Remessa Necessária Cível Nº 5000002-12.2020.4.04.7217/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PARTE AUTORA: LEONEL CARDOSO CONSTANTE (IMPETRANTE)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Cuida-se de reexame necessário de sentença em que a magistrada a quo confirmou a liminar deferida e CONCEDEU A SEGURANÇA, extinguindo o feito com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC, para determinar à autoridade coatora a realização da Justificação Administrativa nos autos do processo nº NB 41/192.271.256-3, no qual a Impetrante busca comprovar atividade rural em regime de economia familiar no período de 06/01/1962 a 31/12/1976, devendo avaliar a prova produzida e reanalisar o processo administrativo, exarando decisão acerca do pedido de reconhecimento do tempo rural e de concessão de aposentadoria por idade. Sem honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016-2009). Custas ex lege.
Sem recursos voluntários, mas por força do reexame necessário, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Nesta instância, o MPF manifestou-se pelo desprovimento da remessa oficial.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de mandado de segurança em que a parte impetrante buscava que o INSS fosse compelido a realizar justificação administrativa em relação ao período de labor rural de 06-01-1962 a 31-12-1976, nos autos do procedimento administrativo em que requereu a concessão de aposentadoria por idade híbrida, para que, após, a Autarquia avaliasse a prova produzida e exarasse nova decisão acerca do pedido.
Adoto, como razões de decidir, a sentença proferida pela Juíza Federal Gabriela Pietsch Serafin, que bem solveu a controvérsia (evento 34, SENT1):
I - RELATÓRIO
LEONEL CARDOSO CONSTANTE impetrou mandado de segurança contra o Gerente - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - Sombrio objetivando A concessão de Liminar em Mandado de Segurança, inaudita altera parte, para o fim de determinar que a Autoridade Coatora proceda à JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA nos autos do processo nº NB 192.271.256-3, no qual a Impetrante busca comprovar atividade rural em regime de economia familiar nos períodos de de 06.01.1962 a 31.12.1976, devendo avaliar a prova produzida e concluir o processo administrativo, exarando decisão acerca do pedido de reconhecimento do tempo rural.
Fundamentou e comprovou a probabilidade do seu direito e o receio pela demora ou dano irreparável ou de difícil reparação nos seguintes termos:
"No dia 09 de novembro de 2018, o impetrante requereu junto ao INSS, pedido de concessão de Aposentadoria por Idade Híbrida, protocolado sob o n. Rua Padre Pedro Baldoncini, nº 295, Sala 2 - Centro - São João do Sul/SC - CEP 88970-000 Fone (048) 99152-5152 e (051) 99749-7679 3 192.271.256-3, de acordo com os §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei de Benefícios da Previdência Social, instituídos pela Lei 11.718/2008, que permite o preenchimento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço urbano e rural. Por ocasião do requerimento, postulou o reconhecimento e averbação do tempo de serviço rural exercido pelo segurado, laborado em regime de economia familiar, juntamente com seus pais e irmãos, no período de 06.01.1962 a 04.06.1982, isto é, de seus doze anos de idade, até a data de seu casamento. Embora reconhecido pela Autarquia o período compreendido de 01.01.1977 a 31.12.1981, o período compreendido de 06.01.1962 a 31.12.1976 não foi reconhecido. No entanto, a justificação administrativa não foi oportunizada pela Autarquia, que encerrou o processo de forma ilegal e abusiva ao deixar de realizar a justificação administrativa, haja vista que o segurado apresentou início de prova material da atividade rural."
Com isso, o pedido liminar foi deferido em decisão do evento n. 3 (DESPDEC1) para determinar que a autoridade impetrada: "agende data para a realização da Justificação Administrativa nos autos do processo nº NB 41/192.271.256-3, no qual a Impetrante busca comprovar atividade rural em regime de economia familiar no período de 06/01/1962 a 31/12/1976, devendo avaliar a prova produzida e reanalisar o processo administrativo, exarando decisão acerca do pedido de reconhecimento do tempo rural e de concessão de aposentadoria por idade."
A ordem foi cumprida pela impetrada (evento 29), e o impetrante inclusive informou no evento n. 32 que o benefício pretendido foi concedido administrativamente.
O MPF manifestou-se pela extinção do feito, por entender haver ocorrido a perda do objeto (ev. 24).
Relatei brevemente. Agora decido.
II - MÉRITO
Reporto-me à decisão que deferiu o pedido liminar:
No regime geral das liminares, mesmo sob a égide do novo Código de Processo Civil exige-se o preenchimento simultâneo dos requisitos "fumus boni iuri" (probabilidade do direito) e "periculum in mora" (receio pela demora ou dano irreparável ou de difícil reparação).
Não basta um ou outro; requerem-se ambos os requisitos.
Ainda, prevê o artigo 7º da Lei nº 12.016/09: "Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica".
A probabilidade do direito alegado pela impetrante na inicial foi comprovada, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.
Estabelece o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
O art. 108 da referida norma, por sua vez, prevê:
Art. 108. Mediante justificação processada perante a Previdência Social, observado o disposto no § 3º do art. 55 e na forma estabelecida no Regulamento, poderá ser suprida a falta de documento ou provado ato do interesse de beneficiário ou empresa, salvo no que se refere a registro público.
