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MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA MÉDICA. PERÍCIA. REALIZAÇÃO DO ATO NA PRESENÇA DE SEU ADVOGADO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO. P...

Data da publicação: 07/07/2020, 04:33:18

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA MÉDICA. PERÍCIA. REALIZAÇÃO DO ATO NA PRESENÇA DE SEU ADVOGADO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO. POSSIBILIDADE DE ACOMPANHAMENTO POR OUTRA PESSOA DE SUA CONFIANÇA. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. Sujeita-se ao duplo grau de jurisdição necessário a sentença proferida que concede a segurança requerida, ainda que parcial, nos termos do art. 14, §1º da Lei 12.016/09. 2. O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei n. 12.016/2009. 3. O ato da Administração Pública discutido neste mandado de segurança, em que pese correto ao inibir a presença de "advogado" no exame médico-pericial, não evolui para outra medida administrativa que pudesse permitir ao impetrante constituir "acompanhante não-advogado" para o exame de saúde, mesmo que em outra data. 4. Estando estigmatizado e fragilizado pela doença, que impede também relacionamento com outras pessoas de uma forma normal, conclui-se que o acompanhamento de uma pessoa comum (parente ou amigo) traria maior conforto e segurança ao impetrante quando das inspeções de saúde na UFPR, permitindo inclusive uma avaliação médica de mais qualidade. (TRF4 5014307-41.2018.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 03/09/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Remessa Necessária Cível Nº 5014307-41.2018.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PARTE AUTORA: ANTONIO CARLOS CARNEIRO (IMPETRANTE)

ADVOGADO: WELLYNGTON NERIS DE SOUZA (OAB PR079549)

PARTE RÉ: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR (INTERESSADO)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa oficial interposta em face da sentença que concedeu a segurança requerida por ANTONIO CARLOS CARNEIRO para o fim de confirmar a medida liminar deferida, pela qual foi assegurada ao impetrante a manutenção de seu afastamento laboral na condição de servidor licenciado para tratamento da própria saúde, tendo sido também determinado à autoridade coatora que promovesse o agendamento de nova perícia médica a fim de apurar a incapacidade do requerente e, por fim, garantido o direito de realizar o ato na presença de acompanhante que não fosse seu advogado.

Sem recurso pelas partes, foram os autos remetidos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal com assento nesta Corte opinou pela manutenção da sentença.

É o relatório.

VOTO

Remessa Oficial

Sujeita-se ao duplo grau de jurisdição necessário a sentença proferida que concede a segurança requerida, ainda que parcial, nos termos do art. 14, §1º da Lei 12.016/09.

Não se aplica, pois, a disposição geral contida no Código de Processo Civil eis que a Lei 12.016/09 prevalece diante de sua especialidade. Neste sentido, ainda quando vigente a Lei 1.533/51, assim se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 475, PARÁGRAFO 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM FACE DA ESPECIALIDADE DA REGRA DO ARTIGO 12 DA LEI Nº 1.533/51.
1. A regra especial do artigo 12, parágrafo único, da Lei 1.533/51, que submete ao reexame necessário as decisões concessivas de mandado de segurança, afasta a incidência do disposto no artigo 475, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei nº 10.352/01.
2
. Precedente da Corte Especial.
3. Embargos de divergência acolhidos.
(EREsp 654.837/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/10/2008, DJe 13/11/2008)

Por tal razão, conheço da remessa oficial.

Mérito

O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei n. 12.016/2009.

O direito líquido e certo, por seu turno, é aquele que pode ser comprovado de plano, desafiando prova pré-constituída, já que o mandado de segurança não comporta dilação probatória.

No caso dos autos, o impetrante, servidor público, comprovou ser portador de enfermidades que, com o passar do tempo, submeteram-no a quadro de incapacidade laboral, concorrendo para isso o fato de ter sido, após longo lapso afastado por licença para tratamento de sua saúde, retornado ao trabalho sem que a tanto tivesse o perito médico indicado restrições, fato que se agravaria haja vista ser portador de enfermidade infectocontagiosa e estar lotado no Centro de Materiais Esterilzados do Centro Cirúrgico do Hospital de Clínicas da UFPR.

