APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001412-73.2013.4.04.7113/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
: | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL | |
APELADO | : | LOURDES CRACCO |
ADVOGADO | : | César Lamm |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REDUÇÃO DE BENEFÍCIO SEM PRÉVIA INTIMAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO. OS FINS NÃO JUSTIFICAM OS MEIOS.
1. Há violação ao devido processo legal, a justificar o restabelecimento do valor do benefício, se o INSS, no procedimento administrativo de revisão, não obedeceu ao devido processo legal, reduzindo o valor da aposentadoria da parte impetrante sem que houvesse qualquer notificação ou comunicação prévia para a apresentação de defesa.
2. Decisão judicial que não viola os princípios da moralidade administrativa e da supremacia do interesse público, pois o poder-dever de autotutela conferido à Administração Pública deve ser exercido de acordo como princípio do devido processo legal, garantindo ao administrado ou beneficiário, a possibilidade de se defender, para preservar seu direito, nos termos do artigo 5º, incisos LIV e LV, da CF/88. Do contrário, os fins estariam a justificar os meios.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2015.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7650683v19 e, se solicitado, do código CRC 7EA1DD37. | |
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001412-73.2013.4.04.7113/RS
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
: | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL | |
APELADO | : | LOURDES CRACCO |
ADVOGADO | : | César Lamm |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Lourdes Cracco contra ato do Gerente da Agência da Previdência Social de Guaporé/RS, com pedido liminar, por meio do qual pretende a decretação da nulidade do procedimento administrativo que resultou na revisão do cálculo da RMI de seu benefício, sem observar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Requer, então, a suspensão do desconto consignado de 30% no valor de sua renda mensal atual e o restabelecimento da RMI de sua aposentadoria.
O pedido liminar foi parcialmente deferido (evento3 - DECLIM1) para determinar que a autarquia se abstivesse de proceder descontos no benefício do impetrante, ou de efetuar qualquer tipo de cobrança dos valores recebidos de forma supostamente irregular, mantendo, todavia, a revisão administrativa que resultou na diminuição do benefício.
Sentenciando, a magistrada a quo concedeu a segurança postulada para o efeito de declarar nulos os atos administrativos que reduziram o valor do benefício e determinaram a cobrança consignada de 30% sobre o valor da aposentadoria da parte impetrante, anteriores ao processamento e resposta da defesa da impetrante. Sem condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº. 12.016/2009 e Súmulas nº 105 do STJ e 512 do STF). Sem custas a serem ressarcidas.
O INSS recorre sustentando a inadequação da via eleita, pois necessária a dilação probatória. Argumenta que não decaiu do direito de revisar o benefício da parte impetrante e que, após a revisão do benefício, concedeu-lhe direito de manifestação. Afirma que a suspensão foi imediata, pois os fatos apurados pela auditoria eram graves, devendo preponderar o interesse público diante do particular. Defende que era possível a revisão do benefício, narrando os fatos acontecidos e aduzindo que o restabelecimento do benefício não se faz possível, pois sobejamente demonstrado que houve fraude na concessão, a viabilizar os descontos realizados no pagamento da aposentadoria, autorizados por lei. Pede, então, a reforma da sentença para que seja denegada a segurança.
O Ministério Público Federal também apela defendendo a ausência de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Afirma que a manutenção da sentença privilegia o formalismo procedimental exacerbado, ainda mais porque a impetrante teve oportunidade de defesa, ainda que após a redução e a determinação do desconto no valor de seu benefício, procedimento que não apresenta vício algum. Argumenta que os princípios constitucionais da moralidade administrativa e da supremacia do interesse público devem preponderar sobre o interesse privado.
Com contrarrazões, e por força do reexame necessário, subiram os autos a este Tribunal para julgamento.
Nesta Corte, o representante do MPF opinou pela inadequação da via eleita, acolhendo-se a preliminar suscitada pelo INSS e julgando-se prejudicado o apelo do Ministério Público Federal.
É o relatório.