No mesmo sentido, o art. 151, do Decreto 3.048, de 06/05/99, que aprova o Regulamento da Previdência Social, afirma que o processamento da justificação administrativa somente será admitido "na hipótese de ficar evidenciada a inexistência de outro meio capaz de configurar a verdade do fato alegado, e o início de prova material apresentado levar à convicção do que se pretende comprovar".
Os dispositivos transcritos indicam, em suma, que o processamento da justificação administrativa somente será admitida caso existente início de prova material. Tal ocorre, sobretudo, pela impossibilidade de reconhecimento, em regra, de tempo de serviço mediante a produção de prova exclusivamente testemunhal.
A propósito, cito os seguintes julgados de Turmas Recursais e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO urbano. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EMPREGADA DOMÉSTICA. prova. impossibilidade de comprovação com mera prova testemunhal. sentença mantida. apelação improvida. 1. As anotações na CTPS fazem prova plena dos vínculos empregatícios registrados. 2. O art. 55 da LBPS preceitua que para a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento. 3. Não tendo a segurada apresentado início de prova material para comprovação dos supostos vínculos como trabalhadora urbana - doméstica -, é de ser mantida a sentença de improcedência. (TRF4, AC 5018114-98.2015.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 05/09/2017)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE TRABALHO RURAL. TEMPO ESPECIAL. INDEVIDO O BENEFÍCIO. 1. "A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento." (artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91). 2. No caso do agente físico ruído, firmou-se no STJ o entendimento de que devem ser observados os seguintes limites: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto nº 53.831/64 (1.1.6), superior a 90 decibéis durante a vigência do Decreto nº 2.172/97 (DOU 06/03/1997), e superior a 85 decibéis, por força da edição do Decreto nº 4.882/03 (DOU 19/11/2003). 3. O uso de equipamentos de proteção individual - EPI, no caso de exposição a ruído, ainda que reduza os níveis do agente físico a patamares inferiores aos previstos na legislação previdenciária, não descaracteriza a especialidade do labor. 4. No caso dos autos, o autor não implementou os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, na DER. (TRF4, AC 5047196-77.2015.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora BIANCA GEORGIA CRUZ ARENHART, juntado aos autos em 08/06/2017)
Por outro lado, uma vez presentes os requisitos, a realização da justificação administrativa passa a ser um dever da Administração, para que seja assegurada a observância do devido processo legal substancial. Trata-se de medida fundamental para que o processo administrativo alcance o seu objetivo primordial de realização da justiça com a concessão do devido amparo previdenciário a quem tem esse direito.
No caso dos autos, observa-se que, apesar dos documentos apresentados pelo Impetrado ao INSS (evento 1, procadm7, pp. 8/57), este não fez a Justificação Administrativa, reconhecendo o labor rural a partir de 1977. Não houve, portanto, manifestação da autarquia quanto ao não reconhecimento do trabalho rural anterior a 1977.
Nesse contexto, em que a parte apresenta início de prova material, ainda que não seja exatamente de todo o período que pretende reconhecer, o INSS é obrigado a realizar a justificação administrativa, sob pena de manifesta violação a direitos fundamentais do segurado.
Saliente-se que o processamento da justificação administrativa não implica reconhecimento do período pleiteado, mas apenas serve de subsídio para análise do pedido de concessão de benefício previdenciário em consonância com os demais elementos apresentados pelo segurado.
Nesse norte, em análise preliminar, infere-se que assiste razão à impetrante acerca da conduta ilegal da autoridade coatora.
O periculum in mora, por sua vez, resta consubstanciado na natureza alimentar da benesse que pode a impetrante alcançar mediante o possível reconhecimento do período rural na Justificação Administrativa ora determinada.
Por fim, não foram apresentados quaisquer argumentos ou elementos de prova que elidissem as conclusões anteriormente adotadas. Por isso, deve ser concedida a segurança pleiteada.
Deve, pois, ser mantida a sentença nos termos em que proferida.
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa necessária.
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RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PARTE AUTORA: LEONEL CARDOSO CONSTANTE (IMPETRANTE)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. justificação administrativa. direito do segurado quando apresentado início de prova material.
1. O segurado tem direito à realização de justificação administrativa quando apresenta início de prova material relativo ao tempo de serviço rural que pretende comprovar.
2. O encerramento do procedimento administrativo sem a realização de justificação administrativa constitui ato ilegal a ser amparado por mandado de segurança.
3. Mantida a sentença que concedeu a segurança pleiteada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001966797v5 e do código CRC 6d2e67e0.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/08/2020 A 20/08/2020
Remessa Necessária Cível Nº 5000002-12.2020.4.04.7217/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
PARTE AUTORA: LEONEL CARDOSO CONSTANTE (IMPETRANTE)
ADVOGADO: IGOR DE AZEVEDO (OAB RS104115)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/08/2020, às 00:00, a 20/08/2020, às 16:00, na sequência 828, disponibilizada no DE de 03/08/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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