Apelação Cível Nº 5003522-04.2020.4.04.7112/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: LUCAS ALEXANDRE DA ROSA TELITO (IMPETRANTE)
APELADO: Gerente-Executivo - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Canoas (IMPETRADO)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança por meio do qual a parte impetrante postula, inclusive em sede de liminar, que seja determinada a imediata implantação do auxílio-doença desde 19/02/2020, conforme o primeiro agendamento e marcação de perícia médica administrativa para aferir a continuidade da incapacidade laboral ou analisar através de toda a documentação médica anexada nos autos.
Narra na inicial que foi diagnosticado com tuberculose e trabalhou até 02/02/2020. Transcorridos os 15 dias de afastamento do labor por doença, cuja responsabilidade pelo pagamento é do empregador, requereu o agendamento da perícia no INSS, marcada para 19/02/2020. No entanto, o sistema "cancelou automaticamente" o exame pericial e, na data, foi informado na agência da previdência que deveria aguardar 30 dias para fazer um novo requerimento. Relata inúmeras tentativas efetuadas por telefone, todas elas infrutíferas, porquanto constava em aberto o requerimento anterior, sendo indispensável para solucionar a questão um atendimento presencial, modalidade que se encontra suspensa em virtude da pandemia da Covid19, conforme determinado na Portaria 412 do INSS de 20/03/2020.
O magistrado de origem, da 3ª VF de Canoas, proferiu sentença em 06/06/2020, julgando improcedente o pedido, para denegar a segurança (evento 19, Sent1). Na sentença, o R. Juízo discorreu sobre os prazos considerados razoáveis para apreciação do requerimento administrativo - 30 dias, segundo o art. 49 da Lei 9.784/99; 45 dias após a apresentação da documentação, previsto no art. 41-A, § 5º da Lei 8.213/91 e 180 dias, conforme disposto na Deliberação 26, de 11/2018, do Fórum Interinstitucional Previdenciário Regional.
O autor apelou, repisando os argumentos a inicial, de que está afastado de suas atividades laborais desde 02/02/2020 em razão de tuberculose, encontrando-se em tratamento para a patologia, conforme documentação acostada, e sem receber o benefício previdenciário ao qual faz jus. Assevera que aplicar o prazo de 180 dias como sendo razoável para apreciação do pedido administrativo, previsto na Deliberação n. 26, do Fórum Interinstitucional Previdenciário Regional, fundamento adotado pelo magistrado a quo, denota insensibilidade, sobretudo, considerando-se que em 19/07/2020 completam-se 180 dias do pedido administrativo e que já foi publicada nova Portaria Conjunta da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS (n. 27), adiando para agosto o retorno do atendimento presencial nas agências da autarquia. Logo, conclui-se que nem o prazo de 180 dias será cumprido. Pede a reforma da sentença (evento 31, Apelação 1).
Com contrarrazões (evento 34), os autos vieram conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
O mandado de segurança destina-se à proteção de direito líquido e certo, nos termos do art. 1º da Lei 12.016/2009, sendo exigível a prova pré-constituída, uma vez que não admite dilação probatória.
No caso em apreço, a parte autora requer a concessão imediata do auxílio-doença requerido administrativamente em 19/02/2020 (evento 1, Out9), pedido que não chegou a ser apreciado pela autarquia, pois não realizada a perícia médica previamente à suspensão do atendimento presencial, determinada em 03/2020, em virtude da pandemia da Covid19.
A autoridade coatora, em resposta, informou (evento 14, Inf11):
INFORMAMOS QUE O REQUERIMENTO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE Nº 201311206 ESTÁ PENDENTE DE AGENDAMENTO DE PERÍCIA MÉDICA EM RAZÃO DA SUSPENSÃO DE ATENDIMENTOS PRESENCIAIS INFORMADO NA PORTARIA 412 DE 20/03/20. AS INFORMAÇÕES CONSTANTES NO CITADO REQUERIMENTO RESTAM PRESERVADAS PARA QUANDO DO RETORNO DOS ATENDIMENTO PRESENCIAIS NAS UNIDADES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, COM A DEVIDA COMUNICAÇÃO AO REQUERENTE. ORIENTAMOS AO MESMO QUE GUARDE TODOS OS DOCUMENTOS DO TRATAMENTO MÉDICO REFERENTES AO CID QUE ORIGINOU O AFASTAMENTO LABORAL.
E, no que se refere ao pedido de concessão de benefício pela análise da documentação médica, registre-se que a Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9381, de 06/04/2020, não tem aplicação retroativa, razão pela qual não foi aplicada ao caso do autor.