VOTO
Inadequação da via eleita
Inicialmente, consigno que tanto a Constituição Federal, no inc. LXIX do art. 5º, quanto a Lei n. 12.016/2009, em seu art. 1º, exigem como pressuposto para a impetração da ação mandamental que o direito subjetivo, a ser protegido pelo órgão jurisdicional, seja líquido e certo. Por isso não se cogita de dilação probatória no mandado de segurança. A prova limita-se aos documentos carreados com a inicial e às informações prestadas pelo impetrado, sendo que a existência ou não do direito e o seu suporte fático deriva do exame da inicial e dessas informações.
O writ constitui, pois, um instituto de direito processual constitucional que visa a garantir a recomposição imediata do direito individual ou coletivo lesado por ato ilegal ou abusivo da autoridade, a exigir prova pré-constituída das situações e fatos que amparam o direito do impetrante.
No caso em tela, reputo o meio escolhido como adequado, tendo em vista que a discussão se limita à legalidade ou não do procedimento administrativo de redução do valor do beneficio que a impetrante percebia e ao cancelamento do desconto consignado de 30%. Não se está discutindo aqui os motivos pelos quais o benefício foi revisto pelo INSS, culminando na redução da RMI originariamente concedida, mas, sim, se a Autarquia Previdenciária obedeceu ao devido processo legal.
Assim, rejeito a preliminar suscitada.
Como dito, a questão controvertida diz respeito à legalidade (ou não) do procedimento administrativo de redução do benefício que a impetrante percebia. O debate acerca dos motivos que ensejaram tal redução só se apresentaria como questão passível de discussão, e, aí sim por outra via processual, acaso reconhecido que o procedimento administrativo foi regular.
Admitir-se trazer para o contexto controvertido as razões de mérito que o INSS alega que justificaram a suspensão do benefício, sem antes examinar a legalidade do próprio procedimento administrativo, seria reconhecer que os fins justificariam os meios.
Na mesma linha, não devem ser conhecidas as razões do apelo do INSS referentes à discussão quanto a eventual decadência de seu direito de revisar o benefício, pois dissociadas do mérito do presente mandamus.
A r. sentença, prolatada pela Juíza Federal Luciana Dias Bauer, bem decidiu a questão, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, in verbis:
"(...)
Mérito
Compete ao INSS, mediante a juntada de cópias do processo administrativo, comprovar a inequívoca notificação do segurado, na forma do art. 11, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei nº 11.666/03, verbis:
Art. 11. O Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes.
§ 1o Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias.
§ 2o A notificação a que se refere o § 1o far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário.
§ 3o Decorrido o prazo concedido pela notificação postal, sem que tenha havido resposta, ou caso seja considerada pela Previdência Social como insuficiente ou improcedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento da decisão ao beneficiário.
No caso, o benefício foi reduzido em 08/11/2012 (1 - EXTR5), antes de qualquer notificação do impetrante para defesa, tendo sido emitida notificação apenas em 07/12/2012 (1 - NOT6). Ou seja, o beneficiário sofre a diminuição de seu beneficio antes mesmo de poder apresentar defesa e ter sua contradita analisada.
Desse modo, resta evidente a violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal, por ausência de notificação prévia da parte impetrante quanto às irregularidades apuradas em relação à concessão de seu benefício, bem como pela falta de abertura de prazo para apresentação de defesa, antes da redução do benefício, o que caracteriza a ilegalidade do ato administrativo. Após processada a defesa, claro, se pode falar em diminuir o beneficio e reaver o que a administração ponderou ser fraude. Antes, é uma violação a defesa nas lides administrativas.
A propósito, destaco os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INOBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. RESTABELECIMENTO DA PENSÃO POR MORTE AO VALOR ANTERIOR. ASTREINTES. FUNÇÃO COERCITIVA. 1. A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas 346 e 473 do STF). Entretanto, este poder-dever deve ser limitado no tempo sempre que se encontrar situação que, frente a peculiares circunstâncias, exija a proteção jurídica de beneficiários de boa-fé, em decorrência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. Precedentes do STF. 2. Há violação ao devido processo legal, a justificar o restabelecimento do valor do benefício, se o INSS, no procedimento administrativo de revisão, não obedeceu ao disposto no art. 69 da Lei n. 8.212/91, reduzindo o valor da pensão por morte da parte autora sem que houvesse qualquer notificação ou comunicação prévia àquela para a apresentação de defesa. 3. As astreintes têm função essencialmente coercitiva (e não sancionatória pelo descumprimento da decisão judicial), razão pela qual, não gozam de autonomia, mas guardam íntima ligação com o bem da vida cuja prestação, considerada devida em cognição sumária ou exauriente, visam a garantir. 3. Havendo atraso no cumprimento da obrigação, deve ser mantida a condenação do INSS ao pagamento das astreintes previamente impostas pelo julgador a quo.
