Remessa Necessária Cível Nº 5014028-70.2023.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PARTE AUTORA: NEUSA MARIA DOS SANTOS (IMPETRANTE)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Em mandado de segurança impetrado contra ato do Gerente Executivo - Instituto Nacional do Seguro Social - INSS - Porto Alegre/RS, foi proferida sentença concedendo a ordem, nos seguintes termos (
):Ante o exposto, resolvo o mérito do processo, julgando procedente o pedido (CPC, art. 487, I), para confirmar a liminar e conceder a segurança, a fim de determinar à autoridade impetrada o restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada à Pessoa com Deficiência (BPC/LOAS), NB 618.943.755-2, desde a intimação da decisão que concedeu a liminar, e o pagamento das parcelas vencidas entre a impetração do presente mandado de segurança (14/03/2023) e a data de início do pagamento (DIP), em 01/08/2023.
Com base no Tema 810 do STF, no Tema 905 do STJ, na jurisprudência do E. TRF4 e no artigo 3º da EC 113, publicada em 09/12/2021, tem-se os seguintes critérios para atualização monetária e juros de mora das rendas de benefícios assistenciais concedidos judicialmente:
a) correção monetária: a partir do vencimento de cada prestação, (i) pelo IPCA-E desde 07/2009 (Lei nº 11.960/2009); (ii) para as parcelas mais antigas, pelos mesmos índices utilizados para o reajustamento dos benefícios do RGPS e (iii) a partir de 01/01/2022, "para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente" (EC 113/2021);
b) juros de mora: desde a citação, em regra, (i) pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança a partir de 01/07/2009 até 12/2021, posteriormente, já estão contemplados na Selic; (ii) para o período anterior é devida, se for o caso, a taxa de 1% ao mês; (iii) ou desde o vencimento da prestação mais antiga, se posterior à citação; ou (iv) desde o descumprimento do prazo de 45 dias para a implantação do benefício, se deferida a reafirmação da DER (Tema 995 do STJ; ED do INSS no REsp 1727063/SP, julg. em 19/05/2020).
Não são devidos honorários advocatícios no mandado de segurança (Lei n° 12.016/2009, art. 25; Súmulas 512 do STF e 105 do STJ).
Sem custas, porque deferida a AJG e o INSS é isento (Lei n° 9.289/1996, art. 4°, I).
Publique-se e intimem-se.
Não foram interpostos recursos voluntários.
Os autos vieram ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região em razão da remessa oficial.
O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer, opinando pelo não conhecimento da remessa oficial (
).VOTO
Remessa necessária
Considerando que houve concessão da segurança em favor do impetrante, deverá a sentença ser submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do artigo 14º da Lei n. 12.016, que assim dispõe:
Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
§ 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.
Nesse contexto, impõe-se o reexame do julgado.
Mérito da causa
A parte impetrante ajuizou o writ com o propósito de obter ordem que determine, à autoridade impetrada, a imediata análise de pedido administrativo para restabelecimento de benefício de prestação continuada, bem como seu restabelecimento.
A sentença concedeu a ordem, cujos fundamentos acolho como razões de decidir:
Deve ser confirmada a medida liminar, pelos seus próprios fundamentos.
Com efeito, restou ultrapassado o prazo fixado na legislação para a decisão do processo administrativo, mesmo o de natureza previdenciária, que é de 30 dias após a conclusão da instrução, admitida uma prorrogação por igual prazo, nos termos do artigo 49 da Lei n° 9.784/1999:
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.
No presente caso, nada indica que a demora na análise do pedido seja imputável à parte impetrante.
Reconhece-se que as tarefas da Administração Pública na decisão dos pedidos dos particulares assemelham-se às tarefas do Poder Judiciário no julgamento dos processos que lhe são submetidos. E que o volume das demandas, aliado ao permanente conflito entre o interesse das partes pela rápida solução dos litígios e as condições materiais do Estado para se desincumbir dessa missão, são comuns tanto ao processo judicial quanto ao administrativo.
