Apelação Cível Nº 5005498-48.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: TALITA MARIA NOAL SCHIRMER (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de Mandado de Segurança ajuizada por TALITA MARIA NOAL SCHIRMER contra ato praticado por Comandante da 3ª Região Militar - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO em que pretende a manutenção de recebimento de benefício de pensão por morte junto ao Exército Brasileiro.
Processado o feito, foi exarada sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor, verbis (ev. 41, origin):
Diante do exposto, denego a segurança.
Sem honorários advocatícios, a teor do art. 25, da Lei n. 12016/09.
Havendo recurso(s) voluntário(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Após, remetam-se ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Intimem-se as partes. Dê-se vista ao MPF.
A impetrante apela, sustentando, em síntese, que os benefícios possuem fontes pagadoras distintas, bem como o prazo decadencial para a União revisar seu atos administrativos (ev. 50, origin).
Com contrarrazões (ev. 54, origin), vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal juntou parecer, opinando pelo desprovimento do apelo (ev. 4).
É o relatório.
VOTO
No presnte caso, veja-se que a autora aufere quatro benefícios, sendo uma pensão militar, desde 05.05.2014, aposentadoria pelo Estado do Rio Grande do Sul, desde 1987, aposentadoria por idade pelo RGPS, desde 01.04.2013 e pensão por morte do RGPS, desde 24.01.1981.
É cediço que, no exercício do poder/dever de auto-tutela, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários, nos termos do art. 54 da Lei n.º 9.784/99, assim como às regras relativas à tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato.
Desta forma, considerando o decurso de mais de 05 anos desde a vigência da Lei 9.784/99 sem que a Administração tivesse exercido o direito de anulação do ato reclassificatório do benefício de pensão, na forma da Lei 8.717/93, correta a conclusão no sentido de que os efeitos do ato administrativo consolidaram-se pelo transcurso do tempo, gerando legítima expectativa nas demandantes acerca do recebimento da pensão.
O início do recebimento do último benefício - pensão militar - ocorreu em 05.05.2014 e a comunicação feita pela administração militar sobre a cumulação dos benefícios se deu em 18.06.2020 (ev. 1, NOT5, origin).
No que tange à possibilidade da União revisar o ato concessivo da pensão militar, o magistrado sentenciante fundamento sua decisão, verbis:
No que se refere à possível decadência no caso concreto, há que se considerar que a "aplicação do prazo decadencial, previsto no art. 54 da Lei n.º 9.784/1999, para situações de omissão da Administração Pública, é questionável, porque (1) o ato ilegal/inconstitucional não gera direito subjetivo ao destinatário, e (2) em se tratando de relação jurídica de trato sucessivo (e, portanto, de omissão persistente), qualquer eventual prazo é renovado periodicamente (assim como a própria ilicitude)" (TRF4 5046996-60.2016.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/06/2017).
(...)
Impende destacar que se trata de pensão militar, a qual este Tribunal consolidou entendimento de que o ato de concessão deve ser submetido ao crivo da Corte de Contas
Nesse sentido, verbis:
ADMINISTRATIVO. MILITAR. REVISÃO DE PROVENTOS. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. REPERCUSSÃO GERAL Nº 810. 1. Diante do princípio da segurança jurídica, há um limite ao direito da Administração em proceder a revisão de ato administrativo, sobretudo em se tratando de verba alimentar recebida de boa-fé pelo destinatário. Inteligência do artigo 54 da Lei nº 9.784/99. 2. Não se desconhece o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não se aplica o art. 54 da Lei nº 9.784/99 aos processos em que o TCU exerce competência constitucional de controle externo, na medida em que a concessão de aposentadoria é ato jurídico complexo que se aperfeiçoa com a manifestação de mais de um órgão e com o registro no TCU. Entretanto, a situação examinada nestes autos apresenta a peculiaridade de que não se trata de simples impugnação da concessão da aposentadoria e/ou pensão por morte pelo Tribunal de Contas da União, e sim pretensão da própria Administração revisar seu próprio ato mais de seis anos após o recebimento dos proventos da mesma forma. 3. Concluído o julgamento do RE nº 870.947, em regime de repercussão geral, definiu o STF que, em relação às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009. 4. No que se refere à atualização monetária, o recurso paradigma dispôs que o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina, devendo incidir o IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra. (TRF4 5082144-75.2016.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 31/01/2018)
Considerando que inexiste informação de que o TCU tenha concluído o processo de análise da concessão da pensão militar auferida pela autora, não há como conceder a segurança, sobremodo em face da via processual eleita, a qual visa proteger direito líquido e certo.
Sobre a possibilidade de acúmulo de benefícios oriundos de regimes distintos, tenho por irretocável a sentença, motivo pelo adoto o ponto como razões de decidir, verbis:
A jurisprudência já consolidou o entendimento de que o direito à percepção da pensão militar se regula pela lei vigente ao tempo em que se verificou o óbito do instituidor. Assim, tendo em vista que o falecimento do marido da autora ocorreu em 05/05/2014, a lei aplicável será a Lei nº 3.765/1960, com a redação dada pela Medida Provisória 2.215-10, de 31/08/2001.
