Apelação Cível Nº 5008457-45.2019.4.04.7202/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5008457-45.2019.4.04.7202/SC
RELATOR: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
APELANTE: IVANIRA DILETA BATISTEL (IMPETRANTE)
ADVOGADO: FABIO LUIZ DOS PASSOS (OAB SC016970)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela impetrante em face de sentença que denegou a segurança.
A sentença ressaltou que, "em que pese a argumentação do impetrante no sentido de que o ato tido por coator violou direito líquido e certo, a via eleita não se mostra adequada à satisfação do direito invocado" (evento 18 do processo de origem).
A apelante sustentou a existência de direito líquido e certo ao cômputo de período de atividade rural e à concessão de aposentadoria por idade.
Requereu a reforma da sentença, "para determinar à autoridade coatora que prolate nova decisão, abstendo-se de negar o acesso à aposentadoria postulada sob o argumento de que não é possível reconhecer a condição de segurada especial devido à extensão do imóvel rural ser superior a quatro módulos fiscais em período anterior à entrada em vigor da Lei n. 11.718/2008, sendo assim computado ao tempo de contribuição da impetrante o período de atividade rural na condição de segurada especial (01/01/1997 a 19/06/2008) já devidamente homologado [...] no NB 41/157.018.042-0 e ao final deferida a aposentadoria por idade híbrida pleiteada" (evento 29 do processo de origem).
Foram apresentadas contrarrazões.
O Ministério Público Federal, por não constatar situação que justifique sua intervenção, não se manifestou sobre a sentença.
Vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Caso dos autos
A sentença dispôs:
Trata-se de mandado de segurança ajuizado por Ivanira Dileta Batistel contra ato praticado pelo Gerente da Agência do INSS de Chapecó/SC, por meio do qual pretende, ainda em liminar, que seja reaberto o processo administrativo de aposentadoria por idade n° 191.545.636-0 e que a autarquia profira nova decisão se abstendo de negar o benefício sob o argumento de não ser possível o reconhecimento da condição de segurada especial devido à área da terra ser superior a quatro módulos fiscais. Requer, ainda, que na decisão seja considerado o período rurícola homologado no NB 41.157.018.042-0 (01/01/1997 a 19/06/2008).
Fundamenta sua pretensão no fato de que a extensão da propriedade rural só passou a ser requisito à configuração da condição de segurado especial a partir da vigência da Lei n° 11.718/2008, de modo que o exercício de atividade rural em área superior a 04 módulos fiscais não é impedimento ao reconhecimento da qualidade de segurado especial até 20/06/2008.
[...]
Em que pese a argumentação do Impetrante no sentido de que o ato tido por coator violou direito líquido e certo, a via eleita não se mostra adequada à satisfação do direito invocado.
Conquanto a interpretação literal do disposto no art. 11,V, 'a' e VII, 'a', '1' da Lei 8.213/91 dê suporte à conclusão de que somente a partir da edição da Lei 11.718/2008 o trabalhador rural que explora área superior a 04 módulos fiscais passou a ser considerado contribuinte individual, a interpretação sistemática da legislação previdenciária conduz à conclusão de que a atividade exercida em referidas condições normalmente não ocorria em regime de economia familiar.
[...]
A Lei 11.718/2008 pode e deve ser utilizada como regra de cunho interpretativo, abrangendo períodos anteriores à sua vigência. Em outras palavras, apesar do silêncio do regramento no período anterior à vigência da Lei 11.718/2008, quanto ao que se podia considerar propriedade rural caracterizadora de regime de economia familiar, não há qualquer impedimento que a Autarquia utilize regramento atual para lhe auxiliar a definir (como norma de interpretação).
Desta feita, considerando que a dilação probatória não pode ser feita nesta ação judicial, é o caso de denegar a segurança.
[...]
Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar e DENEGO A SEGURANÇA, resolvendo o mérito do processo, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
[...]
Reconhecimento de atividade rural e concessão do benefício
O requerimento administrativo formulado em 31/08/2013 foi indeferido (NB 41/157.018.042-0).
A comunicação de decisão referiu que, "após análise da documentação apresentada e entrevista realizada, não foi reconhecido o direito ao benefício por não ter sido comprovado o efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua no período correspondente à carência" (evento 12, PROCADM4, fl. 19).
