Remessa Necessária Cível Nº 5000416-37.2020.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PARTE AUTORA: MARIA DE LOURDES CARVALHO DA CUNHA (IMPETRANTE)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Cuida-se de reexame necessário de sentença, parcialmente modificada por embargos de declaração, em que o magistrado a quo julgou procedente o pedido e concedeu a segurança a fim de determinar que a autoridade impetrada reabra o processo administrativo, instrua, analise detalhadamente os documentos apresentados, que vinculam o grupo familiar às lides rurais no período pretendido, e profira decisão fundamentada, comprovando nos autos o cumprimento. Assinou prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, a contar da data da intimação da sentença ou, se necessária complementação de documentação, exigência administrativa ou diligências adicionais, 45 dias a contar da juntada dos documentos/cumprimento da exigência administrativa/diligências adicionais. Sem condenação em honorários advocatícios em sede de mandado de segurança (Lei n° 12.016/2009, art. 25; Súmulas 512 do STF e 105 do STJ). Sem custas em face do benefício da AJG concedido à parte impetrante e da isenção conferida à parte impetrada.
No evento 49 o INSS comprovou o cumprimento da sentença, que resultou na concessão administrativa da aposentadoria por idade postulada.
Sem recursos voluntários, mas por força do reexame necessário, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Nesta instância, o MPF deixou de se manifestar quanto ao mérito.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de mandado de segurança em que a parte impetrante buscava que o INSS fosse compelido a reabrir o processo administrativo e realizar a análise correta deste, proferindo nova decisão devidamente motivada acerca do pedido de concessão de aposentadoria por idade. Alega que juntou todos os documentos solicitados pela Autarquia, mas que, ainda assim, o benefício foi indeferido com justificativa "genérica".
Adoto, como razões de decidir, a sentença proferida pelo Juiz Federal Daniel Luersen, que bem solveu a controvérsia (evento 20, SENT1):
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado pela parte autora contra ato do Chefe da Agência do INSS de Itajaí/SC, objetivando a concessão de segurança que determine a reabertura do processo administrativo, sanando a omissão apontada de falta de prestação jurisdicional administrativa, publicando a efetiva conclusão dos autos administrativos com a concessão ou não do benefício pretendido.
Deferida a assistência judiciária gratuita (evento 04).
O INSS requereu ingresso no feito, com intimação de todos os atos processuais posteriores (evento 09).
A autoridade impetrada anexou o processo administrativo concluído, incluindo o despacho que motivou o indeferimento do benefício (evento 11, INF1).
O Ministério Público Federal manifestou-se pela desnecessidade de sua intervenção, aduzindo não haver interesse capaz de ensejar a atuação do órgão (evento 16).
A parte impetrante se manifestou, aduzindo que o pleito foi indeferido com justificativa genérica, remanescendo o interesse pela reabertura do processo administrativo, com determinação de análise minuciosa dos documentos apresentados e a publicação de uma decisão administrativa que conclua justificadamente o caso (evento 18).
Registrou-se conclusão para sentença. Decido.
FUNDAMENTAÇÃO
No caso em tela, a documentação acostada à inicial demonstra que a parte impetrante formulou pedido administrativo de concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, em 26.6.2019 (evento 1, PROCADM6, p. 1).
Nas informações, a autoridade coatora informa a juntada do despacho conclusivo com os motivos do indeferimento: "Segurado não apresenta nenhum documento relativo a notas fiscais de produtor rural no período de 10/1961 a 06/1975" (evento 11, INF1, p.2)
A Constituição Federal dispõe que a Administração Pública obedecerá, dentre outros princípios, o da eficiência (art. 37, caput), garantindo a todos a razoável duração do processo no âmbito judicial ou administrativo (art. 5°, LXXVIII).
No plano infraconstitucional, a Lei n. 9.784/99 estabelece normas básicas sobre o processo administrativo na esfera da Administração Federal direta e indireta. Em consonância com o disposto na Constituição, ela também inclui o princípio da motivação como um dos que devem nortear a Administração Pública:
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
(...)
Além disso, o art. 50 do referido diploma legal preconiza a obrigatoriedade da motivação nos seguintes termos:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
(...)
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
O princípio da motivação dos atos administrativos impõe à administração o dever de indicar os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Tal obrigatoriedade se fundamenta na necessidade de permitir o controle da legalidade dos atos administrativos.
Por ocasião do indeferimento administrativo do benefício, fundamentou o INSS (evento 11, INF1, p. 2):
(...)
8. SEGURADO NÃO APRESENTA NENHUM DOCUMENTO RELATIVO A NOTAS FISCAIS DE PRODUTOR RURAL NO PERÍODO DE 10/1961 A 06/1975.
Ocorre que referido indeferimento representa flagrante ofensa ao princípio da motivação dos atos administrativos, que deve ser expressa, clara e congruente, nos termos do art. 50 da Lei n. 9.784/99.
As causas com deficiência de instrução, nesse caso sem a justificação administrativa do período rural, nem análise dos documentos apresentados, ao chegarem ao Poder Judiciário podem causar no juiz incerteza quanto a quais são os efetivos pontos controvertidos e qual é o real objeto da lide.