Assim, relatou que, após seu retorno em tais condições, e diante do agravamento de seu estado de saúde, foram registradas intercorrências na avaliação do regular exercício de suas atividades, motivo pelo qual foi designada nova perícia médica a fim de avaliar sua capacidade laboral. O ato, todavia, restou frustrado uma vez que, acompanhado por advogado, foi negado pelo perito médico o acompanhamento pretendido, o que levou o servidor a abandonar o ato, sujeitando-o ao risco de ser penalizado pela cassação da licença médica que havia sido deferida.

O juízo de origem, ao analisar a prova dos autos, considerou ter restado demonstrado pela documentação médica acostada à inicial a evolução dos problemas clínicos vivenciados pelo impetrante, fato que teria contribuído à atitude verificada quando da realização do ato pericial, assegurando-lhe, em virtude disso, o direito à manutenção da licença até a designação de nova data para o ato. Por outro lado, não vislumbrou ilegalidade na conduta do médico ao se negar a realizar o ato na presença do advogado do impetrante, considerando, por outro lado, que, diante dos problemas psicológicos comprovadamente suportados pelo servidor, poderia ele ser acompanhado de outra pessoa de sua confiança para a finalidade específica de garantir-lhe conforto psíquico quando da realização do ato. A tanto, foram adotados os seguintes fundamentos:

II. FUNDAMENTAÇÃO

No caso sub examine, entendo que há direito líquido e certo a ser amparado por meio do presente mandado de segurança, conforme razões expostas quando da análise do pedido liminar.

O impetrante, servidor da UFPR, após período de afastamento do trabalho para tratamento de saúde, submeteu-se a avaliação de capacidade laborativa solicitada pela Unidade de Materiais Esterilizados do Hospital das Clínicas, em procedimento aberto em 20/02/2018 (ev. 1, PROCADM3).

Na avaliação médico-pericial ocorrida em 28/02/18, o impetrante foi considerado incapaz para o trabalho, sendo-lhe concedida licença para tratamento de saúde pelo período de 28/02/2018 a 20/03/2018 (ev. 1, DECL12).

Consoante exposto na petição inicial e nas informações do evento 10, seguiu-se agendamento de nova perícia para 21/03/2018, posteriormente transferida para 28/03/2018 e reagendada para o dia agendado 05/04/2018, e nesse dia o servidor compareceu à perícia acompanhado de advogado, para que participasse dos trabalhos periciais.

O impetrante informa inicial que o advogado participaria do ato na condição de ouvinte, e que sua presença era imprescindível diante dos graves problemas psicológicos que possui, os quais lhe remetem a déficit cognitivo acentuado e incapacidade da correta apreciação da realidade, não permitindo que responda a questionamentos simples (petição inicial, fl. 4).

Por seu turno, o relato dos médicos da Junta Oficial em Saúde descreve que o servidor foi chamado para a avaliação médico pericial e declarou seu intento de se fazer acompanhar por advogado, recebendo, contudo, negativa de um dos peritos sob o argumento de que, nos termos do Manual de Perícia Oficial e do Parecer CFM 09/06, é prerrogativa legal do médico perito a autorização ou não da presença de pessoas estranhas ao atendimento a ser efetuado. Na sequência, in verbis, registrou-se que: "referido servidor recusou-se a realizar o ato médico com o corpo médico designado à sua Avaliação Médica Pericial, ademais, o referido servidor sem a devida Avaliação manter-se-á sem concessão de licença em saúde (prerrogativa legal exclusiva do médico/odontólogo perito)" (ev. 1, DECL13).

