Apelação/Remessa Necessária Nº 5006741-97.2021.4.04.7206/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: MARCIA APARECIDA ANDRIAO BORGES (IMPETRANTE)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível e remessa necessária interpostas contra sentença proferida nos autos de mandado de segurança nas seguintes letras (
):Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA, nos termos do artigo 487, I, do NCPC, a fim de determinar que a autoridade coatora instrua e profira decisão no recurso administrativo de auxílio-doença cujo número de protocolo está informado no quadro abaixo, em até 30 (trinta) dias a contar da data da intimação desta sentença, comprovando nos autos o cumprimento, sob pena de multa de R$ 100,00 por dia de descumprimento.
Sem condenação em honorários advocatícios (Lei n° 12.016/2009, art. 25; Súmulas 512 do STF e 105 do STJ).
Sem custas em face do benefício da AJG que concedo à impetrante e da isenção conferida à parte impetrada.
Comunique-se à autoridade impetrada.
Dê-se vista ao Ministério Público Federal.
Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 14, §1º, da Lei 12.016, de 2009).
Em suas razões recursais, a União requer o afastamento da cominação de multa diária imposta no decisum, ao argumento de que o exíguo prazo nele fixado torna inviável o cumprimento tempestivo da obrigação de fazer (
).Sobreveio notícia da conclusão do pedido administrativo, com o julgamento do recurso, em 07/10/2021 (
).Com contrarrazões (
), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.Oportunizada a manifestação da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, vieram os autos para julgamento (
).É o relatório.
VOTO
Preliminarmente, cumpre anotar que o pedido administrativo somente foi analisado no curso da impetração, de modo que não há falar em perda de objeto.
Nesta toada, colaciono precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENCAMINHAMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO RELATIVO A BENEFÍCIO À INSTÂNCIA RECURSAL. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. NÃO CARACTERIZADA. 1. O mandado de segurança foi efetivo e determinante para que o recurso administrativo fosse encaminhado à instância recursal. 2. Presente a pretensão resistida na data da impetração, mesmo que eventualmente atendido seu objeto no curso da ação mandamental, não se configura perda de objeto, mas, sim, reconhecimento do pedido no curso do processo. (TRF4, AC 5010320-90.2020.4.04.7108, SEXTA TURMA, Relator para Acórdão JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 23/06/2021)
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANÁLISE DO PEDIDO ADMINISTRATIVO. Havendo resistência para a análise do pedido administrativo de concessão do benefício, o qual somente restou atendido após a intervenção judicial, com a notificação da autoridade impetrada, não há falar em perda de objeto do mandamus. (TRF4 5017560-16.2018.4.04.7201, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 01/08/2019)
Feita a digressão, quanto ao mérito, a fim de evitar tautologia, transcrevo a sentença que bem decidiu a questão, adotando os seus fundamentos como razões de decidir:
Não é porque o princípio da eficiência passou a constar em nossa Constituição que, daí em diante, tudo na Administração se resolveu. Da mesma forma, a fixação de prazo para decisão do processo administrativo não leva, por si só, na prática, a que se tenha condições fáticas de cumpri-lo (art. 49 da Lei n. 9784/1999).
É claro que essas regras podem e devem ser exigidas pelo administrado, cabendo à autoridade coatora a prova da alegada impossibilidade fática de cumprimento.
Até há pouco, a(s) autoridade(s) coatora(s) traziam apenas alegações genéricas de dificuldades e, por isso, minha conclusão era pela ilegalidade do ato, até porque esses dados alegados em suas informações demandariam comprovação, não sendo suficiente para tanto a mera alegação, desprovida de atributo da veracidade.
Contudo, a situação tomou outros contornos, tornando-se fato notório o "represamento" de uma enorme quantidade de processos perante o INSS, sem prazo para resolução.
Nada obstante, tratando-se de benefício por incapacidade, entendo que deve haver um tratamento diferenciado e prioritário por parte da Administração.
Sendo assim, cabe ao INSS a prova da impossibilidade de cumprimento dos prazos legalmente previstos para conclusão de processos administrativos desse teor, não sendo suficiente para tanto a mera alegação.
Assim, configurada a ilegalidade do ato.
Insurge-se a União contra a imposição de multa diária. Pois bem.
Em primeiro lugar, observo que foi de 30 (trinta) dias o prazo fixado na sentença para cumprimento da obrigação da fazer, de acordo, portanto, com o que determina o art. 59 da Lei n. 9.784/99, o qual se aplica aos processos administrativos em geral, de modo subsidiário, quando a lei não fixar prazo diverso:
Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.
§ 1º Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente. (grifou-se)
Feita a digressão, necessário destacar que o arbitramento de multa para o descumprimento de ordem judicial está previsto nos artigos 536, § 1º, e 537, ambos do CPC, que assim dispõem:
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
(...)
