Apelação Cível Nº 5005999-71.2018.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: GUILHERME RAUL IZAURO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança em que a impetrante pretende que a Autoridade Impetrada seja compelida a lhe fornecer cópias ou carga dos autos dos processos administrativos referentes aos pedidos de benefícios previdenciários nºs 42/176.817.299-0, sob pena de multa diária.
Sobreveio sentença que julgou o processo extinto sem resolução do mérito, art. 485, inciso VI, do CPC (ev. 8).
Apela o impetrante buscando em síntese, que seja: a) Reconhecida a responsabilidade da Recorrida pela apresentação do documento solicitado; b) Determinada a aplicação do Art. 400, I do Código de Processo Civil, frente o extravio de documento sob a guarda da Recorrida, consequentemente, reconhecido que os documentos indicando a atividade de vigilante com porte de arma de fogo nos 25/07/1994 à 02/06/1998, 17/10/1998 à 01/09/2005, 18/02/2006 à 15/12/2011 e 28/02/2012 até a DIB integravam o procedimento administrativo, bem como a aplicação de multa pelo extravio do documento ; c) Ainda, condenada a Recorrida ao pagamento de multa, nos termos do parágrafo único do Art. 400 do Código de Processo Civil; d) A inversão do ônus sucumbencial, com base no princípio da causalidade.
Apresentadas contrarrazões (evento 17), vieram os autos a esta Corte.
É o relatório. Peço dia.
VOTO
O mandado de segurança é o remédio cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, segundo o art. 1º da Lei nº 12.016/09.
O direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança é aquele que se apresenta manifesto na sua existência, insuscetível de controvérsia.
Evidenciando-se a desnecessidade da construção de nova fundamentação jurídica, destinada à confirmação da bem lançada sentença, transcrevo e adoto como razões de decidir os seus fundamentos, verbis (evento 8):
No caso em análise, contudo, entendo que a medida requerida resta prejudicada. É que o Instituto Nacional do Seguro Social informou, em sua resposta, que o processo administrativo foi extraviado, apresentando, inclusive, as informações que dispõe nos sistemas PRISMA, CNIS e PLENUS, caso o autor pretenda ingressar com futuro pedido de reconstituição dos autos.
Com efeito, em casos como este, a única forma de solucionar a questão é a reconstituição do processo administrativo, e o Instituto Nacional do Seguro Social reconstituiu o que estava ao seu alcance - o registro da informações constantes em seu banco de dados. Todavia, os aspectos envolvendo a reconstituição do processo administrativo não guardam relação com a tutela postulada nestes autos.
Assim, a pretensão do requerente não merece prosperar, afinal de nada valeria o comando judicial determinando a entrega de alguma coisa que não existe.
Nesse sentido, mutatis mutandis:
PROCESSUAL CIVIL. CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. EXTRAVIO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO RECLAMADO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DA ASSERTIVA ADMINISTRATIVA. CONSEQUÊNCIAS DA NÃO-APRESENTAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Conforme precedentes deste Tribunal, tratando-se de medida cautelar de exibição de documento ou coisa, nem sempre a mesma dará ensejo a propositura da ação principal, qualificando-se como medida satisfativa e se exaurindo com a tão-só exibição. Em certas hipóteses (como a perda ou extravio do documento), a busca e apreensão ou a aplicação de multa como decorrência do não-atendimento da respectiva ordem pode restar inviável, configurando-se impossibilidade material. 2. Na espécie, considerou-se a presunção de veracidade da assertiva de não ter sido localizado. As consequências desse fato devem ser demandadas na ação própria, se assim entender o autor.(TRF4, APELREEX 5001506-29.2010.404.7112, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, D.E. 10/05/2012) (grifei)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. IMPROCEDÊNCIA. Presumem-se verazes, "iuris tantum", as informações da Administração Pública. Documentos extraviados estão perdidos, pelo menos temporariamente, e por isso não podem ser exibidos. (TRF4, AC 0003403-66.2008.404.7204, Quinta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 14/06/2010) (grifei)
Considerando, pois, a impossibilidade de exibição de documento inexistente, a extinção do presente é medida que se impõe, ante a ausência de interesse jurídico da parte requerente.
Ademais, a aplicação de multa também se mostra inviável, configurada a impossibilidade material.
Não há dúvida a respeito do direito do impetrante de ter pleno acesso à documentação pretendida, nos termos do art. 5º, XXXIII, da Constituição e do art. 46 da Lei nº 9.784/99, citados na sequência:
Art. 5º. (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem.
Neste caso concreto, todavia, como bem demonstrado no relatório desta sentença, o atendimento ao requerimento do impetrante de obtenção de carga ou cópia dos autos do processo administrativo relacionado ao benefício previdenciário de nº 42/176.817.299-0 restou frustrado pelo fato de o INSS, confessadamente, ter extraviado os aludidos autos. Tal fato obsta de forma absoluta o atendimento ao seu direito. Isso significa que o acolhimento de sua pretensão tornou-se materialmente impossível.
Neste ponto, é importante observar que a natureza do provimento jurisdicional requerido e emanado de um mandado de segurança é essencialmente mandamental, de maneira que a autoridade impetrada, sendo acolhido o pedido do impetrante, é ordenada a praticar ou a se abster da prática de um ato. Sendo assim, na completa inviabilidade material de a referida ordem ser atendida, a segurança que seria concedida perde todo o seu significado.
Na situação em análise, aliás, em que se imputa à autoridade impetrada uma omissão ilegal (não disponibilização dos autos dos processos administrativos ao segurado), não se pode falar, a rigor, em omissão abusiva, ilícita ou arbitrária, já que ela tem uma causa de justificação, que consiste justamente no extravio dos documentos pretendidos. Ainda que venha a se considerar a perda dos autos como um ilícito, a sua não disponibilização, ato subsequente ao desaparecimento, não o é.