O ato concebido por ilegal pelo impetrante, objeto desta mandado de segurança, é o indeferimento da presença de seu procurador na perícia médica. Isso impediu a concessão de licença-saúde e, por consequência, causou situação de irregularidade funcional perante a UFPR desde o dia 05/04/2018, permitindo inclusive o lançamento de faltas ao serviço e supressão de remuneração.

Nos termos do Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão a Perícia Oficial em Saúde "É o ato administrativo que consiste na avaliação técnica de questões relacionadas à saúde e à capacidade laboral, realizada na presença do periciado por médico ou cirurgião-dentista formalmente designado", e que "produz informações para fundamentar as decisões da administração no tocante ao disposto na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e suas alterações posteriores". Nesse mesmo manual, o Perito Oficial em Saúde está definido como o "médico ou o cirurgião-dentista que realiza ato pericial com o objetivo de subsidiar a APF na fundamentação de decisão a que está obrigada", sendo o "responsável pelo estabelecimento da correlação entre o estado mórbido e a capacidade laborativa do servidor, assim como do nexo entre o estado mórbido e o trabalho, bem como pela avaliação de pensionistas e dependentes nos dispositivos previstos na legislação" (3ª Edição, Ano 2017, https://www2.siapenet.gov.br/saude/portal/public/index.xhtml;jsessionid=D779B3EDADF2C0939D7DD4F8C30A7F98.saude2).

Portanto, a perícia-médica no contexto deste mandado de segurança é um "ato médico" por excelência, definição que se encontra também na Lei nº 12.842/2013:

Art. 4o São atividades privativas do médico:

(...)

XII - realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;

Sendo assim, não se verificam excessos nas condições estabelecidas pelo referido Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal e no parecer CFM nº 9/06 (ev. 10, INF_MAND_SEG4-5), no sentido de ser do perito a decisão acerca da permanência de acompanhante durante a perícia, In verbis, respectivamente:

"Fica a critério do perito a presença de acompanhante durante a perícia, desde que este não interfira nem seja motivo de constrangimento, pressão ou ameaça ao perito ou ao periciado".

------------------

"O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado...".

Nesse mesmo sentido igualmente orienta-se a jurisprudência:

