liminar, para determinar o restabelecimento do benefício nº. 31/601.431.297-1 desde a data do ajuizamento da ação (evento 17).
No evento 28, o INSS comprovou o restabelecimento do benefício em favor da impetrante.
Na sentença, publicada em 24/11/2015, o magistrado a quo concedeu parcialmente a segurança, resolvendo o mérito nos termos do artigo 269, I, do CPC, para confirmar a ordem de restabelecimento do benefício nº. 31/601.431.297-1, desde a data do ajuizamento da ação, bem como para determinar ao impetrado que se abstenha de promover nova suspensão do pagamento sem a realização de prévia perícia médica.
Em suas razões de apelação, o INSS postula a reforma da sentença, alegando não ter havido qualquer ato abusivo ou ilegal por parte do Instituto, pois o benefício de auxílio-doença restou cessado após a realização de diversas perícias médicas, nas quais os peritos da Autarquia relataram que a impetrante estava em ótimo estado de saúde, muito embora portadora do vírus do HIV. Aduziu que, após cada perícia, o benefício vinha sempre sendo prorrogado por mais um ou dois meses, até que, em perícia realizada em 15/06/2015, o perito fixou a DCB do auxílio-doença em 07/07/2015, e submeteu o caso à apreciação do chefe do Setor de Saúde do Trabalhador, que ratificou o entendimento daquele profissional, conforme laudo de 02/10/2015. Assim sendo, defende que o benefício não foi cessado de forma arbitrária. De outro lado, sustenta não ser o mandado de segurança a via adequada para buscar o restabelecimento do benefício, uma vez que não há demonstração de liquidez e certeza do direito ao benefício por incapacidade, além de ser evidente a necessidade de dilação probatória.
Sem contrarrazões, e por força do reexame necessário, os autos vieram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação e da remessa oficial.
É o relatório.
VOTO
Por ocasião da apreciação do pedido de liminar, o julgador a quo proferiu decisão com o seguinte teor:
"No caso concreto, pelo que se pode concluir da análise dos autos, o INSS suspendeu o benefício da impetrante por transcurso do prazo de incapacidade informado pelo médico na perícia realizada ao tempo da concessão. Conforme orientação pacífica no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a Autarquia tem o dever de periciar a segurada antes de cessar o benefício por incapacidade, não bastando a indicação de data de término da incapacidade em laudo anteriormente realizado. Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ALTA PROGRAMADA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. VEROSSIMILHANÇA DEMONSTRADA. DECISÃO REFORMADA. 1. A despeito de uma previsão aproximada quanto à cessação da enfermidade da segurada, o benefício não pode ser automaticamente cancelado com base em tal estimativa, por se tratar de evento futuro e incerto. Cabe ao Instituto Nacional da Previdência Social (INSS) a reavaliação médico-pericial antes da suspensão do pagamento do auxílio-doença, a fim de que a segurada não fique desamparada financeiramente. 2. O benefício por incapacidade somente pode ser cessado, portanto, quando efetivamente verificado o retorno da capacidade do segurado para o exercício de suas atividades habituais, o que somente é possível por meio de perícia médica, que possa avaliar a evolução da doença. (TRF4, Quinta Turma, AG 0001729-87.2015.404.0000, rel. Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 29jun.2015)
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUXÍLIO-DOENÇA. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA SEM A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. À autarquia previdenciária não é lícito cancelar de imediato benefício por incapacidade antes de periciar o segurado e concluir por sua recuperação. A mera indicação de data de término da incapacidade não autoriza o imediato cancelamento, tratando-se apenas de presunção a ser confirmada pelo corpo médico da Seguradora. Se o beneficiário não comparecer a perícia já designada ou mesmo deixar de procurar a Administração para agendar o procedimento, com vista a obter a prorrogação do benefício, não pode o INSS cancelá-lo sem antes oferecer o prazo de dez dias para apresentação de razões, findo o qual, ofertadas ou não e consideradas insuficientes, estará autorizado a suspender os pagamentos, sem prejuízo de que o segurado busque comprovar que se mantém incapaz, na via administrativa ou por ação própria na esfera judicial. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 2. Embora, no caso concreto, a cessação do benefício tenha ocorrido por outro motivo, segundo informou o INSS ("por inconsistência do sistema corporativo SABI" - evento 12, ofic1), o equívoco foi corrigido, por força da decisão liminar deferida pelo magistrado a quo, tendo a medida restado integralmente cumprida. (TRF4, Sexta Turma, 5001743-51.2014.404.7103, rel. Marcelo Malucelli, j. 6maio2015)
Não é possível, entretanto, o restabelecimento do benefício desde a data da cessação indevida, uma vez que o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança. Nesse sentido a Súmula nº. 271 do STF:
Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.