Vale transcrever os seguintes trechos do relatório de indeferimento do benefício (evento 12, PROCADM4, fl. 21):
Há indícios de atividade rural, sendo reconhecido o período de 01/01/1997 a 19/06/2008. Todavia não foi considerado o período de 20/06/2008 a 31/08/2013 em razão da área total de terra trabalhada [ser] superior a quatro módulos fiscais, o que descaracteriza a condição do requerente como segurado especial, conforme artigo 9º V "a", e VII inciso I alínea "a" do Decreto 3.048/99, e artigo 7º da IN 45/2010.
Há documentos que poderiam servir como início de prova e comprovar um período de atividade rural, mas que não serão utilizados em razão do requerente não apresentar o Requerimento de Justificação Administrativa citando o mínimo de três testemunhas, conforme exige o caput do artigo 145 do Decreto 3.048/99 e o artigo 596 parágrafo único da IN 45/2010, o que prejudica a análise do direito.
A respeito do requerimento formulado em 21/02/2019 (NB 41/191.545.636-0), destacam-se os seguintes trechos do relatório de indeferimento (evento 12, PROCADM4, fl. 59):
Trata-se de Aposentadoria Por Idade indeferida por falta de carência.
[...]
Há indícios de atividade rural, todavia não foi considerada a filiação de segurado especial. Analisando os documentos apresentados, verificamos que a área total de terra trabalhada é superior a quatro módulos fiscais,o que descaracteriza a condição do requerente como segurado especial, conforme artigo 9° V "a", e VII alínea "a", item 1 do Decreto 3.048/99, e artigo 40 § 2° da IN 77/2015.
Trata-se de segurado(a) do sexo feminino inscrito(a) na Previdência Social antes da publicação da Lei 8.213/91 e atualmente com 61 anos de idade. O(a) requerente contribuiu como trabalhador rural atingindo um total de 67 contribuições na Data da Entrada do Requerimento (21/02/2019), não cumprindo o mínimo de 180 contribuições exigidas na DER, conforme tabela progressiva do artigo 142 da Lei 8.213/91 relativa ao ano em que completou idade.
Pois bem.
A decisão de indeferimento do pedido formulado em 2013, não obstante tenha referido que "há indícios de atividade rural, sendo reconhecido o período de 01/01/1997 a 19/06/2008", e que "não foi considerado o período de 20/06/2008 a 31/08/2013 em razão da área total de terra trabalhada [ser] superior a quatro módulos fiscais", ressaltou que "há documentos que poderiam servir como início de prova e comprovar um período de atividade rural, mas que não serão utilizados em razão do requerente não apresentar o Requerimento de Justificação Administrativa citando o mínimo de três testemunhas".
Além disso, a comunicação da decisão apontou a existência de "bloco de notas de produtos rural / notas fiscais de venda com data de emissão incompatível com a data da confecção do talão".
Em que pese a aparente contradição, tem-se que as conclusões do INSS foram as seguintes:
- por haver "indícios de atividade rural", seria possível reconhecer o exercício de atividade rural no período de 01/01/1997 a 19/06/2008, se houvesse prova testemunhal complementando a prova documental;
- independentemente da produção de prova testemunhal, não seria possível reconhecer o exercício de atividade rural no período de 20/06/2008 a 31/08/2013, "em razão da área total de terra trabalhada [ser] superior a quatro módulos fiscais".
Desta forma, percebe-se que, em 2013, não houve reconhecimento do exercício de atividade rural no período de 01/01/1997 a 19/06/2008, em razão da inexistência de prova testemunhal que complementasse e esclarecesse a prova documental.
Restando controversa matéria de ordem fática, que demanda a produção de provas, constata-se a inexistência de direito líquido e certo da impetrante à concessão do benefício.
Reabertura do processo administrativo
No requerimento administrativo formulado em 2019, a impetrante, de acordo com a "autodeclaração do segurado especial", pretendeu comprovar o exercício de atividade rural no período de 01/01/1997 a 19/06/2008 (evento 12, PROCADM4, fls. 43-46).
O indeferimento do benefício teve o seguinte fundamento: "a área total de terra trabalhada é superior a quatro módulos fiscais, o que descaracteriza a condição do requerente como segurado especial".