ADMINISTRATIVO. UNIVERSIDADE FEDERAL. SINDICATO. NÃO HÁ OBRIGAÇÃO DE INDICAR MÉDICO ASSISTENTE PARA PARTICIPAR DE PERÍCIA MÉDICA. LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADOTADO PELOS PERITOS DA UFPR. - Fica a critério do perito a presença de acompanhante durante a perícia descabendo a figura do Assistente Técnico nas perícias realizadas pelos Médicos Peritos da UFPR, uma vez que não se tratam de perícias judiciais ou procedimento nos quais haja estabelecimento do contraditório. Dessa forma, ausente qualquer ilegalidade na forma como as perícias são realizadas na UFPR. - Na eventual constatação de uma ilegalidade ocorrida na realização de perícia, o servidor poderá intentar com medidas na via administrativa e na via judicial a fim de salvaguardar os seus direitos. (TRF4, AC 5038806-60.2016.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 21/02/2018. Destaquei.)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA / APOSENTAODRIA POR INVALIDEZ. PERÍCIA. ESPECIALISTA. DESNECESSIDADE NO CASO. ADVOGADO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO A PERMANECER NA SALA DE PERÍCIA DURANTE A CONSECUÇÃO DO EXAME. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. 1. A concessão do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez pressupõe a existência de incapacidade para o exercício do labor habitual (sendo que para o último benefício tal incapacidade deve ser total e definitiva). 2. A jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização dos juizados especiais federais estabelece como critério, para saber se é o caso de nomeação de perito especialista, a existência de "casos especialíssimos e de maior complexidade" e "doença rara". Isso se dá por dois motivos principais. O primeiro, é que qualquer médico, por força do Ato Médico, conhece o mínimo necessário para atuar em qualquer área, sem a necessidade de especialização. O segundo, por razões de ordem prática. Não é fácil obter médicos especialistas, para todas as seções judiciárias do Brasil (PEDILEF 50126021720144047204, JUIZ FEDERAL LUIS EDUARDO BIANCHI CERQUEIRA, TNU, DOU 05/04/2017 PÁG. 153/224.). No caso, a perita, médica clínica geral, não demonstrou qualquer dificuldade em examinar a autora e de responder aos quesitos que lhe foram submetidos. Outrossim, a neoplasia da mama, doença que aflige a parte autora, segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, é o câncer mais comum entre as mulheres, portanto não é uma doença rara a justificar a indispensabilidade de a perícia ser realizada por um especialista. 3. Ademais, o laudo pericial baseia-se nos exames clínicos e demais atestados e relatórios existentes nos autos, contendo farta fundamentação e, na ocasião do exame, a perita salientou que a parte autora, a despeito de ser portadora de neoplasia de mama, não se encontrava incapaz para o trabalho. Por sinal, a parte autora possui comércio próprio e a decisão interlocutória de fl. 48, ao indeferir a antecipação da tutela, salientou que "é de conhecimento público que a requerente atua acompanhada de seu esposo na gerência e direção da sua empresa comercial Matecol Materiais para Construção, que se encontra em plena atividade mercantil nesta cidade". 4. Acresça-se que a parte autora não impugnou a nomeação da perita, a despeito de intimada para tanto (fls. 60/61). Além disso, sequer se manifestou sobre o laudo após a sua juntada aos autos, a despeito de intimada para tal finalidade (fl. 92) e somente suscitou a nulidade da prova nesta instância, diante do julgamento desfavorável em primeiro grau. 5. O patrono da parte autora também informa que não lhe foi permitido acessar a sala de realização da perícia, motivo outro que, no seu pensar, ainda mais contribuiria para demonstrar a nulidade da prova. Porém, é necessário que se esclareça que a perícia realizada neste processo é um ato médico na acepção legal do termo (Lei n. 12.842/2013, art. 4º, XII), tendo o profissional que a realiza o direito-dever de atuar com absoluta isenção (Art. 98 do Código de Ética Médica). Desse modo, é prudente que, durante a realização do exame, seja assegurado ao médico a absoluta tranquilidade para o desempenho do seu mister, protegendo-o de eventuais pressões ou injunções de terceiros na realização da prova. Evidente que esse proceder não prejudica o contraditório, pois os advogados farão as críticas ao laudo em momento subsequente, quando, inclusive, poderão apresentar os pareceres dos assistentes e formular quesitos necessários para eventuais esclarecimentos (art. 477, §3º, do CPC). Portanto, a ausência do advogado à sala da perícia médica, durante a realização do exame, não constitui infração ao contraditório ou ampla defesa, mas, sim, uma devida harmonização das prerrogativas médicas com a dos demais sujeitos que atuam no processo. Por sinal, o novo CPC somente autoriza aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que o perito realizar (art. 466, §2º), de modo que inexiste tal direito subjetivo processual em relação aos advogados. 6. Enfim, a conclusão da prova pericial, motivada e equidistante, em regra deve prevalecer sobre o entendimento das partes e dos assistentes. 7. Apelação desprovida. Sentença mantida. Honorários majorados para 12% sobre o valor da causa, nos termos do §11 do art. 85 do CPC/2015, em plena vigência ao tempo do julgamento em primeiro grau.
(APELAÇÃO, JUIZ FEDERAL CRISTIANO MIRANDA DE SANTANA, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, e-DJF1 DATA:23/02/2018 PAGINA:. Destaquei.)

Com isso, a análise primeira do caso indica a legalidade do ato administrativo.