Sobre a questão, leia-se ainda:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REDUÇÃO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. O mandado de segurança não comporta efeitos patrimoniais pretéritos, nos termos das Súmulas 269 e 271 do STF. Sendo assim, deve o INSS pagar ao impetrante apenas as prestações vencidas desde a data da impetração do mandamus. (APELREEX 5002586-87.2012.404.7102, Quinta Turma do TRF4.ªR., Rel.ª Juíza MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, D.E. 21/02/2013). (grifei)
Ante o exposto, DEFIRO EM PARTE O PEDIDO LIMINAR para determinar o restabelecimento do benefício nº. 31/601.431.297-1, desde a data do ajuizamento do presente writ."
Na sentença, o magistrado monocrático confirmou a liminar deferida no evento 17 e concedeu parcialmente a segurança, adotando, como razões de decidir, os fundamentos lançados naquela decisão, "com a determinação adicional para que o impetrado se abstenha de promover nova suspensão do pagamento do benefício nº 6014312971 sem a realização de prévia perícia médica".
Não vejo razão para modificar a decisão que determinou o restabelecimento do benefício de auxílio-doença da impetrante desde a data do ajuizamento da ação, embora o faça por outros fundamentos.
Primeiramente, registro que, no que tange à possibilidade do cancelamento administrativo de benefício de auxílio-doença por meio da chamada "alta programada", isto é, a fixação da data de cessação do benefício, independentemente da realização de nova perícia médica, entendo que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte, não é lícito à autarquia previdenciária cancelar de imediato benefício por incapacidade antes de periciar o segurado e concluir por sua recuperação. A mera indicação de data de término da incapacidade não autoriza o imediato cancelamento, tratando-se apenas de presunção a ser confirmada pelo corpo médico da seguradora. Se o beneficiário não comparecer à perícia já designada ou mesmo deixar de procurar o INSS para agendar o procedimento, com vista a obter a prorrogação do benefício, deve a autarquia instalar o competente processo administrativo antes de determinar o cancelamento do amparo.
Nessa linha, registro o recente entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, ao julgar, por decisão unânime, o REsp n. 1599554/BA, em 28/09/2017, reconheceu a ilegalidade do procedimento conhecido como "alta programada", no qual o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ao conceder benefício de auxílio-doença, fixa previamente o prazo para o retorno do segurado ao trabalho e o fim do benefício, sem a marcação de nova perícia.
Segundo notícia veiculada em 09/10/2017 no site do STJ, para o relator do processo, Ministro Sérgio Kukina, a alta programada constitui ofensa ao artigo 62 da Lei 8.213/91, que determina que o benefício seja mantido até que o segurado seja considerado reabilitado para o exercício de atividade laboral, constatação que exige avaliação médica. Concluiu que "a cessação de benefício previdenciário por incapacidade pressupõe prévia avaliação médica, sendo imprescindível, no caso concreto, que o INSS realize nova perícia, em ordem a que o segurado retorne às atividades habituais apenas quando efetivamente constatada a restauração de sua capacidade laborativa".
Ocorre que, na hipótese em apreço, não vislumbro ato abusivo, arbitrário ou ilegal por parte da Autarquia Previdenciária quando da cessação do benefício de auxílio-doença.
Ao que se extrai dos laudos médicos periciais anexados no evento 43, a impetrante é portadora do vírus da imunodeficiência humanda (HIV) desde 2008, apresentando incapacidade para o trabalho desde 10/2012. Segundo informações constantes nos referidos laudos do INSS, a demandante faz tratamento da doença e apresenta reações colaterais aos medicamentos, estando em benefício por incapacidade desde 04/10/2012.
Em relação ao benefício de auxílio-doença n. 601.431.297-1, cujo restabelecimento é almejado no presente writ, verifico que a autora o vinha percebendo desde 17/04/2013, sendo submetida, desde então, a diversas perícias na esfera administrativa, que vinham, sistematicamente, determinando a prorrogação do benefício.