Anoto que, como regra, entendo que o fato de o pedido administrativo não ter sido analisado no prazo legal não possibilita o ajuizamento de ação requerendo o benefício, por falta de interesse de agir, sendo possível apenas o ajuizamento de ação em que se requer o exame do pedido administrativo. No caso, porém, excepcionalmente, tendo em vista a pandemia da COVID19, com a suspensão do atendimento presencial nas agências do INSS por prazo indeterminado, entendo ser o caso de se conhecer do pedido de concessão de auxílio-doença trazido neste mandado de segurança.
Os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade são os seguintes: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, prevista no art. 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24 c/c o art. 27-A da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
No que tange à qualidade de segurado e à carência, importa referir que desde 06/12/2013 a 2020 o autor teve vários vínculos empregatícios e recolheu contribuições na condição de contribuinte individual, não havendo perda da qualidade de segurado neste interregno.
De acordo com informações do CNIS, os registros mais recentes são os seguintes:
- de 28/09/2017 a 07/11/2017, com Pakan Comércio de Componentes e Suprimentos Eletrônicos Ltda;
- de 18/12/2017 a 01/10/2018, com BL Serviços de Cobrança Ltda;
- em 02/2019, recolhimento como contribuinte individual;
- de 01/04/2019 a 07/05/2019, com Alert BPO Soluções Integradas Ltda.
Desde 20/05/2019 o demandante tem vínculo empregatício com APPMax Plataforma de Vendas Ltda., como vendedor, conforme informações da CTPS (evento 1, CTPS4) e do CNIS.
Consta ainda que o referido contrato encontra-se em aberto e que o último pagamento percebido pelo requerente data de 02/2020.
Quanto à incapacidade, há farta documentação nos autos:
- atestado emitido por médico da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Hugo Simões Lagranha, de Canoas/RS, referindo que o autor necessitava afastar-se das atividades laborativas a partir de 02/02/2020 (evento 1, AtestMed12);
- atestado emitido por médico da Secretaria de Saúde de Canoas/RS, afirmando que o demandante necessitava afastar-se de suas atividades laborais no período de 18/02/2020 a 18/03/2020, em virtude de CID A16.9 - tuberculose respiratória não especificada (evento 1, AtestMed13, p. 1);
- atestado médico de 11/02/2020, referindo que o requerente estava em tratamento no serviço de Tisiologia de Canoas/RS, com início em 10/02/2020, em razão de CID A16.9 (evento 1, AtestMed13, p. 2);
- documentos que indicam o início do tratamento em 16/03/2020 no Hospital Sanatório Partenon, no Ambulatório de Tisiologia, em Porto Alegre/RS (evento 1, Laudo 10 e11);
- atestado médico de 04/2020 referindo que o autor estava em atendimento para a patologia CID A16.9, multirresistente, o qual era realizado por meio do Hospital Sanatório Partenon na modalidade tratamento diretamente observado (TDO), devendo comparecer diariamente na unidade de saúde para manter o tratamento que iniciara em 18/03/2020 (novo esquema) (evento 1, AtestMed14);
- atestado médico de 03/04/2020, que informa que o requerente, portador de CID A16.9, multirresistente, estava realizando tratamento diretamente observado (TDO), diariamente, na Unidade Básica de Saúde, necessitando afastar-se de suas atividades laborais, por tempo indeterminado, tendo em vista maior suscetibilidade ao risco de adoecimento por Covid-19 (evento 1, AtestMed14).
Importa referir que a concessão do auxílio-doença usualmente pressupõe a realização de perícia médica pelo INSS. No entanto, segundo já mencionado, em razão da Covid19, o atendimento presencial nas agências da previdência social foi suspenso em março de 2020, conforme determinação da Portaria n. 412, de 20/03/2020, editada pelo Ministério da Economia, INSS e Presidência (evento 14, Inf3). Desde então, não estão sendo agendadas perícias médicas e, consabidamente, os segurados têm encontrado dificuldade em contatar com o INSS para resolver pendências como a ora em análise.
Outrossim, a Portaria Conjunta 9.381, de 06/04/2020, editada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, a qual dispõe sobre a antecipação de um salário mínimo mensal ao requerente do auxílio-doença, pelo prazo máximo de três meses, o qual poderá ter o pedido analisado com base exclusivamente na documentação médica, tem validade a partir de sua publicação, não abrangendo os pedidos protocolados anteriormente a sua vigência, como é o caso em exame.