Porém, tomando por fundamento os documentos que instruem a inicial e as informações, verifica-se que o impetrante é portador de enfermidades graves, de tal sorte que a conduta que adotou perante a Junta Médica de Saúde decorreu de reflexos dessas enfermidades. Melhor dizendo, quando foi chamado para a avaliação pericial, ao tomar ciência de que não poderia contar com a presença de seu advogado, o impetrante saiu do local de modo peremptório, sem se importar com a não concessão da licença-saúde, sendo esse comportamento condizente com seu estado de saúde.

Repise-se que o impetrante julgou imprescindível a participação de advogado na inspeção de saúde diante dos graves problemas psicológicos que possui, tendo desenvolvido déficit cognitivo acentuado e incapacidade da correta apreciação da realidade (petição inicial, fl. 4).

O "atestado médico" emitido em 26/03/2018 pela própria UFPR (Centro de Atenção à Saúde), anexado ao evento 1, ATESTMED5, traça detalhadamente o quado de saúde do impetrante, resumido a seguir: a) é portador de transtorno afetivo bipolar, F31 CID X, caracterizado por níveis de humor e atividade "profundamente perturbados"; b) o quadro é crônico, com evolução irreversível, levando-o a transtornos emocionalmente instáveis de personalidade, com tendência a agir de modo imprevisível e impulsivo, sem consideração pelas consequências, com incapacidade de controlar o comportamento impulsivo; c) é portador de HIV; d) possui déficit cognitivo acentuado e evolução demencial; e) não tem capacidade de correta apreciação da realidade e não consegue distinguir o lícito do ilícito e o conveniente do prejudicial. Destaca-se no documento a constatação de que o histórico de avaliações psiquiátricas do impetrante demonstram incapacidade para as atividades laborativas.

Não é apropriado desprezar os elementos de prova que instruem esta ação, notadamente o laudo médico suprarreferido. Trata-se de atestado firmado por profissional que detém conhecimentos técnicos para colaborar com o Juízo e as partes no esclarecimento das questões que envolvem o caso. Além disso, o magistrado pode valorar a prova por livre convencimento, e formar a sua convicção com todos os elementos ou fatos provados nos autos. A condição inafastável de liberdade de interpretação das provas conferida ao magistrado está amparada nos artigos 371 e 479 do NCPC:

Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

O atestado do evento 1, ATESTMED5, mostra-se claro e completo na descrição da enfermidade que acomete o impetrante. Por ele, é nítido que o transtorno atinge a esfera relacional e afetiva do enfermo, bem como que, devido às dificuldades inerentes ao transtorno - caracterizado por déficit cognitivo acentuado, evolução demencial, incapacidade de correta apreciação da realidade -, não conseguirá inserir-se em certos contextos da vida social sem o amparo de outra pessoa.

Induvidosamente, a presença de "advogado" ao ato de inspeção administrativa de saúde traz constrangimento aos Peritos Médicos, de modo a estarem autorizados por lei e normas regulamentares a indeferirem esse acompanhamento. Isso porque, no contexto, o profissional da advocacia passa naturalmente a idéia de luta, conflito e disputa, temendo-se que, no transcurso da perícia, desempenhe o papel típico de defensor do cliente e não o de mero ouvinte.

Por outro lado, nos exatos termos do atestado médico de 26/03/2018, não parece haver condições de reversão da situação de saúde do impetrante, mesmo por meio de tratamento psiquiátrico e psicológico, fortemente caracterizada pela falta de iniciativa e confiança para se conduzir com independência. O transtorno afetivo que lhe aflige torna insuportável a convivência com terceiros no âmbito laboral e social, assim mencionado no laudo médico: "... impedimentos estes que impossibilitam a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (ev. 1, ATESTMED5).

Estando estigmatizado e fragilizado pela doença, que impede também relacionamento com outras pessoas de uma forma normal, conclui-se que o acompanhamento de uma pessoa comum (parente ou amigo) traria maior conforto e segurança ao impetrante quando das inspeções de saúde na UFPR, permitindo inclusive uma avaliação médica de mais qualidade.