Na perícia realizada em 14/04/2015, o perito do INSS constatou a existência de incapacidade laborativa, mas fixou data para a cessação do benefício em 15/06/2015 ("alta programada"). No entanto, na data prevista para a cessação do benefício (15/06/2015), a autora foi submetida, mais uma vez, à avaliação pericial, na qual o perito do INSS, Dr. Julyan Baum Vegini, considerando as boas condições apresentadas pela impetrante e o fato de já estar em gozo de benefício por incapacidade há três anos, sugeriu que se desse alta ou que fosse revisto no prazo de dois anos, até para não onerar a autora (deslocamentos, juntada de documentos, laudos, cartas, exames), fixando, assim, a data da cessação do benefício em 07/07/2015 e encaminhando sua análise para o Serviço de Saúde do Trabalhador (SST) para homologação.
Em 07/07/2015, ocorreu a homologação da perícia anterior, pelo SST, com a conclusão de que "não há justificativa para manutenção de BI em avaliação do Dr. Julyan". Em virtude disso, o benefício foi cessado em 07/07/2015, pelo motivo "54 - limite médico informado pela perícia", consoante constou nas informações prestadas no evento 15.
Após, em 02/10/2015, foi realizada uma perícia de revisão, na qual o perito do INSS reafirmou a DCB em 07/07/2015.
Assim sendo, verifica-se que o benefício de auxílio-doença da impetrante somente foi cessado após a devida realização de perícia médica na data prevista para a sua cessação (15/06/2015). Nesse ponto, não vislumbro ilegalidade do ato administrativo de cessação do benefício. Registro, por oportuno, que, no extrato anexado no evento 1 (extr12), consta como DCB a data de 15/06/2015 e, no campo "situação", consta "cessado em 07/07/2015".
Não obstante isso, entendo que o restabelecimento do auxílio-doença é devido.
Ora, a impetrante possui AIDS desde, ao menos, o ano de 2008 e vem se submetendo a diversos tratamentos e apresentando inúmeros efeitos colaterais aos medicamentos (diarreia diária e acentuada, náuseas, epigastralgia, tosse persistente, vômitos, fraqueza) - o que foi constatado pelos próprio peritos do Instituto.
Apesar de, nas últimas perícias administrativas, os peritos terem constatado uma aparente melhora no estado geral, o atestado médico anexado no evento 1 (laudo8), com data de 11/08/2015, declara que a autora é paciente sintomática para a patologia classificada sob o CID B24, estágio III, encontrando-se em acompanhamento regular na Secretaria de Saúde de São Bento do Sul/SC (Vigilância Epidemiológica - Programa DST/HIV/AIDS) desde 2008 e atualmente em uso de diversos medicamentos, o que, a meu sentir, já autorizaria o restabelecimento do auxílio-doença.
Com efeito, reafirmo a compreensão que sustentei nos autos da AC nº 2000.71.005.005038-6/RS, j. em 30-04-2003, no sentido de que a análise da incapacidade do portador do vírus HIV precisa levar em conta não apenas a progressão da doença, mas, e principalmente, os fatores sociais que gravitam em torno da própria doença e suas consequências no ambiente do trabalho.
A ciência tem feito progressos significativos no tratamento da doença. O programa brasileiro de prevenção e combate à aids é exemplo admirado no mundo todo. Um portador do vírus HIV já não padece, hoje em dia, dos mesmos sofrimentos de que era vítima na década de 80. O doente ganhou uma possibilidade de sobrevida inimaginável há bem pouco tempo. Nada disso, porém, serve para afastar um dado inquestionável: o portador da moléstia convive com a possibilidade da morte (Albert Camus dizia que o único problema filosófico importante é a morte).
Todos sabemos que vamos morrer um dia. Essa ideia, no entanto, não nos atormenta cotidianamente. É de forma abstrata, por assim dizer, que enfrentamos essa inevitabilidade da condição humana. Com o doente de AIDS isso não ocorre. Apesar do avanço nas técnicas de tratamento (e mesmo da possibilidade de estabilidade da doença), a AIDS traz consigo a marca tenebrosa da "doença incurável". Há aqueles que reagem bem à doença, e à ociosidade preferem uma ocupação produtiva, talvez como forma terapêutica, o gosto pelo trabalho psicológico, desinteressando-se, em vista disso, não apenas das ocupações laborativas, como também das outras atividades normais da vida cotidiana. É ao doente, portanto, que se deve conceder a liberdade de escolha. Se o trabalho lhe faz bem, se ele o ajuda a enfrentar com maior eficácia os traumas gerados pela doença, deve-se-lhe conceder o direito de trabalhar. Se, ao contrário, o portador julga melhor abandonar de vez a atividade produtiva, ainda que tenha capacidade física para o trabalho, não se lhe pode censurar o direito de escolha. Nós ainda cultivamos nesse campo uma espécie de preconceito envergonhado. As relações de um portador do vírus HIV, salvo raríssimas exceções, não serão as mesmas no seu ambiente de trabalho. Submeter um doente de AIDS à volta forçada ao trabalho seria cometer contra ele uma violência injustificável.