Entretanto, ambas essas esferas têm o dever de resolver as suas respectivas demandas em tempo razoável, que é um direito fundamental, previsto no inciso LXXVIII do artigo 5° da Constituição da República.
Uma vez que esse tempo já foi excedido, conforme acima explicado, restou evidenciada a ilegalidade, o que também tem sido afirmado na jurisprudência do E. TRF da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRAZO DECISÃO. DESCUMPRIMENTO. CF. LEI 9.784/99. LEI 8.213/91. 1. A Administração Pública tem o dever de obediência aos princípios da legalidade e da eficiência, previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal, devendo ainda observar o postulado do due process of law estabelecido no inciso LV do artigo 5º da Carta Política. Por outro lado, desde o advento da EC 45/04 são assegurados a todos pelo inciso LXXVIII do artigo 5º a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 2. A prática de atos processuais administrativos e respectiva decisão em matéria previdenciária encontram limites nas disposições dos artigos 1º, 2º, 24, 48 e 49 Lei 9.784/99, e 41, § 6º, da Lei 8.213/91. 3. Deixando a Administração de se manifestar sobre pretensão, mesmo decorridos vários meses de sua apresentação, resta caracterizada ilegalidade, ainda que a inércia não decorra de voluntária omissão dos agentes públicos competentes, mas de problemas estruturais ou mesmo conjunturais da máquina estatal. (TRF4 5039744-51.2013.404.7100, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 10/06/2014)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. FATO CONSUMADO. PEDIDO DE DETERMINAÇÃO À AUTORIDADE PARA QUE CONCLUA O EXAME DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. DEVER DE EFICIÊNCIA. DIREITO À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. 1. Não incide na espécie o fato consumado pois sequer houve pedido de liminar. 2. A excessiva demora na análise de requerimentos administrativos ofende os princípios da eficiência bem como o direito fundamental à razoável duração do processo e à celeridade de sua tramitação (CF/88, art. 5º, inciso LXXVIII; art. (art. 37, caput). 3. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada (Lei nº 9.784/1999, art. art. 49), o que não ocorreu no caso. (TRF4 5005575-05.2013.404.7208, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 09/05/2014)
Por fim, cumpre analisar o RE 1171152/SC, cuja repercussão geral havia sido admitida sob o Tema 1066.
Em 05/02/2021, o Pleno do STF concluiu o julgamento virtual, homologando o acordo judicial entre, de um lado, o MPF e a DPU e de outro, a União e o INSS, consoante a transcrição que ocupou 16 laudas do voto do relator, o e. Min. Alexandre de Moraes, do qual se destacam os seguintes pontos:
a) o estabelecimento de prazos para a decisão do processo administrativo, contados desde o encerramento da instrução, conforme a espécie de benefício requerido (cláusula primeira);
b) o encerramento da instrução consiste na realização da perícia médica e avaliação social, quando necessárias, ou na DER para os demais casos, exceto se notificado o interessado a complementar a prova, quando, então, o prazo recomeçará após a exigência (cláusulas segunda e quinta);
c) a realização de perícia médica e avaliação social em até 45 dias do agendamento (cláusulas terceira e quarta);
d) a carência de seis meses para a aplicação desses prazos, após a homologação do acordo, ou seja, findando em 05/08/2021; sendo que, para a perícia médica e a avaliação social, somente quando, posteriormente ao fim da pandemia do novo coronavírus (covid-19), for atingido o indicador de tempo médio de espera do atendimento agendado no patamar de 10/2019, segundo cronograma a ser estabelecido (cláusula sexta);
e) prazos para o cumprimento de decisões judicias variadas, como de implantação de benefício e juntada de documentos (cláusula sétima);
f) se descumpridos os prazos, a incidência de juros de mora iguais aos da caderneta de poupança e atualização monetária pelo INPC sobre os pagamentos em atraso (cláusula décima);
g) os prazos não se aplicam à fase recursal administrativa.