O ato da Administração Pública discutido neste mandado de segurança, em que pese correto ao inibir a presença de "advogado" no exame médico-pericial, não evolui para outra medida administrativa que pudesse permitir ao impetrante constituir "acompanhante não-advogado" para o exame de saúde, mesmo que em outra data. Desse modo, tratando-se de ato da autoridade que merece revisão judicial, deve ser julgado parcialmente procedente o pedido, nos mesmos termos da liminar outrora concedida no evento 14.

Diante da profunda análise da situação particular do impetrante, para o que a prova documental apresentada junta à inicial se revela apta a conferir veracidade e, por conseguinte, segurança à concessão do direito requerido, a sentença deve ser mantida, adotando-se as razões nela consignadas.

Nega-se, assim, provimento à remessa oficial interposta.

Encargos Processuais

Inobstante a isenção ao pagamento de custas de que goza o impetrado nos termos do art. 4º da Lei 9.289/96, tal isenção não o exime de “reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora” (parágrafo único do art. 4º da Lei 9.289/96).

Sem honorários face ao conteúdo das Súmulas 105 do STJ e 512 do STF, consolidado com sua positivação no ordenamento jurídico pátrio pelo art. 25 da Lei nº 12.016/2009.

Ressalta-se ainda, nesse sentido, ser descabida a fixação de honorários recursais, no âmbito do Mandado de Segurança, com fulcro no §11 do art. 85 do CPC/15, na medida em que tal dispositivo não incide nas hipóteses em que o pagamento da verba, na ação originária, não é devido por ausência de previsão legal, raciocínio já exarado pelo STJ (AgInt no REsp 1507973/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 24/05/2016) e pelo STF (ARE 948578 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 03-08-2016 PUBLIC 04-08-2016).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial.



Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001244923v3 e do código CRC a3da8b1d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
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5014307-41.2018.4.04.7000
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Remessa Necessária Cível Nº 5014307-41.2018.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PARTE AUTORA: ANTONIO CARLOS CARNEIRO (IMPETRANTE)

ADVOGADO: WELLYNGTON NERIS DE SOUZA (OAB PR079549)

PARTE RÉ: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR (INTERESSADO)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA MÉDICA. PERÍCIA. REALIZAÇÃO DO ATO NA PRESENÇA DE SEU ADVOGADO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO. POSSIBILIDADE DE ACOMPANHAMENTO POR OUTRA PESSOA DE SUA CONFIANÇA. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.

1. Sujeita-se ao duplo grau de jurisdição necessário a sentença proferida que concede a segurança requerida, ainda que parcial, nos termos do art. 14, §1º da Lei 12.016/09.

2. O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei n. 12.016/2009.

3. O ato da Administração Pública discutido neste mandado de segurança, em que pese correto ao inibir a presença de "advogado" no exame médico-pericial, não evolui para outra medida administrativa que pudesse permitir ao impetrante constituir "acompanhante não-advogado" para o exame de saúde, mesmo que em outra data.

4. Estando estigmatizado e fragilizado pela doença, que impede também relacionamento com outras pessoas de uma forma normal, conclui-se que o acompanhamento de uma pessoa comum (parente ou amigo) traria maior conforto e segurança ao impetrante quando das inspeções de saúde na UFPR, permitindo inclusive uma avaliação médica de mais qualidade.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de setembro de 2019.



Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001244924v4 e do código CRC 306bea59.Informações adicionais da assinatura:
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5014307-41.2018.4.04.7000
40001244924 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:33:18.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 03/09/2019

Remessa Necessária Cível Nº 5014307-41.2018.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PROCURADOR(A): CLAUDIO DUTRA FONTELLA

PARTE AUTORA: ANTONIO CARLOS CARNEIRO (IMPETRANTE)

ADVOGADO: WELLYNGTON NERIS DE SOUZA (OAB PR079549)

PARTE RÉ: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR (INTERESSADO)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 03/09/2019, na sequência 194, disponibilizada no DE de 02/08/2019.

Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:33:18.

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