Apelação Cível Nº 5005428-92.2021.4.04.7209/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: JOSE CARLOS SOARES (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, proferida nos autos de mandado de segurança, nas seguintes letras (
):Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC.
Sem condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/09).
Custas pela parte impetrante, com exigibilidade suspensa em razão da gratuidade de justiça.
Em suas razões recursais, o impetrante, em síntese, requer a reforma do decisum, com a concessão da segurança postulada, a fim de que a autoridade coatora promova o regular andamento do processo administrativo, com a análise do recurso pendente de julgamento (
).Sobreveio notícia de que o processo foi recebido no CRPS e distribuído ao conselheiro relator e tem previsão de julgamento em 60 dias (
).Apresentadas contrarrazões (
).Oportunizada manifestação da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, vieram os autos conclusos para julgamento (
).É o relatório.
VOTO
O inconformismo recursal da parte impetrante merece acolhida.
A desnecessidade de exaurimento da via administrativa não torna a parte autora carente de ação, uma vez que o julgamento do recurso administrativo (objeto do presente writ) poderá trazer resultado útil e efetivo à parte impetrante, configurando assim o interesse processual no ajuizamento da demanda.
Com efeito, deve ser aplicada a orientação assentada nesta Corte, que entende configurado o excesso de prazo nas hipóteses de demora injustificada na conclusão de processo administrativo, quando extrapolado o marco temporal fixado no artigo 49 da Lei 9.784/99, em afronta aos princípios constitucionais da eficiência da Administração Pública e da duração razoável do processo e celeridade na sua tramitação, segundo o art. 37, caput, e o art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRAZO PARA CONCLUSÃO. EXCESSO VERIFICADO. 1. A Lei nº 8.213/91, no § 5º do artigo 41-A, dispõe expressamente que "o primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão", disposição que tem o objetivo de imprimir celeridade ao procedimento administrativo. 2. Aplicação, no caso dos autos, das disposições do artigo 41-A, § 5º da Lei nº 8.213/91, eis que se trata de requerimento administrativo de concessão de benefício previdenciário sujeito à decisão administrativa. 3. Considerando-se que, após o protocolo administrativo do pleito de concessão de benefício previdenciário decorreu o prazo legal, sem que proferida a decisão pela autoridade impetrada e, não sendo o caso de prorrogação desse prazo, haja vista que não apresentada motivação hábil a estender o referido lapso temporal, tem-se caracterizada a demora excessiva na prestação do serviço público. (TRF4 5020792-87.2019.4.04.7205, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 21/07/2020)
Consoante é cediço, o artigo 49 da Lei n. 9.784/99 estabelece o prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir do encerramento de instrução, e prorrogável por igual período, para a prolação de decisão nos processos administrativos:
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.
O prazo para decisão dos recursos administrativos, por sua vez, está previsto no artigo 59 da referida Lei, o qual se aplica aos processos administrativos em geral, de modo subsidiário, quando a lei não fixar prazo diverso:
Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.
§ 1º Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente. (grifou-se)
Esses dispositivos legais são consentâneos com o disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF, que elenca como direito fundamental do indivíduo a razoável duração do processo, judicial e administrativo, bem como os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Nesta toada, observo que, embora o Regimento Interno do Conselho de Recursos do Seguro Social - CRSS (Portaria nº 116, de 20 de março de 2017), hoje denominado CRPS, não especifique prazos para a análise e decisão de todos os recursos interpostos perantes as Juntas e Câmaras, depreende-se dos dispositivos constantes do R.I. a clara intenção de impedir que tais processos se protraiam indefinidamente no tempo:
Das disposições comuns aos recursos
Art. 31. É de 30 (trinta) dias o prazo para a interposição de recurso e para o oferecimento de contrarrazões, contado da data da ciência da decisão e da data da intimação da interposição do recurso, respectivamente.
§ 1º Os recursos serão interpostos pelo interessado, preferencialmente, junto ao órgão do INSS que proferiu a decisão sobre o seu benefício, que deverá proceder a sua regular instrução com a posterior remessa do recurso à Junta ou Câmara, conforme o caso.