Diante disso, independente de dilação probatória, é forçoso reconhecer que a confirmação da existência HIV configura o requisito incapacitante necessário ao restabelecimento do benefício por incapacidade ora reclamado, porquanto é cediço que, ao contrário de determinados setores sociedade onde já é possível a plena reinseração profissional das pessoas acometidas desta enfermidade, é consabido que, nas camadas populares, ainda permanece tal efeito estigmatizante que inviabiliza a obtenção de trabalho como o de diarista, exercido pela ora recorrente. Aliás, justamente pela necessidade de avaliação do contexto social, econômico e cultural dos portadores de HIV, a TNU firmou entendimento, consagrado na Súmula 78, no sentido de que, comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença. Diversa não é a orientação do Egrégio STJ e da Terceira Seção desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.ART. 20, § 2º DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
I - A pessoa portadora do vírus hiv, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.
II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador.
III - Recurso desprovido.
(REsp 360.202/AL, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 04/06/2002, DJ 01/07/2002, p. 377)
ASSISTÊNCIA SOCIAL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 8.742/93 (LOAS). REQUISITO DEFICIÊNCIA INCAPACITANTE. PORTADOR DO HIV. 1. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) possuir o requerente deficiência incapacitante para a vida independente ou ser idoso, e (b) encontrar-se a família do requerente em situação de miserabilidade. 2. Ainda que a perícia tenha concluído pela capacidade do segurado para o exercício de atividades laborativas, possível a concessão do benefício de prestação continuada no caso do portador do vírus da SIDA, considerando-se o contexto social e a extrema dificuldade para recolocação no mercado de trabalho, em virtude do notório preconceito sofrido. (TRF4, EINF 5017492-88.2012.404.7100, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 28/05/2015)
Frise-se, ainda, que a Lei 7.670/1988, que ainda se encontra em sua redação original, não faz qualquer distinção sobre a manifestação de sintomas para viabilizar a concessão dos inúmeros benefícios humanitários ali concedidos.
Por fim, não desconheço que o artigo 35 da Lei 13.146/2015 dispõe que é finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho e que a Recomendação 200/2010 da OIT prevê que as pessoas com doenças relacionadas ao HIV não devem ser proibidas de continuar realizando seu trabalho, com adaptação razoável se necessário, pelo tempo em que a medicina as considere aptas para fazê-lo.
Entrementes, quando o portador do HIV busca a Previdência e Assistência Social para obter renda porque não consegue trabalho, especialmente em cenário econômico recessivo como o vivenciado nesta década, é evidente que, a despeito do notável avanço da indústria farmacêutica para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e da elevada finalidade de integração social dos regulamentos nacionais e internacionais, houve uma falência sistêmica das políticas públicas de inclusão, o que bem demonstra a necessidade de assegurar a renda mínima indispensável à sua sobrevivência.
Assim sendo, em razão de toda a fundamentação supra e considerando as condições pessoais da autora, que já conta 48 anos de idade, possui diagnóstico de AIDS há, pelo menos, 9 anos (desde 2008), vem há anos se submetendo a diversos tratamentos com múltiplos efeitos colaterais e, sobretudo, é portadora de doença incurável e de considerável estigma social, entendo praticamente inviável a sua colocação no mercado de trabalho, razão pela qual faz jus ao restabelecimento do auxílio-doença postulado desde o ajuizamento do writ, já que o mandado de segurança não se presta à cobrança de parcelas pretéritas.
As parcelas vencidas anteriormente ao ajuizamento ou a eventual conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez deverão ser postuladas na via ordinária, em ação própria, se assim desejar a impetrante.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/11/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004478-93.2015.4.04.7209/SC
ORIGEM: SC 50044789320154047209
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | FRANCISCA CORREIA |
ADVOGADO | : | DÉBORA CRISTINA PEYERL |
: | JESSICA DIANE BAIL | |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13/11/2017, na seqüência 202, disponibilizada no DE de 08/11/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal CELSO KIPPER | |
: | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE |
Ana Carolina Gamba Bernardes
Secretária
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