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Apelação Cível Nº 5000264-60.2024.4.04.7139/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Z. C. C. contra ato atribuído ao GERENTE EXECUTIVO DO INSS DE CANOAS/RS, por meio do qual pretende a reabertura do processo administrativo de requerimento de benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, NB 42/195.547.820-9 (DER 03/11/2023), para fins de realização de justificação administrativa para comprovação do desempenho de atividade rural a contar dos 8 anos de idade (anterior a 29/04/1980).
Sobreveio sentença (
), na qual foi julgado extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, inc. IV, do Código de Processo Civil.Irresignada, apela a impetrante postulando a reforma da sentença, a fim de que seja concedida a ordem de segurança para reabertura do processo administrativo, com a anulação da decisão administrativa não fundamentada e a imediata realização de justificação administrativa, além da análise da documentação acostada no processo administrativo (
).Apresentadas as contrarrazões (
), vieram os autos para julgamento.Nesta instância, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação (
).É o relatório.
VOTO
A sentença denegou a segurança com base nos seguintes fundamentos (
):...
O mandado de segurança é o meio hábil constitucionalmente previsto no art. 5º, LXIX da CF para que seja protegido direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente no exercício de atribuições do Poder Público. Portanto, é pressuposto constitucional de admissibilidade do mandado de segurança a existência de direito líquido e certo, ou seja, comprovado de plano.
Por direito líquido e certo, entende-se aquele que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração, devendo vir expresso em norma legal e trazer consigo todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante, qualificando-se como o direito comprovado de plano.
Assim, o rito processual do mandado de segurança exige "prova pré-constituída das situações e fatos que embasam o direito invocado pelo impetrante", nos termos da doutrina de Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, 26ª ed, São Paulo: Malheiros, 2003. p. 38).
Ademais, para que seja considerado liquido e certo, o direito deve ser expresso em Lei e ser demonstrado de plano, ou seja, as provas de sua existência devem acompanhar o pedido ao juiz, sob pena de indeferimento, já que, no Mandado de Segurança, não há espaço para a produção de provas.
A par da liquidez e certeza do direito apresentado de plano, outra condição necessária para impetração do mandado de segurança consiste na existência (ou ameaça concreta) de ato coator de autoridade, o qual seria o responsável pela violação do direito do autor. Nesse passo, tem-se que o Mandado de Segurança é ação específica, destinada a discutir a validade de ações do Estado. É por isso que, mesmo que por vezes seus objetivos assemelhem-se aos de uma ação ordinária, eles não se confundem.
Na lição de Hugo de Brito Machado, o direito apto a ser protegido pelo Mandado de Segurança é aquele que trata de fatos que não estão em discussão, que não constituem a controvérsia a ser resolvida pelo juízo em decorrência da impetração:
"Se há controvérsia quanto à matéria de fato certamente não se trata de defender um direito líquido e certo e, portanto, não é cabível o mandado de segurança." (MACHADO, Hugo de Brito. Mandado de segurança em matéria tributária. 9. ed. - São Paulo: Malheiros, 2016. p. 23)
Tal "direito líquido e certo" é conceito processual, atinente à possibilidade de impetração do Mandado de Segurança. Significa dizer que a pretensão veiculada por meio do mandamus deve ser fundamentada em prova pré-constituída, tornando desnecessária a produção de outras provas.
Neste sentido:
“Direito líquido e certo, segundo o posicionamento já consolidado, é aquele direito titularizado pelo impetrante, embasado em situação fática perfeitamente delineada e comprovada de plano por meio de prova pré-constituída. É, em síntese, a pré-constituição da prova dos fatos alçados à categoria de causa de pedir do writ, independentemente de sua complexidade fática ou jurídica, que permite a utilização da ação mandamental.” (SODRÉ, Eduardo. Mandado de segurança. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Org.). Ações Constitucionais. 2. Ed. Bahia: Juspodivm, 2007. p. 102.)
No caso em análise, considerando que a justificação administrativa é um ato discricionário do INSS, não está comprovado o direito líquido e certo alegado pela parte impetrante. Assim, a petição inicial deve ser indeferida, em razão da ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, tornando inadequada a via eleita, forte no art. 330, I e art. 485, IV, ambos do Código de Processo Civil.
...
No que toca ao período rural não reconhecido pela autoridade administrativa, deve ser mantida a sentença.
Houve, ao contrário do alegado pela impetrante, decisão fundamentada, como se percebe do parecer produzido nos autos do processo administrativo (
):É certo que no bojo do processo administrativo foram juntados documentos para fins de comprovação da atividade rural (
e ).Na decisão administrativa, contudo, a despeito da possibilidade hipotética de reconhecimento da atividade rural, a autoridade administrativa, a partir de razões jurídicas e fáticas, reputou que no caso concreto não estava demonstrada a alegada condição de segurado especial.
Conhecidas as limitações probatórias em sede de mandado de segurança, inviável a discussão por esta via.
A Constituição Federal, de efeito, no inciso LXIX do artigo 5º, e a Lei 12.016/2009, em seu artigo 1º, exigem que no mandado de segurança o direito subjetivo cuja proteção se pretende por parte do órgão jurisdicional seja líquido e certo.
No prestigiado ensinamento de Hely Lopes Meirelles (mandado de segurança, p. 29, 16ª ed, São Paulo: Malheiro Editores, 1995): "direito líquido e certo é o que se apresenta com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é comprovado de plano". Afirma o eminente professor que o conceito legal está mal expresso, porque refere direito quando, na verdade, deveria referir precisão e comprovação dos fatos e situações que propiciam o exercício desse direito.