Considerando que refoge ao âmbito deste mandado de segurança tratar das consequências do extravio da documentação almejada pelo impetrante, já que o pedido formulado foi simplesmente o de disponibilização dos autos, os pedidos de reconhecimento de desídia com a responsabilidade legal de guarda do documento e aplicação das penalidades do art. 400, I, do CPC somente poderão ser discutidos em ação apropriada, de maneira que não há como acolher o pedido formulado no apelo
Neste sentido, trago os seguintes precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE CÓPIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO FÍSICO. ALEGAÇÃO DE EXTRAVIO, PELO INSS. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA SOLICITAÇÃO COMPROVADA. DISPOSIÇÃO DE FORNECIMENTO DE DADOS CONSTANTES EM SISTEMA ELETRÔNICO.1. Em caso de alegação de extravio/desaparecimento de documento/procedimento sob guarda de órgão público, a solução conferida pela Sexta Turma tem por fundamentos três pressupostos: a) a presunção de veracidade da alegação; b) o princípio ad impossibilia nemo tenetur; e c) a impossibilidade de declaração dos efeitos de tal circunstância quanto ao reconhecimento de fato ou Direito. 2. Considerando se tratar de mandado de segurança, que há prova de adoção de providências (há mais de vinte e cinco anos) contemporâneas à época do desaparecimento dos documentos, e a circunstância de haver os dados que interessam no sistema eletrônico do INSS, que se dispõe fornecê-los, prevalece a equilibrada e justa solução preconizada pelo Ministério Público, determinando-se o fornecimento de tais dados ao impetrante. 3. Caso os dados havidos se mostrem insuficientes para conferência da amplitude dos direitos do segurado, tal aspecto não tem como ser suprido com a presente ação. (TRF4, APELREEX 5006665-43.2011.404.7200, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 07/06/2013)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. ALEGAÇÃO DE EXTRAVIO PELO ENTE ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO DO INTERESSADO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE SE EXIGIR O QUE NÃO EXISTE. ALEGAÇÃO DE PREJUÍZO EM FUTURA AÇÃO PELA AUSÊNCIA DOS DOCUMENTOS EXTRAVIADOS. 1. É caso de se julgar improcedente a ação cautelar de exibição de documento (no caso: processo administrativo em que requerida prorrogação de auxílio-doença a trabalhadora rural) quando o requerido assevera ter ocorrido extravio e o promovente não prova a inverdade da alegação (CPC, art. 357), certo que, por um lado, é presumivelmente verdadeira a informação dada pela Administração Pública (TRF 4ªR., AC nº 0003403-66.2008.404.7204, Rel. Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 14/06/20100) e, por outro, ad impossibilia nemo tenetur (STJ, REsp nº 429.216/RS, Rel. Teori Albino Zavascki, DJ 07/06/2004, p. 159). 2. Afastada a alegação de que a recusa do ente administrativo implicará, automaticamente, em impossibilidade de comprovação da condição de trabalhadora rural pois, em primeiro lugar, a questão não figura como controversa para o demandado; por outro lado, tal questão cabe ser definida somente em processo diverso pelo juízo competente, que definirá como tratar eventual óbice manifestado pelo INSS, à vista da responsabilidade do desaparecimento de documentos ser de responsabilidade do próprio demandado. (AC nº 0014241-54.2010.404.9999, Rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. 17/02/2011).
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. EXTRAVIO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO RECLAMADO. 1. Em ação cautelar de exibição de documento ou coisa, nas hipóteses de perda ou extravio do documento, a busca e apreensão ou a aplicação de multa como decorrência do não-atendimento da respectiva ordem pode restar inviável, configurando a impossibilidade material. 2. Incabível a presunção de veracidade dos fatos na via cautelar, por extravasar seus limites. Nesse contexto, cabe à requerente, mediante ação própria, buscar a comprovação dos fatos decorrentes da não apresentação do documento, restando a cargo daquele Juízo o reconhecimento ou não da presunção de veracidade.-(AC nº 5001327-49.2011.404.7116, Rel. Néfi Cordeiro, D.E. 04/02/2013).
As consequências do extravio da documentação almejada e eventual prejuízo ao demandante é matéria que refoge ao mandado de segurança, por requerer dilação probatória.
Portanto, há de ser mantida na íntegra a sentença que extinguiu o feito sem julgamento de mérito.
Consectários da Sucumbência
Merece acolhida o apelo da parte impetrante quando afirma que "evidenciada a responsabilidade exclusiva da Recorrida pela propositura e extinção da demanda, ante o extravio do documento sob sua guarda, devida a inversão da sucumbência com base no princípio da causalidade."
Honorários Advocatícios
Incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em sede de mandado de segurança, consoante entendimento consolidado pela jurisprudência pátria, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 12.016/09 e nas Súmulas nºs 512 do STF e 105 do STJ.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5005999-71.2018.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: GUILHERME RAUL IZAURO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE CÓPIA de PROCESSO ADMINISTRATIVO. EXTRAVIO PELO INSS. IMPOSSIBILIDADE DE ATENDIMENTO DA OBRIGAÇÃO.
Diante da demonstração de extravio dos processos administrativos é materialmente impossível de ser atendido o pedido no mandado de segurança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 18 de setembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001268295v5 e do código CRC 576fe357.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 18/09/2019
Apelação Cível Nº 5005999-71.2018.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: GUILHERME RAUL IZAURO (AUTOR)
ADVOGADO: DIEGO CESAR DA SILVA (OAB SC029929)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 18/09/2019, na sequência 147, disponibilizada no DE de 30/08/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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