§ 2º O prazo para o INSS interpor recursos terá início a partir da data do recebimento do processo na unidade que tiver atribuição para a prática do ato.
§ 3º Na hipótese de Recurso Ordinário, serão considerados como contrarrazões do INSS os motivos do indeferimento. Em se tratando de Recurso Especial, expirado o prazo para contrarrazões, os autos serão imediatamente encaminhados para julgamento.
§ 4º O órgão de origem prestará nos autos informação fundamentada quanto à data da interposição do recurso, não podendo recusar o recebimento ou obstar-lhe o seguimento do recurso ao órgão julgador com base nessa circunstância.
§ 5º Os recursos em processos que envolvam suspensão ou cancelamento de benefícios resultantes do programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios do Seguro Social, ou decorrentes de atuação de auditoria, deverão ser julgados no prazo máximo de 60 (sessenta) dias após o recebimento pelo órgão julgador.
§ 6º Findo o prazo de que trata o parágrafo anterior, o processo será incluído pelo Presidente da unidade julgadora na pauta da sessão de julgamento imediatamente subsequente, da qual participar o Conselheiro a quem foi distribuído o processo."
Destarte, tenho que resta evidenciado que a legislação pátria buscou instituir para as autoridades administrativas o dever de analisar e decidir os pedidos a elas submetidos em um prazo razoável, sendo certo que, no caso, o lapso temporal transcorrido desde o protocolo do recurso administrativo não só excedeu àqueles previstos nos sobreditos dispositivos como também extrapolou, em muito, o limite do razoável.
Não se pode olvidar, ademais, que a demora excessiva na conclusão do processo administrativo atenta contra a concretização de direitos relativos à seguridade social, os quais envolvem valores alimentares, muitas vezes pagos a pessoas carentes que contam com esse montante para sua sobrevivência e que, também muitas vezes, em razão de sua idade ou de outra condição peculiar, não têm condições de buscar outra fonte de renda.
No caso, o recurso administrativo com vistas à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi protocolado em 12/03/2020 (
), encaminhado ao CRPS em 03/04/2021 ( ) e distribuído à 2ª Composição Adjunta da 5ª Junta de Recursos em 08/11/2021 ( ), aguardando, desde então, análise dos agentes da Autarquia Previdenciária. Assim, revela-se ilegal e abusiva a conduta omissiva do órgão previdenciário que, sem apontar motivação relevante, impõe ao segurado a espera indefinida pela análise de seu requerimento administrativo.Portanto, assiste direito ao segurado de ver seu pedido processado e decidido, porquanto não pode ser penalizado pela inércia da administração, ainda que esta não decorra de voluntária omissão dos agentes públicos competentes, mas de problemas estruturais ou mesmo conjunturais da máquina estatal. Como já expressou o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Resp 531.349, 1ª Turma, relatado pelo Ministro José Delgado, após a promulgação da Lei nº 9.784/99, devem ser observados prazos razoáveis para instrução e conclusão dos processos administrativos, que não poderão prolongar-se por tempo indeterminado, sob pena de violação dos princípios da eficiência e razoabilidade (DJ de 09.08.04, p. 174). (TRF4 5013777-63.2016.404.7208, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 17/04/2017).