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
A jurisprudência deste Tribunal é uníssona quanto à possibilidade de cominação de multa na hipótese de descumprimento de obrigação de fazer, conforme se infere dos arestos abaixo reproduzidos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MULTA. REDUÇÃO. A respeito do cabimento de multa diária à Autarquia, basta dizer que inexiste, pois, qualquer vedação no que se refere à cominação de astreinte contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de ordem judicial. Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em reiteradas decisões: Resp nº 508116, DJ de 13-10-2003; Resp nº 464388, DJ de 29-09-2003; Agresp nº 374502, DJ de 19-12-2002 e Resp nº 316368, DJ de 04-03-2002. Frise-se que o objetivo da multa não é penalizar a parte que descumpre a ordem, mas garantir a efetividade do comando judicial. Valor reduzido aos parâmetros da Turma. (TRF4, AG 5027236-86.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 09/10/2020)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. CARÁTER COERCITIVO. REDIMENSIONAMENTO DO VALOR. POSSIBILIDADE. 1. É pacífico, na jurisprudência, o entendimento no sentido da possibilidade de aplicação de multa por descumprimento de ordem judicial ao Poder Público, com fundamento no art. 537 do Código de Processo Civil. 2. O seu valor pode, entretanto, ser redimensionado a qualquer tempo, ainda que em sede de execução, pois a multa cominatória não integra a coisa julgada. A alteração deve ter como vetores as dificuldades de cumprimento alheias à conduta da parte, a fixação em quantia exorbitante ou ínfima, a fim de evitar o enriquecimento injustificado de seu beneficiário ou sua própria ineficácia. (TRF4, AG 5030033-06.2018.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 20/10/2020)
Portanto, em relação à multa não há como afastá-la, pois é firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que é possível a fixação, pelo Juízo da Execução ou a requerimento da parte, de multa contra a Fazenda Pública por inadimplemento de obrigação de fazer.
A jurisprudência deste Regional, reiteradamente, tem decidido que a pandemia não pode obstaculizar os direitos dos segurados, sob a argumentação de não ter como processar o cumprimento da ordem judicial, devendo o INSS criar mecanismos que ofereçam uma solução emergencial a esse problema e, assim, dar efetividade ao cumprimento da decisão judicial, sob pena de multa (5001029-66.2020.4.04.7108, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 02/07/2020).
O Judiciário hoje centraliza a esperança e as responsabilidades pelo gerenciamento dos riscos sociais que o Estado Social, por mandado constitucional, assumiu o dever de tutelar, mas não se desincumbe a contento. Observa-se a existência de uma crise valorativa e simbólica nas sociedades contemporâneas, matriz de um volume e de uma diversidade demasiados de pleitos submetidos aos juízes, notadamente diante da retração do Estado do Bem-Estar Social. Esse fenômeno é justificado pela circunstância de ser o juiz um “sobrevivente no universo simbólico da humanidade”, a última instância moral de nossa sociedade e uma das últimas instâncias simbólicas que ainda se mantém. "Perante a decomposição do político, doravante é ao juiz que se pede a salvação”, afirmou Garapon. Surge o juiz como "recurso contra a implosão das sociedades democráticas que não conseguem gerir de forma diferente a complexidade e a diversidade que geram".1
A crise multifacetada escancarou a fragilidade do nosso capitalismo (atrasado, diria Habermas) para atender as demandas sociais dos que não têm condições de pagar pelos serviços privatizados.
A judicialização em tempos de pandemia acrescenta novas perspectivas e vieses à atuação do sistema judicial. Em alguns aspectos, os limites de atuação do Poder Judiciário e da própria separação constitucional dos poderes são revisitados e ganham outras roupagens. O que se tinha com certo, diante da crise e da atuação (ou omissão) do executivo e do legislativo, volta a ser discutido, sobretudo no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
O valor da multa diária fixado pelo juízo a quo está em consonância com o critério adotado por este Colegiado (R$ 100,00).
Por fim, vale registrar que foi noticiado o cumprimento da obrigação de fazer, não sendo, pois, caso de incidência da multa (
).Pelo exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e à apelação da União.
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5006741-97.2021.4.04.7206/SC
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APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: MARCIA APARECIDA ANDRIAO BORGES (IMPETRANTE)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO ADMINISTRATIVO. PRAZO RAZOÁVEL. PERDA DE OBJETO SUPERVENIENTE. INOCORRÊNCIA.
1. Configurado excesso de prazo nas hipóteses de demora injustificada na conclusão de processo administrativo, quando extrapolado o marco temporal fixado no artigo 49 da Lei 9.784/99, em afronta aos princípios constitucionais da eficiência da Administração Pública e da duração razoável do processo e celeridade na sua tramitação, segundo o art. 37, caput, e o art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88.
2. O processamento do pedido administrativo deve ser realizado em prazo razoável, independentemente dos eventuais percalços administrativos do INSS, que não podem vir em prejuízo do segurado, em virtude da necessidade de prestação do serviço público de modo adequado e eficiente.
3. Inexiste qualquer vedação quanto à cominação de astreinte contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de ordem judicial. Precedentes. No caso, contudo, ainda que a implantação do benefício tenha sido comprovada após o decurso do prazo imposto para o adimplemento da obrigação de fazer, forçoso reconhecer que a autoridade coatora não permaneceu inerte durante o trâmite da ação, envidando esforços no sentido de atender ao comando sentencial. Ainda, há que se considerar a circunstância atípica advinda da pandemia de COVID-19.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e à apelação da União, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de maio de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/05/2022 A 17/05/2022
Apelação/Remessa Necessária Nº 5006741-97.2021.4.04.7206/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: MARCIA APARECIDA ANDRIAO BORGES (IMPETRANTE)
ADVOGADO: ANDERSON PEREIRA DE FREITAS (OAB SC060892)
ADVOGADO: FABIANA TAÍSE OLIVEIRA CRODA (OAB SC013658)
ADVOGADO: AFRANIO TADEU RAMOS CAMARGO (OAB SC004488)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/05/2022, às 00:00, a 17/05/2022, às 16:00, na sequência 308, disponibilizada no DE de 29/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO DA UNIÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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