(AMS 200571000105043, CELSO KIPPER, TRF4 - QUINTA TURMA, D.E. 30/04/2007.)
'A suspeita de fraude, na concessão de beneficio previdenciário, não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em procedimento administrativo' - Súmula nº 160 do extinto do TFR.
Assim, é ilegal o ato que reduz o benefício e determina o desconto consignado sobre o valor da aposentadoria quando o mesmo ocorre antes da efetiva notificação do segurado concedendo-lhe oportunidade para apresentar defesa.
Veja-se que a própria autarquia reconhece que a revisão do benefício ocorreu antes da notificação (11 - INF_MAND_SEG1, fl. 12):
'As alegações da parte autora concentram-se no fato de que o direito de resposta foi concedido após a suspensão/revisão do benefício.
De fato, a revisão do benefício ocorreu antes, sendo que, foi enviada carta AR posteriormente à parte autora, dando-lhe prazo para defesa.
Excelência, no presente caso, em razão da gravidade dos fatos apurados pela auditoria, amplamente demonstrado nos documentos que acompanham esta manifestação, o INSS entendeu por bem estancar desde logo o pagamento indevido de benefícios, tendo em vista o efeito deletério que isso causaria ao sistema previdenciário.'
Ora, ainda que a irregularidade apontada na concessão do benefício justifique a redução de seu pagamento, é certo que o ato que a determina reveste-se de ilegalidade quando desrespeita o devido processo legal.
Por outro lado, não há impedimento a posterior revisão do benefício em tela, se for efetivamente comprovada fraude e desde que sejam observados o devido processo legal e a ampla defesa.
Diante dessas considerações, impõe-se a concessão da segurança. (...)"
A legalidade é um dos princípios basilares do direito administrativo. A administração pública não pode deixar de observar as normas instituídas pela atividade legislativa e sua atuação só será legítima quando estiver condizente com o disposto em lei. O INSS, como se viu, deixou de observar o direito ao contraditório e à ampla defesa ao não proceder à intimação da segurada para apresentar sua defesa antes de revisar a aposentadoria de que era beneficiária e gerar um valor a ser ressarcido aos cofres previdenciários. Presumiu que que houve fraude, que a autora para ela concorreu decisivamente, afastando, inclusive, qualquer perspectiva de que tenha atuado de boa-fé.
Nota-se, portanto, que não houve respeito às normas que regem o processo administrativo, de modo que deve ser suspensa a eficácia da decisão que recalculou o valor do benefício, nada obstando, como bem consignou a magistrada singular, que o benefício seja novamente revisto, desde que observados o devido processo legal e a ampla defesa e respeitados os prazos de lei.
Cabe dizer, por fim, que a concessão da segurança não viola os princípios da moralidade administrativa e da supremacia do interesse público, pois o poder-dever de autotutela conferido à Administração Pública deve ser exercido de acordo como princípio do devido processo legal, garantindo ao administrado ou beneficiário, a possibilidade de se defender para preservar seu direito, nos termos do artigo 5º, incisos LIV e LV, da CF/88.
Tendo restado comprovada a ilegalidade no procedimento que culminou na redução do benefício, sem adentrar no mérito da decisão, não merece reforma a r. sentença.
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações e à remessa oficial.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/10/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001412-73.2013.4.04.7113/RS
ORIGEM: RS 50014127320134047113
RELATOR | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | MPF eDR. CÉSAR LAMM |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
: | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL | |
APELADO | : | LOURDES CRACCO |
ADVOGADO | : | César Lamm |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 20/10/2015, na seqüência 633, disponibilizada no DE de 02/10/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Sustentação Oral - Processo Pautado
Voto em 16/10/2015 18:27:52 (Gab. Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ)
ACOMPANHO. DISPENSAR SUSTENTAÇAO.
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7920119v1 e, se solicitado, do código CRC E34909B3. | |
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