De fato, ultrapassado o prazo para a esperada decisão sem motivação escusável, configurado está o interesse de agir do impetrante, merecendo reforma a sentença. Acerca da questão, colaciono precedente deste Regional:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR. CONFIGURAÇÃO. 1. As condições da ação, dentre elas o interesse processual, devem ser analisadas in status assertionis, ou seja, devem ser verificadas, em abstrato, nas alegações contidas na petição inicial. 2. A pretensão da parte autora, constante da inicial do presente writ, é a concessão da segurança para que o INSS analise o seu recurso administrativo interposto contra a decisão que indeferiu seu pedido de concessão de benefício previndenciário, sob o fundamento de que o prazo de que dispunha a autoridade coatora para tanto já foi extrapolado, razão pela qual resta configurado o interesse processual. 3. A análise acerca da aplicação ou não de prazo para a Autarquia apreciar o recurso administrativo interposto pela parte autora é questão de mérito, a ser apreciada no momento oportuno. 4. Não se exige o exaurimento da via administrativa como condição para a propositura de demanda judicial. Todavia, a desnecessidade de exaurimento da via administrativa não torna o autor carente de ação, uma vez que o julgamento do recurso (que é o objeto do presente writ) poderá trazer resultado útil e efetivo à parte impetrante, configurando assim o interesse processual no ajuizamento da demanda. 5. Sentença anulada para que seja devidamente processado o presente mandado de segurança. (TRF4, AC 5000459-44.2020.4.04.7217, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 03/07/2020)
Por conseguinte, deve ser concedida a segurança pleiteada, a fim de determinar à autoridade impetrada que proceda à análise do recurso administrativo, protocolado sob o nº 44233.380807/2020-17, no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da intimação do representante judicial o INSS do presente acórdão, nos termos do art. 497 do CPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Incumbe ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Segundo permissivo dos arts. 536, § 1º, e 537 do CPC, em caso de descumprimento da obrigação de fazer, fixo o valor da multa diária em R$ 100,00 (cem reais), considerando excessiva a quantia requerida pelo Apelante. Sobre o tema, necessário ressaltar que não há qualquer vedação no que se refere à cominação de astreinte contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de ordem judicial. Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em reiteradas decisões: Resp nº 508116, DJ de 13-10-2003; Resp nº 464388, DJ de 29-09-2003; Agresp nº 374502, DJ de 19-12-2002 e Resp nº 316368, DJ de 04-03-2002.
Frise-se que o objetivo da multa não é penalizar a parte que descumpre a ordem, mas garantir a efetividade do comando judicial.
Honorários advocatícios
Consoante as súmulas 105 do STJ e 502 do STF, bem como nos termos do artigo 25 da Lei nº 12.016/2009, no mandado de segurança não há condenação em honorários advocatícios.
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso da parte impetrante, a fim de conceder a segurança postulada.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003003035v2 e do código CRC 8f4241f5.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5005428-92.2021.4.04.7209/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: JOSE CARLOS SOARES (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANÁLISE DO RECURSO ADMINISTRATIVO. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. PEDIDO ADMINISTRATIVO. PRAZO RAZOÁVEL.
1. A desnecessidade de exaurimento da via administrativa não torna a parte autora carente de ação, uma vez que o julgamento do recurso administrativo (objeto do presente writ) poderá trazer resultado útil e efetivo à parte impetrante, configurando assim o interesse processual no ajuizamento da demanda.
2. Configurado excesso de prazo nas hipóteses de demora injustificada na conclusão de processo administrativo, quando extrapolado o marco temporal fixado no artigo 49 da Lei 9.784/99, em afronta aos princípios constitucionais da eficiência da Administração Pública e da duração razoável do processo e celeridade na sua tramitação, segundo o art. 37, caput, e o art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88.
3. O processamento do pedido administrativo deve ser realizado em prazo razoável, independentemente dos eventuais percalços administrativos do INSS, que não podem vir em prejuízo do segurado, em virtude da necessidade de prestação do serviço público de modo adequado e eficiente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte impetrante, a fim de conceder a segurança postulada, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003003036v2 e do código CRC 16d060c8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/02/2022 A 14/02/2022
Apelação Cível Nº 5005428-92.2021.4.04.7209/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: JOSE CARLOS SOARES (IMPETRANTE)
ADVOGADO: GEÓRGIA ANDRÉA DOS SANTOS CARVALHO (OAB SC015085)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/02/2022, às 00:00, a 14/02/2022, às 16:00, na sequência 138, disponibilizada no DE de 26/01/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE IMPETRANTE, A FIM DE CONCEDER A SEGURANÇA POSTULADA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 23/02/2022 04:34:10.