Diante disso, conclui-se que a hipótese entelada guarda peculiaridade, uma vez que houve um pedido administrativo, não analisado pelo INSS em decorrência da impossibilidade de agendamento da perícia médica em virtude do fechamento das agências da previdência devido à Covid 19.
Por outro lado, os documentos apresentados nestes autos evidenciam de forma clara que o autor preenche todos os requisitos para a concessão do auxílio-doença, havendo prova pré-constituída, de modo que não pode ter o seu direito cerceado pela falta de acesso ao INSS para formalizar a existência de incapacidade laborativa que, in casu, é incontestável.
Logo, havendo direito líquido e certo e prova pré-constituída, é de ser provido o apelo do autor, para que determinada a imediata implantação do auxílio-doença.
Data de cessação do benefício
Com o recente advento da Lei nº 13.457/2017, de 26/06/2017 (resultado da conversão da Medida Provisória 767, de 06/01/2017), o art. 60 da Lei nº 8.213/91 passou a ter a seguinte redação:
Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. (...)
§ 8º Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício. (Incluído pela lei nº 13.457, de 2017)
§ 9º Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8º deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta lei. (Incluído pela lei nº 13.457, de 2017)
§ 10. O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, observado o disposto no art. 101 desta lei. (Incluído pela Lei nº 13.457, de 2017)
§ 11. O segurado que não concordar com o resultado da avaliação da qual dispõe o § 10 deste artigo poderá apresentar, no prazo máximo de trinta dias, recurso da decisão da administração perante o Conselho de Recursos do Seguro Social, cuja análise médica pericial, se necessária, será feita pelo assistente técnico médico da junta de recursos do seguro social, perito diverso daquele que indeferiu o benefício. (Incluído pela Lei nº 13.457, de 2017)
Como a sentença foi prolatada após à vigência da MP 739/2016, que vigeu entre 07 de junho a 07 de novembro de 2016, sucedida pela MP 767/2017 (posteriormente convertida na Lei nº 13.457/2017), aplicam-se as regras acima.
Logo, é de ser fixado prazo de 120 dias para manutenção do auxílio-doença, a contar da data de prolação deste acórdão, sendo cabível pedido de prorrogação pela parte autora e não podendo o benefício ser cancelado antes de realizada a perícia médica de prorrogação pela autarquia.
Conclusão
Provido o apelo do autor, para determinar a imediata implantação do auxílio-doença, com DIB em 19/02/2010, a ser mantido pelo prazo de 120 dias, a contar da data da implantação, sendo cabível pedido de prorrogação e não podendo o benefício ser cancelado antes de realizada a perícia médica de prorrogação pela autarquia.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do autor.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001988852v6 e do código CRC 409ce1f4.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5003522-04.2020.4.04.7112/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: LUCAS ALEXANDRE DA ROSA TELITO (IMPETRANTE)
APELADO: Gerente-Executivo - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Canoas (IMPETRADO)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
mandado de segurança. auxílio-doença. perícia médica. agendamento. impossibilidade. prova pré-constituída. concessão da segurança.
1. O mandado de segurança destina-se à proteção de direito líquido e certo, nos termos do art. 1º da Lei 12.016/2009, sendo exigível a prova pré-constituída, uma vez que não admite dilação probatória.
2. Os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade são os seguintes: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, prevista no art. 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24 c/c o art. 27-A da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
3. No caso em tela, o autor protocolou o pedido administrativo de benefício por incapacidade, mas não conseguiu submeter-se à perícia médica ante a suspensão do atendimento presencial nas agências da previdência social em decorrência da pandemia da Covid19.
4. Havendo direito líquido e certo e prova pré-constuída, é de ser concedida a segurança, para que implantado de forma imediata o auxílio-doença.
5. Fixado prazo de 120 dias para manutenção do benefício, a contar da data de prolação deste acórdão, sendo cabível pedido de prorrogação pela parte autora e não podendo o auxílio-doença ser cessado antes da realização da perícia médica de prorrogação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001988853v5 e do código CRC 44be3220.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 01/09/2020 A 09/09/2020
Apelação Cível Nº 5003522-04.2020.4.04.7112/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: LUCAS ALEXANDRE DA ROSA TELITO (IMPETRANTE)
ADVOGADO: SUZETE MARIA SPIES (OAB RS076860)
APELADO: Gerente-Executivo - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Canoas (IMPETRADO)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/09/2020, às 00:00, a 09/09/2020, às 14:00, na sequência 384, disponibilizada no DE de 21/08/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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