De todo modo, é por essas características que não há propriamente dilação probatória no mandado de segurança, limitando-se essa atividade à apresentação de documentos e à prestação de informações pela autoridade impetrada, sendo que a existência ou não do direito e do seu suporte fático deriva do exame das peças processuais e do quanto com elas juntado inicial e dessas informações.
Constitui o mandamus, portanto, instituto de direito processual constitucional que visa a garantir a recomposição imediata do direito individual, ou coletivo, lesado por ato ilegal ou abusivo de autoridade, a exigir prova pré-constituída das situações e fatos que amparam o direito do impetrante.
Em mandado de segurança, impende salientar, a questão probatória se assenta em via de mão dupla, de modo que não se pode vedar a possibilidade de o demandado, tão-somente em razão do meio processual eleito, provar o que alega como fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do impetrante.
A título ilustrativo, colaciona-se ainda alguns precedente correlatos (sublinhei):
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REVISÃO DE CTC. EXIGÊNCIAS SOLICITADAS. ILEGALIDADE. NÃO DEMONSTRADA DE PLANO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. 1. O mandado de segurança é remédio constitucional destinado a sanar ou a evitar ilegalidades que impliquem violação de direito líquido e certo, sendo exigível prova préconstituída, pois não comporta dilação probatória. 2. Não verificado, de plano, ilegalidade na decisão administrativa e/ou verificada a necessidade de produção de prova para maiores esclarecimentos, exigindo dilação probatória, não é possível via mandado de segurança. (TRF4, AC 5052204-21.2023.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, juntado aos autos em 28/06/2024)
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. PERÍODO NÃO RECONHECIDO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SENTENÇA MANTIDA. 1. O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei nº 12.016/09. 2. O direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança é aquele que pode ser demonstrado de plano mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. 3. A ação mandamental não comporta ampla cognição probatória ou revolvimento de matéria fática. A reabertura do processo, pela suposta ilegalidade na análise da prova, exigiria um debate aprofundado do processo administrativo, cognição que não é possível em sede de mandado de segurança, que tem rito célere e exige prova pré-constituída. 4. Encerrado o processo administrativo, com a observância do devido processo legal, é facultado ao segurado o ajuizamento de ação judicial para a modificação ou a interposição de recurso no âmbito administrativo. (TRF4, AC 5002776-43.2023.4.04.7012, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 26/06/2024)
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. CÔMPUTO DE PERÍODO LABORADO EM RPPS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. REABERTURA DO PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A insurgência em face da decisão proferida na esfera extrajudicial, que conta com a fundamentação hábil a embasá-la, deve ser manifestada mediante a) a interposição do competente recurso, também veiculado perante àquela via, ou, ainda, b) o aforamento de ação judicial própria, objetivando não a reabertura do procedimento administrativo, mas, sim, a reforma do mérito daquele decisum. 2. Manutenção da sentença que denegou a segurança, considerando inexistir direito líquido e certo à reabertura do processo administrativo. (TRF4, AC 5001934-51.2023.4.04.7210, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 25/06/2024)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. REABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DECISÃO ADMINISTRATIVA FUNDAMENTADA. 1. O mandado de segurança é instrumento hábil a ancorar pretensão que se mostre comprovada de plano. A ação mandamental se constitui em garantia instrumental constitucional, de cunho sumário e documental, sendo inadmissível dilação probatória para fins de comprovação da liquidez e certeza do fato que embasa o direito posto em causa. 2. Conforme se depreende do art. 14, § 1º, da Lei 12.016/09, a remessa necessária só é cabível na hipótese de concessão da segurança. Tratando-se de decisão denegatória da segurança ou terminativa, não há falar em duplo grau obrigatório. 3. Considerando que o indeferimento administrativo de cômputo do tempo de serviço especial foi motivado de forma clara e congruente, restou atendido o disposto no §1º e no inciso I do art. 50 da Lei n. 9.784/1999, razão pela qual não há justificativa para a reabertura do procedimento administrativo quanto ao ponto. (TRF4 5000083-98.2023.4.04.7202, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 15/06/2023)
O caso, portanto, demanda discussão pela via comum.
Mantida incólume a sentença.
Sem honorários em face do conteúdo das Súmulas 105 do STJ e 512 do STF e do disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5000264-60.2024.4.04.7139/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. REABERTURA PARA ANÁLISE DO LABOR RURAL. IMPOSSIBILIDADE.
- Constitui o mandamus instituto de direito processual constitucional que visa a garantir a recomposição imediata do direito individual, ou coletivo, lesado por ato ilegal ou abusivo de autoridade, a exigir prova pré-constituída das situações e fatos que amparam o alegado direito do impetrante.
- Para reconhecer a incorreção da decisão administrativa do INSS no que toca ao tempo rural, há a necessidade de produção de provas, caracterizando-se a falta de um dos requisitos legais a ensejar o cabimento do mandado de segurança, sem prejuízo da possibilidade de discussão do objeto da presente demanda pela via ordinária.
- Em mandado de segurança a questão probatória se assenta em via de mão dupla, de modo que não se pode vedar a possibilidade de o demandado, tão-somente em razão do meio processual eleito, provar o que alega como fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do impetrante.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 11/12/2024
Apelação Cível Nº 5000264-60.2024.4.04.7139/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: FREDERICO MAGGI COELHO HAINZENREDER por Z. C. C.
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 11/12/2024, na sequência 90, disponibilizada no DE de 02/12/2024.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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