O artigo 29 da referida norma, que trata da acumulação de benefícios, dispõe, em sua redação vigente à época dos fatos:
" Art. 29. É permitida a acumulação: (Redação dada peça Medida provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001)
I - de uma pensão militar com proventos de disponibilidade, reforma, vencimentos ou aposentadoria; (Redação dada peça Medida provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001)
II - de uma pensão militar com a de outro regime, observado o disposto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal. (Redação dada peça Medida provisória nº 2.215-10, de 31.8.2001)"
Da análise, conclui-se que há possibilidade de acumulação da pensão militar com mais de um benefício, mas não o acúmulo de quatro benefícios, como pretendido pela parte autora na inicial. Com efeito, a despeito de o artigo 29 da Lei nº 3.765/60 prever a possibilidade da cumulação de uma pensão militar com proventos de disponibilidade, reforma, vencimentos ou aposentadoria, ou, ainda, com a de outro regime, em nenhum momento autoriza a interpretação sobre a possibilidade da tríplice ou quádrupla acumulação.
Neste sentido, os seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. PENSÃO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. LEI Nº 3.765/1960.
(...) - De acordo com a Lei nº 3.765/1960, a pensão por morte de militar poderá ser cumulada com apenas um outro benefício previdenciário, civil ou militar. Não obstante, em princípio não há autorização legal para tríplice acumulação. (TRF4, AG 5042998-79.2019.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 13/03/2020)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACUMULAÇÃO TRÍPLICE DE REMUNERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NEGADO PROVIMENTO. 1. Em que pese o art. 29 da Lei 3.765/60 prever a possibilidade da cumulação de uma pensão militar com proventos de disponibilidade, reforma, vencimentos ou aposentadoria, ou, ainda, com a de outro regime, em nenhum momento expressa existir a possibilidade da tríplice acumulação. 2. Ademais, conforme jurisprudência do STF, é inconstitucional a acumulação tríplice de vencimentos e proventos, ainda que o provimento dos cargos públicos tenha ocorrido antes da edição da Emenda Constitucional n.º 20/98. (TRF4, AG 5040620-53.2019.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 16/12/2019)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MILITAR. PENSÃO. TRÍPLICE CUMULAÇÃO DE RENDIMENTOS. IMPROVIMENTO. 1. Ausente a probabilidade do direito alegado, pois a decisão agravada está de acordo com o entendimento desta Corte, no sentido de inexistir autorização legal para a tríplice acumulação de benefícios pretendida (uma pensão por morte militar, cumulada com dois benefícios oriundos do regime geral de previdência). 2. Julgados deste Tribunal: ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSÃO. TRÍPLICE CUMULAÇÃO DE RENDIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. A despeito de o artigo 29 da Lei 3.765/60 prever a possibilidade da cumulação de uma pensão militar com proventos de disponibilidade, reforma, vencimentos ou aposentadoria, ou, ainda, com a de outro regime, em nenhum momento expressa existir a possibilidade da tríplice acumulação de rendimentos. Tal orientação, aliás, está alinhada à jurisprudência do e. Supremo Tribunal Federal - recentemente reafirmada por aquela Corte (STF, ARE 848.993, Rel. Ministro Gilmar Mendes) - no sentido de que é inconstitucional a acumulação tríplice de vencimentos e proventos, ainda que o provimento dos cargos públicos tenha ocorrido antes da edição da Emenda Constitucional n.º 20/98. (TRF4, AC 5007973-70.2018.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 19/09/2019) 3. Agravo de instrumento improvido. (TRF4, AG 5011541-92.2020.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 02/07/2020)
Portanto, em face do exposto, deve ser negado provimento à apelação.
Honorários Advocatícios
Sem condenação de honorários advocatícios (art. 25 da Lei 12.016/2009; Súmula 512 do STF; e Súmula 105 do STJ).
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
Conclusão
- apelação improvida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5005498-48.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: TALITA MARIA NOAL SCHIRMER (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
EMENTA
mandado de segurança. pensão militar. cumulação. decadência.
1. No exercício do poder/dever de auto-tutela, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários, nos termos do art. 54 da Lei n.º 9.784/99, assim como as regras relativas à tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato.
2. Não se pode desconhecer do entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não se aplica o art. 54 da Lei nº 9.784/99 aos processos em que o TCU exerce competência constitucional de controle externo, na medida em que a concessão de aposentadoria é ato jurídico complexo que se aperfeiçoa com a manifestação de mais de um órgão e com o registro no TCU.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de novembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002847211v4 e do código CRC 56ae2823.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/11/2021 A 16/11/2021
Apelação Cível Nº 5005498-48.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: TALITA MARIA NOAL SCHIRMER (IMPETRANTE)
ADVOGADO: JANE LUCIA WILHELM BERWANGER (OAB RS046917)
ADVOGADO: JANE LUCIA WILHELM BERWANGER
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/11/2021, às 00:00, a 16/11/2021, às 14:00, na sequência 590, disponibilizada no DE de 22/10/2021.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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