Além desses aspectos do funcionamento dos serviços da autarquia, a cláusula décima segunda do acordo disciplina os seus efeitos em outras ações coletivas, mais precisamente atribuindo efeito vinculante para ações civis públicas e mandados de segurança coletivos pendentes e, desde a data da homologação, também para aqueles já transitados em julgado.
Não houve, portanto, nenhum regramento no acordo sobre as ações individuais. Tampouco o STF estabeleceu uma tese, pois o recurso extraordinário foi excluído da sistemática da repercussão geral (item 4 da ementa).
Disso decorre a inexistência de efeito vinculante e erga omnes no acordo relativamente às ações individuais (CPC, arts. 927 e 928), pelo que a solução dessas demandas está livre de qualquer reflexo da citada transação.
Note-se que a autarquia comprometeu-se a adotar determinado comportamento para pôr fim às ações coletivas, mas tal modo de realizar os seus serviços não vincula as decisões nas lides individuais, porque essas decorrem da interpretação da Constituição de 1988 e das leis, não tendo o acordo, por óbvio, a consequência de alterar a legislação.
Em outras palavras, o acordo no RE 1171152/SC tem seu âmbito restrito às ações coletivas e a vinculação para ações individuais somente ocorreria com o estabelecimento de tese de repercussão geral, pelo que não configurada a força do precedente.
No caso concreto, ressalto que o benefício requerido foi cessado unicamente devido à ausência de atualização do CadÚnico.
Verifico a existência de direito líquido e certo no ponto em questão.
Com efeito, o CadÚnico é um importante instrumento para a concessão e manutenção dos benefícios assistenciais e outras políticas públicas voltadas à população carente. Por outro lado, também é preciso reconhecer as dificuldades enfrentadas por esse público para se desincumbir de deveres formais, notadamente pelo seu baixo nível de escolaridade, em geral.
Nesse contexto, a falta de atualização do CadÚnico não impede o reconhecimento do direito ao benefício assistencial se demonstrado o cumprimento dos requisitos por outros meios de prova.
No presente caso, a cessação decorreu exclusivamente da irregularidade formal, a qual já foi sanada (
, p. 7). Assim, ausentes indícios de alteração na situação de fato legitimadora da concessão do benefício.Por outro lado, ressalto que o pagamento dos valores atrasados desde a DCB é incabível no mandado de segurança, pois representam valores retroativos à impetração, o que é vedado pelas Súmulas 269 e 271 do STF.
Conforme histórico de créditos (
), a autarquia já cumpriu a liminar deferida, restabelecendo o benefício à parte impetrante.Com efeito, deve ser mantida a concessão da segurança, pois o Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem decidindo em idêntico sentido:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO. REGULARIZAÇÃO DO CADÚNICO. RESTABELECIMENTO. DESPROVIMENTO DA REMESSA. Cabível o restabelecimento do benefício na hipótese em que, após sua suspensão, houve a regularização do CADÚNICO e não foram constatadas quaisquer outras circunstâncias que inviabilizem a sua manutenção. (TRF4 5000454-77.2023.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 26/07/2023)
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à remessa oficial.
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Remessa Necessária Cível Nº 5014028-70.2023.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PARTE AUTORA: NEUSA MARIA DOS SANTOS (IMPETRANTE)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REGULARIZAÇÃO DO CADÚNICO. RESTABELECIMENTO.
1. Nos termos do artigo 14 da Lei nº 12.016, concedida a segurança, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição.
2. É legítimo o restabelecimento de benefício assistencial na hipótese em que a decisão administrativa pelo cancelamento desconsiderou a regularização do CADÚNICO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004382021v3 e do código CRC bf8df4f5.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 22/6/2024, às 21:29:39
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/04/2024 A 23/04/2024
Remessa Necessária Cível Nº 5014028-70.2023.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
PARTE AUTORA: NEUSA MARIA DOS SANTOS (IMPETRANTE)
ADVOGADO(A): Rene José Keller (OAB RS081295)
ADVOGADO(A): Matheus Santos Kafruni (OAB RS081397)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/04/2024, às 00:00, a 23/04/2024, às 16:00, na sequência 476, disponibilizada no DE de 05/04/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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