Pois bem.
Nos termos do artigo 11 da Lei nº 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.718/08, a pessoa que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais, é considerada contribuinte individual, e não segurado especial.
Salienta-se, contudo, que essa disposição é aplicável apenas a períodos posteriores à vigência da Lei nº 11.718/08, não havendo previsão legal anterior que estabelecesse tal critério.
Neste sentido, a Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010 dispõe:
Art. 7º É segurado na categoria de segurado especial, conforme o inciso VII do art. 9º do RPS, a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
I - produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
a) agropecuária em área contínua ou não de até quatro módulos fiscais, observado o disposto no § 17 deste artigo;
[...]
§ 17 A limitação de área constante na alínea "a" do inciso I do caput, aplica-se somente para períodos de trabalho a partir de 23 de junho de 2008, data da publicação da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008.
Confira-se, a propósito, o julgado que traz a seguinte ementa:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. IDADE MÍNIMA ATINGIDA PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TRABALHO RURAL COMPROVADO. PROPRIEDADE COM EXTENSÃO SUPERIOR A 4 MÓDULOS FISCAIS. POSSIBILIDADE. [...] 4. A extensão da propriedade rural passou a ser requisito à configuração da condição de segurado especial a partir da vigência da Lei n.º 11.718, de 20/06/2008, que deu nova redação ao inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios da Previdência Social. Somente quanto ao trabalho rural desempenhado sob a vigência da Lei n.º 11.718/2008 (23/06/2008) é que se pode invocar o requisito, e, ainda assim, no cotejo com o restante da prova produzida e sem desconsiderar situações que, como nos autos, há impossibilidade de cultivo e aproveitamento da totalidade da área, seja por fatores naturais, seja em razão de reserva legal. (TRF4, APELREEX 0011405-69.2014.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 05/02/2015)
Sendo assim, o critério relativo à extensão da propriedade rural, estabelecido pela Lei nº 11.718/08, não pode constituir fundamento para o indeferimento administrativo do pedido de reconhecimento de atividade rural no período de 01/01/1997 a 19/06/2008.
Desta forma, é necessária a reabertura do processo administrativo NB 41/191.545.636-0 (DER: 21/02/2019), para instrução e nova análise quanto à comprovação do trabalho rural e preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício.
Em conclusão, impõe-se a reforma da sentença e a concessão parcial da segurança.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA LAZZARI, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001721543v96 e do código CRC d65e02ff.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5008457-45.2019.4.04.7202/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5008457-45.2019.4.04.7202/SC
RELATOR: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
APELANTE: IVANIRA DILETA BATISTEL (IMPETRANTE)
ADVOGADO: FABIO LUIZ DOS PASSOS (OAB SC016970)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURADO ESPECIAL. PROPRIEDADE RURAL. EXTENSÃO SUPERIOR A 4 MÓDULOS FISCAIS. REABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO.
1. Não houve, no processo administrativo, reconhecimento do exercício de atividade rural. Restando controversa matéria de ordem fática, que demanda a produção de provas, constata-se a inexistência de direito líquido e certo da impetrante à concessão de aposentadoria por idade.
2. Nos termos do artigo 11 da Lei nº 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.718/08, a pessoa que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais, é considerada contribuinte individual, e não segurado especial.
3. O critério relativo à extensão da propriedade rural é aplicável apenas a períodos posteriores à vigência da Lei nº 11.718/08, não havendo previsão legal anterior que estabelecesse tal parâmetro.
4. Impõe-se a reabertura do processo administrativo, para instrução e nova análise quanto à comprovação do trabalho rural e preenchimento dos requisitos para a concessão de aposentadoria por idade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 03 de junho de 2020.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA LAZZARI, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001721544v8 e do código CRC 956106fa.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 27/05/2020 A 03/06/2020
Apelação Cível Nº 5008457-45.2019.4.04.7202/SC
RELATOR: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: IVANIRA DILETA BATISTEL (IMPETRANTE)
ADVOGADO: FABIO LUIZ DOS PASSOS (OAB SC016970)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 27/05/2020, às 00:00, a 03/06/2020, às 16:00, na sequência 1061, disponibilizada no DE de 18/05/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
Votante: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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