Conforme já exposto em tantos outros processos judiciais, nos quais o ajuizamento da ação ocorria sem o prévio requerimento administrativo, a movimentação do Poder Judiciário é de ser reservada aos casos em haja efetiva necessidade de sua intervenção, sob pena de se transmudar - no caso - em mera extensão da autarquia previdenciária. Tal entendimento se aplica, também, quando a parte autora formula o requerimento e ele não é devidamente processado e julgado pelo agente administrativo, porquanto também não há a devida análise prévia dos pedidos pela administração pública.
No caso, vê-se que a parte impetrante postulou administrativamente pela realização de justificação administrativa (ev.11, PROCADM2, p. 10), pedido que sequer foi apreciado, apresentou documentos relacionando o grupo familiar às atividades rurais (ev.11, PROCADM2, p. 12-32) e ainda atendeu a exigência para apresentar autodeclaração e novos documentos (evento 11, PROCADM3, p. 16-40). Não obstante, o requerimento foi indeferido, fazendo constar com relação à pretensão de reconhecimento de tempo rural apenas a observação de que não foram apresentadas Notas Fiscais de produtor, como se estas fossem as únicas provas possíveis para embasar o pedido.
Assim, concluo que o ato administrativo que indeferiu o pedido de concessão do NB 191.150.144-2 não observou o devido processo legal e tampouco o princípio da motivação dos atos administrativos, em afronta ao art. 2º da Lei n. 9.784/99, razão pela qual deve ser concedida a segurança pleiteada.
Por conseguinte, determino que a autoridade impetrada reabra o processo administrativo, instrua, inclusive com a realização de justificação administrativa quanto ao período de atividade rural alegado, já que há diversos documentos vinculando o grupo familiar às lides rurais no período pretendido, e profira decisão fundamentada, comprovando nos autos o cumprimento. Assino prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, a contar da data da intimação desta sentença ou, se necessária complementação de documentação, exigência administrativa ou diligências adicionais, 45 dias a contar da juntada dos documentos/cumprimento da exigência administrativa/diligências adicionais.
Pela reabertura do processo administrativo e da instrução, recente decisão do TRF da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ENCERRAMENTO DE PLANO. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. NECESSIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A Previdência Social deve conceder ao segurado o melhor benefício a que tiver direito, cabendo ao servidor da Autarquia orientá-lo nesse sentido.
2. Hipótese em que não foi oportunizada à demandante a comprovação do preenchimento dos requisitos para a concessão, na via administrativa, da pensão por morte requerida, a qual foi negada de plano por ser a parte impetrante beneficiária de amparo social.
3. Mantida a sentença que concedeu parcialmente a segurança, de modo a impor à autoridade a reabertura da instrução para que seja permitido à impetrante a produção de prova para a comprovação dos requisitos indispensáveis à concessão administrativa da pensão por morte e, em última análise, seja-lhe oportunizada a opção pelo benefício que mais vantajoso. (TRF 4ª R, Turma Suplementar de Santa Catarina, 5010898-24.2018.4.04.7205, Relatora Gabriela Pietsch Serafim, em 31.7.2019)
Muito embora os embargos de declaração do INSS tenham sido acolhidos para excluir da fundamentação da sentença a determinação de realização de justificação adminsitrativa, em face da desnecessidade da Justificação Administrativa ou Judicial após a MP 871, de 18.1.2019, convertida na Lei 13.846, de 18.6.2019 (evento 36, SENT1), os fundamentos desta permanecem hígidos, tanto que constou, na sentença dos embargos, que a exclusão da menção à justificação administrativa não exime a autoridade impetrada de dar cumprimento à ordem judicial expedida, no sentido de analisar toda a documentação apresentada pelo impetrante e expedir decisão detalhada acerca dos motivos que permitem ou não sua admissão como prova do trabalho rural alegado, o que, aliás, é a determinação central do provimento judicial exarado.
Deve, pois, ser mantida a sentença nos termos em que proferida.
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa necessária.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001970549v9 e do código CRC 810d5dad.Informações adicionais da assinatura:
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Remessa Necessária Cível Nº 5000416-37.2020.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PARTE AUTORA: MARIA DE LOURDES CARVALHO DA CUNHA (IMPETRANTE)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. princípio da motivação dos atos administrativos. reabertura do procedimento administrativo para análise da prova apresentada.
1. É ilegal o ato administrativo que indefere pedido de concessão de benefício previdenciário sem observar o devido processo legal e o princípio da motivação constante do art. 2º da Lei n. 9.784/99.
2. Mantida a sentença que concedeu a segurança pleiteada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001970550v4 e do código CRC 1d1ecaa6.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 03/09/2020 A 11/09/2020
Remessa Necessária Cível Nº 5000416-37.2020.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PARTE AUTORA: MARIA DE LOURDES CARVALHO DA CUNHA (IMPETRANTE)
ADVOGADO: ALCIRLEY CANEDO DA SILVA (OAB PR034904)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/09/2020, às 00:00, a 11/09/2020, às 16:00, na sequência 419, disponibilizada no DE de 25/08/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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